Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
241/21.7T8TND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: UNIÃO DE FACTO
RUPTURA DA UNIÃO DE FACTO
EMPOBRECIMENTO RELATIVO A BENS ADQUIRIDOS EM COMUM PELOS CONVIVENTES DE FACTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
TRABALHO DOMÉSTICO
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 402.º; 403.º, 1; 476.º; 1577.º; 1672.º; 1674.º E 1676.º, 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Quando se conclua que a falha relativamente à indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos com base nos quais o impugnante pretende a alteração da matéria de facto dificulta gravemente à contraparte o exercício adequado do contraditório, bem como ao Tribunal o exame da pretendida impugnação, deve rejeitar-se, na medida em causa, essa impugnação.

II – O convivente em união de facto, na ruptura desta, quando se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou, seja directamente, seja através da apropriação de poupanças significativas ao adquirente, pode, em acção declarativa de condenação pedir que o outro convivente seja condenado a reembolsa-lo, com fundamento no enriquecimento sem causa.

III -  O trabalho doméstico desenvolvido no âmbito de uma união de facto tem de ser visto como a participação livre para a economia comum, baseada na entreajuda ou partilha de recursos, configurando-se como o cumprimento de uma obrigação natural, a menos, ou na parte em que esteja em causa a realização da totalidade ou de grande parte desse trabalho por apenas um dos membros da união de facto e resulte da globalidade dos factos apurados que essa prestação se mostra desproporcionada.

IV – A mensuração dessa desproporcionalidade tem de ser feita tendo em consideração os encargos económicos implicados na vivência em comum e os proventos de cada um dos seus membros.  

III – E postula transferências excepcionais, que não de gestão ordinária de património, pois as despesas comuns encontram justificação na manutenção da união de facto entre as partes.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

            I -  AA, interpôs acção declarativa com processo comum, contra BB, pedindo a sua condenação no reconhecimento dele, Autor, como dono e legítimo possuidor do prédio descrito no ponto 1º da Petição  Inicial, e na sua desocupação, bem como no pagamento de uma indemnização diária não inferior a 50,00€, por cada dia de atraso, após trânsito em julgado da sentença condenatória, na entrega do prédio livre e devoluto.
            Para tanto, alegou, em síntese, ser dono de um determinado prédio urbano, “casa de habitação com 3 pisos, anexos e logradouro”, referindo que o mesmo foi por ele  mandado construir no ano de 1999, erigindo-o em dois prédios rústicos que adquiriu em  1992, e que, entre 1991 e 1993, ele e a R., ele divorciado, ela viúva, iniciaram um relacionamento amoroso, principiando a viver juntos em França, país onde os dois trabalhavam, tendo regressado a Portugal em 2000, aquando da reforma dele, e passado a viver como um casal na acima referida casa.  Refere que lá, como cá, cada um ganhava o seu dinheiro, fazia as suas economias, com contas e patrimónios separados, nunca tendo a R. contribuído com qualquer dinheiro fosse para o que fosse, designadamente para a aquisição e construção da acima referida casa, sendo que ela, com as suas economias, adquiriu habitação própria em ..., de que é única proprietária, e fez o seu pé de meia, nunca tendo tido um e outro contas bancárias ou quaisquer dinheiros comuns. Porém, em 2008, vítima de AVC, limitado nos seus movimentos, a fim de poder mexer na conta bancária para o seu dia a dia, adicionou a R., como autorizada, na sua conta à ordem. Em 2015 resolveram ambos dissolver a união de facto que tinham mantido. Algum tempo depois, a R. convenceu-o a voltar, propondo-lhe ficar como sua empregada doméstica, mediante o pagamento mensal de 400,00€, continuando ambos a viver na casa acima referida. Sucede que, valendo-se do frágil estado de saúde do autor e da diferença de idades, ele com 86 anos, ela com 67, privou-o de autoridade dentro de sua própria casa, tendo saído ele de casa, passando a viver em casa dum seu sobrinho. Não obstante tê-la intimado a abandonar a casa e levar os seus pertences, recusa-se a mesma a sair, obrigando-o a intentar a presente acção.
            A R . contestou e deduziu reconvenção, nesta pedindo que se reconheça que Autor e Ré viveram em condições análogas às dos cônjuges, desde, pelo menos, 1991 a 2021, e se reconheça  o  direito de propriedade comum sobre o prédio acima identificado e respetivo recheio/ mobiliário. Caso assim não se entenda, que se reconheça que o A. a e Ré viveram em união de facto desde o ano 1991 a 2021 e que a Ré contribuiu de igual modo (em 50%) para a obtenção do património (comum) do casal, constante do prédio acima referido e no seu recheio, condenando-se o A. a pagar á Ré metade desse património, que computa em pelo menos 90.000€, ou pelo que se vier a liquidar em execução de sentença. Caso ainda assim não se entenda, se condene o A. a pagar à Ré uma compensação a titulo de enriquecimento sem causa, pelo seu trabalho (essencialmente doméstico), e na prestação de cuidados de saúde ao A, sem contrapartida, consubstanciada em, pelo menos metade do valor do imóvel acima referido e respetivo recheio/mobiliário, que se apura desde já em, pelo menos, € 90.000,00.
            Para tanto, alegou, em síntese, que no início do relacionamento (1990/91) e até à construção da acima referida casa  (ano 2000), estiveram a viver no ..., numa casa da Ré, e que durante todo o seu relacionamento foi sempre ela que fez todas as despesas domésticas, alimentação, água, gaz, luz da casa, compra de  roupa,  calçado,  medicamentos, tendo sido ela quem confecionava as refeições, quem lavava e limpava a casa, as camas, e demais lide doméstica, acrescendo que nos últimos anos, com o agravar da doença do Autor, dificuldade de andar, de ouvir e demência, era ela quem tinha que sair com ele, de o amparar, de o vestir, calçar, dar banho. Refere ainda que o Autor aforrava toda a sua reforma, tendo sido muitas as discussões por causa disso durante a constância da união de facto, ao passo que a R. gastava toda a sua pensão, tendo sido  criada do Autor, para todo o serviço.  Acentua que os terrenos onde a casa foi edificada, esta, e o respetivo recheio, decorreram de dinheiro dos dois, pelo que o património que hoje têm, não obstante a casa ter sido inscrita somente em nome do A., - o que sucedeu por uma questão formal, uma vez que o terreno onde o mesmo foi implantado se encontrava em nome dele - adveio de contribuições iguais de um e de outro.

