Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | AZEVEDO MENDES | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO INTERRUPÇÃO COMUNICAÇÃO MANDATÁRIO INEFICÁCIA | ||
Data do Acordão: | 07/05/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 323º, NºS 1 E 4 DO C. CIVIL. | ||
Sumário: | I – Para que se verifique a interrupção da prescrição, no âmbito do disposto no artº 323º, nº 1 do C. Civil, é necessária a prática de acto, num processo de qualquer natureza, que exprima a intenção de exercício do direito pelo seu titular e a sua comunicação ao devedor por citação ou notificação judicial. II – Em acção de processo comum laboral a citação depende de prévio despacho judicial. III – Não pode ser qualificada como de citação judicial para a acção, a que é feita por iniciativa de mandatário judicial antes de despacho que a ordene. IV – Por outro lado, esse acto do mandatário, não habilitado por despacho judicial prévio, não reveste, ele mesmo, natureza de meio judicial para efeitos da aplicação do nº 4 do artº 323º do C. Civil – o qual equipara à citação ou notificação “para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido” -, já que é estranho ao regular desenvolvimento do processo, sendo certo que a lei não o equipara a meio judicial de comunicação. V – Por isso, a comunicação em que aquele acto se traduz não é meio adequado à interrupção da prescrição. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O autor instaurou, em 25/10/2011, contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe quantias referentes a créditos emergentes de contrato individual de trabalho. Alegou designadamente que o contrato de trabalho que o ligava à ré cessou em 25/10/2010, por sua iniciativa declarando resolução com justa causa. Na petição inicial não indicou meios de prova. Veio, logo depois, no dia seguinte, e em requerimento autónomo requerer depoimento de parte, arrolar testemunhas e requerer a gravação da audiência final, alegando não o ter feito na petição por mero lapso e requerendo a admissão dos meios de prova “considerando-se indicados na petição inicial” A ré apresentou contestação, arguindo designadamente a prescrição dos créditos do autor, alegando que a petição deu entrada em juízo no dia 25/10/2011 e que foi citada em 9/11/2011. O autor produziu resposta, na qual relativamente à excepção de prescrição defendeu que ela não ocorreu, uma vez que a ré foi citada, pela mandatária do autor, em 26/11/2011.
No termo dos articulados, foi proferido despacho no qual se considerou improcedente a excepção de prescrição. No mesmo despacho foi admitido o rol de testemunhas apresentado pelo autor.
É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar. Alegando, conclui: […]
O autor apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se a Exmª Procuradora-geral Adjunta no sentido de se negar provimento ao recurso. * II- FUNDAMENTAÇÃO É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação. As questões que se colocam são essencialmente as de saber se os créditos peticionados estão, ou não, prescritos, se o Sr. Juiz da 1ª instância poderia ter declarado improcedente a excepção de prescrição, e se podiam ter sido admitidos os meios de prova apresentados pelo autor no dia 26/10/2011.
1. Podemos recortar os seguintes factos provados, por acordo ou documentos dos autos: c) No dia 26/11/2011, em requerimento autónomo, veio requerer depoimento de parte, arrolar testemunhas e requerer a gravação da audiência final, alegando não o ter feito na petição por mero lapso e requerendo a admissão dos meios de prova “considerando-se indicados na petição inicial”. d) Em 28/11/2011, veio juntar certidão emitida pela referida advogada Drª C… , nos termos da qual esta declara que citou em 26/11/2011 a ré, na pessoa de sócio gerente que identifica, do conteúdo da petição inicial entrada na presente acção. e) No dia 4/11/2011 é proferido despacho a designar data para audiência de partes e a ordenar a citação da ré “nos termos previstos no art.º 54.º n.ºs 3 a 5 do Código de Processo do Trabalho”. f) Á ré é, então, expedida carta registada com A/R para a citação, recebida em 9/11/2011.
2. Prosseguindo, vejamos: Como se retira dos factos provados, o contrato de trabalho cessou em 25/10/2010 e a acção foi proposta em 25/10/2011. O prazo de prescrição ocorreria em 27/10/2011. Trata-se de saber se o prazo de prescrição se interrompeu. Essa interrupção baseia-se no disposto no artigo 323.º n.ºs 1 e 4 do Código Civil, por motivo de alegada citação promovida por mandatário judicial. O n.º 1 do referido artigo dispõe que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. É necessário, assim, para que se verifique esse meio de interrupção da prescrição a prática de acto, num processo de qualquer natureza, que exprima a intenção de exercício do direito pelo seu titular e a comunicação ao devedor do mesmo acto, por citação ou notificação judicial (v. Pires de Lima-A. Varela, Código Civil Anotado, anot. ao art. 323.º). Não basta uma notificação avulsa, ainda que judicial. É necessário que ocorra no âmbito de processo judicial e que a comunicação efectuada revista, ela mesma, natureza de meio judicial (neste sentido v. Ac. do STJ de 22-05-95, in www.dsi.pt, proc. 088081 – como se refere neste aresto “sempre esses actos têm de ser praticados num processo, não bastando pois o exercício extrajudicial do direito, como a interpelação feita directamente ao devedor, ponto que não tem sido objecto de discussão e não teria sequer, na letra da lei, um mínimo de correspondência”). No caso dos autos, trata-se de saber, antes de mais, se o acto praticado pela advogada mandatária do autor em 26/10/2011 pode ser qualificado como de citação judicial para a acção. No despacho recorrido entendeu-se que essa “citação” não foi “propriamente regular”, mas a ré não veio arguir qualquer falta, nulidade ou irregularidade dessa citação, pelo que deveria ser considerada como meio adequado para comunicar a intenção de exercício dos direitos do autor nos termos do n.