Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5837/16.6T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA – EXECUÇÃO PLURAL.
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS.
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO EM PROCESSO COMUM E ESPACIAL (2013)
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 54º, NºS 2 E 3, E 551º DO NCPC
Sumário: I – O art. 54º, nºs 2 e 3, do nCPC (chamamento do devedor) prevê uma situação de litisconsórcio voluntário, pelo que podendo a execução ser instaurada inicialmente contra a devedora, em litisconsórcio voluntário passivo, e alegando os executados (terceiros garantes) interesse atendível no chamamento, em face da compensação de créditos, deve admitir-se o incidente de intervenção principal provocada da devedora na acção executiva.
II - Baseando-se a execução em título extrajudicial e vigorando o sistema não restritivo de oposição à execução, pode nos embargos discutir-se a compensação, sem a limitação dos meios de prova, e sem que o contra-crédito esteja previamente reconhecido através de título executivo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO
1.1. A exequente – C... SA instaurou (29/7/2016) na Comarca de Coimbra acção executiva para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra os executados C... e M...
Alegando a existência de um crédito sobre a sociedade C..., L.da, garantido por hipoteca voluntária constituída pelos executados, reclamou o pagamento da quantia de € 92.916,36.
1.2.- Os executados deduziram (28/9/2016) oposição por embargos de executado, alegando, em resumo:
Os embargantes são sócios e gerentes da sociedade “C..., L.da”, que se dedica, entre outras coisas, à actividade de comércio a retalho de combustíveis para veículos a motor.
A exequente fornecia combustíveis e lubrificantes à sociedade dos aqui executados, mas no decurso desses abastecimentos a exequente nunca fornecia o correspondente ao facturado e ao preço pago pela sociedade dos executados.
Desde o ano de 2007 até ao ano de 2015, tendo em linha de conta a quantidade de combustível que indica a guia de remessa, a leitura inicial, a leitura final e a descrição e o valor da factura, verifica-se inexistir sempre uma diferença de combustível que não foi efectivamente fornecido, mas que foi cobrado e pago – e não obstante essa diferença de combustível não ter sido fornecida, essa discrepância foi sempre contabilizada nas guias de remessa e cobrada nas facturas correspondentes. Negaram, por isso, a existência da dívida, sendo que a sociedade C..., L.da (devedora) tem um contra-crédito em relação à exequente, no valor de €93.062,52.
Concluíram pela procedência dos embargos e requereram a intervenção principal provocada da sociedade C..., Lda.
Contestou a exequente/embargada defendendo-se, em síntese, com a existência do crédito e o abuso de direito dos embargantes.
1.3.- Realizada audiência prévia e consignando-se dispor o processo dos elementos necessários ao conhecimento de mérito, foi proferida (30/6/2017) sentença que decidiu:
(i)Não admitir a intervenção principal provocada;
(ii)Julgar improcedentes os embargos.
1.4. Inconformados, os embargantes recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:
...
A embargada/exequente contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- O objecto do recurso
As questões submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões, são as seguintes:
A intervenção principal provocada na acção executiva;
A nulidade da sentença;
A compensação de créditos nos embargos de executado.