            Teve lugar audiência prévia, em que foi admitido o pedido reconvencional, tendo sido identificado o objecto do litigio e enunciados os temas de prova.
            Teve lugar a realização de perícia ao imóvel em causa na acção.
           
            Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente,  tendo  declarado o Autor titular do direito de propriedade do prédio urbano constituído por casa de habitação com 3 pisos, anexos e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ..., ..., a confrontar de norte e nascente com herdeiros de CC, do sul com DD e do poente com estrada, inscrito na matriz sob o art.º ...33.º, e descrito na Cód.Reg. Predial a seu favor, com o número ...25 e condenado a Ré no reconhecimento desse direito de propriedade, bem como na entrega ao Autor, no prazo de 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, do referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens, com excepção dos que sejam da propriedade deste,  bem como a condená-la no ao Autor da quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na ordenada entrega do imóvel descrito em A. E julgou  improcedente o pedido reconvencional deduzido pela R., absolvendo o Autor desse pedido.

            II – Do assim decidido, apelou a Ré, que concluiu as respectivas alegações, do seguinte modo:
            1. Foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto constantes da sentença recorrida:
            2.  Pontos 9.12 dos Factos Provados, que nenhuma prova se fez, e pelo contrário mostra-se em contradição com os factos dados como não provados sob os números 13.
            7. Como decorre do depoimento da testemunha EE, que o Tribunal, sem qualquer razão aparente teima em não dar credibilidade. Por ser filha da Ré??!! A ser assim todas as testemunhas que o autor indicou são também seus familiares, cfr. acta de audiência de discussão e julgamento, das 15:01:00 às 15:13:06, cujos depoimentos se iniciam, respectivamente aos minutos 10.30 a 11.50. [1]
            8. Resultando provado no ponto 4 dos factos provados que o A. desde ao ano de 1991 até meados de 2016, viveram em união de facto, passando a partilhar cama, mesa e habitação, e que
            9º A partir de 2016, até o ano de 2020, apenas partilharam mesa e habitação, facto provado sob nº 9, e que
            10º Desde 1991 (inicio da relação  até 2016, foi sempre a Ré reconvinte quem tratou de todas as lides domésticas da residência do casal, assim como as roupas do AA, sem qualquer compensação económica por parte deste..,
(facto provado sob nº 11).
             11º É certo que em 2016, a Réu lhe exigiu uma quantia em dinheiro, para continuar a tratar dele e da lide doméstica, mas esse valor era para ela custear as compras para casa (alimentação, produtos de higiene)… entendimento que o tribunal não colheu, deu outra interpretação…(entendeu que esse dinheiro era para seu proveito).
            12º O tribunal interpretou esse valor como sendo uma compensação para a Ré….isto ofende o comum dos mortais, então trabalho doméstico da Ré, apenas valia 300 euros por mês, tal como o tribunal o entende.??!.. Não
            13º E, finalmente o tribunal equivale a prestação que o A. vinha prestando, como pagando todas as despesas domésticas mais água e luz, com o trabalho da Ré reconvinte… Não..
             14º O Trabalho da ré reconvinte tem um valor muitíssimo superior à prestação do Autor.., devendo por isso mesmo ser compensada..
            15º Tal com afirma Menezes Cordeiro, uma parte significativa da jurisprudência nacional tem entendido que, aquando da cessação da união de facto, a causa justificativa em que se baseavam as atribuições patrimoniais dos conviventes se, extingue pelo que, nos termos da segunda parte do nº 2 do artigo 473º do CC deve recorrer-se ao instituto do enriquecimento sem causa na modalidade de “causa finita”, ou seja, de um enriquecimento em virtude de uma causa que deixou de existir.
            16º Também a nossa jurisprudência maioritária têm vindo a considerar o trabalho doméstico prestado por um dos cônjuges, como uma contribuição para a vida em comum e portanto deverá ser compensado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, em causa de cessação da vida em comum, ou seja,
            17ºNa esteira do que é defendido pela maioria da doutrina, o instituto que melhor se adequa à compensação do trabalho doméstico, e por isso, não remunerado, é o do enriquecimento sem causa, nos termos já explicitados supra, na medida em que, este regime permite, efetivamente, apurar qual a vantagem conferida com aquela prestação, a quem dela usufrui. Portanto,
            Apesar de na maioria das vezes o trabalho doméstico prestado no lar por um dos conviventes ser, de alguma forma, compensado através do sustento económico garantido pelo outro, tal situação não implica o afastamento do enriquecimento sem causa, funcionando, apenas como limitador do montante a restituir.
            Assim decidiu o Acórdão do STJ de 14.01.2021 que, “ A prestação de trabalho doméstico, assim como a prestação de cuidados……exclusivamente ou essencialmente por um dos membros da união de facto sem contrapartida, resulta num verdadeiro empobrecimento deste, e a correspetiva libertação do outro membro da união da realização dessas tarefas, um enriquecimento uma vez que lhe permite beneficiar do resultado da realização dessas atividades, sem custos ou contributos”, e continua o dito Acórdão, “Assim verificando-se nessas situações, um manifesto desequilíbrio na repartição dessa tarefas, não é possível considerar que a realização das mesmas correspondem, respetivamente a uma obrigação natural e ao cumprimento de um dever….Não se fundando esse enriquecimento numa causa legitima, não há motivos para que esse encargos não seja contabilizado nas contribuições que permitiram ao outro membro adquirir património no decurso da relação de união de facto ..
