Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
819/13.2TBLMG-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
HOMOLOGAÇÃO
ERRO MANIFESTO
Data do Acordão: 11/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.129, 130, 131 CIRE
Sumário: 1. Na reclamação de créditos, em processo de insolvência, se não houver impugnação da relação apresentada, o juiz procede nos termos do disposto no artº 130 nº 3 do CIRE, cabendo-lhe proferir sentença de verificação e graduação de créditos em que, salvo caso de erro manifesto, homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e gradua os créditos em atenção ao que consta dessa lista.

2. Deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto (art. 130º, 3, do CIRE), não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite.

3. O erro manifesto pode respeitar à indevida inclusão do crédito nessa lista, ao seu montante ou às suas qualidades.

4. Se o juiz, pela análise da lista, suspeitar de que o administrador da insolvência incorreu em erro manifesto de facto ou de direito no plano dos direitos de crédito ou das respectivas garantias, deve diligenciar no sentido da pertinente correcção.

5. No caso de se tratar de erro formal que deva ser corrigido e não afecte os direitos das partes pode logo ser corrigido sem afectar a imediata prolação da sentença homologatória.

6. Tratando-se de erro substancial cuja correcção implique actividade processual significativa, deve o juiz diferir a prolação da sentença, ouvir as partes e o administrador da insolvência sobre a matéria, e determinar, se for caso disso, a elaboração pelo último de nova lista.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

1. Por sentença proferida em 29 de Janeiro de 2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de “M (…), Lda.”, identificada nos autos.

2. Foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.

3. A fls. 109 a 111 dos autos veio o Sr. Administrador da Insolvência apresentar a lista de créditos a que alude o art. 129º do C.I.R.E.

4. O “Banco (…), S.A.” veio impugnar a lista apresentada no que tange ao crédito reclamado por J (…) e M (…)(crédito nº30).

5. Estes vieram contestar a impugnação de deduzida.

6. A (…) veio impugnar a lista apresentada por não ter sido reconhecida a totalidade do seu crédito no montante global de €46.996,50.

7. O Sr. Administrador pronunciou-se no sentido de que tal crédito não deverá ser reconhecido na totalidade.

8. Foi proferido despacho saneador, tendo-se reconhecido o crédito reclamado pela Segurança Social nos termos da impugnação que havia deduzido.

9. Identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

10. Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância dos legais formalismos.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

«Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide:

- Homologar a relação de créditos reconhecidos apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência a fls. 109 a 111 do presente apenso, com exceção do crédito nº4 que reconheço como dívida da massa pelo valor de €1.951,43 nos termos supra expostos.

- Sem prejuízo do pagamento precípuo das dívidas da massa insolvente definidas no art. 51º do C.I.R.E., graduar os créditos verificados pela seguinte ordem:

A) Pelo produto da venda dos imóveis constantes das verbas nº61 e 62 descritos na CRP de Lamego sob o nº (...) /19890630-B e C da freguesia de (...) :

1º Crédito nº15 da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” até ao limite inscrito no registo através da apresentação 16 de 2000/12/28.

2º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

3º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

4º O crédito nº9 e nº26 na parte subordinada.

B) Pelo produto da venda do imóvel constante da verba nº63 descrito na CRP de Lamego sob o nº231/19910320 da freguesia de (...) :

1º (…)

C) Pelo produto da venda do imóvel constante da verba nº64 descrito na CRP de Lamego sob o nº (...) /19930127 da freguesia de (...) :

1º (…)

2º O crédito nº35 da Fazenda Nacional por IMI.

3º Crédito nº35 da Fazenda Nacional até ao limite inscrito no registo através da apresentação 6 de 2004/03/26.

4º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

5º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

6º O crédito nº9 e nº26 na parte subordinada.

D) Pelo produto da venda do imóvel constante da verba nº65 descrito na CRP de Lamego sob o nº587/20000918 da freguesia de (...) :

1º Crédito (…)

2º O crédito nº13 do “Banco Comercial Português, S.A.” até ao limite inscrito no registo através da apresentação 18 de 2004/01/14.

3º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

4º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

5º O crédito nº9 e nº26 na parte subordinada.

E) Pelo produto da venda de cada um dos imóveis constante da verba nº66 a 79 e 82 a 85 descritos na CRP de Lamego sob o nº709/19951218 - A, B, D, E, F, G, H, J, K, L, M, N, R, AA, AB, AC, e AI da freguesia da (...) :

1º O crédito nº13 do “Banco Comercial Português, S.A.” até ao limite inscrito no registo através da apresentação 2 de 2000/02/29.

