Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6139/12.2YYPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
OPOSIÇÃO
EXCEPÇÕES
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Data do Acordão: 05/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 10.º DA LULL
Sumário: Tendo a livrança exequenda sido subscrita em branco, quer pela subscritora, quer pelos avalistas, encontrando-se em poder do credor originário, e que também o apelante, na qualidade de avalista, participou, subscrevendo-o, no pacto de preenchimento, pode este opor à portadora a excepção do preenchimento abusivo conforme prevê o art.º 10.º da LULL.
Decisão Texto Integral: I. Relatório

A..., instituição financeira de crédito, SA, com sede na Av.ª (...), no Porto, instaurou acção executiva comum, para cobrança da quantia de € 412 372,54 (quatrocentos e doze mil, trezentos e setenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), respeitando € 403 355,07 a dívida de capital e o restante a juros vencidos liquidados até 28/6/2002 e ainda os vincendos, contra B...., residente na Praça (...), em Coimbra, e C...., residente em (...), Lousã, dando à execução uma livrança.

Alegou, em síntese, no requerimento executivo, que no exercício da sua actividade comercial celebrou com a sociedade “D..., Lda” um contrato de factoring, nos termos do qual adquiriu a esta determinados créditos sobre os seus devedores, tendo procedido, a sua solicitação, a adiantamentos sobre os créditos que lhe eram cedidos.

Como forma de garantir o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do contrato celebrado, os executados avalizaram uma livrança subscrita pela sociedade “ D..., Lda”, cujo preenchimento autorizaram fosse feito pela exequente até ao limite de 1.650.000,00 €, podendo fixar-lhe o vencimento e montante no caso do referido contrato não ser pontualmente cumprido em todas as suas cláusulas.

Tendo a sociedade avalizada incumprido as obrigações emergentes do contrato de factoring, cedendo à exequente créditos inexistentes ou inexigíveis e desta tendo recebido os acordados adiantamentos, montantes que não restituiu, procedeu a exequente ao preenchimento da livrança em seu poder pelo montante de € 403 355,07 em dívida, apôs na mesma como data de vencimento 29.06.2012, e interpelou os avalistas para procederem ao pagamento daquele valor, o que estes não fizeram, nem no prazo que lhes foi concedido, nem posteriormente, o que justifica a instauração da presente execução.

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Citados os executados, deduziu extensa oposição o executado C... e nela tendo impugnado, por desconhecimento, a cessão de créditos invocada pela exequente e os adiantamentos alegadamente efectuados à sociedade executada, ainda a aceitá-los como verdadeiros sempre a execução teria de ser extinta quanto a si, por a tal conduzirem os seguintes fundamentos:

- foi sócio e fundador da sociedade comercial por quotas D..., Lda., tendo renunciado à gerência em 8/10/2010, sendo certo que até então sempre foi o sócio B... quem, de forma exclusiva, exerceu a gerência;

- subscreveu o contrato de factoring celebrado com a exequente na qualidade de gerente de direito e na convicção de que a sua celebração era necessária, tal como lho referira o seu identificado sócio, no qual confiava plenamente, confiança que igualmente determinou que subscrevesse a livrança junta aos autos e o contrato de preenchimento que a acompanhava;

- a livrança ora dada à execução ficou a fazer parte integrante do contrato de factoring, constituindo com o documento que titula e fixa os termos e condições em que a mesma foi subscrita, um único documento;

- a garantia pessoal assim prestada é nula, por indeterminada e indeterminável, não podendo produzir quaisquer efeitos em relação ao oponente e acarretando a nulidade do aval prestado, nos termos do art.º 280.º do CC;

- todavia, ainda a admitir como mera hipótese que a caução abrange as obrigações contratuais da garantia e que é válida, ela não abrange seguramente as obrigações decorrentes da prática de actos criminalmente puníveis, como ocorre no caso dos autos;

- com efeito, sem o conhecimento do ora oponente, e numa altura em que já havia renunciado à gerência, o sócio gerente e também executado B... fabricou as facturas identificadas no extracto de conta e, bem assim, as respectivas propostas de cessão de crédito que remeteu à exequente, recebendo as quantias correspondentes, delas se apropriando, assim se constituindo autor dos crimes de burla e falsificação, condutas a que o oponente é completamente alheio;

- a exequente também não cumpriu o contrato, infringindo o dever de vigilância e análise do risco de cada um dos devedores, o que deve ser lido como risco de cada um dos créditos, como impunha a al. d) do n.º 1 do art.º 1.º do contrato celebrado, tal como não cumpriu a obrigação decorrente do art.º 5.º, que lhe impunha que notificasse os devedores das referidas facturas, sob registo e com a/r, da cedência dos aludidos créditos, assim facilitando decisivamente a prática pelo co-executado dos factos descritos que conduziram ao alegado adiantamento, colocando o opoente numa injusta posição de garante, excessivamente onerosa e inexigível;

- a eventual obrigação de restituir/pagar a cargo da sociedade não emerge assim do contrato de factoring, mas antes da conduta criminosa do seu único gerente, do que decorre não ser o oponente responsável pelo respectivo pagamento, uma vez que só garantiu o cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade no contrato e deste emergentes;

- consequência do que vem de se expor, porque a livrança avalizada pelo oponente só podia ser preenchida em relação ao incumprimento das obrigações da sociedade avalizada emergentes do contrato, e não de quaisquer outras, verifica-se o seu preenchimento abusivo, não constituindo a mesma, quanto a si, título executivo;

- acresce que a livrança dada à execução, só por si, não é título executivo bastante, impondo-se que tivessem sido juntos o contrato de factoring e, bem assim, as facturas e propostas de cessão de créditos invocados pela exequente, emitidos/produzidos ao abrigo do contrato de factoring, ainda que alegasse e provasse a aceitação da propostas e os adiantamentos efectivamente efectuados;

- face à invalidade do documento caução e da livrança, a presente execução carece de título executivo, não podendo, por via dela, ser exigido ao opoente o pagamento da quantia peticionada.

Com tais fundamentos concluiu pela procedência da oposição e consequente extinção da execução quanto a si.

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Notificada, contestou a exequente e, tendo feito notar que o oponente não contestara nem impugnara o contrato de factoring celebrado e, bem assim, não contestara nem impugnara a subscrição da livrança dada à execução, nem tão pouco a letra ou assinatura do pacto de preenchimento da mesma, não questionando o incumprimento do contrato ou sequer o montante da dívida, sublinhando ainda que as propostas de cessão que acompanhavam as facturas emitidas pela sociedade sua representada se mostram pelo oponente assinadas, concluiu pela imediata improcedência da oposição.

Alegando ter o oponente deduzido em juízo oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, pediu ainda a condenação daquele como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor, a fixar em valor não inferior a € 20 000,00.

Cautelarmente, procedeu à junção das propostas de cessão de créditos e facturas que a acompanhavam, as quais deram origem aos adiantamentos entregues e ora reclamados.

O oponente pronunciou-se sobre a requerida litigância de má fé, imputação que refutou, tendo ainda arguido de falsas as assinaturas a si atribuídas e que constam das propostas de cessão e das cartas que identifica.

Na oportunidade, requereu a inquirição de testemunhas e a realização de exame pericial à letra e assinaturas com os dizeres C... e C... apostos nos aludidos documentos.

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Teve lugar audiência preliminar tendo em vista a possível conciliação das partes, tentativa que se frustrou, aí tendo sido facultada a oponente e oponida a discussão da causa, atenta a possibilidade, já anunciada, do conhecimento do respectivo mérito na fase do saneador (cf. fls. 206/207 dos autos).

Foi de seguida proferido douto saneador-sentença que, na total improcedência da oposição, determinou o prosseguimento da execução.

Irresignado, o oponente apelou da decisão e, tendo argumentado quanto consta das extensas alegações, rematou-as com 81 conclusões, que se transcrevem:

“1.ª- Dão-se como reproduzidos o douto requerimento executivo, os documentos que o acompanham, a oposição à execução deduzida, os documentos que esta acompanharam e a douta sentença recorrida.

2.ª- A execução foi instaurada com base em título executivo denominado pela exequente como livrança, que é o junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

3.ª- Mostra-se, tal como foi junto com o douto requerimento executivo, preenchido com a importância de 403.355,07€, com local de emissão no Porto, com data de emissão de 20/06/2012, com data de vencimento de 29/06/2012, com o valor preenchido como transacção comercial, a seguir ao qual, depois de riscada a expressão no seu vencimento pagarão V.Exªs por esta única via de letra, se encontra preenchido “no seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de letra, aliás livrança à A..., S.A e quantia de Quatrocentos e três mil trezentos cinquenta e cinco euros e sete cêntimos”

4.ª- Segue-se o local com a menção assinatura do sacador, no qual se encontra identificado como sacador a sociedade D..., Ldª, seguida das assinaturas dos seus gerentes sob e imediatamente a seguir ao carimbo da gerência daquela mesma sociedade.

5.ª- No local destinado ao nome e morada do sacado mais uma vez se encontra escrito D..., Ldª seguido da sede e no local destinado ao nome e morada e carimbo do sacador, encontra-se um mero carimbo da A... (a exequente), sem qualquer assinatura, e o seu número de contribuinte e finalmente no número de contribuinte do sacado encontra-se inscrito o número de contribuinte da sociedade D..., Ldª (...).