            18º. No mesmo sentido dispõe o Ac. T. R. Guimarães. de 29.09.2004
            “Tendo-se apurado que a A. deixou a sua atividade profissional e a casa onde vivia para ir viver com o R., dedicando-se a tempo inteiro à vida doméstica e que durante o período em que A. e R. viveram juntos – 14 anos – a Autora cuidou das lides domésticas, confeccionou as refeições, tratou da roupa, limpou a habitação, fez compras para a casa, tendo ainda ambos, autora e réu, adquirido mobiliário e artigos para o lar após em conjunto o escolherem, a vantagem adquirida pelo Réu, mercê daquele comprovado contributo indireto da Autora, estava-lhe destinada (à Autora), era-lhe atribuída segundo a ordenação jurídica dos bens, pertencia-lhe em face do «conteúdo de destinação» do direito ou posição jurídica. II- E não seria justo que ao fim de 14 anos de uma vida de união de facto, o réu pudesse ficar com o seu património enriquecido à custa do empobrecimento injusto da Autora, que abdicou da sua atividade profissional para se dedicar em exclusividade à vida familiar do casal e dos filhos. III- A cessação da união de facto determinou o desaparecimento posterior da causa da deslocação patrimonial verificada, e originou o nascimento do direito da autora a exigir a restituição em função do regime do enriquecimento sem causa, nos termos do artº 473º e segs. do Código Civil.”
            19º E mais ainda: 1. As relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros estão sujeitas a um estatuto particular, a que se chama “regime de bens do casamento” mas assim não sucede na união de facto - os membros da união de facto em princípio são estranhos um ao outro, ficando as suas relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais. 2. Extinta a relação, não valendo aqui o disposto nos art.ºs 1688º e 1689º do CC - que só ao casamento respeitam -, as regras a aplicar, à liquidação e partilha do património do casal, são as acordadas no “contrato de coabitação” eventualmente celebrado e, na sua falta, o regime geral das relações obrigacionais e reais, não estando excluído que a liquidação do património do casal se faça segundo os princípios das sociedades de facto ou do enriquecimento sem causa. 3. A obrigação de restituir o enriquecimento não prescreve (art.º 482º do CC) enquanto o empobrecido tiver outro meio de ser restituído ou outra forma de ser indemnizado pelo seu prejuízo - uma vez que só se conta a partir da data em que o empobrecido tomou conhecimento do direito que lhe assiste por este fundamento, não abarca o período em que, com boa fé, tiver utilizado sem êxito outro meio de ser indemnizado ou restituído.
            20º E finalmente ACSTJ de 27-04-2005 União de facto Dissolução Património comum Enriquecimento sem causa I - Provado que autora e réu viveram juntos desde 1986 até 10 de Março de 2001; que a autora deixou o seu emprego de porteira num edifício na Venezuela para se dedicar exclusivamente à lide doméstica; e que o réu tinha parte numa panificação na Venezuela, foi adquirindo as quotas aos outros sócios até ficar com o estabelecimento na totalidade e ainda que comprou bens em Portugal que estão em seu nome, está demonstrada a vivência de ambos em união de facto. II - A união de facto produz, além de outros, efeitos civis, que são em tudo diferentes dos efeitos patrimoniais que resultam do casamento. Assim, à união de facto não se aplicam as regras próprias da divisão de bens resultante dos vários regimes de casamento. III - Não se podendo equiparar a união de facto ao casamento quer no que respeita aos deveres impostos aos cônjuges quer no que respeita ao regime de bens quer no que à determinação dos bens próprios e comuns diz respeito, os efeitos patrimoniais da união de facto têm que se reger pelo direito comum das obrigações e dos direitos reais. IV - Assim, cessada a união de facto, no rigor dos termos não se poderá falar em património comum, pese embora que a maior parte das vezes os bens tenham sido adquiridos com dinheiro de ambos ou, pelo menos, com o esforço de ambos, muito embora um deles não tenha profissão mas trabalhe na vida do lar que constituíram. V - A jurisprudência tem entendido que a divisão do 'património comum' se deve fazer, ou de acordo com o princípio das sociedades de facto ou com a invocação ao instituto do enriquecimento sem causa. VI - O trabalho doméstico da lide da casa deve ser valorado não se podendo subestimar. É difícil saber a que título se deve definir o trabalho desenvolvido na lide da casa, se deve ser retribuído como salário ou vencimento. Face ao nosso direito, nem se pode falar em salário nem em vencimento. VII - Poder-se-ia entender que, pelo menos o réu usufruiu desse trabalho da sua companheira, e por isso deverá indemnizá-la na medida em que enriqueceu à custa do empobrecimento da autora que durante 14 anos nada recebeu a esse título, mas para tanto esta deveria ter pedido a condenação do réu em quantia que entendesse ser a adequada a ressarcir o seu trabalho e não o fez.
            21º Deverá então condenar-se o A. no pagamento à Ré de uma quantia, muito próxima do peticionado no pedido reconvencional, ou outra que se repute adequada, segundo juízos de equidade, como compensação global, pelo seu contributo de trabalho doméstico, para a casa, a titulo de enriquecimento sem causa.
            22ºÉ ainda nula a sentença nos termos artº 615 nº 1 al b) porquanto a fundamentação da mesma é obscura, e está em oposição com os factos alegados.
            23. Pelo exposto, deveria ter sido proferida sentença que, julgando o pedido reconvencional provado e procedente, condenando-se o A. nos seus precisos termos..
            24. Ao não se ter decidido assim ocorreu violação do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº1 do artigo 615 do Código de Processo Civil.

