Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
625/08.6GBOBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: FALTA INJUSTIFICADA
MANDADO DE DETENÇÃO
Data do Acordão: 06/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 94º,99º,115º E 116º DO CPP
Sumário: 1 A aplicação do disposto no artº116º nº1 e 2 do CPP pressupões o preenchimento dos seguintes requisitos: ter havido convocatória ou notificação para comparecimento, com indicação do dia hora e local em que o acto processual vai ter lugar, bem como o teor da diligência a realizar; que tal convocatória ou notificação tenha sido ordenada por quem tem competência para tal; que a comparência seja obrigatória; que o notificado falte ao acto e não haja justificação da falta no prazo legal ou que o pedido de justificação careça de fundamento legal
2..A lei não impõe para aplicação do disposto no artº 116º nº 1 e 2 do CPP que a não comparência de certa pessoa em diligência para a qual foi regularmente notificada tenha de ser documentada em auto elaborado nos termos do disposto no artigo 99° nº 3 c)do CPP.
Decisão Texto Integral: 9

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
O Ministério Público, não se conformando com o despacho proferido pela Mma Juiz que indeferiu o pedido de passagem de mandados de detenção a fim de fazer comparecer M. no DPR, pelo tempo indispensável à tomada de declarações na qualidade de arguido e a sua condenação em multa por não ter comparecido no dia em que foi notificado para tal, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

1.º
Iniciaram-se os presentes autos, porquanto, em 19 de Novembro de 2008 e 30 de Agosto de 2009, A foi abordada por agentes da GNR, por ocasião da condução do veículo de matrícula 48-46-ZI. Este veiculo pertence a M e havia sido apreendido no processo nº …/.08.5TA08.5TA0BR em 24 de Setembro de 2008.

Os factos noticiados são assim susceptíveis de fazer incorrer M na prática de dois crimes de desobediência, p.p. pelo art. 348.°, n.º 1, al. b), do Código Penal, na medida em que o terá cedido a terceira pessoa para a respectiva utilização.
3.°
Porque importa, no inquérito, ouvir o fiel depositário daquele veículo, foi em 31.12.2009 M. pessoalmente notificado pela GNR para comparecer em 08 de Janeiro de 2010, pelas 16.00 horas, no posto de Oliveira do Bairro, a fim de ser constituído arguido e interrogado. Mais foi advertido, nos termos do art. 116.° do Código de Processo Penal, que se faltasse injustificadamente, o Juiz condená-la-ia em multa processual, podendo ainda ordenar a sua detenção.
4.°
Não obstante, M não compareceu no Posto da GNR na hora e dia designados, nem justificou a sua falta. Este facto encontra-se lavrado em auto a fls. 18 v.so.
5.°
É assim imprescindível à continuação da presente investigação o interrogatório de por M., a fim de se apurarem as circunstâncias em que o visado cedeu o veículo apreendido a terceira pessoa para ser por ela utilizado.
6.°
Por despacho de fls. 50, o Ministério Público promoveu a condenação em multa processual de M. e a emissão de mandados de detenção, para o fazer comparecer nos serviços do Ministério Público de Oliveira do Bairro no dia 29 de Abril de 2010, pelas 14.00 horas, pelo tempo indispensável à tomada de declarações respectiva na qualidade de arguido.