2º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

3º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

4º O crédito nº26 da Segurança Social na parte subordinada.

F) Pelo produto da venda de cada um dos imóveis constante da verba nº80 e 81 descritos na CRP de Lamego sob o nº709/19951218 – T e U da freguesia da Sé:

1º O crédito nº30 de (…)

2º O crédito nº13 do “Banco Comercial Português, S.A.” até ao limite inscrito no registo através da apresentação 2 de 2000/02/29.

3º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

4º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

5º O crédito nº9 e nº26 na parte subordinada.

G) Pelo produto da venda do imóvel constante da verba nº86 descrito na CRP de Lamego sob o nº1219/20030901 da freguesia da Sé:

1º Crédito (…)

2º O crédito nº13 do “Banco Comercial Português, S.A.” até ao limite inscrito no registo através da apresentação 13 de 2003/09/23.

3º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

4º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

5º Os créditos nº9 e nº26 na parte subordinada.

H) Pelo produto da venda do imóvel constante da verba nº87 descrito na CRP de Lamego sob a ficha nº1205 da freguesia da (...) :

1º Crédito (…)

2º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

3º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

4º O crédito nº26 da Segurança Social na parte subordinada.

I) Pelo produto da venda de cada um dos imóveis constantes da verba nº88 a 93 descrito na CRP de Tarouca sob o nº2676/20030911; nº2677/20030911; nº2678/20030911; nº2679/20030911; nº2680/20030911; e nº2683/20030911 todos da freguesia de Tarouca:

1º (…)

2º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

4º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

5º O crédito nº9 e nº26 na parte subordinada.

J) Pelo produto da venda dos bens móveis:

1º Crédito (…)

2º Crédito nº26 da Segurança Social na parte privilegiada.

3º Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

4º O crédito nº9 e nº26 da Segurança Social na parte subordinada.

Custas pela massa insolvente».

**

A (…), Credor Reclamante melhor identificado nos autos de Reclamação de Créditos à margem referenciados, em que é Insolvente M (…), LDA., não se conformando com a Sentença proferida nos presentes autos, que decidiu «homologar a relação de créditos reconhecidos apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência a fls. 109 a 111 do presente apenso, com exceção do crédito nº 4 que reconheço como dívida da massa pelo valor de € 1.951,43 …», veio da mesma interpor recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

(…)

*

Não foram apresentadas Contra-Alegações.

*

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

11. Os factos provados com interesse para boa decisão da causa são os seguintes:

1. Por sentença proferida em 29 de Janeiro de 2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de “M (…), Lda.”.

2. Foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.

3. A fls. 109 a 111 do presente apenso, veio o Sr. Administrador da Insolvência apresentar a lista de créditos a que alude o art. 129º do C.I.R.E.

4. Foram impugnados os créditos dessa lista correspondentes aos números 4 e 30. O crédito da Segurança Social, o qual também havia sido impugnado, foi reconhecido em sede de despacho saneador. Os demais não foram impugnados.

5. Foram apreendidos a favor da massa insolvente os bens móveis constantes das verbas nº1 a nº59 e verba nº94 do auto de apreensão (apenso A, fls. 2 a 14); e os bens imóveis constantes das verbas nº60 a 93 do auto de apreensão (apenso A, fls. 15 a 27).

6. Os imóveis que foram construídos pela insolvente e se destinam a comercialização são os constantes das verbas nº60, 61 e 62 e 66 a 85.

7. Sobre os imóveis constante da verba nº61 e 62 (descritos na CRP de Lamego sob o nº (...) /19890630-B e C da freguesia de (...) ) do auto de apreensão constam inscritas através das apresentações 16 de 2000/12/28 duas hipotecas voluntárias a favor da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”.

8. Sobre o imóvel constante da verba nº63 (descrito na CRP de Lamego sob o nº231/19910320 da freguesia de (...) ) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 16 de 2000/12/28 um hipoteca voluntária a favor da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”.

9. Sobre o imóvel constante da verba nº64 (descrito na CRP de Lamego sob o nº (...) /19930127 da freguesia de (...) ) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 6 de 2004/03/26 uma hipoteca legal a favor do Estado-Fazenda Nacional.