            Não foram produzidas contra-alegações pelo Autor.

            III – O Tribunal da 1ª instância julgou provados, com relevância para a decisão, os seguintes factos:
            1 -AA é o titular de direito de propriedade do prédio urbano constituído por casa de habitação com 3 pisos, anexos e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ..., ..., a confrontar de norte e nascente com herdeiros de CC, do sul com DD e do poente com estrada, inscrito na matriz sob o art.º ...33.º, e descrito na Cód.Reg.Predial a seuvor, com o número ...25;
             2- O imóvel descrito em 1- foi construído no ano de 1999 por ordem de AA em dois prédios rústicos que adquiriu, por escritura pública de compra e venda, no dia 27.11.1992, a DD e mulher FF e a GG e marido, HH;
             3- Desde a data descrita em 2- (27.11.1992) AA detém a posse pública, pacífica, de boa-fé, ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de quem que seja, dos prédios rústicos supra descritos, na parte não ocupada pelo urbano referido em 1-, usufruindo de todas as suas utilidades, cultivando-os, agricultando-os, colhendo os seus frutos e pagando as respectivas contribuições;
             4- No ano de 1991 AA, no estado de divorciado, e BB, no estado de viúva, passaram a partilhar cama, mesa e habitação, assim se mantendo até ao ano de 2016;
             5- AA e BB viveram em França até ao ano de 2000, numa habitação propriedade daquele;
             6- AA exerceu a profissão de carpinteiro por conta de outrem em França até ao ano de 2000, ano em que se reformou e regressou a Portugal, juntamente com BB;
            7- Em Portugal, AA e BB passaram a viver no imóvel descrito em 1-, tendo aquele continuado nestes país a exercer actividade profissional de carpinteiro;
            8- Quando em França, BB exerceu as funções de cozinheira por conta de outrem;
            9- Desde o ano de 2016 até ao ano de 2020, AA e BB partilharam apenas a mesa e a habitação;
            10- Devido a desentendimentos com BB, AA saiu da residência do casal, referida em 1-, no ano de 2020, passando a viver em casa de um seu sobrinho e afilhado, na localidade de ..., ...;
             11- Desde o ano de 1991 até ao ano de 2016 foi BB quem tratou de todas as lides domésticas da residência do casal, assim como das roupas de AA, sem qualquer compensação económica por parte deste;
            12- Desde o ano de 1991 até ao ano de 2016 foi AA quem suportou exclusivamente todas despesas inerentes à vida doméstica, pagando, dos proventos do seu trabalho, os consumos de água, luz e de gás, os géneros alimentícios que consumia juntamente com BB, o combustível da viatura automóvel e todas as demais despesas comuns ao casal;       
            13- No ano de 2016, após a saída de AA da residência do casal, BB procurou o mesmo e propôs-lhe pagar a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros) mensais para continuar a tratar das lides domésticas, assim como das roupas daquele, o que pelo mesmo foi aceite, regressando à residência do casal e procedendo ao pagamento da referida quantia àquela, mantendo, contudo, o pagamento de todas as despesas do casal, como descrito em 12-;
            14- AA tem 86 (oitenta e seis) anos de idade, sofreu dois AVC, apresentando dificuldade de locomoção;    
            15- BB tem 67 (sessenta e sete) anos de idade, mantendo a sua residência no imóvel descrito em 1-;          
            16- Durante os anos de vida em comum com AA, BB auferiu uma pensão de viuvez no montante de € 800,00 (oitocentos euros), além do vencimento pelo exercício da sua profissão de cozinheira, que recebeu até ao ano de 2000;
            17- Durante os anos de vida em comum AA e BB foram titulares em exclusivo de contas bancarias para onde foram canalizando respectivamente as suas poupanças;        
            18- Porém, no ano de 2008, devido ao estado de saúde de AA, este autorizou BB a movimentar a conta bancária n.º ...01 do “Banco 1..., SA”, de que era único titular e cujos saldos provieram exclusivamente de poupanças suas;          
            19- Durante os anos de vida em comum AA, BB adquiriu, com o produto das suas poupanças, um apartamento na ...;
            20- No ano de 2018, BB doou o apartamento referido em 19- a uma sua filha;
            21- Em momento posterior à doação referida em 20-, BB propôs a AA a celebração de testamento, onde reciprocamente nomeavam o outro seu herdeiro, o que foi recusado por este;

            III - B) – O Tribunal da 1ª instância julgou não provado que:  
            1-A Ré tenha trabalhado numa empresa de trabalho temporário;
            2- No início do relacionamento o casal tenha residido numa habitação da propriedade da Ré, sita em ...;
            3-  Durante os anos de vida em comum com o Autor todas despesas domésticas foram suportadas pela Ré, que as pagou com o seu dinheiro, concretamente, as relativas à alimentação, consumo de água, luz e de gás; Mesmo o vestuário, o calçado e os medicamentos do Autor foram adquiridos com dinheiro da Ré;
            4- O Autor e a Ré tenham residido numa habitação propriedade da Ré sita em ...;
            5- O Autor e a Ré acordaram na comparticipação, por ele, nas despesas domésticas com a quantia de € 300,00 mensais;
            6- Os montantes depositados na conta bancária n.º ...01 do “Banco 1..., SA” ou noutra conta bancária de que sejam co-titulares tenham tido proveniência da entrada/depósito de quantias monetárias da propriedade da Ré;
            7-  A aquisição dos prédios rústicos, dos materiais de construção do urbano, referido em 1-, dos factos provados, dos montantes devidos pela empreitada, e do respectivo recheio, com excepção de duas mobílias de quarto, foi realizada com dinheiro da Ré.

            IV – Constitui objecto do presente recurso, consoante resulta do confronto entre as conclusões das alegações e a sentença recorrida:  
            -  a impugnação dos pontos  9 e 12 da matéria de facto;  
            - a nulidade da sentença por obscuridade da fundamentação e oposição da fundamentação aos factos;
            - a procedência da reconvenção, no que se reporta ao enriquecimento sem causa por parte do A. tendo em consideração o trabalho doméstico desempenhado pela R./Apelante.
 

A disposição de carácter genérico constante do nº 1 do art 662º CPC - a respeito da modificabilidade da decisão de facto - deve ser complementada, no que concerne à  modificabilidade decorrente  da aí referida  «prova produzida», com a do disposto no art 640º, do que decorre que a impugnação da decisão relativa a tal matéria se encontra dependente da observância de especiais ónus.

De acordo com esta norma, em tais casos, «deve o recorrente obrigatoriamente especificar sob pena de rejeição (...) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (...), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (...) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas» – cfr art 640º/1 CPC.

De acordo ainda com a mesma norma – cfr seu nº 2-, «quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Tem vindo a ser entendido que o recorrente da matéria de facto tem que fazer constar das conclusões de recurso o cumprimento dos ónus a que se reporta o nº 1 do art 640º, pois só dessa forma resulta delimitado o âmbito do recurso, e que se deverá usar de maior rigor na apreciação do cumprimento desses ónus  (primários ou fundamentais, de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao  previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes) [2].

Mas, mesmo relativamente àqueles ónus fundamentais, verifica-se no STJ uma tendência para uma maior flexibilidade de critérios, no intuito de se evitarem a todo o custo decisões formais, dizendo-se que «os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade»[3].

E no âmbito dessa tendência, tem vindo a ser afirmado que basta que nas conclusões venham indicados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, podendo o impugnante satisfazer os demais ónus na motivação do recurso, desde que o faça de forma explícita. [4].

          Admite o STJ, ainda no âmbito da mesma tendência, que  a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se reporta a referida  al. a) do nº 2 do mesmo art 640º, tendo, acima de tudo,  por função, «facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência»,   ainda que incumprido ou imperfeitamente cumprido,  só deverá implicar a imediata rejeição do recurso quando «dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por parte do tribunal de recurso» [5].

            Entende-se ser esse o caso no que se reporta à impugnação da decisão da matéria de facto na presente apelação, mesmo que recorrendo ao corpo alegatório das respectivas alegações.

            É, aliás, só em função deste, que se compreende que a Apelante pretende impugnar os factos vertidos nos pontos 5 e 12, pois que na conclusão 2ª refere, amalgadamente, “9.12”.

