Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
981/11.9TTLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
COMUNICAÇÃO
MANDATÁRIO
INEFICÁCIA
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 323º, NºS 1 E 4 DO C. CIVIL.
Sumário: I – Para que se verifique a interrupção da prescrição, no âmbito do disposto no artº 323º, nº 1 do C. Civil, é necessária a prática de acto, num processo de qualquer natureza, que exprima a intenção de exercício do direito pelo seu titular e a sua comunicação ao devedor por citação ou notificação judicial.

II – Em acção de processo comum laboral a citação depende de prévio despacho judicial.

III – Não pode ser qualificada como de citação judicial para a acção, a que é feita por iniciativa de mandatário judicial antes de despacho que a ordene.

IV – Por outro lado, esse acto do mandatário, não habilitado por despacho judicial prévio, não reveste, ele mesmo, natureza de meio judicial para efeitos da aplicação do nº 4 do artº 323º do C. Civil – o qual equipara à citação ou notificação “para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido” -, já que é estranho ao regular desenvolvimento do processo, sendo certo que a lei não o equipara a meio judicial de comunicação.

V – Por isso, a comunicação em que aquele acto se traduz não é meio adequado à interrupção da prescrição.

Decisão Texto Integral:    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor instaurou, em 25/10/2011, contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe quantias referentes a créditos emergentes de contrato individual de trabalho.

Alegou designadamente que o contrato de trabalho que o ligava à ré cessou em 25/10/2010, por sua iniciativa declarando resolução com justa causa.

Na petição inicial não indicou meios de prova.

Veio, logo depois, no dia seguinte, e em requerimento autónomo requerer depoimento de parte, arrolar testemunhas e requerer a gravação da audiência final, alegando não o ter feito na petição por mero lapso e requerendo a admissão dos meios de prova “considerando-se indicados na petição inicial

A ré apresentou contestação, arguindo designadamente a prescrição dos créditos do autor, alegando que a petição deu entrada em juízo no dia 25/10/2011 e que foi citada em 9/11/2011.

O autor produziu resposta, na qual relativamente à excepção de prescrição defendeu que ela não ocorreu, uma vez que a ré foi citada, pela mandatária do autor, em 26/11/2011.

No termo dos articulados, foi proferido despacho no qual se considerou improcedente a excepção de prescrição. No mesmo despacho foi admitido o rol de testemunhas apresentado pelo autor.

É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, conclui:

[…]

O autor apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.  

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se a Exmª Procuradora-geral Adjunta no sentido de se negar provimento ao recurso.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

As questões que se colocam são essencialmente as de saber se os créditos peticionados estão, ou não, prescritos, se o Sr. Juiz da 1ª instância poderia ter declarado improcedente a excepção de prescrição, e se podiam ter sido admitidos os meios de prova apresentados pelo autor no dia 26/10/2011.

1. Podemos recortar os seguintes factos provados, por acordo ou documentos dos autos:
a) O contrato de trabalho entre o autor e a ré cessou em 25/10/2010, por resolução com invocação de justa causa;
b) No dia 25/10/2011, o autor instaurou a presente acção, declarando-se no final da mesma que “nos termos e para os efeitos do art. 245.º do Código de Processo Civil, o aqui mandatário do autor promoverá a citação da ré, pela Drª  C… advogada, igualmente mandatária do autor”.

c) No dia 26/11/2011, em requerimento autónomo, veio requerer depoimento de parte, arrolar testemunhas e requerer a gravação da audiência final, alegando não o ter feito na petição por mero lapso e requerendo a admissão dos meios de prova “considerando-se indicados na petição inicial”.

d) Em 28/11/2011, veio juntar certidão emitida pela referida advogada Drª C… , nos termos da qual esta declara que citou em 26/11/2011 a ré, na pessoa de sócio gerente que identifica, do conteúdo da petição inicial entrada na presente acção.

e) No dia 4/11/2011 é proferido despacho a designar data para audiência de partes e a ordenar a citação da ré “nos termos previstos no art.º 54.º n.ºs 3 a 5 do Código de Processo do Trabalho”.

f) Á ré é, então, expedida carta registada com A/R para a citação, recebida em 9/11/2011.

