Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
71/11.4T2ILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: INTERESSE EM AGIR
FALTA
ACÇÃO NEGATÓRIA
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 288º, Nº 1, E) DO CPC
Sumário: 1.- O interesse processual ou interesse em agir tem sido concebido como pressuposto processual referente às partes e, porque não previsto expressamente, é havido como pressuposto processual inominado, cuja falta gera a absolvição da instância (art.288 nº1 e) CPC).

2.- Como qualquer pressuposto processual, também o interesse em agir deve ser aferido na fase inicial do processo, logo em função da pretensão deduzida e não findos os articulados, consoante a posição assumida pelas partes.

3.- A chamada acção negatória (actio negatoria) destina-se a pôr fim aos actos de turbação do direito do proprietário, removendo os efeitos dos actos praticados e prevenindo a prática de actos futuros.

4.- Numa acção negatória, a circunstância de ambas as partes reconhecerem reciprocamente os direitos de propriedade sobre os respectivos e identificados prédios releva, não para afastar o interesse em agir, mas para efeitos de direito probatório, nomeadamente a comprovação do direito de propriedade por acordo das partes.

5.- Sendo o terreno comum considerado como terreno alheio para efeitos da servidão de vistas, ou seja, como “prédio vizinho”, a abertura de uma porta sobre um logradouro comum deve obedecer à distância legal e se não suceder pode configurar um acto de oneração sobre parte especificada de coisa comum, por implicar a constituição de uma servidão de vistas (a posse de servidão) - art.1408 nº2 CC. Por isso, um comproprietário não pode, em princípio, constituir servidões em coisa comum sem o consentimento dos seus consortes.

6.- Contudo, a possibilidade de abertura de portas ou janelas para logradouros comuns nem sempre consubstancia uma oneração, para efeitos do art.1408º, nº 2 do CC, por depender do título constitutivo da coisa comum e da sua concreta finalidade.

7.- Daí que se uma faixa de terreno comum foi deixada exactamente para o serviço de acesso, de ar e de luz dos prédios fronteiriços já não se pode falar de “acto de oneração” porque contende com a finalidade do uso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

            1.1.- Os Autores – A… e mulher L…, C… e mulher M… – instauraram na Comarca do Baixo Vouga acção declarativa, com forma de processo sumário, contra a Ré – I...

            Alegaram, em resumo:

            O acesso ao pátio dos prédios urbanos dos Autores e da Ré faz-se por um caminho comum, constituído em Setembro de 1968, com 7 metros de largura.

            Em Fevereiro de 2010 a Ré obstruiu o caminho com a colocação de painéis de rede e canteiro, impedindo a sua utilização pelos Autores, tendo ainda colocado um barracão em terreno dos Autores, impedindo a abertura das tampas das fossas, causando-lhes prejuízos.

            Pediram cumulativamente a condenação da Ré:

            a) A reconhecer que os 1ºs AA são donos do prédio identificado no art.1º petição;

            b) A reconhecer que os 2ºs Réus são donos do prédio identificado no art.3º da petição;

            c) A reconhecer que o acesso ao pátio do prédio dos 1ºs AA e ao prédio dos 2ºs AA se faz por um caminho de consortes que, partindo da Rua de Santa Teresa, termina no prédio pertencente aos 2ºs AA.

d) A reconhecer que o caminho tem uma largura de cerca de sete metros desde a Rua de Santa Teresa até à esquina norte-poente do prédio dela e de, no mínimo, três metros desde a referida esquina até ao prédio dos 2ªs AA..

e) No prazo de 8 dias, após o trânsito em julgado da sentença, retirar os painéis de rede, flores e plantas que colocou no caminho e em frente à porta de acesso ao pátio do prédio dos 1ºs AA, a repor o puxador da porta, a retirar o barracão, os animais e objectos colocados sobre o terreno e as fossas dos 2ºs AA, limpando o local por forma a que possam ter acesso.

f) A pagar-lhes uma quantia a título de indemnização pelos prejuízos causados a liquidar em execução de sentença.

Contestou a Ré, defendendo-se por excepção e impugnação e em reconvenção pediu a condenação:

a) Dos Autores a reconhecer que a Ré é a proprietária do prédio descritos nos arts.29 e 30;

b) Dos 1ºs AA a taparem a porta que abriram para o logradouro do prédio da Ré e removerem as instalações construídas no pátio do seu prédio e retirarem dali as garrafas de gás.

Responderam os Autores e pediram a condenação da Ré como litigante de má fé, em multa e indemnização.

No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

1.2. - Os Autores, em articulados superveniente pediram a condenação da Ré:

a) A demolir a garagem que implantou sobre as fossas dos 1ºs AA, limpando o local, por forma a que possam a elas ter acesso.

b) A pagar aos 1ºs AA, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 1.000,00, a crescida de juros, à taxa legal, desde a notificação.

c) A pagar aos 2ºs AA, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 1.000,00, e a título de danos patrimoniais a quantia de € 63,05, a crescidas de juros, à taxa legal desde a notificação.