             Relativamente ao ponto 9 em causa – de que consta que «desde o ano de 2016 até ao ano de 2020, AA e BB partilharam apenas a mesa e habitação» - a objecção da Apelante é a de que, pese embora não tenham mantido relações sexuais nesse período (porque o A. foi acometido de doenças várias que não o permitiam), pernoitaram, não obstante, na mesma cama.     Objecção esta perfeitamente gratuita, tanto pelo seu conteúdo, em nada relevante para o objecto da reconvenção, como pela circunstância de a Apelante não a ter fundamentado minimamente em qualquer meio de prova, não podendo, pois, pese embora a tendência acima referida, deixar de se rejeitar a sua pretendida impugnação.
            Relativamente ao ponto 12 – de que consta que, «Desde o ano de 1991 até ao ano de 2016 foi AA quem suportou exclusivamente todas despesas inerentes à vida doméstica, pagando, dos proventos do seu trabalho, os consumos de água, luz e de gás, os géneros alimentícios que consumia juntamente com BB, o combustível da viatura automóvel e todas as demais despesas comuns ao casa»,  limitou-se a Apelante a indicar, para a respectiva impugnação, os depoimentos de parte e o depoimento  da testemunha EE, fazendo-o com a vacuidade e pouca inteligibilidade  que resulta das seguintes considerações extraídas do corpo das alegações:
             «Da prova carreada para o processo, assente nas declarações de parte nas declarações da testemunha EE, de quem o tribunal , não se sabem bem porquê, teimou em desmerecer o seu depoimento, logo bem patente na audiência de julgamento, resultou provado que A Ré Reconvinte, que ambos pagavam as despesas de casa.r eferindo a ré reconvinte que “ O autor fazia as compras grosso aos fins de semana.” Sic.
            Pelo que se mostra também incorrectamente julgado.
            Aliás, este facto está em contradição insanável com o vertido em 13º.
             Porquanto resulta do mesmo que a Ré, impôs ao autor o pagamento de um valor, que esta utilizava para comprar alimentos para a casa.
            Ora se o A. pagasse tudo em exclusivo, como é referido nos factos provados a Ré não tinha necessidade de lhe exigir aquele ou outro valor, como decorre do depoimento gravado no dia 29 de setembro de 2022, pelas 9.30 h- cfr. Acta da audiência de discussão e julgamento, das 10.30 às 12f , cujos depoimentos se iniciam, respectivamente, aos minutos 9:15 a 9:50; 10:00 a 10:40; e 10:50 a 11:14.
            Por todas estas razões, dos meios de prova acabados de analisar, não pode resultar, nem como se concluiu no ponto 9, 12 dos Factos Provados.
            Por isso, devem eliminar-se os pontos 9, 12 dos Factos Provados».
            A referência que faz aos minutos 9:15 a 9:50; 10:00 a 10:40; e 10:50 a 11:14, não parece obter correspondência sequer com o inicio e fim dos depoimentos em referência no respectivo registo.
            O único conteúdo que a Apelante atribuiu aos meios de prova que indicou, e em função do qual pretende concluir que o decidido no ponto 12 foi «incorrectamente julgado» e se mostra contraditório com o ponto 13º, foi, ao que parece, o dela própria, no respectivo depoimento de parte, onde terá dito que  «O autor fazia as compras grosso aos fins de semana», sendo que desta expressão conclui que o facto 12 está em contradição com o 13, porque «se o A. pagasse tudo em exclusivo» ela, Ré, «não tinha necessidade de lhe exigir aquele ou outro valor».
            Entende-se que a forma confusa e pouco explicita com que, - e, porventura, propositadamente, - se exprime,  aliada à  já referida falha da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que pretenderia que fossem analisados de modo a ser eliminado o ponto fáctico em referência, tem que conduzir à conclusão de que essas inexactidões dificultam gravemente à contraparte o exercício  adequado do contraditório,  bem como a este Tribunal o exame da pretendida impugnação,  na medida em que se fica, à partida, sem compreender os motivos da discordância da Apelante.
            A verdade é que os acima referidos ónus de impugnação da decisão da matéria de facto não têm outro alcance, na sua reunião, que não, o de permitirem ao impugnante uma  adequada apreciação critica da prova de que se quer servir para fundamentar a decisão que entende correcta, não podendo dispensar, para permitirem essa apreciação,  o esforço mínimo da apresentação por parte do impugnante  de «um discurso argumentativo onde, produza uma análise crítica relativa às  provas, mostrando com a mínima logicidade  por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido». [6]
            Referindo-se que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise critica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas…) também o Recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando, nomeadamente para o efeito, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos». [7]
            Deste modo, entende-se, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que a Apelante não cumpriu adequadamente os ónus a que acima se fez referência, não permitindo que se perceba, à partida, onde se encontra o erro de julgamento de facto, do que resulta que se rejeite também a impugnação do ponto 12 dessa matéria.

            Curiosamente, é neste quadro de vaguidade e ambiguidade da fundamentação da impugnação da matéria de facto, que a Apelante, sem que tenha feito qualquer referência no corpo alegatório ao aspecto em causa, vem dizer nas conclusões do recurso – 22 ª -  que «é nula a sentença nos termos art 615º al b), porquanto a fundamentação da mesma é obscura, e estão em oposição, com os factos alegados».
            Também aqui se mostra imperceptível a censura da Apelante, que  não se esforçou minimamente para explicar de que modo é que a fundamentação da sentença se mostra obscura e de que modo se mostra em oposição com a decisão, e, porque não se vê  que a mesma mereça essa adjectivação, julga-se improcedente a pretendida nulidade da sentença.

            Vem a Apelante sustentar, após, que mesmo na improcedência da impugnação da matéria de fato – e, portanto, mesmo que o tribunal tenha como provado que era o A. quem pagava na totalidade as despesas domésticas - a prestação por ela dos trabalhos domésticos, bem como de prestação de cuidados de saúde ao A., sempre seria «manifestamente» superior à prestação deste, pelo que deve ser ressarcida pela sua contribuição na angariação do património comum, sob pena de um enriquecimento injustificado por parte do Autor.

