Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7/10.0GDPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CONFISSÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 01/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 344º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Tendo o arguido sido, pela primeira vez, surpreendido, na sentença, por uma “confissão integral e sem reservas”, com as consequências, ao nível probatório, na mesma consignadas, o que se traduz numa afectação do seu direito de defesa constitucionalmente garantido (artigo 32º, da C.R.P.), afectando, nomeadamente, o direito de, em momento oportuno, poder reagir, reequacionando a respectiva estratégia de defesa, é de julgar verificada a arguida nulidade, quer por violação do disposto no nº 1, do artigo 344º, do C. Proc. Penal (não resultando da acta de julgamento que hajam sido observadas as formalidades no mesmo exigidas), quer sobretudo, por violação do direito de defesa consagrado no artigo 32º, n.º 1, da C.R.P., o que determina a invalidade do julgamento, bem como dos actos subsequentes, onde se inclui a sentença (artigo 122º, do C. Proc. Penal).
Decisão Texto Integral: I. Relatório

1. No âmbito do processo comum [singular] n.º 7/10.0GDPNH do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, mediante acusação pública, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, vindo-lhe imputada a prática, como autor material, em concurso efectivo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de violação de proibições, p. e p. respectivamente nos artigos 292º, nº 1, 69º, nº 1, al. a) e 353º, todos do Código Penal.

2. Realizado o julgamento, por sentença de 12.04.2011, veio o arguido a ser condenado na pena de 10 [dez] meses de prisão, pela prática de cada um dos sobreditos crimes e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 [um] ano e 4 [quatro] meses de prisão efectiva e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 26 [vinte e seis] meses.

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

I. DE FACTO

1ª O arguido estava e está em tratamento ao alcoolismo.
2ª No dia dos autos trabalhara desde as cinco da manhã e ainda estava em jejum.
3ª Bebera ao fim da manhã Ricard oferecido por um emigrante, mas não pensava em conduzir – do que até estava impedido.
4ª A pedido de uma vizinha – para passar com a burra – desviou (levianamente – sim) o tractor, para cerca de 10 metros de distância, embatendo com ele na parede.
5ª Desmaiou, chegou a mulher, o INEM e a G.N.R.
6ª Confessou ao Tribunal que foi ele quem conduziu e o fez por necessidade da vizinha, tendo agido negligentemente.
7ª Está arrependido e quer prosseguir a cura do álcool.
8ª Tem um rebanho de 400 cabeças de gado ovino e caprino, financiadas pelo INGA.
9ª A sua prisão levará à morte o gado todo e a devolução dos incentivos recebidos.
10ª A solução será ver a pena suspensa pela última vez.