Por despacho exarado a fls 58 dos autos, o Mmo Juiz de Instrução Criminal entendeu que a não comparência de certa pessoa em diligência para a qual foi regularmente notificada tem que ser documentada em auto elaborada nos termos do disposto do art. 99.º. n.º 3. al. c), do Código de Processo Penal. Será assim, refere o M.mo J.I.C., atento o disposto nos art. 115.°, n.º 3, e 94.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, e as consequências que decorrem da falta injustificada - art. 116.°, n.º 2, do Código de Processo Penal; mais se entendeu o que o expediente de fls, 18 v.so, embora formalmente denominado de "auto", mais não é do que uma certidão de não comparência, por não cumprir os aludidos requisitos, designadamente, não descreve os actos praticados, como a hora e o local em que terá sido efectuada a chamada do faltoso, bem como a identidade do agente que a realizou.
8.°
É deste despacho que o Ministério Público vem recorrer, por não ter o mesmo entendimento adoptado pelo M.mo J.I.C.
9.º
O art. 99.°, n.º 1, do Código de Processo Penal define "auto" como sendo o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele.
10.º
Estão preenchidos os requisitos aludidos pelo art. 116º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e que determinariam a condenação do faltoso em multa processual e a emissão dos mandos de detenção, para comparecer na Unidade de Apoio em 29 de Abril de 2010, pelas 14.00 horas.
11.º
Com a falta de comparência de M. não se praticou o acto processual visado e para o qual aquele tinha sido notificado - a constituição de arguido e o interrogatório - , pelo que não se afigura necessária a consignação nem a descrição de q quaisquer operações, na senda aliás do decidido no processo n.º 0444584 do Tribunal da Relação do Porto, de 13-04-2005, consultado em www.dgsi pt.
12º
Porém, ainda que assim não se entenda e se considere ser necessária a elaboração de um auto de não comparência, é nosso entender que aquele auto lavrado pela GNR a fls. 18 v.so obedece a todos os requisitos formais previstos no art. 94.° do Código de Processo Penal, tendo sido redigido pelo funcionário da GNR, nos termos do art. 100.°, n.º 1, e 270.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, em consonância com o disposto no despacho de delegação genérica de competência exarado pelo Senhor Procurador Geral da República no ponto IV da circular n.º 6/2002 e, até, do despacho de fls. 6 dos autos e do despacho de fls, 8 do apenso, que delegou na GNR a competência para a investigação.
13. °
Ademais, o n. ° 4 do art. 99.° do Código de Processo Penal remete para o art. 169.° do mesmo diploma legal; com a elaboração daquele auto devem considerar-se provados os factos materiais neles constantes, enquanto a autenticidade ou a veracidade do conteúdo não forem fundadamente postas em causa, e uma vez que aquele auto é um documento autêntico, nos termos cio art. 363.°, n.º 3, do Código Civil.
14.º
Ainda que se entendesse que naquele auto se encontram indevidamente omitidos os actos praticados, como a hora e o local em que terá sido efectuada a chamada do faltoso, bem como a identidade do agente que a realizou, sempre se contraporá com a circunstância de tal configurar uma mera irregularidade, nos termos do art. 123,º do Código de Processo Penal, a qual só assumiria, porém, relevância, se pudesse afectar o valor do acto praticado. Ora, como não foi praticado qualquer acto processual, in casu, o interrogatório, tal irregularidade, a existir, não assume qualquer relevância, pelo que nem sequer haveria lugar à reparação oficiosa prevista no art. 123º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
15.º
É assim imprescindível à continuação da presente investigação o interrogatório de por , a fim de se apurarem as circunstâncias em que o visado cedeu o veiculo apreendido a terceira pessoa para ser por ela utilizado.
Pelo exposto, viola o despacho recorrido o disposto nos art.s 116.°, n.ºs 1 e 2, 268.°, n.º 1, al. f), do Código de Processo Penal, e no art. 27.°, n.º 3, al. f), da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá tal despacho ser revogado e substituído por outro que condene M em multa processual e que determine a emissão de mandados de detenção para condução à Unidade de Apoio de Oliveira do Bairro, o fazer comparecer nos serviços do Ministério Público de Oliveira do Bairro em data a designar, pelo tempo indispensável à tomada de declarações respectiva na qualidade de arguido, nos termos do art 116.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
V. Ex.as, porém, e como sempre, farão
Justiça!