10. Sobre o imóvel constante da verba nº65 (descrito na CRP de Lamego sob o nº587/20000918 da freguesia de (...) ) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 18 de 2004/01/14 uma hipoteca voluntária a favor do “Banco Comercial Português, S.A.”.

11. Sobre os imóveis constantes das verbas nº66 a 85 (descritos na CRP de Lamego sob o nº709/19951218 - A, B, D, E, F, G, H, J, K, L, M, N, R, T, U, AA, AB, AC, e AI da freguesia da Sé) do auto de apreensão constam inscritas através da apresentação 2 de 2000/02/29 hipotecas voluntárias a favor do “Banco Comercial Português, S.A.”.

12. Sobre o imóvel constante da verba nº86 (descrito na CRP de Lamego sob o nº1219/20030901 da freguesia da Sé) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 13 de 2003/09/23 uma hipoteca voluntária a favor do “Banco Comercial Português, S.A.”.

13. Sobre o imóvel constante da verba nº88 (descrito na CRP de Tarouca sob o nº2676/20030911 da freguesia de Tarouca) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 8 de 2003/11/25 uma hipoteca voluntária a favor do “Banco Investimento Imobiliário, S.A.”.

14. Sobre o imóvel constante da verba nº89 (descrito na CRP de Tarouca sob o nº2677/20030911 da freguesia de Tarouca) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 8 de 2003/11/25 uma hipoteca voluntária a favor do “Banco Investimento Imobiliário, S.A.”.

15. Sobre o imóvel constante da verba nº90 (descrito na CRP de Tarouca sob o nº2678/20030911 da freguesia de Tarouca) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 8 de 2003/11/25 uma hipoteca voluntária a favor do “Banco Investimento Imobiliário, S.A.”.

16. Sobre o imóvel constante da verba nº91 (descrito na CRP de Tarouca sob o nº2679/20030911 da freguesia de Tarouca) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 8 de 2003/11/25 uma hipoteca voluntária a favor do “Banco Investimento Imobiliário, S.A.”.

17. Sobre o imóvel constante da verba nº92 (descrito na CRP de Tarouca sob o nº2680/20030911 da freguesia de Tarouca) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 8 de 2003/11/25 uma hipoteca voluntária a favor do “Banco Investimento Imobiliário, S.A.”.

18. Sobre o imóvel constante da verba nº93 (descrito na CRP de Tarouca sob o nº2683/20030911 da freguesia de Tarouca) do auto de apreensão consta inscrita através da apresentação 8 de 2003/11/25 uma hipoteca voluntária a favor do “Banco Investimento Imobiliário, S.A.”.

*

J (…) e M (…).

19. A Insolvente representada pelo seu gerente, A (…), e pelo gestor judicial, A (…), celebraram com os Reclamantes, em 21 de Agosto de 2009, um acordo escrito com as assinaturas reconhecidas notarialmente, em que aquela prometia vender aos reclamantes e estes prometiam comprar duas fracções autónomas do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego na ficha nº709/19951218:

a - Garagem nº8 do piso menos três identificada pela letra T inscrita na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o nº1994-T a que atribuíram o valor de 7.100,00 euros;

b - Garagem nº9 do piso menos três identificada pela letra U inscrita na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o nº1994-U a que atribuíram o valor de 7.100,00 euros.

20. A ora insolvente prometeu vender aos reclamantes e estes prometeram comprar as frações referidas em 8 pelo preço de €7.100,00 cada uma, livre de quaisquer ónus e encargos.

21. A título de sinal e princípio de pagamento inicial, os ora reclamantes entregaram aos representantes da insolvente a quantia global de €7.200,00.

22. Logo a 21 de Agosto de 2009, os representantes da Insolvente entregaram as chaves das garagens em definitivo aos reclamantes para eles as ocuparem como se fossem deles.

23. E acordaram que os Reclamantes poderiam realizar benfeitorias que achasse necessárias e como lhes aprouver.

24. Os Reclamantes, e a sua família, a partir daí, passaram a arrumar os veículos nas garagens, a arrumar produtos e móveis, e utensílios diversos; assumindo o pagamento de todas as despesas relacionadas com as fracções em causa, bem como as quotas do condomínio.

25. Os Reclamantes efetuaram pequenas obras e acabamentos que faltavam efetuar nas garagens, tais como, pinturas, colocação de alguns pavimentos ou arrematar pequenas obras nas garagens.

26. Os Reclamantes actuaram com se as garagens fossem suas, sem exclusão e oposição de quem quer que seja, e à vista de toda a gente até ao presente.