6.ª- Quer a exequente, quer a douta sentença qualificaram este documento como uma livrança.

7.ª- E o certo é que, também a sociedade D..., Ldª, por carta de 03/12/2008 junta aos autos, que aqui se dá por reproduzida, enviou à exequente o referido documento que designou, como da mesma carta, consta, por livrança, completamente em branco, apenas com as assinaturas dos gerentes da D..., Ldª no local destinado a “assinatura do sacador” e no verso, a seguir à expressão “Bom para aval”, com as assinaturas de B... e do executado, ora recorrente, C...

8.ª- Nada mais se encontrando preenchido no documento, como o demonstra a cópia, cuja junção se requer seja admitida com os fundamentos invocados nas anteriores alegações, que aqui se dão por reproduzidos e que demonstram não ter possível a sua apresentação, mostrando preenchidos os requisitos previstos no artº. 524º do C.P.C.

9.ª- O documento, porém, não era uma livrança, mas uma letra de câmbio, no local a seguir ao local designado por valor se encontrando a expressão: “No seu vencimento pagará V.Exª por esta única via de letra....”, tudo o restante se encontrando em branco.

10.ª- Ou seja, o documento enviado, através da carta de 03/12/2008, não é uma livrança, mas uma letra de câmbio, em branco, apenas com a assinatura do sacador e dos avais sem designação do beneficiário do aval, ou seja, com aval, por força do disposto no artº. 31º da Lei Uniforme das Letras e Livranças, dado ao sacador.

11.ª- Tudo o que, para além das referidas assinaturas, consta do título cambiário, designadamente a alteração à expressão “ no seu vencimento pagará V.Exª por esta única via de letra ...”, pela expressão “ no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de letras, aliás livrança à A..., S.A e quantia de Quatrocentos e três mil trezentos cinquenta e cinco euros e sete cêntimos” foi riscado e preenchido pela exequente.

12.ª- Também, o preenchimento do nome e carimbo do sacador, número de contribuinte do sacador, local de pagamento/domiciliação, número de contribuinte do sacado, nome e morada do sacador, preenchimento do valor como transacção comercial, vencimento, importância e local e data de emissão, foram igualmente preenchidos pelo exequente.

13.ª- Ou seja, o exequente, para além do mais, transformou, sem autorização, um título cambiário que constituía uma letra de câmbio numa livrança e, por si transformado nesta, preencheu-a, como entendeu e quis por forma a usá-la, como usou, como título executivo “contra” também o ora recorrente.

14.ª- O título dado à execução, dado o exposto, é nulo e de nenhuns efeitos o que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

15.ª- Assim se não entendendo, o que se não aceita, o mesmo título apenas poderia valer como letra de câmbio em que o sacador seria D..., Ldª e o aval dado seria a favor desta como sacadora e nunca como sacada.

16.ª- Mas mesmo quando se entenda que o título enviado poderia ser preenchido, o que se não aceita, apenas o poderia ser nos exactos termos em que a exequente foi autorizada pela já referida carta de 03/12/2008.

17.ª- Ou seja, como consta da carta, que nesse caso, se teria de considerar como um pacto de preenchimento, a qual apenas autorizou o preenchimento do saldo em dívida de capital, juros, demais encargos e despesas, até ao limite total de 1.650.000,00 €, fixando o vencimento e montante e sempre, como dela continua a constar, caso o contrato não seja pontualmente cumprido em todas as suas cláusulas.

18.ª- E consequentemente, sempre a exequente teria ultrapassado a autorização dada, pois não foi autorizada a preencher o nome do sacado, o nome do sacador, o local de pagamento, a preencher o valor com a expressão transacção comercial, mas quando muito com a identificação do contrato a que respeitava e muito menos foi autorizada a alterar, como se disse, a ordem de pagamento em promessa de pagamento.

19.ª- Verificar-se-ia, portanto, em qualquer caso, um preenchimento abusivo que sempre geraria a invalidade, por nulidade, do título dado à execução e a impossibilidade de exigir o pagamento de qualquer quantia nele inscrita ao ora recorrente.

20.ª- Quando assim se não entenda, o que se não aceita, sempre teria e terá de considerar-se que, em 08/06/2005, entre exequente e a sociedade comercial por quotas D..., Ldª, de que os executados, B... e C..., eram, à data da celebração do contrato, sócios e gerentes, foi celebrado o contrato de factoring junto com a douto requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido, designado pelo número 05/00332/01, o qual foi subscrito pelos seus dois antes identificados gerentes, ou seja, nessa qualidade, também pelo recorrente C....

21.º- Posteriormente, em 03/12/2008, a contratante D..., Ldª e os avalistas, dirigiram à exequente, a carta junta com o douto requerimento executivo, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na sequência, como dela consta, do acordo entre todos celebrado.

22.ª- Através dessa carta, que iniciaram, com a expressão “conforme o acordado”, a contratante D..., Ldª e os seus gerentes, em representação daquela e também em seu nome, como avalistas, enviaram, à exequente o título cambiário que qualificaram como livrança, “uma livrança com o valor e a data de vencimento em branco, subscrita por D..., Ldª, avalizada por B..., residente na Praça (...)COIMBRA, portador do B.I nº. (...) e C..., residente em (...)FOZ DE AROUCE, portador do BI nº. (...), que cauciona o Contrato de Factoring n.º 05/00332/01, celebrado em 8 de Junho de 2005 entre esta Empresa e essa Companhia, e dele fica a constituir parte integrante.” - sublinhados nossos.

23.ª- Nela acrescentando: “A A... fica desde já autorizada a preencher a referida livrança pelo saldo em dívida de capital, juros, demais encargos e despesas, até ao limite total de 1.650.000,00 Euros (um milhão seiscentos e cinquenta mil euros), fixando-lhe o vencimento e montante, caso o contrato não seja pontualmente cumprido em todas as suas cláusulas, fazendo deste título o uso que melhor entender.” - sublinhados nossos.

24.ª- Do conteúdo da carta resulta que esta, o título que a acompanhou dado à execução, resultaram do acordado directamente, ou seja, entre a exequente, a sociedade subscritora do contrato e os avalistas e, portanto, também com o oponente e que ficaram a constituir parte integrante do contrato de factoring.

25.ª- Estamos perante uma livrança incompleta e a carta de 03/12/2008 é o equivalente a um pacto de preenchimento da mesma.

26.ª- Assim sendo, tendo o executado/oponente (ora recorrente) avalista do subscritor da livrança subscrito, como subscreveu, o pacto de preenchimento e sendo nele interveniente, pode opor ao beneficiário da mesma livrança o preenchimento abusivo do título.

27.ª- No caso concreto, sendo o beneficiário da livrança o exequente e tendo o executado oponente intervindo no pacto de preenchimento, este pode opor àquele, uma vez que estamos nas relações imediatas, não só a excepção de preenchimento abusivo do título, mas todas e quaisquer outras excepções que possam eliminar a obrigação de pagamento do mesmo resultante e delas, como avalista, se aproveitar para afastar as suas próprias obrigações.

28.ª- Nestas concretas circunstâncias, foram as próprias partes, exequente, subscritora e avalistas que, em conjunto, voluntariamente ligaram, incindivelmente, o contrato, a livrança e pacto de preenchimento, de modo que esta – a livrança – deixou, por isso, sempre por vontade das partes, de ser independente e autónoma da relação subjacente que esteve na origem da sua emissão e, consequentemente, deixou, nas relações imediatas, de ser uma obrigação materialmente autónoma.

29.ª- A livrança não garante, nem pode garantir, seguramente, quaisquer obrigações que não resultem directamente do contrato que a livrança expressamente se destinou, nas palavras constantes do pacto de preenchimento.

30.ª- Não abrange, nem pode abranger seguramente, as obrigações emergentes da prática de actos criminalmente puníveis – no caso concreto em apreço, integrante dos crimes de falsificação de documentos e de burla – praticados pela garantida ou pelos seus representantes, nomeadamente, pelos seus gerentes - não, obviamente, o recorrente.

31.ª- Não é legalmente exigível a quem presta, através da livrança, a caução que, subsidiaria ou solidariamente, fique responsável pelas obrigações ou indemnizações que, para o garantido, surjam em consequência de uma sua (do garantido ou seus representantes) conduta criminosa.

32.ª- Ora, no caso concreto, sucedeu que, sem conhecimento do ora oponente/recorrente – em altura em que este há muito não era gerente -, o sócio e gerente da sociedade, também executado, B..., fabricou as facturas e as propostas de cessão juntas aos autos.

33.ª- Facturas que não correspondem a quaisquer encomendas e muitos menos a quaisquer fornecimentos aos clientes nelas identificados, nada devendo, portanto, os devedores aí identificados à executada D..., Ldª, sendo pura e simplesmente, facturas totalmente fabricadas e falsas, falso sendo tudo quanto delas consta e com base em tais falsas facturas e apenas nelas fabricou as propostas de cessão de créditos, também elas falsas, não tendo, umas e outras, sido juntas com o requerimento executivo.

34.ª- Os factos antes descritos praticados pelo sócio gerente B..., apenas chegaram ao conhecimento do ora oponente/recorrente após 27/04/2012, em consequência de carta dirigida pela exequente ao oponente/recorrente naquela data e junta aos autos e a que este respondeu por carta datada de 10/05/2012, também junta aos autos.