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:
Entende-se que a não comparência de certa pessoa em diligência para a qual foi regularmente notificada tem de ser documentada em auto elaborado nos termos do disposto no artigo 99° nº 3 c). É assim, atento o disposto nos artigos 115° nº 3 e 94° nº 6 do CPP e as consequências que decorrem da falta injustificada - art. 116° nº 2 do CPP.
O expediente de fls.18 verso embora formalmente nomeado de «auto» mais não é do que uma certidão de não comparência, pois que não cumpre os aludidos requisitos, designadamente, não descreve os actos praticados como a hora e local em que terá sido efectuada a chamada do faltoso, bem como a identidade do agente que a realizou.
Face ao exposto indefere-se a requerida detenção para comparência, sem prejuízo de, uma vez junto o respectivo auto de não comparência, elaborado nos termos legais, ser de novo apreciado o pedido.
O artº 99 nº 1 do CPP dispõe que:
O auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele.
O nº 3 do artº 99 estipula ainda que:
O auto contém, além dos requisitos previstos para os actos escritos, menção dos elementos seguintes:
a) Identificação das pessoas que intervieram no acto;
b) Causas, se conhecidas, da ausência das pessoas cuja intervenção no acto estava prevista;
c) Descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram, dos documentos apresentados ou recebidos e dos resultados alcançados, de modo a garantir a genuína expressão da ocorrência.
d) Qualquer ocorrência relevante para apreciação da prova ou da regularidade do acto.
E o nº 4 do artº 99º determina que é correspondentemente aplicável o disposto no artº 169º, ou seja, consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.
Por seu lado, o artº 94º nº 6 estipula que:
É obrigatória a menção do dia, mês e ano da prática do acto, bem como, tratando-se de acto que afecte liberdades fundamentais das pessoas, da hora da sua ocorrência, com referência ao momento do respectivo início e conclusão. O lugar da prática do acto deve ser indicado.
O artº 116 nº 1do CPP dispõe que:
Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC.
nº2 – Sem prejuízo do disposto no nº anterior, o juiz pode ordenar oficiosamente ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e, bem assim, condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não comparência, nomeadamente das relacionadas com notificações, expediente e deslocação de pessoas. Tratando-se do arguido, pode ainda ser-lhe aplicada a medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível.
Portanto, para se aplicar o disposto no artº 116º nº 1 e 2 do CPP é necessário que se encontrem preenchidos os seguintes requisitos:
- convocatória ou notificação para comparecimento, com indicação do dia hora e local que o acto processual vai ter lugar, bem como o teor da diligência a realizar;
- que tal convocatória ou notificação seja ordenada por quem tem competência para tal, nos termos do artº 100º nº 1 do CPP;
- que a comparência seja obrigatória;
- que o notificado falte ao acto;
- e que não haja justificação da falta no prazo legal ou que a justificação careça de fundamento legal;
Da conjugação destes normativos concluímos que a lei não impõe para aplicação do disposto no artº 116º nº 1 e 2 do CPP a elaboração de qualquer auto, nos termos do artº 99 nº 1 do CPP, isto porque, sendo o auto o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais e cuja documentação a lei obrigar e aos que tiver assistido quem o redige, bem como a recolher declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquela no caso vertente, estamos perante a falta de comparência, ou seja, não decorreu qualquer acto processual, não houve quaisquer declarações, requerimentos ou actos decisórios.
De qualquer forma se nos debruçarmos sobre o auto de fls 18 que aqui está em questão verificamos que o mesmo preenche todos os requisitos exigidos pelo artº 94 do CPP.
Vejamos:
Consta o dia e hora em que o acto devia ter sido realizado. Que a pessoa em causa faltou e não justificou devidamente a falta. O nome do funcionário que elaborou o auto nos termos do artº 100 e 270 do CPP e do despacho de fls 8 que delegou na GNR a competência para a investigação.
Nesta conformidade, decidem os juizes desta Relação em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que condene M numa soma entre 2Uc e 10 UC nos termos do art 116 do CPP e que determine a passagem de mandados de detenção para condução à Unidade de Apoio de Oliveira do Bairro, o fazer comparecer nos serviços do Ministério Público em data a designar, pelo tempo indispensável à tomada de declarações respectiva na qualidade de arguido, nos termos do artº 116º nº 1 e 2 do CPP.

Sem tributação

Coimbra,

Alice Santos


Belmiro Andrade