            Vejamos, antes de mais, o percurso argumentativo da sentença recorrida no que se refere  ao pedido reconvencional em referência:
            «(…) resultou provado nestes autos que durante toda a vida em comum do casal – de 1991 a 2020 –, Autor e Ré, embora vivendo sobre o mesmo tecto, e partilhando habitação, mesa e cama (esta só até ao ano de 2016), mantiveram sempre autonomia de património imobiliário e financeiro, tendo cada um deles conta bancária de exclusiva titularidade e para onde iam canalizando as suas poupanças (situação que se alterou em 2018, como descrito no facto provado n.º 18).
            Mais se provou, ainda, que a Ré aufere uma pensão de viuvez em quantia mensal de € 800,00 (oitocentos euros), ao que acresceu o salário de cozinheira durante todo o tempo em que residiu em França, proventos que canalizou para as suas poupanças e para a aquisição de um apartamento na ..., que doou no ano de 2018 a uma sua filha.
            De facto, resultou provado que durante todo o tempo de partilha de mesa, cama e habitação do o Autor (de 1991 a 2016) foi este quem suportou exclusivamente todas despesas inerentes à vida doméstica, pagando, dos proventos do seu trabalho, os consumos de água, luz e de gás, os géneros alimentícios que consumia juntamente com BB, o combustível da viatura automóvel e todas as demais despesas comuns ao casal.
            Mais se provou que, no ano de 2016 (após separação de cama e saída do Autor da residência) a Ré procurou o Autor e propôs o pagamento de € 400,00 (quatrocentos euros) mensais para continuar a tratar das lides domésticas da residência, assim como das roupas deste, o que pelo mesmo foi aceite, procedendo ao pagamento da referida quantia àquela até ao momento em que saiu da habitação (no ano de 2020), enquanto manteve sempre o pagamento de todas as despesas do casal.
            Por conseguinte, se é certo que desde o ano de 1991 até ao ano de 2016 foi a Ré quem tratou de todas as lides domésticas da residência do casal, assim como das roupas do Autor, sem qualquer compensação económica por parte deste – o que traduz indiscutivelmente um ganho económico para o Autor em prejuízo da Ré –, não é menos certo que durante todo esse tempo foi o Autor quem suportou exclusivamente todas as despesas inerentes à vida doméstica e outras despesas do casal, ao passo que a Ré – que auferia (e aufere) € 800,00 (oitocentos euros) mensais a título de pensão de viuvez, além do seu salário de cozinheira até ao ano de 2000 – foi poupando e aforrando os proventos da pensão e do seu salário, o que, igualmente, traduz, de forma indiscutível, um ganho económico por parte desta em prejuízo do Autor.
            Entende-se, assim, que as partes, na dinâmica da sua relação e porque titulares de património autónomo, encontraram um ponto de equilíbrio para evitar prejuízos financeiros recíprocos – a Ré tratava das lides domésticas, roupas e afins e o Autor suportava todos os gastos inerentes à vida doméstica e outras despesas comuns ao casal.
Julga-se, deste modo, não poder a Ré – com os rendimentos que auferiu e ainda aufere e as poupanças que indiscutivelmente o Autor lhe proporcionou ao assumir o pagamento supra referidos – vir agora invocar o instituto do enriquecimento sem causa, pesem embora, obviamente, o reconhecimento que merece todo o esforço físico que ao longo dos anos de vida em comum empregou nas lides domésticas, na preparação das refeições roupes e afins, assim como o Autor deve ver reconhecido o altruísmo revelado ao suportar exclusivamente todas as descritas despesas comuns.
            De facto, o que resulta evidente da prova produzida, é que a Ré, ao longo da vida em comum com o Autor, nunca descorou os aspectos financeiros, sempre trabalhou em  França, beneficiou de generosa pensão de viuvez, e viu todas as suas despesas relativas a alimentação, consumo de água, gás, electricidade e outras em comum com o Autor a serem suportadas exclusivamente com este. Ou seja, a Ré sempre compensou o trabalho que desenvolveu em prol do Autor com o pagamento por parte deste de todas as despesas domésticas e outras da mesma.
            E tanto assim será, que em 2016, quando se separaram de cama e o Autor abandonou o lar conjugal, a Ré logo o procurou e propôs o pagamento de “salário” – como a mesma referiu em audiência – de € 400,00 (quatrocentos euros) para continuar a fazer as lides domésticas, o que o Autor aceitou.
            Em reforço do que expendeu quanto ao facto de a Ré nunca ter descorado os aspectos financeiros há ainda a considerar a circunstância de ter adquirido, com o produto das suas poupanças, um apartamento na ...; ter “doado” tal apartamento a uma sua filha e, pasme-se, em momento posterior à descrita doação – quando já não dispunha de bens imóveis na sua titularidade –, ter proposto ao Autor a celebração de testamento, onde reciprocamente nomeavam o outro seu herdeiro…
            Considera-se assim, não se poder concluir in casu que existiu um enriquecimento do Autor à custa da Ré, falecendo, por isso, a pretensão pela mesma deduzida».
            Desde já se adianta concordar-se de pleno com a decisão recorrida, sem que, de modo algum, se exclua o valor económico, enquanto poupança de despesas, de todo e qualquer trabalho doméstico.
            Vejamos.
            É sabido, que não obstante a manifesta importância da união de facto na  presente realidade sociológica, foi de caso pensado que o legislador, pese embora as crescentes medidas legislativas de protecção a essa realidade, entendeu nada determinar relativamente ao  regime patrimonial geral dos bens adquiridos durante essa união e  às dividas contraídas pelos conviventes, e tão pouco relativamente à  liquidação e partilha do património em virtude da dissolução da união.
            Por assim ser, resulta afastada a possibilidade  de aplicação analógica das normas reguladoras das relações patrimoniais do casamento – não fazendo, aliás, sentido impo-las a quem optou por a elas não se subordinar[8] - pelo que, quando não existam acordos de coabitação entre os unidos [9],  as relações patrimoniais entre estes durante  a união de facto e na sua cessação resultam sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais.   Será discutível se a liquidação do património adquirido pelo esforço comum  se deve fazer, em certas situações, com recurso aos princípios das sociedades de facto ou em função das regras da compropriedade [10], mas é indiscutível que é genericamente às regras do enriquecimento sem causa que se deve recorrer, por ser inadmissível que se deixe sem protecção patrimonial o empobrecido  em caso de cessação  da união de facto.
            Por assim ser, tem sido entendimento comum [11],  o de que  o convivente em união de facto na ruptura desta, quando se considere empobrecido  relativamente aos bens em cuja aquisição participou -  seja directamente, seja «através da apropriação de poupanças significativas ao adquirente» [12]- pode em acção declarativa de condenação  pedir que o outro convivente seja condenado a reembolsa-lo com fundamento no enriquecimento sem causa.
            Caberá, então, a quem assim o exige, o ónus da prova relativamente à falta de causa justificativa da atribuição patrimonial, como é regra no âmbito do enriquecimento sem causa enquanto fonte autónoma, que é, da obrigação de restituir, bem como dos seus demais requisitos - que o mesmo tenha sido obtido imediatamente à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição  (isto é, que não haja de permeio, entre o acto gerador de prejuízo e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro qualquer acto jurídico) e que a lei não permita ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.
            Poderá dizer-se genericamente que o enriquecimento carecerá de causa justificativa sempre que o direito não o aprove ou consinta, dado não existir uma relação ou um facto que de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento.       
            O direito ao enriquecimento sem causa no âmbito da dissolução da união de facto coloca-se nas situações em que tenham sido adquiridos bens  com a participação de ambos os seus membros,  sobretudo, quando tais bens apenas estejam titulados em nome  apenas de um desses membros  - como é o caso , na situação dos autos, do imóvel a que se reporta o facto 1 da matéria de facto –, cabendo saber se essa participação, para além de monetária, se pode traduzir, como acima se referiu, na «apropriação de poupanças significativas ao adquirente», como sucede com  o trabalho doméstico, o de prestação de cuidados de saúde ao convivente, bem como com o cuidado e educação dos filhos, em qualquer caso, sem contrapartida, ou se, pode mesmo situar-se, exclusivamente, nesse trabalho e nestes cuidados, sabido, como é, que o enriquecimento  tanto pode traduzir-se num aumento do activo patrimonial como na poupança de despesas.
            Na concreta situação do presente recurso está em causa saber – o que, necessariamente, deve ser feito  em função do conjunto dos factos  provados - se a circunstância de ter sido a R., quem, desde o ano de 1991 até ao ano de 2016, consequentemente durante todo o período em que durou a união de facto,  tratou de todas as lides domésticas da residência do casal, assim como das roupas do A., sem qualquer compensação económica por parte deste, é circunstância que tenha enriquecido este, sem que se descortine justificação, de acordo com os princípios do nosso sistema jurídico, para a referida  deslocação patrimonial, pois, só se assim suceder se poderá concluir que esse enriquecimento carece de causa justificativa .