2.2.- Os factos provados (descritos na sentença)
1. No âmbito do seu requerimento executivo, a exequente alegou que:
“1. A Exequente dedica-se ao armazenamento, manipulação, comércio e distribuição de produtos petrolíferos e seus derivados, entre outras actividades (cfr. certidão permanente consultável online com o código de acesso 1842-8200-1363). 2. No âmbito da sua actividade comercial, a aqui Exequente celebrou com a sociedade C..., Lda um contrato de fornecimento para combustíveis e lubrificantes, tendo por objecto o posto de abastecimento de combustíveis sito na Avenida ... 3. Sucede que em virtude da execução do mencionado contrato de fornecimento celebrado entre as partes, resultou uma dívida a título de capital no montante de €135.590,92 (cento e trinta e cinco mil, quinhentos e noventa euros e noventa e dois cêntimos). 4. Em face do exposto, as partes celebraram um acordo de pagamentos que intitularam como "Acordo", que ora se junta como Doc. 1, e cujo teor se dá por intregralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5. Ora, através da celebração do acordo de pagamentos referido no artigo precedente, a sociedade C..., Lda confessou-se devedora para com a aqui Exequente do montante de €135.590,92 (cento e trinta e cinco mil, quinhentos e noventa euros e noventa e dois cêntimos), conforme Cláusula 1.ª do Acordo. 6. O montante acima mencionado deveria ser liquidado nos seguintes termos: a) € 63.000,00 (sessenta e três mil euros), em 42 prestações mensais e sucessivas no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), vencendo-se a primeira em 22 de Março de 2013 e as restantes no dia 22 do mês respectivo; b) € 72.590,92 (setenta e dois mil, quinhentos e noventa euros e noventa e dois cêntimos), em 5 prestações anuais no montante de € 14.518,18 (catorze mil, quinhentos e dezoito euros e dezoito cêntimos), com inicio em 8 de Março de 2014 e as restantes 4 prestações, sucessivamente, no dia 8 do mês de Março de cada um dos quatro anos imediatamente seguintes. 7. Sucede porém que, na presente data, apenas foi liquidada a quantia global de € 53.394,54 (cinquenta e três mil, trezentos e noventa e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), correspondente às prestações vencidas entre Março de 2013 e Setembro de 2015. 8. Nestes termos, e conforme o expressamente estipulado na Cláusula 4.ª do Acordo, o não pagamento dos montantes em dívida nos moldes acima identificados, acarretou o imediato vencimento da totalidade da quantia em dívida, a título de capital, acrescida dos respectivos juros de mora calculados às sucessivas taxas supletivas legais aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais e contabilizados desde a data de vencimento até efectivo e integral pagamento. 9. Deste modo, o valor em dívida, vencido e não pago, ascende a título de capital à quantia de € 82.196,38 (oitenta e dois mil, cento e noventa e seis euros e trinta e oito cêntimos), acrescido dos respectivos juros mora vencidos e vincendos. 10. Ademais, para garantia do pontual cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de cessão de exploração e fornecimento, foi constituída hipoteca voluntária sobre a fracção designada pela letra B, destinada a habitação, correspondente ao ..., conforme escritura que ora se junta como Doc. 2, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 11. Todavia, em 21 de Fevereiro de 2013 os ora Executados, na qualidade de proprietários do imóvel identificado no artigo anterior, efectuaram um aditamento à mencionada conforme Docs. 3 e 4, que ora se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 12. Ora, mediante o referido aditamento estipulou-se a extensão da hipoteca aos valores decorrentes das obrigações assumidas no Acordo, pelo que é a Exequente titular de um direito real de garantia, fundado pelo registo da hipoteca. 13. Em face do exposto tem a Exequente direito a ser ressarcida do seu crédito pelo valor da venda do imóvel supra identificado, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo, conforme o disposto no artigo 686.º, n.º 1 do CC. 14. Acresce que, nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 693.º do CC, a hipoteca supra mencionada assegura o pagamento da dívida a titulo de capital acrescido dos respectivos juros de mora relativos aos últimos três anos, os quais perfazem um total de € 10.719,98 (dez mil, setecentos e dezanove euros e noventa e oito cêntimos).”.
2. Através do auto de penhora de 23-08-2016 foi penhorado o imóvel hipotecado da titularidade dos aqui embargantes, a saber: - fracção autónoma designada pela letra B, que corresponde ..., com o valor patrimonial de 65.414,72 euros.
3. A fase da venda ainda não principiou.
4. Os Executados, aqui Embargantes, estão no presente pleito na qualidade de proprietários do prédio dado de garantia, no âmbito do acordo que a Exequente junta como documento nº 1, do requerimento executivo.
2.4. – A intervenção principal provocada na acção executiva
Instaurada a acção executiva contra os executados (terceiros garantes), requereram estes a intervenção principal provocada da devedora, a sociedade C..., Lda.
A sentença rejeitou o chamamento da devedora (a sociedade C..., Lda”) argumentando que “quem deve estar neste incidente, a título de executados, são as partes demandadas na acção executiva e que constam do título executivo, ou seja, os aqui embargantes e não a “C..., Ldª”. Donde o peticionado chamamento não se harmoniza com o preceituado nos artºs. 316 e ss. do NCPC”.