35.ª- Tal carta de 27/04/2012, como se diz na resposta de 10/05/2012, não identificou, nem as facturas, nem as propostas a que se referiam e a verdade é que também a de 18/06/2012, não juntou, nem identificou a ou as propostas de cessão, apenas tendo enviado o extracto de conta antes referido junto com a oposição sob o documento nº 3.

36.ª- Só através dela o ora oponente (ora recorrente) tendo tomado conhecimento da existência das alegadas facturas a que a exequente se referia, todas elas, de acordo com aquele extracto.

37.ª- Mas continuando sem saber se, na verdade, tais facturas foram incluídas em qualquer proposta de cessão de créditos, se foram cedidos créditos, em caso afirmativo quais os seus montantes, uma vez que a exequente lhe não enviou cópia das alegadas, mas não conhecidas do oponente, ora recorrente, propostas e cessões, não obstante as ter, por escrito, solicitado através das cartas antes referidas.

38.ª- Recebeu apenas da exequente, por carta desta, datada de 30/04/2012, o documento junto com a oposição sob o documento nº. 4, que aqui se dá por reproduzido, designado por proposta de cessão de créditos, datado de 11 de Abril de 2012, que não se sabe, nem pode saber-se, exactamente o que é, porque não identifica quaisquer facturas, nem quaisquer valores correspondentes, nem datas de emissão, mas apenas notas de crédito, em papel timbrado da exequente, mas subscrito pelo gerente, B..., da D..., Ldª, tratando-se de documento ininteligível, mas não sendo, não obstante o seu título, uma proposta de cessão de créditos, razão por que o oponente, ora recorrente, impugnou a mesma e todo o seu conteúdo.

39.ª- Todos os factos que se vêm descrevendo foram alegados na oposição oportunamente deduzida e, a nosso ver, inegavelmente são pertinentes para a decisão a proferir, pelo que, a Meritíssima Julgadora, salvo o devido respeito, deveria ter proferido, não despacho saneador/sentença, mas despacho saneador, com selecção da matéria de facto alegada pelas partes, seguindo-se a indicação e a produção da prova que as partes viessem a indicar até à audiência de discussão e julgamento.

40.ª- Com efeito, conforme oportunamente alegado, com base nas facturas que a exequente alegou e documento que juntou sob o nº 4 no requerimento executivo, invocando ser uma “proposta de cessão de crédito” (que se não aceitou e não aceita) entregue pela executada sociedade, a exequente alega ter adiantado àquela a quantia de 398.816,37€.

41.ª- O ora recorrente não sabe, nem tem possibilidades de saber, se são, ou não verdadeiras, por absoluta falta, como se disse já, de elementos e informação que a exequente tinha obrigação de fornecer-lhe, sem que o tenha feito, pelo que, à falta de prova a exclusiva cargo da exequente, o oponente impugnou, não aceitou, nem as facturas, nem a sua entrega e proposta de cessão de créditos à exequente, nem o(s) adiantamento(s) por esta alegados.

42.º- Também o oponente não sabe, nem pode saber, e por isso também o não aceitou, nem aceita, que tal importância, alegadamente adiantada pela exequente, tenha dado entrada nos cofres da sociedade, ou se pelo referido gerente lhe foi dado destino diferente, estranho à sociedade e ao seu objecto social.

43.ª- E a verdade é que os factos praticados pelo identificado gerente integram a prática por este de, pelo menos, os crimes de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal e de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 218º e seguintes do mesmo diploma legal.

44.ª- O direito da exequente à quantia por si peticionada – a ser exacto o por si alegado, o que, pelas razões já referidas, se não aceita e só por mera hipótese se considera – emergirá, na hipótese em análise de efectivo adiantamento, não do incumprimento do contrato, mas da prática pelo referido gerente dos crimes antes descritos.

45.ª- Sem a sua prática não teriam sido causados à exequente os alegados prejuízos que invoca e para esta não existiriam quaisquer prejuízos, nomeadamente o direito à restituição que peticiona através da livrança dada à execução.

46.ª- Por outro lado, a eventual responsabilidade da sociedade executada em restituir a importância peticionada – a existir - nunca, em caso algum, emerge de factos por si praticados, através dos seus representantes dentro das competências que, nessas qualidades, lhe são por lei atribuídas, nem conferidas pelas seus estatutos.

47.ª- Não emerge do contrato celebrado, mas de uma conduta criminosa de terceiro, completa e totalmente estranha àquele contrato e ao contrato social.

48.ª- Como se disse, o Sr. B..., era, ao tempo da falsificação das facturas e da entrega da proposta de cessão de créditos em falta prevista no contrato – também ela falsa – o único gerente da sociedade executada D..., Ldª, bastando e sendo suficiente a sua assinatura para obrigar a sociedade, como documentalmente se encontra provado nos autos.

49.ª- Ora, os actos de falsificação das facturas e proposta de cessão de créditos, também ela falsa, em consequência da falsidade daquelas, não cabem na competência do gerente em causa, ou de qualquer outro.

50.ª- E também não estão abrangidos pelo objecto do contrato de factoring em causa, que contempla reais créditos emergentes de reais negócios para efeitos de cessão e não quaisquer outros actos para a obtenção de crédito, nomeadamente, actos de natureza criminal, que são totalmente estranhos ao contrato.

51.ª- Assim a eventual responsabilidade da sociedade pela restituição das importâncias que adiantou com base na cessão dos pretensos créditos não emerge do contrato, ou melhor, do incumprimento de qualquer das suas cláusulas, mas emerge da descrita conduta criminosa do seu gerente, dos actos criminalmente puníveis por este praticados e já descritos, não contidos dentro do seus poderes de gerência.

52.ª- A eventual obrigação de restituir/pagar da sociedade não emerge do contrato de factoring em causa mas da ilegal conduta do já referido gerente antes descrita, e sempre, face aos factos alegados, tem direito a haver daquele gerente o que eventualmente pagar, tudo porque estamos perante factos ilegais que nada têm a ver com o contrato de factoring, sendo-lhe totalmente estranhos.

53.ª- Por tudo o exposto, o oponente não é responsável pelo pagamento reclamado pela exequente através da presente execução e, portanto, através da livrança dada à execução que, como se disse, no que respeita ao ora oponente é nula, não produzindo, nem podendo produzir quaisquer efeitos.

54.º- Na verdade a “caução” prestada pelo Oponente apenas se podia e pode destinar a garantir, como dela expressamente consta, o contrato, ou melhor, o cumprimento apenas e só das obrigações assumidas pela sociedade no contrato e deste emergentes.

55.º- E não quaisquer obrigações da sociedade emergentes de actos ou omissões de gerentes da sociedade praticados à margem do contrato e a este absolutamente estranhos, como é, como se deixou dito, o caso dos autos.

56.ª- E o título emitido em branco com o aval do ora oponente, pelo menos no que a este diz respeito, apenas poderia ser preenchida em relação a incumprimentos de obrigações da sociedade avalizada, emergentes do contrato e não de quaisquer outras.

57.ª- Assim sendo, estamos perante um título que, relativamente ao oponente, ora recorrente, nada vale, nenhuns efeitos podendo produzir.

58.ª- Tendo sido preenchida pela exequente, dentro do circunstancialismo de facto descrito e de que a mesma foi cuidadosamente avisada, por escrito – carta de 10/05/2012, já referida e junta - pelo ora Oponente, sem que o aval do oponente tenha sido riscado ou, por qualquer outro meio inutilizado, pelo que estamos, no que respeita ao oponente, perante um evidente abusivo preenchimento da mesma livrança.

59.ª- Não constituindo, assim, a título cambiário em apreço, quanto ao oponente, título executivo.

60.ª- Constituindo o contrato de factoring o título cambiário e o documento que titula e fixa os termos e condições em que o mesmo foi subscrita e avalizada, constitui um único documento, sendo incindíveis, o título dado à execução não podia, nem devia, servir de título à execução sem que, simultaneamente, fossem juntos todos os documentos – facturas e propostas de cessões de créditos alegados pela exequente – emitidos/produzidos ao abrigo do contrato de factoring.

61.ª- Uma vez que foi ao abrigo daquele contrato de factoring que foi emitido o documento/caução que o cauciona e, portanto, este sem aquele nada vale.

62.ª- E, por sua vez, ao abrigo deste documento foi emitida, aceite e avalizada, a livrança em branco que só por força deste documento (prestação da garantia caução) poderia ser preenchida, desde que se mostrassem preenchidos os requisitos aí previstos para seu preenchimento, o que não se mostra, nem alegado, nem provado.

63.ª- Ou seja, para que a Livrança possa ser validamente preenchida, é, em primeiro lugar, necessário que o contrato de factoring não seja cumprido, é preciso saber e que a exequente alegue e prove em que termos e montantes foi incumprido e é ainda necessário que a caução/garantia tenha sido validamente prestada e, tendo-o sido, é necessário alegar e provar que estão verificados os requisitos para o válido funcionamento da mesma caução, o que não foi alegado, nem provado.

64.ª- Ou seja, para que exista título exequível e válido é necessário usar, não só a Livrança, mas também o documento (caução) de que a mesma emerge, o contrato de factoring, e todas e cada uma das facturas que serviram para preencher e entregar a proposta de cessão de créditos, alegar e provar a proposta e que a mesma foi aceite e que os adiantamentos foram efectivamente efectuados.