È que, para se reconhecer a obrigação de restituir em função do enriquecimento, não basta a demonstração de uma vantagem patrimonial à custa de outrém, sendo ainda exigível mostrar que não existe uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, «quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, ou, porque , entretanto deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento», como se refere no Ac STJ de 4/7/2019[13] .

Ora, provou-se que «desde o ano de 1991 até ao ano de 2016 foi AA quem suportou exclusivamente todas despesas inerentes à vida doméstica, pagando, dos proventos do seu trabalho, os consumos de água, luz e de gás, os géneros alimentícios que consumia juntamente com BB, o combustível da viatura automóvel e todas as demais despesas comuns ao casal» ( ponto 12).  Durante os anos de vida em comum AA e BB foram titulares em exclusivo de contas bancarias para onde foram canalizando respectivamente as suas poupanças (ponto 17). Durante os anos de vida em comum com AA, a R. auferiu uma pensão de viuvez no montante de € 800,00 (oitocentos euros), além do vencimento pelo exercício da sua profissão de cozinheira, que recebeu até ao ano de 2000 (ponto 16). Durante os anos de vida em comum com o A. a R.  adquiriu, com o produto das suas poupanças, um apartamento na ... que em 2018 doou a uma sua filha (pontos 19 e 20) .

A jurisprudência tem, com frequência, assinalado que o trabalho doméstico desenvolvido no âmbito de uma união de facto  tem de ser vista como a «participação, livre, para a economia comum,  baseada na entreajuda ou partilha de recursos» [14],  e que «tal contribuição, envolvendo necessariamente um dispêndio de energias e força de trabalho (…) mais não é, afinal, que o cumprimento de uma obrigação natural – a de contribuir para a comunhão de vida (comunhão de cama, mesa e habitação ) e para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos». Referindo-se que, «por faltarem na união de facto os deveres de coabitação, cooperação e assistência  enunciados no art 1672º CC, sobretudo estes dois últimos, na modalidade de socorro e auxilio mútuos e de assunção conjunta das responsabilidades da vida familiar  (art 1674º CC)  e na de alimentos e de contribuição para os encargos da vida familiar de harmonia com as possibilidades de cada um através da afectação dos seus recursos», essa contribuição para a economia comum na união de facto constitui uma obrigação natural, nos termos do art 402º CC, e por isso, «não sendo o trabalho despendido no lar judicialmente exigível, a  sua prestação como contribuição para a economia comum,  configura-se como o cumprimento espontâneo de obrigação natural, insusceptível de ser repetido  nos termos do art 403º/1 CC».

Recentemente, o STJ no Ac. 14/1/2021 [15](a que a Apelante recorre nas suas alegações[16]), veio abalar esta perspectiva, acentuando que «não se fundando o enriquecimento consequente da realização desproporcionada das tarefas domésticas por um dos elementos da união de facto, numa causa legitima, designadamente por não corresponder ao cumprimento de uma obrigação natural, não há motivos para que esse encargo não seja também contabilizado nas contribuições que permitiram ao outro membro adquirir património no decurso da relação de união de facto, tendo cessado a causa (causa finita) que o motivou – a existência da união de facto».

Como resulta desse acórdão, a descaracterização como obrigação natural do trabalho doméstico prestado em união de facto ficou reservada para «a realização da totalidade ou de grande parte do trabalho doméstico de uma casa, onde vive um casal em união de facto, por apenas um dos membros da união de facto», por, nessa situação, não poderem deixar de «relevar critérios próximos das compensações estabelecidas no art 1676º/2 do CC , para as relações conjugais», sob pena de contradição com o cuidado do legislador, na reforma do regime de divórcio operada pela L 61/2008, «em ter estabelecido mecanismos compensatórios das contribuições desproporcionadas para os encargos da vida familiar durante o casamento , (…) aí se incluindo a realização de tarefas domésticas» .

Ora, a mensuração da desproporcionalidade da contribuição implicada no trabalho doméstico por apenas um membro da união de facto, tem de ser vista, do nosso ponto de vista, da forma como, por um lado, os encargos económicos implicados na vivência dessa união, e por outro, esse trabalho e os adjacentes de cuidados aos filhos, tenham sido concretamente distribuídos entre os membros da mesma, tudo relativamente aos  proventos de cada um dos seus membros.   