A problemática da admissibilidade dos incidentes de terceiros na acção executiva tem sido objecto de indagação jurisprudencial e doutrinária, e, em princípio, não há razões para recusar, sem mais, a aplicação do incidente de intervenção principal provocada na execução, apelando-se às circunstâncias do caso.
Desde logo, o art.551, nº1 CPC determina a aplicação subsidiária ao processo de execução com as necessárias adaptações, das disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva.
O incidente de intervenção de terceiros, regulado nos arts. 311 e segs. CPC, como excepção ao princípio da estabilidade da instância, é um instrumento processual através do qual se visa chamar um terceiro interessado com o objecto da acção, e consequentemente alargar o âmbito da eficácia subjectiva, assumindo as formas de espontânea ou provocada, e segundo a natureza da conexão existe um interesse litisconsorcial entre as partes associadas ou um interesse coligatório.
A intervenção litisconsorcial provocada pressupõe que entre a parte que requer o incidente e o terceiro chamado a intervir exista um interesse litisconsorcial, desencadeando consequentemente um litisconsórcio necessário ou voluntário sucessivo.
Assim, nos termos do art.316 nº2 CPC nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art. 39.º, sendo que o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários ( nº3 ).
Dispõe o art.54 CPC:
“2. A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.
3. Quando a execução tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da ação executiva contra o devedor, que é demandado para completa satisfação do crédito exequendo”.
O art.54 nº 2 e 3 CPC (chamamento do devedor) prevê uma situação de litisconsórcio voluntário, tal como na demanda do devedor subsidiário, se instaurada a execução apenas contra o devedor principal os bens deste se revelarem insuficientes (art. 745, nº 3), a demanda do devedor principal, se instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário este invocar o beneficio da excussão prévia (art. 745, nº 2), e o chamamento à demanda do cônjuge do executado não obrigado no título, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida (741 nºs 1 a 5).
Nestes casos de litisconsórcio voluntário é admissível a dedução pelo incidente de intervenção principal provocada (cf., por ex., Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular (1998), pág.153 e segs., Lebre de Freitas, A Ação Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª ed. (2014), pág.160 ss; Na jurisprudência cf., por ex., Ac STJ de 16/1/2014 (proc. nº 1626/11), Ac STJ de 28/1/2015 (proc. nº 482/12), Ac RC de 4/6/2013 (proc. nº 320/10), Ac RC de 17/6/2014 (proc. nº 741/09), disponíveis em wwww dgsi.pt .
Considerando que a execução podia ser instaurada inicialmente contra a devedora, em litisconsórcio voluntário passivo, e alegando os executados (terceiros garantes) interesse atendível no chamamento, em face da compensação de créditos, justifica-se o chamamento e a consequente intervenção da sociedade C..., Lda.
2.5.- A nulidade da sentença
Os Apelantes fustigaram a sentença com a nulidade por omissão de pronúncia (art.615 nº1 d) CPC), dizendo que a sentença omitiu no relatório a referência ao requerimento dos embargantes , pois se afirma que “apenas a embargada/exequente se pronunciou” e, por outro lado, decidiu-se no saneador sem produção de prova.
As nulidades da sentença, taxativamente cominadas no art.615 CPC, reconduzem-se a meros erros de actividade ou de construção e não se confundem com erro de julgamento (de facto e/ou direito).
A nulidade de omissão de pronúncia prevista no art.615 nº1 d) CPC traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras. Porém, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, a nulidade consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Por outro lado, não há omissão de pronúncia quando a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada.
A circunstância da sentença omitir a referência ao requerimento dos embargantes não traduz omissão e pronúncia, na acepção descrita, visto que a sentença conheceu da questão colocada nos embargos. E o facto de haver conhecido do mérito no saneador sem a produção de prova não configura erro de actividade, mas eventual erro de julgamento.
Improcede a nulidade da sentença.