65.ª- E é necessário, como se disse, que o documento caução seja válido – e não é – e que o negócio subjacente ao preenchimento da livrança seja válido e emergente do contrato de factoring, o que também, pelas razões já referidas, não sucede.

66.ª- Como se disse já, a exequente, com o requerimento executivo, não juntou, nem alegou, quer as facturas, quer a proposta de crédito, quer a sua aceitação, nem provou os adiantamentos que alega ter feito.

67.ª- A presente execução, face à invalidade do documento caução e da livrança carece de título executivo, não podendo, por via dele ser exigido ao oponente, ora recorrente, o pagamento da quantia peticionada.

68.ª- Por outro lado, face ao contrato e às suas características ter-se-á de concluir que a caução prestada equivale em tudo a uma fiança genérica, pois tem como campo de incidência o universo das relações de todo o contrato, sem as precisar e sem que o garante saiba, ou tenha possibilidades de saber, o que a final, quando a presta, está a garantir.

69.ª- O recorrente, ao subscrever o documento, verdadeiramente não presta, como seria necessário para a sua validade, a garantia a uma ou outra obrigação específica e concreta que fique claramente a conhecer.

70.ª- Mas, nos termos em que está redigido, a todas e quaisquer obrigações, não concretas, nem determinadas, nem determináveis, que possam, eventualmente, derivar de qualquer tipo e natureza de incumprimento do contrato pela garantida, não concretamente previstas ou imprevisíveis, ou seja, está-se perante uma garantia que pode, sem dúvida, classificar-se como genérica.

71.ª- Constitui uma caução com indefinição total da prestação devida, com um objecto indeterminado e indeterminável, como uma indeterminação total e, portanto, nula.

72.ª- A sua nulidade determina automaticamente a nulidade do aval prestado na livrança em causa e mesmo desta, por força do disposto no artigo 280.º do Cód. Civil.

73.ª- E não se diga que tal é afastado pela limitação quantitativa da garantia, pois assim não sucede, pois, essa limitação não implica, só por si, uma correspondente limitação objectiva da caução, característica indispensável para a sua validade, sendo também de notar que a caução prestada não tem, como devia, um limite temporal, o que seria muito importante e imprescindível para a sua validade.

74.ª- Pois, para além do já referido, o recorrente, não obstante ter prestado a garantia enquanto gerente, deixou de o ser, esta manteve-se e manter-se-á, ainda assim, sem qualquer limite temporal ao longo do tempo, ao longo de toda a sua vida, o que não sucederia se tivesse sido fixado um limite temporal, não dependendo da sua vontade o seu termo.

75.ª- Face a tudo o exposto, a douta sentença recorrida, deveria ter julgado a oposição provada e procedente com todas as legais consequências ou

76.ª – Assim se não entendendo, face a todos os factos alegados na oposição à execução, os autos, face a essa invocação, deveriam ter prosseguido para a instrução, discussão e julgamento da causa e, portanto, para a fase de produção de prova para averiguar de todos os factos alegados que, a serem provados, conduzirão à procedência da oposição.

77.ª- Na verdade, o estado dos autos não fornece os elementos indispensáveis ao conhecimento do mérito da causa e a douta sentença proferida, nesta altura do processo, não permitiu que o recorrente produzisse a prova por si indicada e que ainda viesse a indicar, nomeadamente através de aditamento ao seu rol de testemunha e juntasse, como é também seu direito processual, os documentos que entendesse úteis para a sua defesa, que sempre poderia juntar até ao final das alegações a produzir em audiência de julgamento.

78.ª- Os autos deviam ter prosseguido para discussão e julgamento da causa e, consequentemente, para produção da prova que o ora recorrente viesse a indicar, quer testemunhal, quer documental, quer pericial.

79.ª- A douta sentença recorrida violou, entre outras, as disposições contidas nos artºs. 508º, 510.º, alínea b), 513.º do C.P. Civil e art.ºs 1.º, 2.º, 10.º, 31.º, 75.º, 76.º e 77.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças e artºs 280º e 334º do Código Civil.

80.ª- Deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que julgue procedente a oposição e, em qualquer caso, quando assim se não entenda, deve ainda assim ser revogada e ordenado o prosseguimento dos autos para discussão e julgamento da causa.

81.ª- Nos termos e para os efeitos do disposto do artº. 685º B do C.P.C, vai impugnada, nos termos constantes das precedentes alegações que aqui se dão por reproduzidas a matéria de facto dada como provada nos pontos A) B), H) e J), no que respeita à qualificação de livrança que é dada ao título, à limitação da falta de preenchimento do título, e quanto ao conteúdo da carta referida no ponto H), sendo que é o próprio título que impugna decisão diversa.

          *

Contra alegou clara e doutamente a exequente, pugnando naturalmente pela manutenção da decisão apelada.

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Questão prévia: da admissibilidade do documento oferecido com as alegações

Tendo alegado, em sede de recurso, que o título aqui dado à execução havia sido entregue à exequente completamente em branco, dele constando apenas as assinaturas do sacador no local próprio do título, e no seu verso, a seguir à expressão manuscrita “Bom para aval”, as assinaturas do executado B... e do ora apelante C...”, pretende o mesmo recorrente seja agora admitida a junção de uma cópia do dito título antes do seu preenchimento, com ele visando demonstrar que a menção “pagarei (emos)” e “aliás livrança”, em substituição das palavras “pagarão V.ªs Ex.ªs” e “letra” que constavam do impresso, é da responsabilidade da exequente, tendo sido abusivamente apostas, uma vez que o apelante não pretendia subscrever uma livrança e sim uma letra.

Em ordem a justificar a sua pretensão invocou só ter tido acesso ao documento após a prolação da decisão recorrida, acrescentando que só em virtude desta e do seu teor se tornou necessária tal junção, tanto mais que, não fosse o facto da oposição ter sido prematuramente decidida, e poderia oferecer o documento até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.

Opôs-se a apelada, assinalando não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende a possibilidade do oferecimento de documentos em fase de recurso, cumprindo decidir a questão assim suscitada.

Cumpre antes de mais precisar que, tendo o recurso sob apreciação dado entrada no domínio do CPC 1961, será este o diploma aplicável.

Não está em causa que sobre aquele que invoca a excepção do preenchimento abusivo recai o ónus da prova respectiva, tal como decorre do critério legal de repartição consagrado no art.º 342.º do Código Civil e constitui jurisprudência uniforme (v., por todos, ac. STJ de 8/10/09, proferido no processo n.º 475/09.2 YFLSB, disponível em www.dgsi.pt).

Destinando-se os documentos a fazer prova dos factos (vide o art.º 341.º do Código Civil), consoante se destinem à prova dos fundamentos da acção ou da defesa, assim devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, consoante dispõe o n.º 1 do art.º 523.º do Código do Processo Civil. No entanto, logo o n.º 2 do preceito vem permitir que a junção ocorra até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mediante a condenação da parte em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado respectivo.

Fora do âmbito de aplicação do citado art.º 523.º, só nos casos escolhidos previstos no art.º 693.º-B é permitido às partes juntar documentos às alegações. Tais situações excepcionais são, por força da remissão para o art.º 524.º, aquelas em que a junção dos documentos não foi possível até ao encerramento da discussão; quando os documentos oferecidos se destinam a fazer prova de factos posteriores aos articulados; ou ainda quando a sua apresentação se tornou necessária por virtude de ocorrência posterior (n.ºs 1 e 2 deste preceito). Por último, tal possibilidade vem ainda prevista para os casos em que a junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, não interessando por ora, dada a sua manifesta inaplicabilidade, as excepções consagradas na parte final do citado art.º 693.º-B.

Identificados os grupos de situações em que é possível juntar documentos com as alegações, verifica-se que o apresentante, tendo alegado que só depois da decisão final teve acesso ao documento, não invocou, em concreto, qual o motivo pelo qual o documento lhe esteve inacessível até então, assim impedindo o Tribunal (e a parte contrária) de sindicar(em) a validade deste fundamento. De resto, admitindo que o documento se encontrava em poder de terceiro, a verdade é que o recorrente não deixou de o obter no prazo de recurso, sendo certo que sempre poderia ter solicitado a intervenção do Tribunal nos termos do art.º 531.º, em ordem a superar qualquer dificuldade que neste sentido tivesse surgido.

Improcede, deste modo, o primeiro fundamento invocado.

Alega ainda o apresentante que a necessidade da apresentação do documento nasceu e se impôs face ao julgamento feito em 1.ª instância, para além do mais antecipado, o que o impediu de fazer uso da faculdade conferida pelo n.º 2 do art.º 523.º do CPC.

Conforme vem sendo entendido, a previsão do art.º 693.º-B, quando alude às situações em que a junção do documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, tem em vista aqueles casos em que, pela fundamentação da decisão ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário fazer prova de factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar. Sendo este o entendimento correcto, daqui decorre que não podem ser admitidos os documentos destinados a provar factos que antes da decisão já a parte sabia encontrarem-se sujeitos a prova, não fundamentando o seu oferecimento com as alegações a mera circunstância do julgamento lhe ter sido desfavorável (ainda que em parte).[1]

Estando em causa situações em que o julgador se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, ou o sentido da decisão foi determinado pela aplicação ou interpretação de regra de direito com as quais não podiam razoavelmente contar, sendo-lhes por isso permitido juntar documento com as alegações, visando contraditar o meio de prova considerado ou inverter o entendimento expresso,[2] tal não é, obviamente, o caso sob apreciação, em que a decisão proferida teve em consideração apenas e só os meios de prova oferecidos pelas partes e as questões apreciadas foram as suscitadas, tendo decidido no sentido apontado e defendido por uma delas, no caso a exequente/oponida.