1.3. - Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:

a). Absolver a Ré da instância relativamente aos pedidos de declaração do direito de propriedade dos Autores (formulados nas alíneas a) e b) );

b) Absolver os Autores da instância relativamente ao pedido do direito de propriedade da Ré (formulado em a)) no que respeita à habitação identificada nos arts.24 e 29 da contestação (correspondentes à alínea H) dos factos assentes);

c) Declarar como logradouro comum a área de terreno que, com a forma quase triangular e cerca de 50m2, é limitado pela frontaria da casa da ré, pelo alçado da casa dos primeiros autores, pelo caminho que dá acesso à casa dos 2ºs autores e que termina quase com a forma de bico junto à Rua de Santa Teresa, bem como caminho de consortes o beco que, partido daquela Rua, confina com o logradouro e segue, rente à casa da ré pela direita, até ao prédio dos 2ºs AA.

d) Condenar a Ré a, no prazo de oito dias, retirar os painéis de rede, as plantas e vasos de flores que colocou no logradouro, quer os colocados em frente à porta de acesso ao pátio da casa dos 1ºs AA, quer os que mantém rente ao caminho de consortes;

e) Condenar a Ré a, no prazo de oito dias, repor o puxador da porta de acesso ao pátio da casa dos primeiros autores pelo logradouro;

f) Absolver a Ré do demais peticionado;

g) Julgar improcedente a reconvenção e absolver os Autores dos pedidos.

h) Condenar a ré como litigante de má fé no pagamento de multa que se fixa em 7UC, bem como no pagamento de uma indemnização aos autores correspondente ao reembolso das despesas que os obrigou a suportar com a lide, incluindo os honorários do mandatário.

i) Custas da acção a cargo dos autores e da ré, na proporção de 1/12  e 1/4, respectivamente  (considerado a condenação em  2/3  dos autores pela  absolvição parcial da instância).

Custas da reconvenção a cargo da ré.

1.3. - Inconformados, a Ré e Autores recorreram de apelação.

1.3.1.- Recurso da Ré – Síntese das Conclusões:

...

Contra-alegaram os Autores.

1.3.2. - Recurso (subordinado) dos Autores – Síntese das Conclusões:

...

Contra-alegou a Ré no sentido da improcedência do recurso dos Autores.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. – O objecto dos recursos:

A falta de interesse em agir e absolvição da instância

Nulidade da sentença

Impugnação de facto (arts 1, 5, 11, 12, 14, 15, 28, 29, 38, 39 a 43 e 48 da BI)

A propriedade do caminho ou logradouro (compropriedade ou propriedade exclusiva da Ré)

O pedido reconvencional (demolição da porta aberta pelos 1ºs AA)

O pedido indemnizatório dos Autores

A litigância de má fé da Ré

A repartição das custas.

2.2. – Os factos provados:

2.3. - 1ª QUESTÃO (Impugnação de facto)

O Tribunal da Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão de 1ª instância, apenas nas situações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art.712 do CPC.

A Ré/Apelante, alegando erro na apreciação da prova, impugnou as respostas aos quesitos 1, 5, 11, 12, 14, 15, 28, 29, 38, 39 a 43 e 48 da BI.

Conforme fundamentação, o tribunal, após haver explicitado o sentido dado à designação de “logradouro” e de “caminho”, justificou a convicção na conjugação e pormenorizada análise crítica da prova documental, depoimentos de parte, testemunhal e inspecção judicial ao local.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (art.655 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador, dialecticamente construída.

Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão.

De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art.653 nº2 do CPC).

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve, por isso, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Ouvida a gravação da prova testemunhal (produzida em audiência), verifica-se, em síntese, duas versões contraditórias:

a) Por um lado, a versão transmitida pelas testemunhas arroladas pelos Autores, a corroborar, no essencial, a respectiva alegação.

b) Por outro, a versão relatada pelas testemunhas arroladas pela Ré, a confirmar a alegação desta.

Na verdade, a acareação dos depoimentos entre as testemunhas … ilustra bem a vincada contradição e que o tribunal logo evidenciou na fundamentação (“perante o conflito estremado e latente, as testemunhas acabaram por, de forma mais ou menos manifesta, relevar tomar partido por uma das partes”).

Importa observar, contudo, que o tribunal, em face da imediação e da oralidade, valorizou os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Autores em detrimento dos depoimentos das demais, sempre de forma justificada, realçando não só o depoimento em si mesmo, como a forma e sentimentos expressos, e, além do mais, porque (conforme referido) a versão foi concordante com a percepção obtida na inspecção judicial ao local, considerando decisivo o depoimento de ...

Num juízo de ponderação global e em face do critério exposto, a prova indicada pela Apelante não implica decisão diversa, improcedendo a alteração de facto.