2. Prosseguindo, vejamos:
Nos termos do art. 337.º n.º 1 do Código do Trabalho/2009, “o crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Como se retira dos factos provados, o contrato de trabalho cessou em 25/10/2010 e a acção foi proposta em 25/10/2011. O prazo de prescrição ocorreria em 27/10/2011.

Trata-se de saber se o prazo de prescrição se interrompeu. Essa interrupção baseia-se no disposto no artigo 323.º n.ºs 1 e 4 do Código Civil, por motivo de alegada citação promovida por mandatário judicial.

O n.º 1 do referido artigo dispõe que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

É necessário, assim, para que se verifique esse meio de interrupção da prescrição a prática de acto, num processo de qualquer natureza, que exprima a intenção de exercício do direito pelo seu titular e a comunicação ao devedor do mesmo acto, por citação ou notificação judicial (v. Pires de Lima-A. Varela, Código Civil Anotado, anot. ao art. 323.º).

Não basta uma notificação avulsa, ainda que judicial. É necessário que ocorra no âmbito de processo judicial e que a comunicação efectuada revista, ela mesma, natureza de meio judicial (neste sentido v. Ac. do STJ de 22-05-95, in www.dsi.pt, proc. 088081 – como se refere neste aresto “sempre esses actos têm de ser praticados num processo, não bastando pois o exercício extrajudicial do direito, como a interpelação feita directamente ao devedor, ponto que não tem sido objecto de discussão e não teria sequer, na letra da lei, um mínimo de correspondência”).

No caso dos autos, trata-se de saber, antes de mais, se o acto praticado pela advogada mandatária do autor em 26/10/2011 pode ser qualificado como de citação judicial para a acção.

No despacho recorrido entendeu-se que essa “citação” não foi “propriamente regular”, mas a ré não veio arguir qualquer falta, nulidade ou irregularidade dessa citação, pelo que deveria ser considerada como meio adequado para comunicar a intenção de exercício dos direitos do autor nos termos do n.º 4 do art. 323.º do Código Civil, apta a interromper a prescrição.

Entendemos que a ré não tinha que arguir a referida falta, nulidade ou irregularidade dessa “citação” para que se pudesse considerar esse acto como inoperante. A verdade é que, após despacho judicial, como se disse, a ré foi citada (em 9/11/2011) pela secretaria por carta registada com A/R e estaria, então e por isso, em condições de entender que essa era a “citação” relevante para o chamamento para a acção e não o outro acto.

Na verdade, o art. 54.º do Código de Processo do Trabalho faz depender a citação de prévio despacho judicial (v. ainda o art. 234.º n. 4 al. a) do CPCivil). Tal justifica-se porque o juiz deve, antes de mandar citar, analisar a petição e, se for caso disso, pode convidar ao seu aperfeiçoamento ou indeferi-la liminarmente. Apenas se não exercer estes poderes, verificando que a acção está em condições de prosseguir, designa então audiência de partes e manda citar o réu, citação que poderá ser efectuada pela secretaria ou por mandatário judicial, situação esta contemplada no art. 233.º n.º 3 do CPCivil.

Por isso, a designada “citação” efectuada pela advogada mandatária do autor em 26/10/2011 não pode ser qualificada como de citação judicial para a acção, porque não precedida de prévio despacho judicial – o despacho judicial para citação, proferido nos autos, é o que legitima a citação ocorrida em 9/11/2011 e não aquele outro acto. De resto, o autor não fez requerimento para citação urgente nos termos do art. 478.º do CPCivil que pudesse justificar despacho judicial que habilitasse a mandatária do autor à citação mais expedita no tempo (ainda assim a citação necessitaria de despacho prévio, nos termos do disposto no art. 234.º n.º 4 al. f) do CPCivil)

Por outro lado, em nosso entender, essa alegada “citação” não reveste, ela mesma, natureza de meio judicial para efeitos da aplicação do n.º 4 do art. 323.º do Código Civil, o qual equipara “à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.