Por outro lado, dir-se-á que o apelante era obviamente conhecedor do estado em que o impresso se encontrava quando o assinou -facto que diz pretender demonstrar com o oferecimento tardio do documento- no momento em que deduziu oposição, altura processualmente adequada para proceder à respectiva junção (art.º 523.º, n.º 1 citado), caso tivesse alegado o facto, o que na verdade não ocorreu. A propósito, cabe referir que as partes são obviamente livres de delinear a sua estratégia processual, mas por ela terão de se responsabilizar. É assim legítimo que o agora apelante tenha reservado para momento posterior a apresentação do documento, mas tendo a Mm.ª juíza “a quo” anunciado no despacho que designou data para a realização da audiência preliminar a possibilidade do conhecimento antecipado do mérito da causa, conforme veio a ocorrer, não parece razoável que a parte o não tivesse então apresentado.

Tudo isto para dizer que, tendo raciocinado no pressuposto de que o facto probando havia sido alegado, ainda assim não seria admissível a junção do documento. Mas uma razão mais acresce aos fundamentos aduzidos.

O alcance da excepção consagrada na lei há-se ser limitado pelo princípio de que os recursos não visam criar matéria nova, devendo deter-se apenas sobre as questões que foram objecto de apreciação pelo tribunal “a quo” (com ressalva daquelas que lhe cumpre oficiosamente conhecer, que para aqui não relevam). Ora, tendo invocado o preenchimento abusivo do título, a verdade é que o agora apelante não alegou como fundamento de tal excepção a circunstância de ter pretendido subscrever uma letra ao invés de uma livrança (tese que, em todo o caso resulta abertamente contrariada pelo teor da carta/convenção de preenchimento que subscreveu). Deste modo, inexistindo facto a provar, inexistia fundamento para se admitir o documento oferecido, fosse qual fosse o momento escolhido para o efeito.

Em remate, atento o carácter excepcional da possibilidade de junção dos documentos com as alegações, situação de excepcionalidade que no caso se não verifica, não se admite o documento agora oferecido pelo apelante, determinando-se o seu desentranhamento e entrega ao apresentante.

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Questão prévia: delimitação do objecto do recurso

Conforme vem sendo entendido sem dissêndio, no âmbito do recurso ordinário a tarefa cometida ao Tribunal Superior é a reapreciação da decisão recorrida, não lhe competindo examinar questões novas, não submetidas à apreciação do Tribunal “a quo”. Sendo esta a função por lei atribuída aos recursos, está vedado ao recorrente suscitar nesta sede questões novas -deduzir novos pedidos ou invocar novos meios de defesa-, a não ser que a lei permita ou imponha o seu conhecimento oficioso (artigo 660º, n.º 2, parte final, aplicável aos acórdãos proferidos em sede de recurso por força do artigo 713º, n.º 2, do CPC), como é o caso da excepção do abuso de direito previsto no art.º 334.º do Código Civil, preceito que o recorrente dá agora também como violado sem que, todavia, cure de concretizar em que termos.

Tendo presente tal vocação do recurso, feito o confronto dos fundamentos da oposição –na qual deveria ter o opoente esgotado todos os meios de defesa, sob pena de preclusão- com os agora invocados, logo se conclui ter indicado novos fundamentos de defesa, não considerados na decisão recorrida e que aqui não poderão igualmente ser apreciados. Com efeito, tendo invocado na oposição apresentada o preenchimento abusivo da livrança dada à execução, fê-lo apenas com fundamento na circunstância das quantias aqui reclamadas pela exequente não o terem sido no âmbito de uma correcta execução do contrato, cujas obrigações ficaram por aquela garantidas, mas antes por força de crimes de burla e falsificação perpetrados pelo seu sócio e co-executado. Agora, em sede do recurso apresentado, tal preenchimento abusivo decorreria ainda dos factos da exequente/apelada haver convertido o título dado em garantia de letra de câmbio em livrança, conversão não consentida, e de nele ter aposto menções não autorizadas nos termos do pacto de preenchimento que o acompanhava. Tais novos meios de defesa, não constituindo excepções de conhecimento oficioso, não poderão -como questões novas- ser aqui apreciadas, assim ficando excluídas do objecto do recurso (conclusões 1.ª a 19.ª).

Por outro lado, tendo retomado nas alegações produzidas quanto alegara em sede de oposição no sentido da apelada ter, também ela, incumprido o contrato de factoring que é causal à subscrição pela sociedade avalizada da livrança dada à execução, propiciando a actuação criminosa do gerente e co-executado B..., da qual resultaram os alegados prejuízos, silenciou a apelante nas suas conclusões qualquer alusão a este incumprimento.

O âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso, pode ser limitado pelo próprio recorrente, podendo fazê-lo no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art.º 684.º, n.ºs 2, 1.ª parte, e 3 do CPC). Ora, se o apelante, apesar de ter desenvolvido no corpo das alegações o invocado incumprimento contratual por banda da exequente, e que aqui configuraria uma excepção, omitiu nas conclusões qualquer referência ao mesmo, há-de entender-se que restringiu tacitamente o objecto inicial do recurso, conforme lhe é consentido pelo n.º 2 do art.º 684.º.

Nestes termos, não se conhecerá igualmente desta questão, assim tendo transitado em julgado o entendimento expendido pelo Tribunal “a quo” no sentido de não ser oponível à exequente.

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Assim delimitado o objecto do recurso, são questões colocadas à apreciação deste Tribunal:

i. da impugnação da matéria de facto, face aos documentos que a suportam;

ii. da insuficiência do título;

iii. da nulidade do negócio jurídico do aval, por indeterminabilidade;

iv. da oponibilidade da excepção do preenchimento abusivo com fundamento no facto da obrigação de restituir eventualmente a cargo da avalizada ter a sua origem em actos do seu -à data único- gerente e co-executado B..., que constituem ilícitos criminais.

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I. Da impugnação da matéria de facto

Pretende o apelante a modificação do teor das als. A) B), H) e J), no que respeita à qualificação de livrança que é dada ao título, à limitação da falta de preenchimento do título, e ainda no que se refere ao conteúdo da carta referida no ponto H), o que seria imposto pelos próprios documentos.

É o seguinte o teor dos impugnados factos:

A) Nos autos apensos de execução foi dada à execução a livrança que faz fls. 20 e 21 daqueles autos, no valor de 403.355,07 €, data de emissão 20.06.2012 e de vencimento 29.06.2012, subscrita pela sociedade D..., Lda”.

B) Essa livrança foi emitida e entregue à exequente com o valor e a data de vencimento em branco, subscrita pela sociedade “ D..., LDA.”, e avalizada pelos Executados B... e C...;

H) A Exequente, através dos seus mandatários judiciais, enviou, em 18 de Junho de 2012, uma carta de resposta ao Executado C..., afirmando a perfeita validade e legitimidade do preenchimento de livrança, mas adiando, no entanto, o prazo de vencimento da livrança para 29 de Junho de 2012, interpelando o referido Executado para proceder, naquela data e na sede da Exequente, ao pagamento da quantia de € 403.355,07.

J) A livrança objecto da execução não foi paga, nem na data do seu vencimento, nem posteriormente.

Vejamos agora da valia da argumentação expendida pelo apelante.

No que se refere à caracterização do título como livrança, tal é a qualificação que dele consta, e como tal se lhe referem os executados nas missivas que trocaram com a exequente, sem nunca ter sido colocado em causa ser um título daquela natureza aquele que pretendiam subscrever.

Por outro lado, e tal como com total acerto refere a apelada nas suas contra alegações, constando do título a palavra livrança e a promessa pura e simples de pagar determinada quantia, conforme consta, irreleva que estejamos perante a adaptação de um impresso próprio para letra, conforme ocorreu no caso em apreço (cf. o citado Ac. STJ de 3/12/1998, processo n.º 98A631).

Deste modo, porque o documento, ao contrário do pretendido pelo apelante, confirma a qualificação constante das ditas als. A), B) e J), improcede a pretensão de alteração do respectivo teor.

No que se refere à al. H), sendo facto que a missiva ali referida não se encontra junta aos autos, a verdade é que a mesma foi inequivocamente recebida pelo apelante, conforme este confessa (cf. art.º 83.º), tendo enviado em resposta a carta datada de 3 de Julho imediato, cujos termos transcreve.

Quanto ao respectivo conteúdo, no essencial respigado no art.º 34.º do requerimento inicial, vistos os termos do artigo 95.º da oposição oferecida pelo apelante, dele se retira claramente que o facto em causa não se encontra impugnado, tendo-se o oponente limitado a afirmar que não aceitava o conteúdo da carta (nem daquela nem das demais, incluindo a datada de 37 de Abril, esta constante dos autos). Ora, não aceitar o conteúdo não equivale a impugnar que o conteúdo fosse aquele que a exequente descreve, donde manter-se o facto em causa.

