Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10180/15.5T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: DÍVIDA EM PRESTAÇÕES
EXIGIBILIDADE
INTERPELAÇÃO
CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA
CITAÇÃO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.224, 781 CC
Sumário: 1 – Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art. 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.

2 – Isto porque face ao disposto nesse dito art. 781º do C.Civil, deve-se considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade).

3 – Na cláusula resolutiva expressa têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo não cumprimento dará direito à resolução.

4 – Pese embora demonstrada a circunstância objectiva do incumprimento das obrigações pelos Executados, a Exequente/recorrente tem ainda que demonstrar que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução.

5 – Isto porque, só com o exercício do direito potestativo, a efetuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível, pois só então se operaria o vencimento.

6 – Na redação do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art. 804º, nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo [“quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”], mas tal hipótese desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03, situação que se manteve inalterada na redação decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, e assim permaneceu até ao atual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06).

7 – Face ao atual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06), com referência à execução sob a forma ordinária, na medida em que a mesma corresponde à execução com citação prévia e constitui a forma-regra, importa concluir que ao ter lugar a citação (prévia) dos Executados, teve lugar o exercício do direito potestativo de resolução do contrato, com a concomitante interpelação para o pagamento do montante total em dívida, montante este tornado exigível por via do seu operado vencimento, isto é, a resolução foi comunicada e operada com a citação dos Executados nos presentes autos.

8 – Assim, no quadro normativo aplicável à situação, a citação (prévia) dos Executados permitiu efetivamente suprir a necessidade de manifestação e comunicação a estes da vontade de resolver os contratos por parte da Exequente, ainda que unu actu com a instauração da execução.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

V (…), A (…), J (…) e M (…), vieram por apenso aos autos de execução ordinária nº. 10180/15.5T8CBR, deduzir os presentes embargos de executado contra “C (…) (CEMG)”, alegando em síntese que:

- em 28/05/2009 foi realizado um contrato de locação financeira imobiliária entre a P (…), Lda, empresa do executado V (…) e o M (...) , através do contrato n.º 18/6 e onde foram creditados na conta à ordem da empresa a quantia de € 201.558,23.

- porque houvesse atrasos e dificuldades no pagamento das prestações, por proposta do M (...) , foi feita a cedência da posição do contrato supra referido.

- passado alguns meses, o executado V (…), foi contactado pelo M (...) para o informar de que haveria ainda uma divida do referido contrato, sem no entanto especificar o valor.

-pressionado pelo M (...) , e tendo-lhe este feito crer que era da sua responsabilidade a assunção dessa divida, o executado V (…) acabou por aceitar, assinar um contrato de regularização de responsabilidades em nome pessoal e com fiadores.

- o executado V (…) só subscreveu o contrato com o M (...) para regularização, porque este maliciosamente o fez crer ser da sua responsabilidade a assunção da divida, e não do cessionário, caso contrário nunca aceitaria assumir a divida.

- por outro lado, era condição dos executados, que a exequente fornecesse as contas devidas, dos valores que haveria em débito e para o qual estava a reclamar a necessidade de realização do contrato que ora executa, o que nunca aconteceu.

- apesar desta negociação e do acordo existente nunca foi entregue aos executados cópia do contrato assinado, pelo que nunca souberam em concreto quais as condições a que estavam sujeitos, sendo desde logo inexigível a liquidação de qualquer valor.

- o exequente pela comunicação de 14/03/2014, vem exigir o pagamento de um valor total de € 681,10, todavia, os executados nunca tiveram acesso ao referido contrato ai referido nem à carta, por a mesma nunca ter sido rececionada pelos executados, só tomando conhecimento da mesma através da presente ação.

- os executados nunca foram interpelados para pagar o valor do contrato, como teria obrigatoriamente de ser, através da resolução contratual e só com esta resolução os executados teriam entrado em mora, mantendo-se para os executados o contrato em vigor, até pelos pagamentos que continuam a realizar, continuando a exequente a cobrar os valores das prestações, mesmo depois da entrada da presente execução.

- a quantia exequenda não é exigível, porque não está vencida, uma vez que o exequente nunca resolveu o contrato.

-Também não é líquida, pois o valor não está numericamente determinado.

Pugnam pela procedência da oposição.

*

Regularmente notificado, o exequente deduziu articulado de defesa, nele impugnando a matéria aduzida pelos embargantes, pugnando pela improcedência dos embargos.