II. DE DIREITO

11ª Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, nos termos dos artigos 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, na medida em que se considera, que a alínea E) da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida está incorrectamente julgada.
12ª O meritíssimo Juiz “a quo” deu como provado tal facto com base na eventual confissão integral e sem reservas do arguido, que não existiu.
13ª Neste sentido transcreve passagens das declarações que prestou donde retira a falta duma “confissão integral e sem reservas”. – depoimento do arguido Victor Batista Pires (suporte magnético de gravação da audiência – 14:40:51 a 14:57:36).
14ª Como ficou claramente demonstrado, o arguido não fez uma confissão integral e sem reservas dos factos dos quais vinha acusado, mas tão só uma confissão parcial. Nesta medida nunca poderia o Meritíssimo Juiz “a quo” ter dado como provado o ponto E) dos factos dados como provados.
15ª Decorre da conclusão anterior que deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto no parágrafo e nos termos assinalados (vide artigo 431º do Código de Processo Penal) e proceder-se a decisão jurídica em conformidade, qual seja a de dar o facto E) da sentença recorrida como não provado.
16ª De acordo com o n.º 2 do art.º 344º do C.P.P., a confissão integral e sem reservas implica: a) a renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados; b) passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; e c) redução da taxa de justiça em metade.
17ª A confissão, bem como a decisão sobre o valor da confissão conferido pelo Tribunal, deverá ficar documentada em acta de audiência de julgamento, segundo as regras gerais (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/10/91, in Boletim do Ministério de Justiça, nº 410, página 591).
18ª Se da gravação das declarações prestadas em audiência de julgamento não resulta inequivocamente que o arguido tenha confessado a totalidade dos factos que lhe são imputados, as declarações que prestou não podem qualificar-se como uma confissão integral e sem reservas e darem-se como provados os factos com base em tais declarações (CFR. Acórdão da Relação de Coimbra in www.djsi.pt Proc. nº 44/10.4EALSB.C1 de 15-12-2010).
19ª Ora, ouvida e lida a gravação das declarações do arguido constata-se, claramente, que o convite a uma confissão integral e sem reservas com todos os formalismos legalmente exigidos para tal, não foi efectuado.
20ª Em parte alguma o Meritíssimo Juiz “a quo” questiona o arguido se a sua confissão é integral e sem reservas explicando-lhe em que se traduz tal confissão e as consequências da mesma.
21ª Antes pelo contrário, o arguido confessa parcialmente os factos, dando uma justificação para a ocorrência dos mesmos e o Meritíssimo Juiz, continua com a produção de toda a prova, ouvindo todas as testemunhas, da acusação e abonatórias que corroboraram a versão apresentada pelo arguido, nomeadamente a testemunha …nas suas declarações gravadas e suporte magnético – 15:06:20 a 15:11:36.
22ª Nessa medida violou o Tribunal “a quo” o artº 344º, nº 1 do C.P.P., o que constitui uma nulidade, que se invoca.
23ª Ao considerar provados todos os factos que integram a prática do crime com base numa pretensa “confissão integral e sem reservas”, o tribunal violou o artº 344º do Código de Processo Penal.
24ª A decisão do Tribunal sobre o carácter livre, integral, verdadeiro e sem reservas da confissão e as respectivas consequências processuais é recorrível, nos termos conjugados dos artigos 399º e 407º, nº 3 do C.P.P.
25ª Consequentemente haverá de repetir-se o julgamento por falta de prova bastante para todos os factos havidos como provados.
26ª Não se compreende como possa ter ficado provado o ponto E) da douta sentença recorrida.
27ª É que, para dar este facto como provado o “Tribunal baseou a sua convicção essencialmente e desde logo na confissão integral e sem reservas dos factos constantes da acusação conforme tal confissão foi efectuada pelo arguido, tendo-se por isso dado os factos em causa como provados” – cf. Ponto 3 da Sentença recorrida. O que de facto, como já se expos anteriormente, não aconteceu.
28ª O arguido/recorrente não teve a consciência do exacto significado do que lhe era perguntado pelo que não podem ter-se por confessados os factos que integram a prática do crime, nomeadamente o elemento subjectivo tido por provado – o dolo do arguido/recorrente.
29ª E quanto aos elementos objectivos o arguido apenas admitiu que efectivamente tinha bebido, no entanto não tinha consciência que se tratava de uma bebida tão forte uma vez que era misturada com água, e ainda o facto de o mesmo se encontrar praticamente em jejum. E perguntado se sabia que estava influenciado por bebidas alcoólicas quando pegou no tractor, o arguido apenas respondeu: “Aquilo foi tão de repente Sr. Dr. …”
30.ª Ora, dos factos provados e supra transcritos não resulta a verificação de conduta dolosa, nem a título de dolo eventual.
31ª Não consta que o arguido ao ingerir bebidas alcoólicas o fez representando que iria provocar no seu sangue uma taxa de álcool superior à legalmente permitida e que mesmo assim continuou a ingerir tais bebida e, que sabendo da possibilidade de ter ingerido álcool que provocaria o ultrapassar do limite legalmente permitido, foi conduzir.
32ª Nem resulta provado que o arguido tivesse praticado a condução, consciente do seu grau de alcoolemia.
33ª Houve, por isso erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº 2 – c) ), numa clara violação às leis da lógica, ou seja, a valoração da não confissão do arguido para fundamentar os factos provados.
34ª Dito de outra forma, o Tribunal deu como provado factos que o arguido não confessou.
35ª Impõe-se, por isso, o reenvio do processo para novo julgamento.
36ª Assim, entende-se que se tenha o crime praticado a título de negligência e não de dolo;
37ª O Meritíssimo Juiz “a quo” aplicou ao arguido uma pena de prisão efectiva de um ano e quatro meses e a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de vinte e seis meses.
38ª A determinação do tipo e da medida da pena concreta de cada uma das penas concretas e parcelares a aplicar, dentro da respectiva moldura abstracta, far-se-á atendendo ao grau de culpa documentado nos factos e às exigências de prevenção geral e especial que se mostrem relevantes, tomando em linha de conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido – cf. Artigo 71º nº 1 e 2 do C.P.
39ª No entanto quanto à possibilidade de suspensão da sua pena de prisão, é de referir diversos pontos que apoiam essa possibilidade.
40ª Pelo que nos parece se poder afirmar com grande grau de segurança que no caso sub judice a simples ameaça de prisão realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
41ª Ameaça essa que poderá ser sujeita a regime de prova, nos termos dos art. 53º e ss do Cód. Penal.
42ª Devemos assim também atender à idade do recorrente, o facto de se encontrar a fazer tratamento contra o alcoolismo – facto que não foi sequer valorado pelo Tribunal “a quo”- bem como à sua modesta condição social, cultural e económica e inserção social para atribuição da medida da pena, devendo-se ainda atender que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art. 40º e nº 1 do art. 71º, ambos do Código Penal.
43ª Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.
44ª Em suma, das circunstâncias do acto, da personalidade do recorrente, das condições da sua vida, o facto de se encontrar a fazer tratamento, o seu demonstrado arrependimento, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste, consegue-se vislumbrar uma séria e objectiva possibilidade de prognose social favorável sobre o arguido, no sentido de que a simples ameaça da pena o afastará da prática de ilícitos ou que a simples suspensão, mesmo condicionada a um regime de prova, face à sua curtíssima duração, fosse, atingíveis as finalidades da punição.
45ª Violou ou mal interpretou o Tribunal “a quo” os artigos 344º, 412º - 3 e 4, 431º, 399º e 407º - 3 do C.P.P. e 40, 70º e 71º.