Improcede, pelo exposto, a impugnação da matéria de facto dada como assente, e com ela a conclusão 81.ª.

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I. Da insuficiência do título executivo

Pretende o apelante que a livrança dada à execução não podia, nem devia, servir de título executivo quando desacompanhada dos documentos -facturas e propostas de cessões de créditos alegados pela exequente- emitidos/produzidos ao abrigo do contrato de factoring.

A este respeito, conforme se ponderou na decisão apelada em termos que não merecem qualquer censura, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art.º 45º, nº 1 do Código de Processo Civil). O título confunde-se com o documento que o materializa e prova a aquisição de um determinado direito a favor do credor. Pela inspecção do título o executado pode conhecer o direito que está ser objecto da execução contra ele promovida, porque naquele participou.

Em causa nos autos está uma livrança subscrita pelo apelante na qualidade de avalista, da qual a exequente é portadora, e que é título executivo nos termos da al. c) do art.º 46.º.

A livrança é o escrito datado e assinado, que leva a denominação de livrança inserta no próprio texto, mediante o qual alguém se compromete a pagar determinada quantia a outrem (cf. art.º 75.º da LULL).

É comummente referido que os títulos de crédito, estando o direito incorporado no título, têm como características a literalidade, exprimindo que “esse direito tem unicamente a entidade concreta, a dimensão, as qualidades e a relação que as palavras do título descrevem”; a autonomia, enquanto afirmação de que “o direito do dono do título é independente do de um titular antecedente e não pode ser prejudicado por qualquer defeito que na relação anterior se tenha alojado”, e a abstracção, “através da qual, antes de mais, o direito impregnado no título não é uma parte da relação fundamental, mas uma realidade nova, um quid distinto; depois, e por isso, que não tem comunicação com a relação fundamental, não pode ser afastado ou afectado por qualquer defeito desta” (v. Pinto Furtado, “Títulos de crédito”, Almedina 2000, pág. 64). Por assim ser, o portador do título de crédito não carece de alegar a causa da sua subscrição pelo obrigado cambiário, podendo fazer valer o direito cambiário também contra o devedor “ex causa”.

Deste modo, estando em causa uma obrigação cambiária, o devedor vincula-se pela aposição da sua assinatura no título, que faz prova bastante da obrigação (cartular) assim assumida.

No caso em apreço, e tal como se considerou na decisão apelada, o ora apelante foi demandado na qualidade de avalista da sociedade subscritora da livrança dada à execução.

O aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário de uma letra garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores (art.º 30.º da LULL), efectivando-se através da assinatura no verso do título (art.º 31º). O avalista é um obrigado cambiário, ficando responsável da mesma maneira que o seu afiançado e a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (cf. art.º 32.º, §1.º e 2.º, aplicável às livranças por força do disposto no art.º 77.º, ambos os preceitos da LULL).

O aval é um acto estritamente formal, participando da característica de literalidade do título, e é um negócio jurídico abstracto, cuja validade não depende da validade da relação causal. Através do aval o avalista assume uma obrigação cambiária de garantia, garantindo ao portador da livrança o pagamento da quantia nela inscrita por parte de um dos seus subscritores, o avalizado.

Deste modo, sendo a exequente portadora de uma livrança que cumpre os requisitos do art.º 75.º, na qual o oponente apôs a sua assinatura como avalista da subscritora, nada mais tinha que alegar relativamente a esta obrigação e de nada mais precisava para a demonstrar do que o próprio título.

Improcede assim a arguição da insuficiência do título exequendo (a que respeitam as conclusões 60.ª a 67.ª), confirmando-se, neste segmento, a decisão apelada.

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II. Fundamentação

De facto

Da 1.ª instância chega-nos a seguinte factualidade:

A) Nos autos apensos de execução, foi dada à execução a livrança que faz fls. 20 e 21 daqueles autos, no valor de € 403.355,07, data de emissão 20.06.2012 e de vencimento 29.06.2012 subscrita pela sociedade D..., Lda”.

B) Essa livrança foi emitida e entregue à exequente com o valor e a data de vencimento em branco, subscrita pela sociedade “ D..., LDA.”, e avalizada pelos Executados B... e C...;

C) … através da carta de fls. 22 dos autos principais, datada de 03.12.2008, subscrita além do mais pelo opoente, como garantia de pagamento das obrigações decorrentes do “contrato de factoring nº 05/00332/01” junto a fls. 10 a 19 dos autos principais, datado de 08.06.2005, subscrito pela exequente (na qualidade de Factor) e a sociedade “ D..., Lda” (na qualidade de aderente) e cujo teor se dá aqui por reproduzido.

D) Nos termos dessa carta a Exequente ficou expressamente autorizada pelos Executados a preencher a referida livrança pelo saldo em dívida de capital, juros, demais encargos e despesas, até ao limite de € 1.650.000 (um milhão seiscentos e cinquenta mil Euros), podendo fixar-lhe o vencimento e montante, caso o referido contrato não fosse pontualmente cumprido em todas as suas cláusulas, podendo fazer desse título o uso que melhor entendesse.

E) A Exequente enviou ao executado opoente, que a recebeu, a carta datada de 27.04.12 que faz fls. 24 e 25 da execução e cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde, além do mais, e referindo-se ao contrato de factoring acima mencionado, escreveu “como até ao momento a D..., Lda não nos reembolsou pelo montante das notas de crédito em causa, informamos que preenchemos a livrança pelo respectivo valor de EUR 398.816,37 com vencimento a 15 de Maio de 2012, ficando V. Exª desde já avisado para, na qualidade de avalista, proceder naquela data e na sede da Instituição Financeira ao pagamento da importância que nos é devida acrescida dos respectivos juros de mora, em resultado do referido incumprimento”.

F) Em 30 de Abril de 2012, a Exequente enviou ao Executado opoente, que a recebeu, nova carta datada de 30.04.12 que faz fls. 28 a 30, enviando a “Proposta de Cessão de Créditos” que era referida no 2.º parágrafo da carta de 27/04/2012.

G) O Executado C... respondeu à Exequente por carta datada de 10 de Maio de 2012 que faz fls. 44 a 48, na qual, para além do mais, afirma que, embora tenha sido gerente de direito nomeado da sociedade D..., Lda., nunca exerceu a gerência de facto, tendo chegado à conclusão que as facturas enviadas à exequente acompanhadas de propostas de cessão do crédito não correspondiam afinal a reais negócios, tendo sido ilegalmente produzidas pelo sócio B..., sem conhecimento do oponente, mas porque não vinculam a sociedade, a livrança subscrita não produz quaisquer feitos, aqui se dando, quanto ao mais, por reproduzido o seu teor.

H) A Exequente, através dos seus mandatários judiciais, enviou, em 18 de Junho de 2012, uma carta de resposta ao Executado C..., afirmando a perfeita validade e legitimidade do preenchimento de livrança, mas adiando, no entanto, o prazo de vencimento da livrança para 29 de Junho de 2012, interpelando o referido Executado para proceder, naquela data e na sede da Exequente, ao pagamento da quantia de € 403.355,07.

I) O executado respondeu à exequente por carta datada de 02 de Julho de 2012 que faz fls. 49 a 51, remetendo para a missiva a que se alude em G), cuja cópia anexa, reputando de abusivo eventual preenchimento da livrança que pela exequente venha a ser feito, aqui se dando, quanto ao mais, por reproduzido o respectivo teor.

J) A livrança objecto da execução não foi paga, nem na data do seu vencimento, nem posteriormente.

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De Direito

iii. da nulidade do negócio jurídico do aval, por indeterminabilidade do seu objecto

Defende o apelante que o aval prestado, “rectior”, o negócio jurídico de aval por si celebrado, é nulo por indeterminabilidade do objecto.

Resulta dos factos assentes que a livrança dada à execução foi entregue à exequente como forma de caucionar e garantir o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do contrato de factoring celebrado entre aquela e a sociedade D.... Mais resultou demonstrado que o título em causa foi emitido e entregue à apelada com o valor e a data de vencimento em branco (aliás, conforme por esta confessado -vide art.º 72.º da contestação- encontrava-se então apenas subscrita pela D... e avalizada pelos Executados, encontrando-se os restantes elementos em branco), indo acompanhada da carta/convenção de preenchimento a que se alude em C), por todos -subscritora e avalistas- assinada.

Não está em causa, à luz dos factos destacados, que estamos perante um título, no caso uma livrança, em branco, que pode definir-se como “aquele que, não contendo embora algum ou alguns dos elementos essenciais à sua formação completa, é acompanhado de autorização ou acordo de preenchimento, podendo ser completado”.[3] Tal livrança foi subscrita pela sociedade e avalizada pelos seus sócios gerentes -prática hoje em dia absolutamente generalizada, sobretudo no domínio das relações contratuais duradouras-[4] sendo que o opoente, agora instado a honrar a obrigação assumida veio arguir a nulidade do negócio jurídico de aval com fundamento na indeterminabilidade.

O art.º 280.º, n.º 1 do Código Civil sanciona com a nulidade o negócio jurídico cujo objecto seja indeterminável. O objecto do negócio jurídico pode ser indeterminado, o que a lei veda é que seja indeterminável. A prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu conteúdo, mas exista um critério de determinação; a prestação é indeterminada e indeterminável quando não tenha sido fixado qualquer critério para proceder à determinação, caso em que a obrigação será nula.