º 4 do art. 323.º do Código Civil, apta a interromper a prescrição. Entendemos que a ré não tinha que arguir a referida falta, nulidade ou irregularidade dessa “citação” para que se pudesse considerar esse acto como inoperante. A verdade é que, após despacho judicial, como se disse, a ré foi citada (em 9/11/2011) pela secretaria por carta registada com A/R e estaria, então e por isso, em condições de entender que essa era a “citação” relevante para o chamamento para a acção e não o outro acto. Na verdade, o art. 54.º do Código de Processo do Trabalho faz depender a citação de prévio despacho judicial (v. ainda o art. 234.º n. 4 al. a) do CPCivil). Tal justifica-se porque o juiz deve, antes de mandar citar, analisar a petição e, se for caso disso, pode convidar ao seu aperfeiçoamento ou indeferi-la liminarmente. Apenas se não exercer estes poderes, verificando que a acção está em condições de prosseguir, designa então audiência de partes e manda citar o réu, citação que poderá ser efectuada pela secretaria ou por mandatário judicial, situação esta contemplada no art. 233.º n.º 3 do CPCivil. Por isso, a designada “citação” efectuada pela advogada mandatária do autor em 26/10/2011 não pode ser qualificada como de citação judicial para a acção, porque não precedida de prévio despacho judicial – o despacho judicial para citação, proferido nos autos, é o que legitima a citação ocorrida em 9/11/2011 e não aquele outro acto. De resto, o autor não fez requerimento para citação urgente nos termos do art. 478.º do CPCivil que pudesse justificar despacho judicial que habilitasse a mandatária do autor à citação mais expedita no tempo (ainda assim a citação necessitaria de despacho prévio, nos termos do disposto no art. 234.º n.º 4 al. f) do CPCivil) Por outro lado, em nosso entender, essa alegada “citação” não reveste, ela mesma, natureza de meio judicial para efeitos da aplicação do n.º 4 do art. 323.º do Código Civil, o qual equipara “à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”. É que se a citação por intermédio de mandatário judicial só pode ocorrer depois de despacho judicial que habilite aquele a fazê-la, o acto praticado e em apreciação reveste necessariamente natureza extrajudicial, estranho ao regular desenvolvimento do processo. Como se refere no Ac. do STJ acima referido, o n.º 4 do art. 323.º, «apenas terá sentido relevante no caso de a lei, em alguma hipótese especial, fazer equivalência entre interpelação ou comunicação e a notificação ou de se reportar a notificação feita fora do processo onde se praticou o acto relevante, como seria a notificação judicial avulsa da propositura de acção ou do requerimento formulado em processo pendente, indeferidos liminarmente e cujos despachos não foram notificados à parte contrária». Ora, a lei não equipara aquele acto de mandatário judicial a meio judicial de comunicação, no caso de ele não estar habilitado à sua prática por despacho judicial prévio. Entendemos, assim, que a comunicação em que aquele acto se traduziu não é meio adequado à interrupção da prescrição. Assim, ocorrendo o termo do prazo de prescrição no dia 27/10/2011, quando no dia 4/11/2011 é proferido despacho a designar data para audiência de partes e a ordenar a citação da ré, “nos termos previstos no art.º 54.º n.ºs 3 a 5 do Código de Processo do Trabalho”, a prescrição já ocorrera. E a citação da ré em 9/11/2011 não tem já virtualidade de a interromper, naturalmente. Por tudo isto, a apelação tem de proceder, julgando-se procedente a excepção de prescrição dos créditos reclamados pelo autor, com a consequente absolvição da ré dos pedidos. Desta conclusão resulta que a apreciação da outra questão colocada no recurso, ou seja a da inadmissibilidade dos meios de prova apresentados pelo autor em 26/10/2011, fica prejudicada por inutilidade. Na verdade, o conhecimento dessa questão tinha como pressuposto o prosseguimento da acção, estando assim numa relação de prejudicialidade relativamente à restante. Em consequência, não deve este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre tal questão, sob pena de prática de acto inútil, o que é vedado por lei - cfr. arts. 660.º n.º 2, 713.º n.º 2 e 137.º, todos do CPC. * Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.): - Para que se verifique a interrupção da prescrição, no âmbito do disposto no art. 323.º n.º 1 do Código Civil, é necessária a prática de acto, num processo de qualquer natureza, que exprima a intenção de exercício do direito pelo seu titular e a sua comunicação ao devedor por citação ou notificação judicial; - Em acção de processo comum laboral, a citação depende de prévio despacho judicial; - Não pode ser qualificada como de citação judicial para a acção, a que é feita por iniciativa de mandatário judicial antes de despacho que a ordene. - Por outro lado, esse acto do mandatário, não habilitado por despacho judicial prévio, não reveste, ele mesmo, natureza de meio judicial para efeitos da aplicação do n.º 4 do art. 323.º do Código Civil - o qual equipara “à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido” -, já que é estranho ao regular desenvolvimento do processo, sendo certo que a lei não o equipara a meio judicial de comunicação. - Por isso, a comunicação em que aquele acto se traduz não é meio adequado à interrupção da prescrição. * III- DECISÃO Termos em que, na procedência da apelação, se delibera revogar a decisão recorrida, julgando procedente a excepção de prescrição e absolvendo a ré dos pedidos formulados pelo autor. Custas na acção e no recurso pelo autor. * Azevedo Mendes (Relator) Felizardo Paiva Manuela Fialho |