Aduziu em síntese que:

- foi entregue uma cópia do contrato às partes contraentes.

- quanto à resolução do contrato, a mesma operou os seus efeitos, na sequência do incumprimento verificado, por ausência da realização dos pagamentos devidos nos termos acordados contratualmente, o que veio a determinar o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas.

- visto que, o contrato objeto dos presentes autos, apresentava datas certas e devidamente determinadas para o pagamento de cada prestação de reembolso, a falta de pagamento das respetivas prestações, aquando do prazo estipulado para cada uma delas, veio a consubstanciar uma situação de mora, mora que se constituiu independentemente da interpelação realizada, nos termos e para os efeitos do que dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 805º do Código Civil.

- uma vez que não foi em momento algum regularizada integralmente pelos embargantes, veio a mora a converter-se em incumprimento definitivo, de acordo com o que preceitua o art. 808º do Código Civil,

- nos termos do disposto no art. 781.º do Código Civil, o incumprimento de uma das prestações provocou a imediata exigibilidade da totalidade das prestações do contrato, através do vencimento antecipado de todas as prestações vincendas.

- caso assim não se entenda, a resolução operada, sempre operaria os seus efeitos e seria do conhecimento dos embargantes através da citação realizada nos presentes autos, sempre se tendo de considerar que a mesma operou os seus efeitos.

*

Em sede de despacho saneador, entendeu a Exma. Juíza de 1ª instância que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais prova, apreciar a totalidade do pedido, com o que prosseguiu, começando por enunciar em Relatório as posições das partes e o objeto do litígio, após o que se afirmou a verificação dos pressupostos processuais e se passou a definir como sendo Questões a resolver, “(…) saber se a obrigação exequenda é exigível e se existe vício da vontade na formação do contrato”, no conhecimento do que, face à factualidade considerada provada (que foi devidamente enunciada), se entendeu que não podia deixar de se constatar que “não logrou a exequente demonstrar que efetivamente optou pela resolução do contrato face ao incumprimento verificado e que tornou eficaz essa sua declaração unilateral de vontade em relação aos executados através da comunicação que eles receberam ou que deles foi conhecida (artº 224º nº1 do Cód. Civil)”, acrescendo que não operava a resolução os seus efeitos através da citação realizada nos presentes autos, donde, importava concluir que “não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, uma vez que a citação dos executados não permite suprir a prévia manifestação e comunicação a estes da vontade de resolver o contrato por parte do exequente, dado que a interpelação ao pagamento, teria de ser anterior à instauração da execução. Conclui-se, assim, pela procedência dos embargos e consequente extinção da execução, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas”, termos em que se finalizou com o seguinte concreto “dispositivo”:

«DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente a presente oposição à execução por meio de embargos de executado e nessa sequência, ao abrigo do disposto no artigo 732º n.º4 do CPC, declara-se extinta a execução apensa.

Custas pela embargada/exequente.

Registe e notifique.

Após trânsito, notifique o sr. AE.»    

*

   Inconformada com esse saneador-sentença, apresentou a Exequente, C (…)(CEMG)”, recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- desacerto da decisão de considerar que não se havia verificado no caso ajuizado uma válida e operante resolução do contrato de crédito individual invocado /contrato de mútuo ajuizado (por comunicação que os Executados recebessem ou que deles fosse conhecida), sendo certo que essa ausência (da emissão da declaração resolutiva) não se podia considerar suprida pela citação (dos Executados) da propositura da acção executiva em que o pedido coercivo formulado manifesta a vontade de resolução do contrato.

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi fixado pelo tribunal a quo, sendo certo que o recurso deduzido não questiona expressamente a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto. 

1.O exequente Caixa Económica M (...) Geral, instaurou em 25.11.2015, o processo executivo ao qual os presentes autos se encontram apensados contra os executados V (…), A (…), J (…) e M (…) com vista à cobrança coerciva de créditos no valor global de €37.137,65.

2.No processo executivo aos qual os presentes autos se encontram apensados é título executivo um contrato de crédito individual celebrado no dia 10 de Julho de 2013, entre o exequente e os executados A (…) e V (…), na qualidade de mutuários, e J (…) e M (…) , na qualidade de fiadores.

3.Através do referenciado contrato, o exequente concedeu aos executados A (…) e V (…)  a quantia de € 41.904,19 (quarenta e um mil novecentos e quatro euros e dezanove cêntimos), da qual estes se confessaram devedores.