27. Considerando-se os reclamantes donos das garagens em causa, e todos os reconhecendo como tal, nomeadamente os representantes da Insolvente.

28. A escritura pública de compra e venda deveria ser realizada após a Insolvente e promitente-vendedora obter todos os documentos necessários à realização da mesma, designadamente, para efectuar a escritura livre de quaisquer ónus ou encargos.

29. Os representantes da Insolvente nunca procederam à marcação da escritura, pois não tinham possibilidades de distratar a hipoteca.

30. Os credores Reclamantes não têm interesse em adquirir as fracções oneradas com as hipotecas.

A (…)

31. A (…) era o Gestor Judicial da Insolvente em 03 de Março de 2008, tendo-lhe sido fixada a remuneração de €650,00.

32. Através de acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03 de Março de 2008 iniciou-se o período de duração da providência de gestão controlada.

33. O gestor judicial pagou despesas postais no valor de €41,22; custas ao Tribunal de Trabalho de Penafiel no valor de €37,00; custas ao Tribunal Judicial de Peso da Régua no valor de €163,20; custas ao Tribunal Judicial de Peso da Régua no valor de €244,80; custas ao Tribunal de Trabalho de Lamego no valor de €240,00; custas ao Tribunal de Trabalho de Lamego no valor de €778,00; custas ao Tribunal de Trabalho de Penafiel no valor de €187,06; custas ao Tribunal de Trabalho de Lamego no valor de €125,15.

34. Pagou a taxa de justiça na injunção contra o Município de Vila Pouca de Aguiar no valor de €135,00.

35. A insolvente a partir de 2010 ficou inactiva por falta de mercado e liquidez.

36. Ao Sr. Gestor Judicial foi paga a quantia de €11.700,00 relativa aos honorários até Dezembro de 2008; €7.800,00 relativo a honorários do ano de 2009; e €1.989,80 relativo a honorários do ano de 2010.

10. Factos não provados com interesse para a boa decisão da causa.

- A partir de 2013, e dadas as dificuldades financeiras da empresa, o ora credor reclamante e então gestor judicial deixou de debitar honorários e despesas, apesar de se continuar a deslocar a Lamego sempre que necessário e a prestar a assistência devida.

- Porque a emissão do documento de honorários implicava pagamento de IVA e IRS e a empresa não tinha liquidez, o gestor judicial deixou passar documentos de débito dos seus serviços e das despesas.

- A representação da empresa e a necessidade de preservar o seu património implicou despesas de deslocação que atingiram custos de €3.780,00.

- O gestor Judicial manteve o património bem conservado, em situação de ter operacionalidade no caso de recuperação e de ter procura no caso de liquidação;

- O gestor Judicial impediu a penhora e venda do património, no interesse dos credores e no reconhecimento da sua função. Salvo raros casos em que a deterioração dos bens estava eminente, não houve alienações.

- A partir de Janeiro de 2010, o gestor Judicial A (...) passou a ser o representante da empresa para quaisquer atos judiciais ou extrajudiciais.

*

Nos termos do art. 635º NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

            *

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

1. A lista de credores reconhecidos pelo administrador é um elemento/documento ao qual, em princípio, o juiz tem unicamente de atender para a prolação da decisão. Decorrentemente, o juiz deve fazer fé em tal lista e, por princípio, limitar-se a homologá-la.  Só assim não sendo, nos termos do referido n.º 3 do art.º 130.º do CIRE, «salvo caso de erro manifesto».

2. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, não tendo procedido a uma correcta apreciação do aspecto factual e jurídico da causa, infringindo e violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos artigos 128.º, 129.º, 130.º, n.º 3 e 136.º, n.º 4 do CIRE.

Apreciando, diga-se, conceitualmente, que a impugnação «segundo o n.º 1 do art. 130º NCPC (impugnação da lista de credores reconhecidos), faz-se por requerimento, que é dirigido ao juiz. Assim, a partir desta fase, o reconhecimento dos créditos passa a competir ao juiz, haja ou não impugnações, embora em termos diferentes, consoante a hipótese que se verificar.

Se houver impugnações, abre-se um incidente no processo de insolvência, regulado nos art.ºs 131.° a 140.

Se não houver impugnações, rege o n.º 3 do art.º 130.°.