2.4. - 2ª QUESTÃO (Falta de interesse em agir e absolvição da instância)

A sentença absolveu a Ré da instância relativamente aos pedidos de reconhecimento do direito de propriedade (pedidos das alíneas a) e b) ) e absolveu da instância os Autores quanto ao pedido reconvencional de reconhecimento do direito de propriedade (formulado na alínea a)), respeitante à habitação identificada nos arts. 24 e 29 da contestação e alínea H) dos factos assentes.

Justificou a absolvição da instância com fundamento na falta de interesse em agir (arts. 288 nº1 e), 493, 494 CPC), porque, tratando-se de pedidos de apreciação positiva do direito de propriedade, não alegaram que a parte contrária pusesse em causa esse direito, resultando antes das posições assumidas nos articulados que reconhecem reciprocamente a titularidade do direito de propriedade.

Esta parte da sentença é impugnada no recurso tanto pela Ré, como pelos Autores (recurso subordinado).

            O interesse processual ou interesse em agir tem sido concebido como pressuposto processual referente às partes e, porque não previsto expressamente, é havido como pressuposto processual inominado, cuja falta gera a absolvição da instância (art.288 nº1 e) CPC).

            Ele avulta em especial do lado do autor, mas também por parte do demandado, só assim se compreende que a desistência da instância dependa da aceitação do réu, após o oferecimento da contestação (art.296 CPC).

            Pelo lado do autor, o interesse processual consiste na “necessidade de tutela judiciária”, ou seja, “ na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”, sem que se trate de uma “necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada”, exigindo-se, por conseguinte “uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção”.

            Pelo lado do demandado, existe interesse processual (no prosseguimento da acção) desde que a acção (proposta com ou sem interesse) tenha sido instaurada contra ele, e quer quanto à obtenção de uma declaração judicial de conteúdo oposto ao solicitado pelo demandante, quer quanto aos pedidos reconvencionais (cf. ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 1984, pág.170 e segs., MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pág.79 e segs.).

            O fundamento para conceber o interesse em agir como pressuposto processual contende com o objectivo de evitar acções inúteis, pois se a lei proíbe a prática de actos inúteis (art.137 CPC), por maioria de razão proibirá acções inúteis.

            Os pedidos dos Autores (nas alíneas c), d), e) e f)) pressupõe a alegação do direito de propriedade dos prédios. Basta atentar, por exemplo, que os Autores legitimam substantivamente o pedido de indemnização na violação do direito de propriedade.

            Também o pedido deduzido pela Ré (alínea a)) é pressuposto dos demais (alínea b)), onde refere expressamente o “logradouro” do citado prédio.
A pretensão real das partes traduz-se na tutela do direito de propriedade sobre os prédios e importa indagar da sua natureza.
À semelhança de algumas legislações estrangeiras (por ex., Código Civil Italiano (arts.948 e 949) e Código Civil Alemão (§ 1004), também o nosso ordenamento jurídico permite dois meios específicos para defesa do direito de propriedade: a acção de reivindicação e a acção negatória.
Enquanto que a reivindicação visa a recuperação da posse da coisa, por o dono dela se encontrar privado, cujo pedido de entrega tem implícito o do reconhecimento do direito de propriedade (art.1311 nº1 do CC), a chamada acção negatória (actio negatoria) destina-se a pôr fim aos actos de turbação do direito do proprietário, removendo os efeitos dos actos praticados e prevenindo a prática de actos futuros (cf., por ex., ANTUNES VARELA, RLJ ano 116, pág.14 e segs.).
            Não se está aqui perante uma típica acção de simples apreciação positiva, mas antes de acção negatória. Ora, como qualquer pressuposto processual, também o interesse em agir deve ser aferido na fase inicial do processo, logo em função da pretensão deduzida (cf., neste sentido, por ex., Ac RC de 24/4/2012, proc. nº 267/11, em www dgsi.pt) e não findos os articulados, consoante a posição assumida pelas partes.

A circunstância de ambas as partes reconhecerem reciprocamente os direitos de propriedade sobre os respectivos e identificados prédios (com excepção da parcela de terreno em disputa) releva, não para afastar o interesse em agir, mas para efeitos de direito probatório, nomeadamente a comprovação do direito de propriedade por acordo das partes (cf., por ex., Ac STJ de 29/4/1992, BMJ 416, pág. 595, Ac STJ de 17/6/1998, C.J.ano VI, II, pág. 129, Ac RC de 24/3/2009, proc. nº 1879/06, em www dgsi.pt).

2.5. - 3ª QUESTÃO (O logradouro - compropriedade ou propriedade exclusiva da Ré)

A sentença recorrida declarou como logradouro comum a área de terreno que, com a forma quase triangular e cerca de 50m2, é limitado pela frontaria da casa da ré, pelo alçado da casa dos primeiros autores, pelo caminho que dá acesso à casa dos segundos autores e que termina quase com a forma de bico junto à Rua de Santa Teresa, bem como caminho de consortes o beco que, partido daquela Rua, confina com o logradouro e segue, rente à casa da ré pela direita, até ao prédio dos 2ºs AA.