4.Pelos executados J (…) e M (…) foi dito que se confessavam e constituíam como fiadores e principais pagadores das dividas contraídas pelos mutuários no âmbito do supra mencionado contrato, renunciando expressamente ao beneficio da excussão prévia.

5. O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 120 (cento e vinte) meses e deveria ser reembolsado em 120 (cento e vinte) prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, à taxa convencionada.

6. Os executados deixaram de cumprir pontualmente as obrigações contratuais de pagamento das prestações acordadas no contrato.

7. Do contrato referido em 2) consta o seguinte:

Em caso de incumprimento contratual por parte do(s) cliente(s) de qualquer obrigação emergente deste contrato, a CEMG, poderá proceder à resolução imediata do mesmo e ao vencimento antecipado da obrigação de reembolso, exigindo o pagamento imediato da divida se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:

a) a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% (dez por cento) do montante total do crédito;

b) ter a CEMG, sem sucesso, concedido ao(s) cliente(s), um prazo suplementar mínimo de 15(quinze) dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do beneficio do prazo ou da resolução do contrato.

Sem prejuízo do disposto no número anterior e/ou de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos, pela lei ou pelo presente contrato, a CEMG reserva-se o direito de resolver o presente contrato, declarando vencidas as responsabilidades no mesmo garantidas e exigindo o seu cumprimento imediato, caso ocorra o incumprimento, ainda que parcial, pelo(s) cliente(s), de qualquer das obrigações a que o(s) clientes se tenha(m) vinculado em qualquer outro contrato de financiamento celebrado ou a celebrar com a CEMG e/ou com quaisquer outras instituições de crédito ou financeiras, nacionais ou internacionais.

Quaisquer comunicações escritas que a CEMG remeta ao cliente serão enviadas por meio de carta simples e sem aviso de receção para o endereço constante da base de dados de clientes, que se obriga, desde já a manter actualizado, o qual para efeito das referidas comunicações, incluindo citação ou notificação judicial, se considera ser o domicilio convencionado.

Os intervenientes declaram aceitar as cláusulas gerais e condições particulares do presente contrato de que todos receberam cópia.

7. Por carta datada de 14.3.2014 o exequente enviou aos executados uma comunicação escrita, da qual consta o seguinte: «Contº nº 177-26-101287-2 . O contrato em referência foi afeto ao M (...) Recuperação de Crédito ACE. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos por isso, que até ao dia 28.3.2014, V.Exa proceda à regularização da divida, que à data da emissão desta carta, ascende a 525,10 euros. Conforme previsto no preçário, serão cobradas despesas, acrescidas do imposto de selo, no montante de 156,00 euros, relativas à correspondente desafetação.(…).Certos de que considerará esta oportunidade para regularizar a situação contratual (…)».                                                                                                                                                                  *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Incorreção da decisão de considerar que não se havia verificado no caso ajuizado uma válida e operante resolução do contrato de crédito individual invocado /contrato de mútuo ajuizado (por comunicação que os Executados recebessem ou que deles fosse conhecida), sendo certo que essa ausência (da emissão da declaração resolutiva) não se podia considerar suprida pela citação (dos Executados) da propositura da acção executiva em que o pedido coercivo formulado manifesta a vontade de resolução do contrato:

Que dizer?

Será correta a decisão do Tribunal a quo assente no entendimento de que não se podia considerar que a Exequente optara efetivamente pela resolução dos contratos ou a efetivara de modo eficaz e válido?

Em nosso entender – e releve-se o juízo antecipatório! – pode e deve efetivamente ser sancionado essa 1ª vertente do entendimento perfilhado na decisão recorrida, na medida em que nesse particular apreciou adequadamente a situação.

Sucede que tal não terá como consequência o (integral) acolhimento da decisão recorrida, na medida em que, em nosso entender, soçobra a 2ª vertente em que se louvou a decisão recorrida – a saber, no aspeto em que não considerou suprida a resolução pela citação (dos Executados) da propositura da acção executiva – relativamente ao que o nosso entendimento é diverso.

Senão vejamos.

De referir, desde logo, que a Exequente/recorrente ainda intentou questionar  essa dita 1ª vertente do entendimento do Tribunal a quo, ao sustentar que havia procedido à interpelação dos Executados em momento prévio à propositura da acção executiva, sendo que “o incumprimento da obrigação pelos Executados provocou a imediata exigibilidade de todas as prestações”.