Inversamente, se no momento da conclusão do contrato as partes não fixarem o conteúdo da(s) prestação (ões) a que alguma delas se vinculou, nem por isso a obrigação será nula se for fixado o critério de determinação do respectivo conteúdo. A validade do negócio, no caso da prestação não estar determinada, dependerá assim da adopção de um critério objectivo e limitativo de determinação, podendo consistir na determinação do título de que a obrigação futura poderá ou deverá resultar.

Face à usual arguição da nulidade do negócio jurídico de aval com fundamento na indeterminabilidade da obrigação cambiária que lhe corresponde, por ter sido o título subscrito sem indicação da data do vencimento e do respectivo valor, vem sendo decidido pelos nossos Tribunais de forma homogénea que tal fundamento de nulidade não se verifica caso a obrigação assumida seja determinável com recurso ao pacto de preenchimento.[5]

Ora, tal é precisamente o caso dos autos. Por força da remissão efectuada na convenção de preenchimento -da qual, em todo o caso, resultava já encontrar-se limitado o montante a inscrever no título- para o contrato do qual promana a obrigação do avalizado, resulta determinado o prazo de vinculação (cf. art.º 15.º), os limites de adiantamentos, taxa de juro aplicável, comissão de factoring, estimativa anual da cedência de créditos e prazo de vencimento convencionados (cf. art.º 18.º), tudo a balizar a obrigação assumida pelo avalizado ou, por outras palavras, correspondendo a critérios de determinação da obrigação assumida pelo avalista com virtualidade para afastar a nulidade com fundamento na sua indeterminabilidade.

A propósito, assumem aqui plena pertinência os considerandos expendidos na decisão apelada, na qual se consignou que “No referido contrato de Factoring, que o opoente outorgou na qualidade de representante legal da sociedade, foi acordado o prazo de vigência, bem como a possibilidade de prorrogação anual e a livre denúncia por qualquer das partes – cfr. art. 15º daquele contrato.” Pelo que “É desde logo evidente que o período de vigência da garantia que configura o aval teria de coincidir com o período de duração do contrato de Factoring, pelo que a “caução” prestada, como lhe chama o opoente, valeria enquanto perdurasse aquele contrato e as obrigações dele emergentes para a sociedade aderente. Daí que a obrigação assumida seja perfeitamente determinável”.

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, julga-se outrossim improcedente esta excepção (à qual respeitavam as conclusões 68.ª a 74.ª), confirmando-se, neste segmento, a sentença apelada.

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iv. da oponibilidade ao portador da excepção do preenchimento abusivo invocada pelo avalista

Bate-se finalmente o apelante pela oponibilidade à exequente da excepção do preenchimento abusivo, com fundamento no facto da obrigação de restituir eventualmente a cargo da avalizada ter a sua origem em actos do seu -à data único- gerente e co-executado B... que constituem ilícitos criminais, aos quais tanto aquela como o opoente são alheios, a tal matéria dedicando as demais conclusões.

A Mm.ª juíza “a quo” recusou esta possibilidade, estribando-se na seguinte argumentação:

(…) o opoente está a ser executado porque prestou o seu aval a favor de uma sociedade no título de crédito dado à execução.

(…) Importa aqui esclarecer e realçar que a responsabilidade do opoente advém-lhe da sua situação jurídica de avalista e, como tal, independente da relação subjacente que esteve na origem da emissão da livrança que é a relação contratual firmada entre a exequente e a sociedade “ D..., Lda”. O avalista não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado, mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A obrigação do avalista é perante a obrigação cartular e não perante aquela relação subjacente. O aval garante a obrigação cambiária e não a relação extracartular.

O aval é materialmente autónomo (e não acessório como a fiança), pois que o avalista responde solidariamente com o avalizado, como devedor de dívida própria (cf. R. Martinez, Garantias de Cumprimento, 2ª ed., p. 67.

 (…) Com a carta que remeteu à exequente em 10 de Maio de 2012 pretendeu o executado desvincular-se da obrigação decorrente do aval que prestou, interpelando a exequente para a respectiva eliminação. Tal comunicação é perfeitamente ineficaz para os efeitos pretendidos, já que não pode o avalista desligar-se unilateralmente do vínculo que constituiu mediante a declaração cambiária constitutiva do aval, não se verificando, como defende o opoente, qualquer abuso no preenchimento da livrança.

Impõe-se ainda clarificar e salientar que são diversas as relações jurídicas associadas à fonte da obrigação jurídica do opoente. Temos desde logo a relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, que não é mais que a causa remota da emissão do título de crédito.

Para além dessa, a prestação de aval a favor de outrem gera outras duas diferentes relações jurídicas: a relação entre o avalista e o avalizado, que se reconduz à relação jurídica porque e nos termos da qual o aval foi prestado, e a relação entre o avalista e o tomador do título avalizado que se reconduz pura e simplesmente à relação cambiária. A esta relação é estranha e absolutamente irrelevante a relação entre o avalista e o avalizado. Estes poderão discutir entre si as circunstâncias, os motivos, os fundamentos da prestação do aval, o que não podem é pretender fazer repercutir sobre a relação cambiária estabelecida através do aval as vicissitudes do eventual incumprimento ou desrespeito do contrato ou negócio jurídico unilateral existente entre eles e que esteve na origem da prestação do aval.

Daqui decorre que são absolutamente inoponíveis ao exequente as circunstâncias relacionadas com a vida social da sociedade, com as relações entre os respectivos sócios, com a manutenção ou perda da qualidade de sócio do prestador do aval, com a prestação ou não de contas por parte da sociedade, etc.

(…) E porque o avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, também não pode opor ao exequente as excepções que o seu avalizado poderia opor ao portador do título, como sejam as relacionadas com a execução do contrato que esteve na origem da emissão da livrança ou as vicissitudes do eventual (in)cumprimento ou desrespeito desse contrato.

Em suma, o avalista, não sendo sujeito da relação jurídica subjacente, mas apenas garante do pagamento do valor da livrança por parte da sociedade subscritora, não pode discutir, em oposição à execução, aquela relação, que, para ele, não é imediata.

Do que ficou dito supra, o avalista não se obriga perante o avalizado, mas sim perante o titular da letra ou livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo como obrigado cartular pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança.

(…) Por via dessa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento (…).

Entende-se por conseguinte que o opoente não pode discutir na presente oposição à execução as vicissitudes da execução do contrato de Factoring que está na origem da emissão daquele título de crédito e o seu (in)cumprimento contratual, razão pela qual se julga inócua a materialidade alegada para afastar sua responsabilidade de avalista opoente pelo pagamento do montante aposto na livrança”.

Pois bem, sendo em nosso entender globalmente correcto quanto se deixou transcrito, a verdade é que não podemos concordar com a sua aplicação ao caso em apreço.

É indiscutido que à obrigação inicial assumida pela sociedade subscritora se aditou a obrigação de garantia constituída pelo aval prestado, mediante a qual, para o que aqui releva, o apelante garantiu o pagamento da livrança por parte daquela (cf. artigos 30.º e 31.º da LULL, aplicável “ex vi” do disposto no art.º 77.º).

Decorre ainda da lei que a responsabilidade do avalista é decalcada sobre a do seu afiançado (art.º 32.º § 1.º), não se tratando todavia de uma responsabilidade subsidiária mas antes solidária (art.º 47.º, §1.º), sendo a obrigação nascida do aval materialmente autónoma, posto que se mantém ainda que a obrigação avalizada seja inválida, salvo se a invalidade resultar de um vício de forma (art.º 32.º, §2.º).

Fazendo apelo aos princípios da abstracção, autonomia e literalidade,[6] vem sendo comummente defendido que à obrigação cartular assumida pelo avalista são indiferentes as vicissitudes da relação fundamental entre o avalizado e o credor que mantém o título em seu poder e o apresenta posteriormente à execução, que poderá assim exigir daquele um pagamento que não conseguiria obter do principal obrigado, a quem não está vedada a invocação das excepções fundadas na relação causal. Sendo este entendimento, ao que cremos, correcto, diferentemente se passam as coisas quando o avalista é chamado a intervir numa relação extracartular, na qual se convencione, expressamente ou por remissão, a oponibilidade de certos meios de defesa pessoais do avalizado, questão que com acuidade se coloca quando estamos perante a emissão de títulos em branco.

Dispondo para os casos de preenchimento abusivo, estabelece o art.º 10.º (aplicável às livranças por força do disposto no sempre convocado art.º 77.º, no caso o seu §2.º) que “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.

Do transcrito preceito resulta pois que o subscritor da livrança em branco pode ver-se confrontado com a inserção no título de um conteúdo não coincidente com a vontade que exprimiu, saindo o seu interesse sacrificado no confronto com o do portador que confiou no teor do título preenchido, o qual valerá nos precisos termos em foi completado. Todavia, assim não sucederá se a conduta do credor-portador for susceptível de um juízo de censura ético-jurídico -por ter adquirido a letra ou livrança de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave- o que ocorre sem dúvida quando, tendo sido parte na convenção extracartular de preenchimento, venha a completar o título em discrepância com a vontade manifestada pelo subscritor em branco. Aqui, porque nos movemos no domínio das relações imediatas, poderá o avalista, se (e porque) participante no pacto de preenchimento, invocar perante o credor/portador que neste interveio, a excepção do preenchimento abusivo.[7] Esta excepção consiste na invocação de que a livrança foi assinada e entregue em branco e completada de modo diferente do ajustado, ónus de alegação e prova que inequivocamente recai sobre o subscritor nos termos dos art.ºs 342.º, n.º 2 e 378.º do Código Civil.[8]

De volta ao caso dos autos.