            O tribunal, depois de haver explicitado a designação de “logradouro”, como a área que se situa na frente da casa da Ré, e de “caminho”, a área em terra batida destinada exclusivamente a passagem, partindo da Rua Santa Teresa segue rente à casa da Ré e termina no terreno da casa dos 2ºs Autores, deferindo a pretensão dos Autores, considerou, em face da factualidade apurada, que essa parcela de terreno (composta pelo logradouro e caminho), pertence em compropriedade aos Autores e Ré, cujo direito foi adquirido por usucapião.

            Na verdade, tal como se refere, desde pelo menos 1968 que o acesso aos prédios de cada um deles fez-se por essa parcela de terreno (logradouro e caminho), sendo que o caminho veio a ser posteriormente alargado, numa situação de composse e uso comum desse espaço.

            A Ré/Apelante reclama a propriedade exclusiva sobre a área de terreno designada por “logradouro”, situado em frente à sua casa, e o consequente direito de edificar e manter os painéis de rede, mas não logrou demonstrar os factos alegados, constitutivos da usucapião, sendo que a pretensão recursiva tinha como pressuposto a preconizada alteração de facto, mas que não obteve vencimento.

            2.6. - 4ª QUESTÃO (A abertura da porta que os 1ºs Autores abriram para o logradouro)

            A Ré pediu a condenação dos 1ºs Autores a taparem a porta que abriram para o “logradouro”.

            A sentença julgou improcedente o pedido argumentando que a Ré não provou ser proprietária exclusiva do logradouro, tendo-se comprovado que essa passagem existiu outrora, para afirmar que “sendo o logradouro comum – como se concluiu – os primeiros autores podem para aí abrir janelas e portas sem qualquer restrição, designadamente as decorrentes do disposto no art. 1360 nº1 do Código Civil”.

            Em contrapartida, objecta a Ré/Apelante que a abertura da porta, sem consentimento dos demais consortes constitui um ónus para essa parte comum, com violação do art. 1360 nº1 do CC.

            Está provado que, em inícios de 2010, quando realizaram obras no seu prédio, os 1ºs Autores abriram uma porta, com cerca de 85 cms de largura no muro que continua o alçado da sua casa, deitando directamente para o logradouro.

            Coloca-se a questão de saber se é legalmente admissível a abertura da porta da casa de habitação dos 1ºs Autores para o logradouro comum ou se tal constitui um acto de oneração de parte especificada do logradouro, dependente de consentimento de todos os comproprietários (art. 1408 nº2 do CC).

Uma vez afirmada a compropriedade do logradouro, na falta de acordo de qualquer dos comproprietários (1ºs e 2ºs Autores e a Ré), vigora o princípio do uso directo promíscuo ou simultâneo, ou uso integral, sem afectar o fim concreto a que se destina (art.1406 do CC). E o uso equivale à “utilização directa da coisa ou como aproveitamento das aptidões naturais dela” (P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 356).

É sabido que um comproprietário não pode, sem o consentimento dos demais, praticar obras de transformação ou modificação na coisa comum, mas aqui nenhuma obra inovatória foi feita pelos 1ºs Autores no logradouro comum, porque a porta foi aberta no seu prédio urbano (casa de habitação).

Provando-se que a porta deita directamente para o logradouro, impõe-se, desde logo, indagar se tem aqui aplicação as restrições legais do art.1360 nº1 do CC.

O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção, não pode abrir janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho, sem deixar entre este e cada uma daquelas obras um intervalo de metro e meio (art.1360 nº1 do CC). A existência de janelas ou portas em contravenção do disposto na lei pode importar, nos termos gerais, a constituição de servidão de vistas, por usucapião (1362 nº1 do CC).

Na servidão de vistas, constituída nos termos do art.1362 do CC, o “corpus” revela-se pela simples existência da obra, dado que o objecto da servidão não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da janela ou porta que deite sobre o prédio nas condições do art.1360 do CC, presumindo-se o “ animus” naquele que efectua a construção (art.1252 nº2 e Acórdão uniformizador do STJ de 14/5/96, DR II Série, de 24/6/96).

Sendo o terreno comum considerado como terreno alheio para efeitos da servidão de vistas (cf. P.LIMA/A.VARELA, loc. cit., pág. 213), ou seja, como “prédio vizinho”, logo a abertura da porta deve obedecer à distância legal e se não suceder pode configurar um acto de oneração sobre parte especificada de coisa comum, por implicar a constituição de uma servidão de vistas (a posse de servidão) (art.1408 nº2 CC). Portanto, um comproprietário não pode, em princípio, constituir servidões em coisa comum sem o consentimento dos seus consortes.