Salvo o devido respeito, não se vislumbra qualquer suporte para uma tal linha de argumentação, pois que da factualidade dada como provada – tal como enunciada na decisão recorrida – apenas consta uma comunicação aos Executados de que os mesmos estavam em incumprimento por um montante que então ascendia a € 525,10, ao qual acresceria o montante de € 156,00 de despesas e imposto de selo, sendo em função disso que apelavam à regularização extra-judicial, sendo certo que a execução na sequência instaurada o foi para cobrança coerciva de créditos no valor global de €37.137,65…

Acontece que não se pode olvidar o entendimento doutrinário pacífico neste particular[2] no sentido de que estando em causa no art. 781º do C.Civil[3] um benefício concedido ao credor – que este poderá exercer ou não – não poderá ser dispensada a interpelação do devedor para cumprir, sendo que só com a interpelação – por via da qual o credor exerce o direito ou benefício que a lei lhe concede – poderá ocorrer a mora do devedor relativamente à totalidade da prestação.

Donde, nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art. 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.

Assim, se o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade), não vislumbramos de todo como é que se pode sustentar que tal ocorreu – com referência a este montante global! – no caso vertente.

Acresce ainda o seguinte:

A resolução, enquanto declaração recetícia ou recipienda – que é aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário – à luz do disposto no art. 224º do C.Civil, é eficaz nos casos seguintes:

- quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida (nº 1 do citado normativo);

- quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (nº 2 do mesmo normativo).

Dito de outra forma: sendo a declaração recipienda, não pode ser considerada eficaz pela sua simples emissão.

Sendo certo que a Exequente/recorrente nem sequer provou que efetivamente emitiu a correspondente declaração de resolução, acrescendo que não invocou sequer o conhecimento da mesma, por parte dos Executados, através de uma outra qualquer forma!

E nem se argumente que este entendimento da Exequente se encontra suportado no que foi clausulado expressamente pelas partes, a saber, que “Em caso de incumprimento contratual por parte do(s) cliente(s) de qualquer obrigação emergente deste contrato, a CEMG, poderá proceder à resolução imediata do mesmo e ao vencimento antecipado da obrigação de reembolso, exigindo o pagamento imediato da divida”…

 Temos presente que tal configura a denominada “cláusula resolutiva expressa”, que consabidamente é aquela em que “as partes convencionam que, se ocorrer determinado facto, uma delas terá o direito de, se assim o entender, resolver o contrato.”[4]

Sucede que, conforme melhor entendimento nesta matéria, para uma cláusula valer como cláusula resolutiva expressa, têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa (identificando-as) às obrigações cujo não cumprimento dá direito à resolução; “a chamada cláusula resolutiva expressa deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo «em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida do presente contrato, este considera-se resolvido»”; Na verdade, “A cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Deve no entanto dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º”[5]

Ora, no caso vertente, na imediata sequência do segmento antes transcrito, isto é, que poderia proceder-se à resolução imediata do contrato e ao vencimento antecipado da obrigação de reembolso, exigindo o pagamento imediato da divida, foi expressamente acordado que tal só poderia ser operado “se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:

a) a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% (dez por cento) do montante total do crédito;

b) ter a CEMG, sem sucesso, concedido ao(s) cliente(s), um prazo suplementar mínimo de 15(quinze) dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do beneficio do prazo ou da resolução do contrato.”

O que tudo serve para dizer que revertendo estes ensinamentos ao caso ajuizado, o que se constata é que no mesmo foi utilizada uma cláusula que identificou com precisão o número de incumprimentos que justificaria o direito de resolução, e uma outra que estabeleceu a necessidade de concessão de uma moratória admonitória, donde, na linha do vindo de expor, desde que verificados estes pressupostos, não se poderia objetar à legitimidade e validade de uma resolução ao abrigo da mesma.[6]

Sem embargo do vindo de dizer, continuamos a esbarrar com um obstáculo intransponível: é que nem se vislumbra que se possa sustentar que estavam in casu positivamente verificadas as exigências constantes dessas duas cláusulas, nem, decisivamente, veio a ser operada a resolução por declaração expressa como tal endereçada e recebida pela contraparte!

Dito de outra forma: nada a censurar a esta 1ª vertente do entendimento perfilhado na decisão recorrida.

Assente isto, vejamos agora do (des)acerto da 2ª vertente do entendimento subjacente a essa mesma decisão.