Termos em que deverá ser anulado o julgamento e ordenada a sua repetição.
Sem prescindir, suspensa a pena de prisão na sua execução, mesmo que sujeito ao regime de prova.
Assim se fará JUSTIÇA.

4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:

1.ª Face à matéria de facto dada como provada, não merece qualquer reparo a decisão ora em recurso;
2.ª Adere-se, integral e plenamente à decisão ora em recurso, quer no que toca aos argumentos fácticos quer de ius nela explanados, a qual, na nossa opinião, não mercê qualquer reparo encontrando-se exemplarmente trabalhado e fundamentada;
3.ª O arguido praticou o crime por que foi condenado pelo que se tem, para nós, isenta de reparos e juridicamente inatacável a sua condenação;
4.ª Entende-se que a decisão ora em crise é ajustada, equilibrada e justa, quer em face da culpa do arguido quer em face das exigências de prevenção geral quer, “maxime”, especiais, atentos os ilícitos recentemente perpetrados pelo arguido, na mesma área criminal;
5.ª A pretensa inexistência da confissão, a existir, configura uma nulidade, não arguida tempestivamente, já por isso sanável;
6.ª Inexiste, por isso, erro notório na apreciação da prova;
7.ª A sanção aplicada ao arguido quer a título de pena principal quer a título de sanção acessória, revela-se adequada, em face quer da sua culpa, manifestada nos factos quer em face do grau de ilicitude dos mesmos;
8.ª Razão por que se crê que a sentença ora em recurso não violou as disposições dos artºs 344º, 412º, nºs 3 e 4, 431º e 407º nº 3, todas do C. P. Penal, e dos artºs 40º, 70º e 71º estas do C. Penal, nem quaisquer outras.

Termos em que, deve a sentença ora em recurso ser mantida “in totum” como é de JUSTIÇA E DIREITO.

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

6. Na Relação, o Ilustre Procurador – Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 142 a 144, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP não foi apresentada resposta.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No presente caso suscita o recorrente as seguintes questões:

- A nulidade decorrente da não observância das formalidades previstas no n.º 1 do artigo 344º do CPP;
- A impugnação da matéria de facto, assente, no essencial, na circunstância de não haver ocorrido uma confissão integral e sem reservas por parte do arguido;
- A verificação de erro notório na apreciação da prova [artigo 410º, n.º 2, al. c) do CPP];
- A não aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da prisão, ainda que sujeita a regime de prova.