Contudo, a questão não pode ser analisada de forma tão linear e simplista. A possibilidade de abertura de portas ou janelas para logradouros comuns nem sempre consubstancia uma oneração, para efeitos do art.1408 nº2 do CC, por depender do título constitutivo da coisa comum e da sua concreta finalidade. É que se a faixa de terreno comum foi deixada exactamente para o serviço de acesso, de ar e de luz dos prédios fronteiriços já não se pode falar de “acto de oneração” porque contende com a finalidade do uso.

Neste sentido, escreve CUNHA GONÇALVES:

“ Quid iuris se entre dois prédios vizinhos existir uma faixa de terreno comum? Em princípio, nenhum dos proprietários pode abrir janelas ou portas sobre uma faixa, se esta for destinada a qualquer cultura. Mas, se ela constitui simples rua particular, ambos os vizinhos poderão sobre ela abrir vistas e deve presumir-se até que tal é o seu destino “(Tratado de Direito Civil, vol. XII, pág.79). E idêntica doutrina é seguida na RLJ ano 69, pág. 310 e segs.

Ora, está provado que o logradouro (tal como o caminho) serve de acesso ao prédios dos 1ºs Autores, ao da Ré e ao dos 2ºs Autores, desde 1968, cuja área ficou definida aquando da partilha dos bens de H...

Todos quanto se dirigiam ao pátio do prédio dos 1ºs Autores passavam pelo logradouro e pelo caminho, sendo que a porta que eles abriram é a que dá acesso ao pátio da casa, que a Ré obstruiu, impedindo tal acesso, ao fixar painéis de rede em frente. Daqui resulta que a finalidade do logradouro é precisamente o acesso, pelo que a abertura da porta não consubstancia acto de oneração.

2.7. - 5ª QUESTÃO (A contagem do prazo de oito dias e o erro material)

A sentença decidiu

“Condenar a Ré a, no prazo de oito dias, retirar os painéis de rede, as plantas e vasos de flores que colocou no logradouro, quer os colocados em frente à porta de acesso ao pátio da casa dos 1ºs AA, quer os que mantém rente ao caminho de consortes”.

A Ré/Apelante arguiu a nulidade da sentença, por condenação além do pedido (art.668 nº1 e) CPC), porque os Autores pediram a condenação no prazo de oito dias, após o trânsito em julgado.

Na sentença expôs-se o seguinte:

“ Os autores pedem ainda que seja fixado á ré o prazo de 8 dias para cumprimento das obrigações impostas.

Ora, não tendo a ré sustentado que o mesmo é inadequado e porque se reporta o mesmo como razoável, fixa-se, de acordo com o disposto no art.777 nº2, in fine do Código Civil e aplicando analogicamente o disposto no art.1457 nº2, 2ª parte, do Código de Processo Civil, o prazo em 8 dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, para cumprimento da condenação a retirar os painéis de rede, os vãos e plantas e a colocar o puxador da porta”.

Como na fundamentação, adrede produzida, se afirma categoricamente que o prazo de 8 dias de conta a partir do trânsito em julgado, a omissão na parte dispositiva do “trânsito em julgado da presente sentença” configura, não propriamente uma nulidade da sentença (art.668 nº1 e) CPC), enquanto erro de actividade ou construção, mas antes um lapso manifesto (erro material) que é susceptível e correcção, nos termos do art. 667 do CPC, o que se fará.

            2.8.- 6ª QUESTÃO (A indemnização reclamada pelos Autores)

            Os Autores pediram a condenação da Ré no pagamento de indemnização “pelos prejuízos causados”, a liquidar posteriormente.

            Alegaram, para tanto, que os prejuízos resultam do facto de os 1ºs Autores não poderem aceder ao pátio do seu prédio e de os 2ºs Autores não poderem usar o terreno e as fossas e de todos os Autores terem maior dificuldade em manobrar as suas viaturas automóveis, e os transtornos são não são maiores porque se encontram no estrangeiro.

            Em articulado superveniente os Autores pediram a condenação da Ré a pagar aos 1ºs Autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 1.000,00, acrescida de juros de mora, e aos 2ªs Autores a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, e € 63,05, como danos patrimoniais.

            A sentença julgou improcedente os pedidos indemnizatórios, com os seguintes tópicos argumentativos:

            Quanto aos danos não patrimoniais, os Autores não provaram o valor das telhas;

            Sobre os danos não patrimoniais a alegação dos Autores é “meramente vaga”, sendo que os “transtornos” não são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito

            Pretendem os Autores/Apelantes o deferimento da pretensão indemnizatória, por se verificaram os danos, tanto patrimoniais, como não patrimoniais.