Recorde-se que consiste ela no entendimento de que não se pode considerar que a resolução foi comunicada e operada com a citação dos executados nos presentes autos.

Que dizer?

Que esse entendimento era defensável no período temporal que antecedeu a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, mas deixou de o ser na vigência deste, pelo que, na medida em que a situação ajuizada se reporta a uma execução “ordinária” à qual é aplicável o dito novo Código de Processo Civil[7], esse entendimento naufraga inapelavelmente.

Senão vejamos.

Mais concretamente, temos que na redação do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art. 804º, nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo: “quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”.

Tal hipótese desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

Comentando essa eliminação, foi doutamente sublinhado o seguinte: «É evidente que, no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no artigo 805º, nº 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo.

Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao diferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos artigos 812º-A, nº 1, alíneas c) e d) e 812º-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.»[8].

Sucede que esta última objecção não procede quando está em causa – como no caso vertente! – uma execução “ordinária” à qual é aplicável o novo C.P.Civil.

É que, consabidamente, com a dita Reforma do Processo Civil de 2013 no âmbito do processo executivo, teve lugar o retorno à divisão entre forma ordinária e forma sumária (cf. art. 550º do n.C.P.Civil), sendo que a forma ordinária corresponde à execução com citação prévia e constitui a forma-regra, regulada nos arts. 724º e segs. do n.C.P.Civil.

É certo estar prevista a possibilidade de dispensa dessa citação prévia, mas na medida em que a citação prévia é o regime-regra nesta forma de processo, o pedido de dispensa dessa citação prévia constitui verdadeiramente um elemento eventual e opcional que, apenas sendo disso caso, constará do requerimento executivo.[9]   

Neste sentido é paradigmático o que consta da “Exposição de Motivos” que presidiu à Reforma do Processo Civil, traduzida na Proposta de Lei nº 113/XII (PL 521/2012 - 2012.11.22)[10], particularmente no seguinte segmento:

«(…)

 No que toca à tramitação do processo executivo comum para pagamento de quantia certo, retoma-se a distinção (abandonada, sem proveito, em 2003), entre forma ordinária e forma sumária. A forma sumária - caracterizada por penhora imediata, com dispensa da intervenção liminar do juiz e da citação prévia do executado, sendo o requerimento executivo remetido, sem autuação e por via electrónica, para o agente de execução - empregar-se-á quando o título executivo for uma decisão arbitral ou judicial (quando esta não deva ser executada no próprio processo), um requerimento de injunção ao qual tinha sido aposta fórmula executória, um título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor, ou um título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância. Na forma ordinária, assegura-se a intervenção liminar do juiz e a citação do executado em momento anterior à penhora. Em face desta nova formulação, haverá um maior controlo judicial na fase introdutória da execução, pois execuções que até agora principiavam pela penhora passarão a ser submetidas a despacho liminar, o que reforçará as garantias do executado. Ainda assim, nas execuções que devam seguir a forma ordinária, é prevista a possibilidade de o exequente obter a dispensa de citação prévia do executado, com carácter de urgência, se demonstrar a verificação dos requisitos do justo receio da perda da garantia patrimonial, aplicando-se, de seguida, a tramitação do processo executivo sumário.

(…)»

Ora, no caso vertente, não foi alegado nem resulta que tenha tido lugar a dispensa da citação prévia, pelo que, em consonância com o já referido regime-regra duma execução ordinária, foram os aqui Executados citados ab initio, isto é, em momento anterior à penhora.

O que tudo serve para dizer que no caso vertente, em relação aos Executados, com a sua citação (prévia), teve lugar o exercício do direito potestativo de resolução do contrato, com a concomitante interpelação para o pagamento do montante total em dívida, montante este tornado exigível por via do seu operado vencimento.

Com o que ficaram salvaguardadas as garantias dos executados, nomeadamente tendo os mesmos, logo nesse momento prévio, podido exercer o contraditório relativamente a essa interpelação do vencimento da dívida.

De referir que este entendimento que estamos a perfilhar já estava suficientemente expresso no aresto que foi invocado na decisão recorrida[11], designadamente na sua nota (12), como, aliás, igualmente decorria do ponto “IV” da sua síntese conclusiva quando se dizia que esse regime (ter desaparecido a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação) decorrente da redação introduzida ao artigo 804º do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03 “permaneceu até ao actual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06)”, o que, obviamente, não significava que esse fosse o regime no ou do atual/novo Código de Processo Civil…

Ocorre que, tanto quanto é dado perceber, não foi esse entendimento devidamente interpretado, antes se truncou literalmente o seu sentido, pois que, ao transcrevê-lo, grafou-se que o dito regime “permaneceu no actual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06)”!  