É que se a citação por intermédio de mandatário judicial só pode ocorrer depois de despacho judicial que habilite aquele a fazê-la, o acto praticado e em apreciação reveste necessariamente natureza extrajudicial, estranho ao regular desenvolvimento do processo.

Como se refere no Ac. do STJ acima referido, o n.º 4 do art. 323.º, «apenas terá sentido relevante no caso de a lei, em alguma hipótese especial, fazer equivalência entre interpelação ou comunicação e a notificação ou de se reportar a notificação feita fora do processo onde se praticou o acto relevante, como seria a notificação judicial avulsa da propositura de acção ou do requerimento formulado em processo pendente, indeferidos liminarmente e cujos despachos não foram notificados à parte contrária».

Ora, a lei não equipara aquele acto de mandatário judicial a meio judicial de comunicação, no caso de ele não estar habilitado à sua prática por despacho judicial prévio.

Entendemos, assim, que a comunicação em que aquele acto se traduziu não é meio adequado à interrupção da prescrição.

Assim, ocorrendo o termo do prazo de prescrição no dia 27/10/2011, quando no dia 4/11/2011 é proferido despacho a designar data para audiência de partes e a ordenar a citação da ré, “nos termos previstos no art.º 54.º n.ºs 3 a 5 do Código de Processo do Trabalho”, a prescrição já ocorrera. E a citação da ré em 9/11/2011 não tem já virtualidade de a interromper, naturalmente.

Por tudo isto, a apelação tem de proceder, julgando-se procedente a excepção de prescrição dos créditos reclamados pelo autor, com a consequente absolvição da ré dos pedidos.

Desta conclusão resulta que a apreciação da outra questão colocada no recurso, ou seja a da inadmissibilidade dos meios de prova apresentados pelo autor em 26/10/2011, fica prejudicada por inutilidade. Na verdade, o conhecimento dessa questão tinha como pressuposto o prosseguimento da acção, estando assim numa relação de prejudicialidade relativamente à restante.    Em consequência, não deve este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre tal questão, sob pena de prática de acto inútil, o que é vedado por lei - cfr. arts. 660.º n.º 2, 713.º n.º 2 e 137.º, todos do CPC.  


*

Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

- Para que se verifique a interrupção da prescrição, no âmbito do disposto no art. 323.º n.º 1 do Código Civil, é necessária a prática de acto, num processo de qualquer natureza, que exprima a intenção de exercício do direito pelo seu titular e a sua comunicação ao devedor por citação ou notificação judicial;

- Em acção de processo comum laboral, a citação depende de prévio despacho judicial;

- Não pode ser qualificada como de citação judicial para a acção, a que é feita por iniciativa de mandatário judicial antes de despacho que a ordene.

- Por outro lado, esse acto do mandatário, não habilitado por despacho judicial prévio, não reveste, ele mesmo, natureza de meio judicial para efeitos da aplicação do n.º 4 do art. 323.º do Código Civil - o qual equipara “à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido” -, já que é estranho ao regular desenvolvimento do processo, sendo certo que a lei não o equipara a meio judicial de comunicação.

- Por isso, a comunicação em que aquele acto se traduz não é meio adequado à interrupção da prescrição.


*

III- DECISÃO

Termos em que, na procedência da apelação, se delibera revogar a decisão recorrida, julgando procedente a excepção de prescrição e absolvendo a ré dos pedidos formulados pelo autor.

Custas na acção e no recurso pelo autor.


*

Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Manuela Fialho