A pretensão dos Autores situa-se no âmbito da responsabilidade civil delitual (art.483 e segs. do CC). São pressupostos, o facto ilícito ligado ao agente por nexo e imputação subjectiva (a culpa) e a existência de danos causados adequadamente por esse mesmo facto.
Danos não patrimoniais:
            Não se provou que os 1ºs Autores sofressem transtornos por não poderem usar o terreno onde se encontram as fossas e que os 1ºs e os 2ºs Autores sofressem transtornos em virtude da maior dificuldade em manobrar as suas viaturas automóveis.

A circunstância de os 1ºs Autores sofrerem transtornos em virtude de não poderem aceder ao pátio do seu prédio e de os 2ºs Autores haverem ficado revoltados com o facto de terem partido telhas não justifica a ressarcibilidade pelos danos não patrimoniais, nos termos do art.496 CC, pois não merecem a tutela do direito, dada a falta de gravidade.
O conceito de “gravidade” afere-se segundo um critério objectivo, implicando, todavia, o recurso ao pensamento tópico, dado o imprescindível apelo às circunstâncias peculiares do caso concreto. Como já então sustentava VAZ SERRA (“Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ 83, pág.69 e segs.), o dano compensável deve revestir certa gravidade, excluindo-se os danos insignificantes, e de natureza tal que seja justificável a sua compensação pecuniária.

Ora, a insuficiência de facto quanto aos “transtornos”, sabido, além do mais, que os Autores se encontram-se a residir no estrangeiro não permite a caracterização e gravidade para os danos.

            Danos patrimoniais:

            A violação do direito de propriedade consubstancia a ilicitude, mas não o dano, que carece se ser factualmente concretizado e alegado.

            Sabe-se que os 1ºs Autores ficaram impedidos de entrar no pátio de sua casa e a construção do barracão impediu a abertura das fossas, mas não se provou que daí resultassem efectivos prejuízos económicos para os Autores.

            No tocante às obras realizadas pela Ré em Abril (demolição do barracão e construção de uma garagem) provou-se que o empreiteiro e empregados partiram telhas e cumes dos 2ªs Autores, que estavam empilhados no pátio junto ao muro, e retiraram quatro telhas de vidro, tipo francês, sem que se comprovasse o respectivo valor.

Tem sido controvertida a questão de saber se a responsabilidade por danos provocados a terceiros, no âmbito da execução de uma empreitada, recai apenas sobre o empreiteiro ou também sobre o dono da obra, e incidindo sobre ambos se a responsabilidade é ou não solidária.

Há uma corrente que aponta para a responsabilidade exclusiva do empreiteiro (cf., por ex., VAZ SERRA, RLJ ano 112, pág.203, Ac STJ de 30/1/79, BMJ 283, pág.301, de 26/4/88, BMJ 376, pág.587).

Outra corrente jurisprudencial, tem vindo a sustentar que a responsabilidade pelos danos cabe ao proprietário do prédio, ainda que a obra haja sido feita por empreitada (cf., por ex., Ac STJ de 28/5/96, BMJ 457, pág.317, votos de vencido no Ac STJ de 26/4/88, BMJ 376, pág.587, Ac STJ de 7/11/77, BMJ 221, pág.141).

Mas atendendo a razões de ordem histórica e sistemática, o autor da obra é sempre o proprietário, e "o pensamento legislativo foi o de responsabilizar em primeira linha, e independentemente de culpa, aquele que, sendo o titular do direito de propriedade, tira proveito ou beneficia da obra que decidiu realizar no prédio“, sendo totalmente irrelevante, na perspectiva do vizinho lesado, “que a obra seja levada a cabo pessoalmente pelo dono do prédio (ou através de pessoal que dele dependa por vínculo laboral) ou antes por empreiteiro (sob a direcção do próprio empreiteiro e sem vínculo de subordinação ao dono da obra); em qualquer das hipóteses o dono responde pelos mencionados danos” (Ac STJ de 28/5/96, BMJ 457, pág.317).

Um outro argumento invocado é o de que tratando-se de responsabilidade por facto lícito - dano de obra – na economia da lei, arts.1346 e segs. do CC, é sempre o dono da obra o responsável independentemente da sua conduta concreta, pelo que a unidade do sistema jurídico aponta que se interprete o art.1348 CC no mesmo sentido.

Nesta perspectiva, tem-se entendido que independentemente da sua culpa, é o dono da obra solidariamente responsável pelos danos causados na esfera do dono do prédio vizinho com o empreiteiro, ainda que este responda a título de culpa e já não uma responsabilidade meramente subsidiária (cf., por ex., Ac STJ de 12/6/2003, de 25/9/2007, disponíveis em www dgsi.pt/jstj).

Ainda que se admita como mais razoável esta orientação, a verdade é que não está comprovado que o dano provocado pelo empreiteiro e empregados nas telhas dos 2ºs Réus ocorresse durante a execução da obra da Ré, e por causa dela, pressuposto para a sua responsabilização. Sucede que apenas se provou que os danos foram praticados pelo empreiteiro e empregados e não há elementos que permitam presumir que tal fosse realizado durante a execução da empreitada, cujo ónus da prova cabia aos Autores.