2. A decisão recorrida

Na sentença recorrida ficaram consignados, como provados, os seguintes factos:

A) No dia 16 de Junho de 2010, pelas 15 horas, o arguido conduzia o tractor agrícola de matrícula … , sua propriedade, na Rua …, área desta comarca.
B) Fazia-o, contudo, sob a influência do álcool, com uma taxa de 3,81g/l, tendo sido interveniente em acidente de viação por despiste.
C) Com efeito, ao ser submetido a exame sanguíneo de álcool no sangue, veio a acusar aquela TAS.
D) Sucede, ainda, que o arguido, tinha sido condenado por decisão de 14 de Abril de 2009, transitada em julgado, no âmbito do processo sumário n.º 5/09.6GDPNH, do 1º Juízo deste Tribunal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de vinte e quatro meses, período de tempo esse que decorria desde 19-5-2009 a 19-5-2011, razão por que conduzia o referido veículo, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas supra, sem ser possuidor do seu título de condução, porquanto o mesmo se encontrava apreendido à ordem daqueles autos.
E) Agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, querendo e sabendo que conduzia um veículo na via pública com uma taxa de álcool superior a 1,20g/l e que infringia, desta forma, as regras de circulação rodoviária, e que, nos termos sobreditos, violava a proibição de conduzir veículos automóveis que lhe tinha sido imposta como pena acessória por sentença criminal, transitada em julgado, assim faltando à obediência a ordem legítima, com base legal, emanada da autoridade competente e que lhe fora devidamente notificada, tanto mais que o seu título de condução se encontrava apreendido à ordem do processo n.º 5/09.6GDPNH, do 1º Juízo deste Tribunal.
F) Tinha perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente.
G) O arguido vive dos rendimentos que lhe resultam do gado que cria, sendo dono de cerca de 330 ovelhas, 40 cabras e 7 porcos, de tudo tratando com a ajuda da sua esposa. Suporta ainda um valor superior a €3.000,00 por ano a título de renda dos terrenos em que trata e pastoreia os seus animais, auferindo para si um rendimento mensal semelhante ao ordenado mínimo nacional. Encontra-se ainda o arguido a efectuar tratamento à dependência do álcool com consultas médicas regulares junto do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Guarda, tendo sido já internado para desintoxicação.
H) O arguido foi já condenado no âmbito do processo n.º 380/93, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 17 de Setembro de 1993 de um crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 11.000$00 de multa alternativa a 14 dias de prisão.
Foi também condenado no âmbito do processo n.º 17/96, do Tribunal Judicial de Almeida, pela prática a 24 de Fevereiro de 1996 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 350$00, no montante global de 32.000$00.
Foi também condenado no âmbito do processo n.º 4/99.4GCGRD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 1 de Setembro de 1998 de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. Tal pena foi já declarada extinta.
Foi também condenado no âmbito do processo n.º 53/2001, do Tribunal Judicial de Pinhel, pela prática a 10 de Setembro de 2001 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 100 dias de multa à taxa diária de 400$00, no montante global de 40.000$00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses. Tal decisão transitou em julgado a 9 de Outubro de 2001, tendo tal pena sido já declarada extinta.
Foi também condenado no âmbito do processo n.º 40/03.8GDPNH, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 16 de Novembro de 2003 de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 100 dias de multa a taxa diária não determinada. Tal decisão transitou em julgado a 20 de Setembro de 2004 e tal pena foi já declara extinta.
Foi também condenado no âmbito do processo n.º 25/04.7GDPNH, do Tribunal Judicial de Pinhel, pela prática a 18 de Maio de 2004 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de desobediência, na pena de 7 meses de prisão efectiva pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5,00 pelo crime de desobediência, e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 20 meses. Tal decisão transitou em julgado a 14 de Dezembro de 2004 e tais penas foram já declaradas extintas.
Foi também condenado no âmbito do processo n.º 45/04.1GDPNH, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 15 de Dezembro de 2004 de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. Tal decisão transitou em julgado a 13 de Junho de 2005 e tal pena foi já declarada extinta.
Foi também condenado no âmbito do processo n.º 5/09.6GDPNH, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 13 de Março de 2009 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 6 meses de prisão a cumprir em 36 períodos de prisão por dias livres, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 24 meses. Tal decisão transitou em julgado a 19 de Maio de 2009 e tais penas foram já declaradas extintas.
Foi ainda condenado no âmbito do processo n.º 3/09.0GDPNH, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 17 de Fevereiro de 2009 de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa por igual período de 1 ano e 4 meses, com a condição de se submeter ao tratamento à dependência do alcoolismo. Tal decisão transitou em julgado a 7 de Junho de 2010.
Em sede de factos não provados ficou a constar:

Da audiência de discussão e julgamento não resultaram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.

Ao nível da fundamentação da matéria de facto mostra-se exarado:
O tribunal baseou a sua convicção essencialmente e desde logo na confissão integral e sem reservas dos factos constantes da acusação conforme tal confissão foi efectuada pelo arguido, tendo-se por isso dado os factos em causa como provados.
Em sentido coadjuvante à confissão do arguido foi ainda considerada a certidão que consta dos autos a fls. 9 a 19 como sendo a sentença proferida no processo n.º 5/09.6GDPNH, do 1º Juízo deste Tribunal e que se refere na matéria provada, bem como ainda o documento de fls. 23, de onde consta o resultado final de 3,81g/l relativo à pesquisa de álcool no sangue efectuada por colheita de sangue ao arguido no dia dos factos.
Por fim, quanto à condição económica, pessoal e familiar do arguido foram relevantes também as suas declarações em termos acerca dos quais não existiram razões para duvidar e que por isso se deram como provados, bem como ainda os depoimentos das testemunhas … (esposa do arguido), … e … . Quanto aos antecedentes criminais do arguido, foi relevante o respectivo CRC que consta dos autos.

3. Apreciando

a.

Perscrutadas as conclusões de recurso, constata-se que, além de pôr em causa que haja produzido uma confissão integral e sem reservas relativamente aos factos constantes da acusação, a montante suscita o recorrente a nulidade decorrente da não observância por parte do Tribunal das formalidades previstas no nº 1 do artigo 344º do CPP.
Assim, refere que a confissão, bem como o respectivo valor conferido pelo Tribunal tem de ficar documentado na acta da audiência de julgamento, acrescentando que o julgador omitiu o convite a uma confissão integral e sem reservas com todos os formalismos legalmente exigidos para tal, em parte alguma o questionando sobre se uma sua hipotética confissão revestia tal natureza e nunca lhe explicando em que se traduziria a mesma e as respectivas consequências.

Perante semelhante alegação, impõe-se, previamente, indagar sobre se o Tribunal deu, ou não, por assente o acervo factual relevante com base, na perspectiva do recorrente, na suposta confissão integral e sem reservas, pois que não sendo o caso perde relevância a questão.
A propósito, respiga-se da fundamentação da matéria de facto consignada na sentença:
O tribunal baseou a sua convicção essencialmente e desde logo na confissão integral e sem reservas dos factos constantes da acusação conforme tal confissão foi efectuada pelo arguido, tendo-se por isso dado os factos em causa como provados.
Em sentido coadjuvante à confissão do arguido foi ainda considerada a certidão …, bem como ainda o documento de fls. 23, de onde consta o resultado final de 3,81 g/l relativo à pesquisa de álcool…
Por fim, quanto à condição económica, pessoal e familiar do arguido foram relevantes também as suas declarações em termos acerca dos quais não existiram razões para duvidar e que por isso se deram como provados, bem como os depoimentos das testemunhas … Quanto aos antecedentes criminais do arguido, foi relevante o respectivo CRC…

Do que se acaba de reproduzir, afigura-se-nos que nenhuma dúvida séria pode subsistir no sentido de que a suportar os factos provados surge a confissão integral e sem reservas do arguido, ora recorrente.
Mas, se assim é, como nos parece claro, é mister afrontar a questão suscitada, a qual, repete-se, é prévia, e vejamos se prejudicial, àquela outra que põe em crise que tenha ocorrido uma confissão de tal natureza.

Nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque “No caso de o arguido declarar na audiência que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o juiz presidente pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se quer fazer uma confissão integral e sem reservas. Respondendo o arguido afirmativamente, o juiz presidente deve ainda informar o arguido dos efeitos previstos na lei para a confissão e, designadamente, o efeito de renúncia à produção de prova relativamente aos factos imputados, perguntando-lhe se ele, ainda assim, pretende fazer uma confissão. A omissão destas perguntas constitui uma nulidade sanável, que deve ser arguida durante a audiência.
Fazendo a confissão, o tribunal deve ouvir o MP e o assistente sobre a natureza jurídica da confissão feita e a necessidade de produção de prova sobre os factos confessados. Seguidamente, compete ao tribunal proferir um despacho em que formula um juízo sobre o carácter livre, integral, verdadeira e sem reservas da mesma.
A decisão do tribunal sobre o carácter livre, integral, verdadeiro e sem reservas da confissão e as respectivas consequências processuais é uma decisão complexa, que exige uma fundamentação fáctica e jurídica (artigo 97º, n.º 5) e é recorrível (artigo 399º).” – [cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 889].
Isto dito, debruçando-nos sobre as actas referentes à audiência de julgamento de fls. 87 a 89 e 101, facilmente se apreende que das mesmas não resulta a mais pálida referência a uma eventual confissão por parte do arguido, menos ainda que tivesse sido da natureza prevista no artigo 344º do CPP, sendo, em consequência, omissa relativamente a qualquer das formalidades acima evidenciadas.
Pode-se, assim, afirmar que a primeira vez que se toma conhecimento de se haver verificado – o que, igualmente, vem posto em crise pelo recorrente - uma confissão integral e sem reservas é através da leitura da sentença.
Dispõe o n.º 1 do artigo 344º do CPP: No caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o presidente, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção., bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas.
Por seu turno, nos termos do nº 2 artigo 99º do mesmo diploma legal: O auto respeitante ao debate instrutório e à audiência denomina-se acta e rege-se complementarmente pelas disposições legais que este Código lhe manda aplicar, acrescentando o nº 3 que: O auto contém, além dos requisitos previstos para os actos escritos, menção dos elementos seguintes: d) Qualquer ocorrência relevante para apreciação da prova ou da regularidade do acto [destaque nosso]
E o artigo 362º, que rege sobre a acta da audiência, estabelece conter a mesma: Os requerimentos, decisões e quaisquer outras indicações que, por força da lei, dela devam constar – cf. al. f) do nº 1.

Sendo este o quadro, parece não merecer contestação que ocorre a nulidade prevista no artigo 344º do CPP, pois que não resulta da acta de julgamento – documento com o valor indicado no artigo 169º do CPP – que hajam sido observadas as formalidades no mesmo exigidas.
Por outro lado, ainda que se defendesse tratar-se de nulidade sanável, obrigando, por isso, no caso à respectiva arguição no decurso da audiência, tal não seria concretizável na situação em apreço, já que, não decorrendo das actas de julgamento a formulação do juízo – recorrível - por parte do tribunal sobre a natureza da invocada – na sentença – confissão, nunca o sujeito processual, eventualmente, afectado poderia reagir contra uma realidade não documentada, da qual, pelo menos na perspectiva formal, veio a ter conhecimento em sede de decisão final, aspecto que, salvo melhor opinião, sempre levaria a considerar tempestiva a arguição, agora, feita.