Importa, então, concluir que estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda tal como pretendido pela Exequente/recorrente.

Posto que, no quadro normativo aplicável à situação, a citação (prévia) dos Executados permitiu efetivamente suprir a necessidade de manifestação e comunicação a estes da vontade de resolver os contratos por parte da Exequente, ainda que unu actu com a instauração da execução!

Termos em que procede este argumento recursivo, impondo-se revogar a decisão recorrida (que julgou procedente a oposição à execução por não verificação dos requisitos de exigibilidade da quantia exequenda), e determinar que os autos prossigam com a apreciação e decisão sobre as demais questões suscitadas como fundamento para a dedução da oposição à execução.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art. 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.

II – Isto porque face ao disposto nesse dito art. 781º do C.Civil, deve-se considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade).

III – Na cláusula resolutiva expressa têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo não cumprimento dará direito à resolução.

IV – Pese embora demonstrada a circunstância objectiva do incumprimento das obrigações pelos Executados, a Exequente/recorrente tem ainda que demonstrar que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução.

V – Isto porque, só com o exercício do direito potestativo, a efetuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível, pois só então se operaria o vencimento.

VI – Na redação do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art. 804º, nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo [“quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”], mas tal hipótese desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03, situação que se manteve inalterada na redação decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, e assim permaneceu até ao atual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06).

VII – Face ao atual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06), com referência à execução sob a forma ordinária, na medida em que a mesma corresponde à execução com citação prévia e constitui a forma-regra, importa concluir que ao ter lugar a citação (prévia) dos Executados, teve lugar o exercício do direito potestativo de resolução do contrato, com a concomitante interpelação para o pagamento do montante total em dívida, montante este tornado exigível por via do seu operado vencimento, isto é, a resolução foi comunicada e operada com a citação dos Executados nos presentes autos.

VIII – Assim, no quadro normativo aplicável à situação, a citação (prévia) dos Executados permitiu efetivamente suprir a necessidade de manifestação e comunicação a estes da vontade de resolver os contratos por parte da Exequente, ainda que unu actu com a instauração da execução.                                                                                                                                                    *

6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida que julgou procedente a oposição à execução por não verificação dos requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, determinando-se que os autos prossigam com a apreciação e decisão sobre as demais questões suscitadas como fundamento para a dedução da oposição à execução.  

Custas pelos Executados/opoentes/recorridos.

Coimbra, 12 de Dezembro de 2017

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro               

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Assim ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7ª ed., a págs. 53-54.
[3] Onde se dispõe que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
[4] Na definição feita por DANIELA BAPTISTA, em “Da cláusula resolutiva expressa”, págs. 199, dos “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Heinrich Ewald Hörster”.
[5] Assim BAPTISTA MACHADO, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in obra dispersa, pág. 186-187, e bem assim na respectiva nota 77; no mesmo sentido, CALVÃO DA SILVA, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Livª Almedina, Coimbra, 1987, a págs. 321 e segs.
[6] Cf. neste mesmo sentido, na jurisprudência, inter alia, o acórdão do STJ de 08.10.2013, no proc. nº 6431/09.3TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Tendo em conta a data da instauração da execução apensa, a qual, quer por ter a forma “ordinária”, quer pelo seu número (a saber, 10180/15.5T8CBR), é necessariamente posterior a 1 de Setembro de 2013 (data de entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, nos termos do art. 8º desta, Lei essa que aprovou o n.C.P.Civil), do que resulta ser aplicável ao caso os preceitos do Código de Processo Civil na redação decorrente dessa Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em conformidade com o art. 6º, nº 3 dessa Lei.
[8] Citámos CARLOS LOPES DO REGO, no artigo “Requisitos da Obrigação Exequenda”, publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, nº 7, 2003, Almedina, a págs. 70-71.
[9] Assim RUI PINTO, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, a págs. 345-348.
[10] acessível em app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path...fich=ppl113-XII.doc
[11] Trata-se do acórdão deste T. Rel. de Coimbra de 6.12.2016, proferido no proc. nº 195/13.3TBPCV-A.C1, subscrito precisamente pelo mesmo colectivo de Juízes Desembargadores do presente.