 Com efeito, e como resulta acentuado no sumário do Ac STJ de 20/3/2014[17] [18], «II -No âmbito de uma união de facto, as despesas normais e correntes (água, electricidade, gás e televisão), sendo próprias de quem vive, ainda que “informalmente”, a plena comunhão de vida de que fala o art.º 1577.º do CC, não são restituíveis, à luz do instituto do enriquecimento sem causa. III - Deve entender-se que não ocorreu uma efectiva deslocação patrimonial geradora do enriquecimento da ré à custa do autor, se durante os sete anos da união de facto mantida, o autor tiver pago várias quantias relacionadas com o imóvel, pertencente à ré, onde o casal residiu, mas beneficiado do trabalho doméstico por ela sempre prestado».

Na verdade, e como aí é referido, «tudo o que sejam as despesas normais e correntes próprias de quem vive, embora “informalmente”, a “plena comunhão de vida” de que fala o artº 1577º do CC não é repetível, finda a relação, mediante a aplicação do regime do artº 476º deste mesmo diploma; e isto porque se considera que houve então uma causa justificativa para tais atribuições patrimoniais impeditiva da conclusão de que o prestado foi indevido; essa causa justificativa reside, precisamente, na subsistência da união de facto, para a qual cada um dos membros contribuiu em termos materiais pela forma tacitamente acordada pelo casal enquanto a relação se manteve

Por isso, se dizendo no Ac R L 7/1/2021 [19], que «A transferência patrimonial baseada no enriquecimento sem causa justifica-se, desde logo, pela ausência de causa justificativa para a mais-valia patrimonial da parte, à custa da contra-parte, não sendo admissível outro meio para ultrapassar esse resultado injusto. IV. Em causa, apenas poderão estar transferências excepcionais, que não de gestão ordinária de património, que percam a sua justificação ou razão de existência, com a cessação da relação», acentuando-se, no texto desse acórdão, que «estaremos sempre fora das despesas comuns  efectuadas com vista e por causa da manutenção da união de facto entre as partes».

Quer dizer, fora das “transferências excepcionais” (como a aquisição de um imóvel, a construção de uma casa … ), e desde que não se verifique, no contexto da globalidade dos factos, que a realização do trabalho doméstico ou adjacente, apenas por um dos membros da união, se mostra desproporcional, não haverá lugar a falar de enriquecimento sem causa  do membro do casal não participante desse trabalho, antes se devendo entender que o enriquecimento deste membro da união tem como causa justificativa a subsistência da união de facto, «para a qual cada um dos membros contribuiu em termos materiais pela forma tacitamente acordada pelo casal enquanto a relação se manteve.»

Ora, na situação dos autos,  o trabalho doméstico exclusivamente realizado pela  R. anteriormente a 2016 , não pode entender-se como “desproporcionado”, desde o momento em que foi o A. quem nesse período suportou exclusivamente todas as despesas inerentes à vida doméstica e vida comum do casal, enquanto a R., titular de uma pensão de viuvez no montante de 800,00 €,  além do vencimento pelo exercício da sua profissão de cozinheira que recebeu até 2000,  foi aforrando esses valores, tendo mesmo  adquirido com o produto das suas poupanças um apartamento na ....

È caso para se dizer, como se disse na 1ª instância: «(…)  as partes, na dinâmica da sua relação e porque titulares de património autónomo, encontraram um ponto de equilíbrio para evitar prejuízos financeiros recíprocos – a Ré tratava das lides domésticas, roupas e afins e o Autor suportava todos os gastos inerentes à vida doméstica e outras despesas comuns ao casal», devendo improceder a apelação.

Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas da apelação pela R.

Coimbra, 14 de Março de 2023

(Maria Teresa Albuquerque)

(Falcão de Magalhães)                                

(Pires Robalo)

(…)





               [1] - A Apelante, na numeração a que procedeu das conclusões das alegações passou da nº 2 para a nº 7.

[2]  - Ac STJ, de 29/10/2015, (Lopes do Rego), Processo nº 33/09.4TBVNG.G1.S1 1. «Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC) .2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso».
[3] - Ac STJ 28/4/2014 (Abrantes Geraldes), Processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1

[4]- Neste sentido, Ac STJ 19/2/2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1; Ac STJ 1/10/2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac STJ 3/12/2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1,e Ac STJ, 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 449/10.0TVVFR.P2.S1; 
               [5] - Cfr Ac STJ de 3/10/2019 (Rosa Tching) e jurisprudência aí citada
[6] - Ac RP 17/03/2014, (Alberto Ruço), Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1
[7] - Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 59
               [8] - Como se nota no Ac STJ 14/1/2021  a que adiante se fará melhor referência.
               [9]  - Cfr,  Ac STJ 27/6/2019 (Pinto de Almeida)
               [10] - Nega-o o Ac STJ de 4/7/2019 (Oliveira Abreu), parece admiti-lo, em certas situações, relativamente aos princípios das sociedades de facto, Pereira Coelho, RLJ 120º - P 79-86, e o Ac R L de 11/4/2019 (Mª do Rosário Morgado), relativamente às regras da compropriedade.

[11] - Na doutrina, Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, «Curso de Direito da Família», Vol. I, 5ª ed., 82., F. Brito Pereira Coelho, «Dissolução da união de facto e enriquecimento sem causa», RLJ 145-113 e segs; J. Duarte Pinheiro, « O Direito de Família Contemporâneo», 3ª ed. 732; Júlio Gomes, «O enriquecimento sem causa e a união de facto», em CDP 58-5.
               [12] - Ac STJ de 11/4/2019 (Mª do Rosário Morgado)
               [13] - Acima referido, Relator, Oliveira Abreu
               [14] - Entre outros, Ac STJ 6/7/2011 (Sergio Poças), Ac STJ (Ana Paula Boularot)
               [15] - Relator, João Cura Mariano
               [16] - Nos demais acórdãos referidos nessas alegações para defesa do seu ponto de vista, os pressupostos fácticos mostram- se diferentes dos que estão em causa na presente decisão -  no Ac R G de 29/9/2004 a unida deixou a sua actividade profissional e a casa onde vivia para se dedicar a tempo inteiro à vida domestica; no Ac STJ de 27/4/2005, a unida deixou o seu emprego de porteira num edifício da Venezuela para se dedicar  exclusivamente à lide doméstica.

               [18] - Relator, Nuno cameira
               [19] -  Relator, Nuno Lopes Ribeiro