2.6. A compensação de créditos nos embargos à execução
Na petição de embargos, os executados/embargantes alegaram a compensação de um crédito da devedora C..., Lda em relação à exequente, pelo que se mostra extinto o crédito exequendo.
A sentença julgou improcedentes os embargos, desde logo no saneador, com o fundamento em não ser admissível a compensação visto que o contra-crédito não está reconhecido judicialmente.
Nos termos do art. 10 CPC toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva.
O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objectivos e subjectivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade.
Por regra o título executivo é simples, ou seja, integrado por um único documento, mas pode sê-lo de forma complexa, sendo neste caso constituído por vários documentos que se completam entre si de molde a demonstrar a obrigação exequenda.
A causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objectiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente absolvição, não da instância, mas do pedido.
Dito de forma mais sugestiva, “ o título executivo é o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão do direito que está dentro” (Ac STJ de 19/2/2009 (proc. nº 07B427), em www dgsi.pt). E dentro só pode estar uma obrigação (exequibilidade intrínseca), enquanto condição material de efectivação coactiva da prestação.
Ao pagamento coercivo exercitado pela exequente, opuseram-se os executados, funcionando a oposição à execução através de embargos de executado como uma contra-acção do devedor contra o credor para impedir a execução ou destruir os efeitos do título executivo. A oposição assume a natureza de acção declarativa na dependência do processo executivo, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva, recaindo sobre o executado/oponente o ónus de alegação e prova da inexistência da obrigação exequenda ou dos factos que constituiriam matéria de excepção (factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito).
Dado o disposto no art.731 CPC, se a execução se não baseia em sentença condenatória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.729, na parte em que sejam aplicáveis, pode invocar-se quaisquer outros que seria lícito deduzirem-se como defesa no processo de declaração (sistema não restritivo).
A compensação ( art.847 CC ) é uma forma de extinção das obrigações, no caso de créditos recíprocos, em que o credor de uma delas é devedor na outra e o credor desta última é devedor na primeira. Ou seja, se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
A compensação funda-se em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte.
Pressupõe a reciprocidade dos créditos, a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra-crédito, a fungibilidade e homogeneidade das prestações, a existência e validade do crédito principal. Ela efectiva-se mediante declaração de uma das partes à outra (art.848 nº1 CC), mas por força da retroactividade (art.854 do CC) considera-se extinta a dívida no momento em que se tornam compensáveis.
O regime da compensação é, assim, erigido com base no direito potestativo (“declaração de compensação”) e na retroactividade (“situação de compensação“), adoptando-se o sistema da declaração com eficácia retroactiva (cf., por ex., Vaz Serra, “Compensação”, BMJ 31, pág.13 e segs., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª ed., pág.185 e segs.).
Por outro lado, impõe-se distinguir entre a compensação judicial e a compensação extrajudicial.
A compensação judicial opera no processo declarativo através da reconvenção (art.266 nº2 c) CPC) e no processo executivo através dos embargos de executado, por consubstanciar um dos fundamentos de oposição (art.729 h) CPC). A compensação extrajudicial opera, dentro do processo declarativo, como uma excepção peremptória (arts. 573.º, nº 2, 588.º, nº 1 e 3, e 611, nº 1, CPC) e em sede de execução como fundamento de oposição à execução, ou seja, permite a invocação de um facto extintivo (de uma excepção peremptória) tanto no processo declarativo (cf. art. 571.º, n.º 2, 572.º, al. c), e 573.º, n.º 1, CPC), como no processo executivo (cf. art. 729.º, al. g), CPC) (cf. Teixeira de Sousa, Blog IPPC, 27/6/2015 “ Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente”.
Os embargantes (terceiros garantes) alegaram um contra-crédito de € 93.062,52 da devedora C..., Lda em relação à exequente.
O terceiro garante, titular do direito de propriedade da coisa hipotecada, pode opor ao credor a excepção da compensação do crédito, nos termos do art.698 do CC, ou seja, não está obrigado a pagar enquanto o devedor puder usar o direito de compensação.
Coloca-se a questão de saber se baseando-se a execução noutro título, que não a sentença, o contra-crédito tem de estar reconhecido judicialmente.