2.9.- 7ª QUESTÃO (A litigância de má fé)

A sentença condenou a Ré como litigante de má fé, em 7 Uc de multa e indemnização aos Autores, porque “ actuou sempre e claramente de forma dolosa, com vista a fazer valer pretensão e oposição cuja falta de fundamento não ignorava (antes o sabia), procurando alterar a verdade dos factos e impedir a descoberta da verdade”.

Isto porque, por um lado, “procurou alterar a verdade dos factos, pretendendo fazer crer que não existia qualquer passagem da casa dos antecessores dos autores para o logradouro comum e que, antes pelo contrário, desde 1968 e de forma contínua fez uso exclusivo do mesmo quando, como se referiu, esteve emigrada em França e quando esteve, mais recentemente e durante cerca de sete anos, casada em segundas núpcias nem sequer a casa habitou esta casa”, e, por outro, – “na pendência da causa, iniciou a execução de obras onde antes estava instalado um barracão, sabendo que havia sido requerida, aliás pela própria, uma inspecção ao local, e que, ao executar as obras, estava a alterar o status quo que iria também ser objecto da inspecção”.

A Ré/Apelante nega ter agido de má fé, alegando, além do mais, que a circunstância de não lograr provar a sua versão dos factos não significa que houvesse alterado a verdade, tanto assim que continua convencida de que o logradouro lhe pertence em exclusivo.

Nos termos do art.456 nº2 do CPC diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, (a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; (b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; (d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

            Enquanto as alíneas a) e b) se reportam à chamada má fé substancial (directa e indirecta), as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental.

O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil.

            O âmbito da má fé abrange hoje a “negligência grave“, não bastando uma lide temerária ou meramente culposa. No entanto, a jurisprudência tem vindo a decidir que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com “interpretações apertadas” do art.456 do CPC, nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a) e b), do nº2 (cf., por Ac STJ de 9/1/2003, proc. nº 02B3882), Ac RC de 15/2/2005, proc. nº 4018/04 (do aqui relator), disponíveis em www dgsi.pt).

Como se afirma no Ac do STJ de 11/12/2003, proc. nº 03B3893, em www dgsi.pt - “Não é, por exemplo, por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má fé. A verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do juiz, que sendo muito, não atinge, porém, a certeza das verdades reveladas. Com efeito, a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico - sociológico.”

E nem a defesa convicta de uma dada perspectiva jurídica dos factos implica necessariamente a litigância de má fé (cf., por ex., Ac STJ de 11/9/2012, proc. nº 2326/11, em www dgsi.pt).

Neste contexto, não é pelo facto de se comprovar uma versão diversa da alegada pela Ré (recorde-se, a propósito da prova testemunhal, a existência de duas versões contraditórias) que, por si só, implica a sanção por litigância de má fé, sendo que, na dúvida, tendo em conta o direito de acção e à tutela judicial efectiva, deve afastar-se a condenação. Por outro lado, o facto de a Ré haver iniciado a construção da garagem já na pendência da acção e depois requerida a inspecção judicial ao local, não é, por si só, de molde a justificar a condenação pela litigância de má fé, pois não está sequer demonstrado que tal inviabilizasse a diligência instrutória, e muito menos indiciado que o fizesse com o objectivo de inviabilizar tal meio de prova.

2.10.- 8ª QUESTÃO (A sucumbência e a responsabilidade pelas custas)

            A sentença emitiu o seguinte pronunciamento quanto às custas:

“Custas da acção a cargo dos autores e da ré, na proporção de 1/12  e 1/4, respectivamente (considerado a condenação em 2/3 dos autores pela absolvição parcial da instância)”

            Os Autores reclamam a absolvição total em relação às custas, dizendo terem sido deferidas as suas pretensões, o que não corresponde à verdade.

            Com efeito, os Autores decaíram relativamente aos pedidos de indemnização e de condenação dos Réus a retirar do barracão, os animais e objectos colocados sobre o terreno e as fossas dos 2ºs Autores, logo ficaram vencidos, nessa parte (art. 446 nº1 e 2 CPC).

            Em relação aos pedidos de reconhecimento de direito de propriedade, adrede formulados pelos Autores (cf. alíneas a) e b)) e pela Ré reconvinte (cf. alínea a)), não tendo havido oposição, funciona a regra do art.449 nº1 CPC, para além de se tratar de uma cumulação meramente aparente.

            Num juízo valorativo, as custas da acção serão repartidas equitativamente por Autores e Ré na proporção de 30% para aqueles e 70% para esta. As custas da reconvenção serão suportadas integralmente pelos Ré.

            As custas da apelação da Ré serão suportadas por ela e pelos Autores, na proporção de 80% e 20%, respectivamente, e as da apelação dos Autores, por estes e pela Ré, na proporção de 50%, para cada.