Numa situação em que o recorrente questionou a constitucionalidade das normas dos artigos 99º, n.ºs 2 e 3, al. d), 344º, n.º 4 e 362º, al. e), todos do CPP – na redacção anterior à da lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – na interpretação que prescindia da menção obrigatória na acta de audiência da confissão do arguido, não obstante a valoração que esta, alegadamente, tinha tido para fundamentar a decisão condenatória, defendendo ocorrer violação do disposto no nº 1 do artigo 32º da CRP, considerou o Tribunal Constitucional no acórdão nº 288/99:
As passagens transcritas revelam suficientemente não se estar perante uma verdadeira declaração confessória, de valor probatório reforçado, mas sim face a simples declaração de admissão pelo arguido de determinados factos, em parte demonstrados (…) – o que, como tal, não é inserível na acta, como sua obrigatória menção [citados artigos 99º, nºs 2 e 3, alínea d), 344º, nº 4 e 362º, alínea e)].
Com efeito, se hoje não é representável qualificar a confissão do arguido como probatio probantissima, ainda assim, perante uma confissão exclusiva como meio de prova, o preceito do artigo 344º do CPP reveste-se de certas cautelas.
(…)
No caso vertente, como se destacou, não só não se teve a confissão do arguido como integral e sem reservas, como se conjugou a mesma no âmbito da livre apreciação da prova, sem prejuízo de a correlativizar com a demais motivação obtida. Ou seja, ao operar, num inevitável espaço de subjectividade, os motivos de facto que fundamentaram a decisão recorrida, o tribunal formou a sua convicção surpreendendo o conteúdo semântico respectivo seja nos factos objecto de confissão, seja nos demais elementos de prova apresentados e colhidos na audiência, relacionando-os em razão das regras da experiência e da lógica dos elementos disponíveis.
Ainda por outras palavras, afastada a aplicação directa da primeira parte do nº 4 do artigo 344º do CPP, não se vê como a consideração mitigada da confissão, de valor probatório livre, na medida em que “valorada, segundo as regras gerais, com outros factores ou meios de prova”, como reza o acórdão, possa ser interpretada de modo a ferir as garantias de defesa constitucionalmente garantidas por renúncia à produção de outros meios de prova, com a necessária menção na acta da audiência.
(…)
Como já se observou, a clara predominância da estrutura acusatória do processo penal português assegura todas as garantias de defesa (artigo 32.º nº1, da CR) e subordina a audiência de julgamento … ao princípio do contraditório (artigo 32º, nº 5 da CR). Por sua vez, a estrutura acusatória referida articula-se com o principio da investigação, que, no entanto se contém perante o núcleo fundamental do direito de defesa [cfr. Maria Fernanda Palma, “A Constitucionalidade do artigo 342º do Código de Processo Penal (O direito ao silêncio do arguido)]” in Revista do Ministério Público, nº 60, 1994, pág. 1049.
(…)
As garantias de defesa que o nº 1 do artigo 32º da CR condensa não foram, assim, “tocadas”pela interpretação do complexo normativo questionado e, como tal, manteve-se incólume a função substantiva da jurisdição penal. Designadamente, não sendo a confissão enquadrável nos parâmetros da primeira parte do nº 4 do artigo 344º do CPP, mas sim considerada de acordo com a segunda parte do preceito, ou seja, como meio de prova a par de outros, como tal conducente à formação da libré convicção do tribunal, a fase da decisão foi atingida com observância e respeito pela investigação dimanada da estrutura acusatória do processo e respectivo exercício do contraditório, não se perfilando nem surpresa nem inviabilidade da efectivação das garantias de defesa antes da decisão final …”.

Mas, ao invés, no caso que nos ocupa a confissão foi considerada – na sentença – integral e sem reservas, sendo com base na mesma que o tribunal deu por assente o acervo factual que veio a suportar a decisão de direito.
Nessa medida, impõe-se reconhecer, no plano que nos ocupa – o formal - razão ao recorrente porquanto resulta ter sido o mesmo, pela primeira vez, surpreendido na sentença por uma “confissão integral e sem reservas”, com as consequências, ao nível probatório, na mesma consignadas, o que se traduz numa afectação do seu direito de defesa constitucionalmente garantido – [artigo 32º da CRP], afectando, nomeadamente, o direito de, em momento oportuno, poder reagir, reequacionando a respectiva estratégia de defesa.
É, assim, de julgar verificada a arguida nulidade, quer por violação do disposto no nº 1 do artigo 344º do CPP, quer sobretudo, por violação do direito de defesa consagrado no artigo 32º, nº 1 da CRP, o que determina a invalidade do julgamento, bem como dos actos subsequentes, onde se inclui a sentença – artigo 122º da CRP.

Mostra-se, pois, prejudicada, a apreciação das demais questões colocadas pelo recorrente.

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, na procedência do recurso, em julgar verificada a nulidade decorrente da violação do artigo 344º, nº 1 do CPP e, bem assim, do artigo 32º, nº 1 da CRP, o que determina a invalidade do julgamento e dos actos subsequentes, incluindo a sentença, os quais devem ser repetidos.

Sem custas




Maria José Nogueira (Relatora)
Isabel Valongo