Segundo determinada corrente jurisprudencial, acolhida na sentença, exige-se o prévio reconhecimento judicial, e, portanto, âmbito da oposição à execução, o crédito exequendo só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, com base na interpretação do art.847 nº1 a) CC pressupor a exigibilidade judicial (“ser o crédito exigível judicialmente”) ( cf., por ex., STJ, de 02/06/2015 ( proc. nº4852/08.), Ac RC de 16/2/2017 ( proc. nº 859/13), em www dgsi.pt ).
Esta solução deve, porém, ser rejeitada. Em primeiro lugar, porque a exigibilidade judicial da obrigação nada tem que ver com a existência de título executivo, pois a obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato, através de uma acção executiva (se já estiver munido de título executivo) ou (não estando dele munido) através de uma acção declarativa tendente a obter uma sentença que, reconhecendo a existência da obrigação e a sua exigibilidade judicial, condene o devedor ao seu imediato cumprimento ( cf., por ex., Ac RL de 15/12/2012 ( proc. nº 3342/11), Ac RL de 18/2/2016 ( proc. nº 14891/15), em www dgsi.pt ).
Depois, como justifica Teixeira de Sousa:
“Não pode deixar de causar alguma estranheza a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo, atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da acção executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coactiva de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coactiva do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo.
Os Autores argumentam com a necessidade de evitar que seja retardado o pagamento do crédito exequendo. O argumento é apelativo, mas há que referir que, seguindo essa mesma orientação, então todas as causas de extinção do crédito exequendo deveriam constar não só de documento (para satisfazer a - aliás, muito discutível - exigência do art.º. 729.º, al. g), CPC), mas, além disso, de documento com valor de título executivo (…)Quer dizer: a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo não é harmónica no contexto do art.º 729.º, dado que exige para uma das formas de extinção da obrigação um requisito que não é exigido para nenhuma outra forma de extinção do crédito exequendo” (cf. Blog do IPPC, entrada de 22 de Março de 2016, “Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente”).
Baseando-se a execução em título extrajudicial e vigorando o sistema não restritivo de oposição à execução, pode nos embargos discutir-se a compensação, sem a limitação dos meios de prova.
Neste sentido:
Ac STJ de 5/2/2005 (proc. nº 4396/04), em www dgsi.pt – “Se a execução se fundar em título extrajudicial, já o executado pode alegar nos embargos a compensação e provar, por qualquer meio, o contra-crédito em ordem a conferir eficácia à declaração de compensação judicial ou extrajudicial que tenha efectuado”.
Ac RC de 22/9/2015 (proc. nº 877/11), em www dgsi.pt – “ Sendo a compensação um facto extintivo (total ou parcial) da obrigação, pode, pois, a mesma, ser invocada como fundamento de oposição a execução que não se fundamente em sentença, devendo nela ser apreciado e reconhecido a existência, validade e exigibilidade do crédito que se pretende compensar”.
2.7.- Síntese conclusiva
a) O art.54 nº2 e 3 CPC (chamamento do devedor) prevê uma situação de litisconsórcio voluntário, pelo que podendo a execução ser instaurada inicialmente contra a devedora, em litisconsórcio voluntário passivo, e alegando os executados (terceiros garantes) interesse atendível no chamamento, em face da compensação de créditos, deve admitir-se o incidente de intervenção principal provocada da devedora na acção executiva.
b) Baseando-se a execução em título extrajudicial e vigorando o sistema não restritivo de oposição à execução, pode nos embargos discutir-se a compensação, sem a limitação dos meios de prova, e sem que o contra-crédito esteja previamente reconhecido através de título executivo.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar procedente a apelação e revogar a decisão que rejeitou o incidente de intervenção principal provocada da devedora C...,L.da, devendo ser substituído por outra a admitir o respectivo incidente.
2)
Julgar procedente a apelação e revogar a sentença que julgou improcedentes os embargos de executado.
3)
Condenar a Apelada nas custas.
Coimbra, 20 de Março de 2018.
( Jorge Arcanjo )
( Isaías Pádua )
( Manuel Capelo )