Já se disse que a livrança aqui em causa, conforme resultou da factualidade assente, é uma livrança em branco, tendo a sua entrega sido acompanhada, como é habitual, da necessária convenção de preenchimento, nos termos da qual ficou a exequente autorizada “a preencher a referida livrança pelo saldo em dívida de capital, juros, demais encargos e despesas, até ao limite total de € 1 650 000,00 (um milhão, seiscentos e cinquenta mil euros), fixando-lhe o vencimento e montante, caso o contrato não seja pontualmente cumprido em todas as suas clausulas, fazendo deste título o uso que melhor entender”. Dos termos do assim convencionado resulta ter o avalista ora recorrente sido associado, por força da remissão operada, à relação causal, que assim pode discutir no confronto com a aqui exequente, que na convenção interveio.

Em síntese, patente que a livrança exequenda foi subscrita em branco, quer pela subscritora, quer pelos avalistas, encontrando-se em poder do credor originário, e que também o apelante, na qualidade de avalista, participou, subscrevendo-o, no pacto de preenchimento, pode este opor à portadora a excepção do preenchimento abusivo -porque não se verificou incumprimento, porque o montante inscrito é superior ao devido ou outras excepções que ao afiançado fosse lícito opor- e isto quer se lance mão do convocado art.º 10.º, quer se recorra ao art.º 17.º no pressuposto de que estamos no domínio das relações imediatas.

Assim tendo concluído, divergindo do entendimento perfilhado na sentença apelada, cabe agora apreciar os fundamentos da defesa delineada pelo apelante em ordem a decidir se têm virtualidade para configurar a referida excepção.

Assinale-se, antes de mais, não é demais repeti-lo, que sobre o opoente recai o ónus da alegação e prova de que o título foi completado sem observância do acordado, contrariando-o, não competindo à exequente que o deu à execução fazer a prova do contrário.

Ora, analisados os factos alegados pelo apelante, tendemos a considerar que os mesmos, ainda a provarem-se integralmente, não conduziriam à procedência da excepção. Com efeito, e conforme assinala argutamente a apelada nas suas contra alegações, o opoente não pôs realmente em causa a existência ou montante da dívida, pretendendo eximir-se ao cumprimento da obrigação assumida com base na consideração de que a mesma não emerge do contrato garantido, mas sim da conduta criminosa do co-executado. Partindo deste pressuposto, e porque não estaria em causa o incumprimento de obrigações da sociedade avalizada emergentes do contrato, circunstancialismo de que deu conhecimento à exequente por escrito, persistindo esta no preenchimento do título, nesta sua actuação residiria o abuso.

Não podemos todavia sancionar tal linha argumentativa, assente, assim o cremos, num equívoco.

Conforme resulta dos autos, foi no âmbito do contrato celebrado com a sociedade avalizada e no estrito cumprimento das obrigações ali contraídas que a exequente procedeu à entrega das aludidas quantias, correspondentes a adiantamentos sobre facturas que titulavam créditos sobre terceiros, os quais lhe haviam sido cedidos nos termos habituais. Tal é o que resulta da documentação que por aquela foi oportunamente junta e que o apelante note-se, não impugnou, tendo-se limitado a impugnar a genuinidade da assinatura que dela constava como sendo a sua. Tais documentos encontravam-se subscritos pelo co-executado, à data com poderes para obrigar a sociedade avalizada -o que o apelante reconhece- pelo que, independentemente da eventual falsificação das facturas em causa e inexistência dos créditos cedidos, admitindo até que o co-executado B... fez suas, delas ilicitamente se apropriando, as quantias recebidas, a verdade é que tal factualidade não tem virtualidade para desvincular a avalizada sociedade, não aproveitando igualmente ao apelante. Surge assim como artificiosa e sem apoio legal a distinção feita por este quando pretende que a exequente despendeu as quantias cuja restituição reclama, não ao abrigo do contrato de factoring celebrado, mas porque foi vítima dos crimes de burla e falsificação perpetrados pelo co-executado. E porque assim seria, o apelante (tal como a sociedade avalizada) estaria desvinculado, uma vez que só garantiria obrigações decorrentes do contrato, ao passo que a exequente, que procedeu à entrega das quantias justamente no cumprimento do contrato, ficaria desprovida de garantia. Não é esta, como é bom de ver, a solução que resulta da lei.

Nos termos do art.º 260.º do CSC “Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios” (vide n.º 1). “Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade” (cf. n.º 4 do preceito em referência).

Face ao assim estipulado não oferece dúvida o facto da sociedade avalizada ter ficado vinculada mediante a cessão dos créditos titulados pelas facturas identificadas pela exequente, ainda a admitir terem sido fabricadas pelo sócio gerente B..., que aquela subscreveu, por se tratar de actuação contida nos seus poderes de representação, traduzindo-se na execução de um contrato que há muito vigorava. Com efeito, mesmo a provar-se que os valores assim obtidos foram desviados para a satisfação de fim estranho ao objecto social, tal não desvincula a sociedade, que no âmbito das relações externas terá de cumprir as obrigações contratualmente assumidas, competindo-lhe depois, porque lesada com este abusivo comportamento, responsabilizar aquele seu sócio gerente em sede própria. E se permanece a obrigação avalizada, subsiste igualmente a do avalista.

Deste modo, temos efectivamente por irrelevante a factualidade alegada pelo apelante, não importando saber se as propostas de cessão foram ou não por si assinadas, ou se foi o seu sócio quem falsificou a sua assinatura -a qual não era sequer necessária, posto que a sociedade se vinculava com a assinatura de apenas um gerente, no caso o B...- ou sequer se este fabricou as facturas em ordem a obter quantias da exequente, que desviou em seu proveito, por se tratar de matéria que à apelada não é oponível.

Atento o exposto, e porque os autos continham os elementos de facto necessários ao conhecimento do mérito -o que decorria da irrelevância da demais factualidade alegada e que se encontrava controvertida- não havia fundamento para determinar o seu prosseguimento, antes devendo ter lugar a prolação de decisão de mérito, conforme consentido pela al. b) do n.º 1 do art.º 510.º do CPC, preceito legal aqui observado.

In extremis, dá o apelante como violado o disposto no art.º 334.º do Código Civil, assim invocando o abuso de direito. Todavia, sem qualquer consistência o faz, não tendo indicado um único facto -por inexistente- no qual baseie a arguição de tal excepção.

Improcedem, pelo exposto, as demais conclusões recursivas.

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III. Decisão

Em face a todo o exposto, e ainda que com fundamentação parcialmente diversa, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão apelada.

Custas a cargo do apelante.

Maria Domingas Simões (Relatora)

Nunes Ribeiro

Hélder Almeida

[1] V., neste preciso sentido, aresto do STJ de 27 de Junho de 2000, in CJ II, pág. 130, citado por Lopes do Rego, “Comentários ao Código do Processo Civil” vol I, 2.ª ed., pág. 602, em anotação ao pretérito art.º 706.º, que consagrava já solução em tudo idêntica à do novel art.º 693.º-B, introduzido pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, aplicável aos presentes autos.

[2] Assim, aresto do STJ de 26/9/2012, proferido no processo 174/08.2 TVVFX.L1.S1, disponível no identificado sítio.

[3] Cassiano dos Santos, RLJ, n.º 3980, pág. 336.

[4] Tal mecanismo, servindo para que os credores societários obtenham, por esta via, o reforço do seu crédito, permite-lhes ainda contornar o benefício da responsabilidade limitada de que gozam os sócios nas sociedades por quotas quando sejam igualmente gerentes, conforme sucede via de regra, sendo certo que, por outro lado, a vinculação destes servirá, assim se pretende, de estímulo à sua actuação diligente (assim, Carolina Cunha, RLJ ano 3982, pág. 64).

[5] V., por todos, aqui seguido de perto, o aresto desta mesma Relação de Coimbra de 21 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 1464/11.2 TBGRD-A.C1, disponível em www.dgsi.pt

[6] Ou apoiando-se tão somente no princípio “res alios acta”, do qual decorreria, sem mais, que não tendo o avalista tomado parte na relação extracartular que liga o avalizado ao credor portador do título vedada lhe está a invocação de excepções emergentes desse vínculo contratual, ao qual é estranho (cf. Carolina Cunha, RLJ citada, pág. 68).

[7] Constitui entendimento jurisprudencial corrente (arestos do STJ de 22/2/2011, processo n.º 31/05.4 TBVVD.B.G1 S1, e de 22/10/2013 (processo n.º 4720/10.3 T2AGD.A.C1) e desta Relação de Coimbra de 21/5/2013, processo n.º 1464/11.2 TBGRD-A.C1 e de 26/11/2013, processo n.º 4269/10.4 TBLRA-A.C1, destacando-se este ponto do sumário: “Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento”.

[8] Neste preciso sentido o aresto da relação de Guimarães de 11/9/2012, proferido no processo n.º 1642/10.1 TBGMR-B.G1, acessível em www.dgsi.pt.