2.11. - Síntese Conclusiva:

1.- O interesse processual ou interesse em agir tem sido concebido como pressuposto processual referente às partes e, porque não previsto expressamente, é havido como pressuposto processual inominado, cuja falta gera a absolvição da instância (art.288 nº1 e) CPC).
2.- Como qualquer pressuposto processual, também o interesse em agir deve ser aferido na fase inicial do processo, logo em função da pretensão deduzida e não findos os articulados, consoante a posição assumida pelas partes.
3.- A chamada acção negatória (actio negatoria) destina-se a pôr fim aos actos de turbação do direito do proprietário, removendo os efeitos dos actos praticados e prevenindo a prática de actos futuros.

4.- Numa acção negatória, a circunstância de ambas as partes reconhecerem reciprocamente os direitos de propriedade sobre os respectivos e identificados prédios releva, não para afastar o interesse em agir, mas para efeitos de direito probatório, nomeadamente a comprovação do direito de propriedade por acordo das partes.

5.- Sendo o terreno comum considerado como terreno alheio para efeitos da servidão de vistas, ou seja, como “prédio vizinho”, a abertura de uma porta sobre um logradouro comum deve obedecer à distância legal e se não suceder pode configurar um acto de oneração sobre parte especificada de coisa comum, por implicar a constituição de uma servidão de vistas (a posse de servidão) - art.1408 nº2 CC. Por isso, um comproprietário não pode, em princípio, constituir servidões em coisa comum sem o consentimento dos seus consortes.

6.- Contudo, a possibilidade de abertura de portas ou janelas para logradouros comuns nem sempre consubstancia uma oneração, para efeitos do art.1408 nº2 do CC, por depender do título constitutivo da coisa comum e da sua concreta finalidade.

7.- Daí que se uma faixa de terreno comum foi deixada exactamente para o serviço de acesso, de ar e de luz dos prédios fronteiriços já não se pode falar de “acto de oneração” porque contende com a finalidade do uso.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar parcialmente procedentes as apelações da Ré e dos Autores

2)

            Revogar a sentença na parte em que:

i) Absolveu a Ré da instância relativamente aos pedidos de declaração do direito de propriedade dos Autores (formulados nas alíneas a) e b));

ii) Absolveu os Autores da instância relativamente ao pedido do direito de propriedade da Ré (formulado em a))no que respeita à habitação identificada nos arts.24 e 29 da contestação (correspondentes à alínea H) dos factos assentes);

iii) Condenou a Ré como litigante de má fé no pagamento de multa que se fixa em 7UC, bem como no pagamento de uma indemnização aos autores correspondente ao reembolso das despesas que os obrigou a suportar com a lide, incluindo os honorários do mandatário.


3)

            Confirmar o demais decidido, com a rectificação material referida.

4)

            Julgar a acção parcialmente procedente e em consequência:

a). Condenar a Ré a reconhecer que os 1ºs Autores são donos do prédio identificado no art.1º petição inicial e que os 2ºs Réus são donos do prédio identificado no art.3º da petição inicial;

b). Declarar como logradouro comum a área de terreno que, com a forma quase triangular e cerca de 50m2, é limitado pela frontaria da casa da Ré, pelo alçado da casa dos 1ºs Autores, pelo caminho que dá acesso à casa dos 2ºs Autores e que termina quase com a forma de bico junto à Rua de Santa Teresa, bem como o caminho de consortes o beco que, partido daquela Rua, confina com o logradouro e segue, rente à casa da Ré pela direita, até ao prédio dos 2ºs Autores.

c) Condenar a Ré a, no prazo de oito dias, após o trânsito em julgado da sentença, retirar os painéis de rede, as plantas e vasos de flores que colocou no logradouro, quer os colocados em frente à porta de acesso ao pátio da casa dos 1ºs Autores, quer os que mantém rente ao caminho de consortes;

d) Condenar a Ré a, no prazo de oito dias, após o trânsito em julgado da sentença, repor o puxador da porta de acesso ao pátio da casa dos 1ºs Autores pelo logradouro;

e) Absolver da Ré dos demais pedidos.


5)

Julgar parcialmente procedente a reconvenção e:

a). Condenar os Autores a reconhecer que a Ré é proprietária do prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, destinada à habitação, sita no …(descrito na alínea H) dos factos assentes ).

b). Absolver os Autores dos demais pedidos reconvencionais.


6)

Condenar Autores e Ré nas custas da acção, na proporção de 30% e 70% , respectivamente.

Condenar a Ré nas custas da reconvenção.

            As custas da apelação da Ré serão suportadas por ela e pelos Autores, na proporção de 80% e 20%, respectivamente, e as da apelação dos Autores, por estes e pela Ré, na proporção de 50%, para cada.


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Jorge Arcanjo (Relator)

Teles Pereira

Manuel Capelo