Segundo este preceito, verificada esta hipótese, o juiz profere de imediato sentença de verificação e graduação dos créditos constantes da lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, nos termos que desta constam. Por outras palavras, que, de resto, traduzem a letra da lei, a sentença limita-se, então, a homologar essa lista, atribuindo-se efeito cominatório à falta de impugnações.

Só assim não acontece se, na lista, houver erro manifesto.

Suscita-nos as maiores dúvidas este regime, quanto à sua adequação numa matéria de tanto relevo e complexidade técnico-jurídica.

Desde logo, por limitar tão significativamente a função do juiz que quase a reduz a uma mera formalidade, com escasso sentido substantivo.

Para além disso, a inexistência de impugnações não constitui garantia significativa da correcção das listas elaboradas pelo administrador da insolvência. Este reparo deve ser entendido em função dos curtos prazos concedidos pela lei, quer ao administrador da insolvência, para elaborar as listas, quer aos interessados, para as impugnar. Nota tanto mais relevante quanto é certo serem, na grande maioria dos casos, em número significativo os créditos reclamados e volumosos os documentos que instruem as reclamações.

Por outro lado, impressiona, no que respeita às garantias, que a sua constituição esteja normalmente dependente do preenchimento de requisitos formais ad substantiam, cuja falta seja, afinal de contas, puramente ignorada ou desconsiderada por mero efeito da falta de impugnação.

Por isso, defendemos que deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite (cfr. João Labareda, O Novo Código da Insolvência, loc. cit., págs. 46 e 47; vd., também, Fátima Reis Silva, Algumas Questões Processuais no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ibidem, págs. 76-77).

Reitera-se, finalmente, que este erro pode respeitar à indevida inclusão do crédito nessa lista, ao seu montante ou às suas qualidades (Cf. Luis A. Carvalho Fernandes/João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, 2009, p.456).

Por sua vez, em função do que se consagra no Ac. TP, 14 Fev 2007, CJ, 2007, I, p.192, «daí e assim que se aceite - bem - que o conceito de erro manifesto, excepcionado ao cominatório do preceito do art. 129°-3, se deva interpretar em sintonia com o que exprime Luis A. Carvalho Fernandes e João Labareda no seu "CIRE Anotado", 2006, reimpressão, pág. 460/1, seja, não poder o Juiz abster-se de verificar a “desconformidade substancial e formal dos títulos de crédito constantes da lista que vai homologar, para o que pode solicitar ao Administrador da Insolvência os elementos de que necessite (cf. João Labareda, "O Novo Código de Insolvência", pág. 46/7; cf. Fátima Reis Silva, "Algumas Questões Processuais no CIRE", pág. 76/7).

-

O que se revela consentâneo com a hipostasiação da problemática de que é exemplo o que vem consignado no Ac. RG de 01.02.2011 (Proc. nº496/09.5TBC –C. G1), Relatora: Isabel Fonseca):

«Vejamos, então, como deve o juiz pautar a sua intervenção nos casos em que, como o dos autos, o administrador de insolvência apresenta a lista a que alude o art. 129º e não há impugnações.

A resposta é dada pelo art. 130º, nº3: o juiz deve proferir, “de imediato”, “sentença de verificação e graduação dos créditos”, homologando a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e graduando os créditos em atenção ao que conste dessa lista, “salvo o caso de erro manifesto”.

É este específico segmento do preceito – salvo o caso de erro manifesto – que suscita controvérsia.

Para uns, o conceito deve interpretar-se em termos amplos, “não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite”, acrescentando-se que o erro pode respeitar “à indevida inclusão do crédito nessa lista, ao seu montante ou às suas qualidades” [ Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, p. 456. ] [ Parece ser esse o entendimento seguido pelo Ac. STJ de 25/11/2008, proferido no processo nº08ª31/02 (Relator: Silva Salazar) e da R.P. de 03/11/2010, proferido no processo nº 2578/09.4TBVFR-D.P1 (Relatora: Maria do Carmo Domingues), acessíveis in www.dgsi.pt. ].

Para outros, “é extremamente limitado o poder do juiz controlar as listas elaboradas pelo administrador da insolvência, que se limita à correcção de erros evidentes da própria lista, não lhe sendo possível averiguar da veracidade e legalidade da lista perante as reclamações apresentadas, as quais nem sequer lhe são comunicadas” [ Luís Meneses Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, p.231.].

Releva, em primeira linha, a inserção sistemática do preceito, na parte relativa à verificação de créditos (Título V, capítulo I) e o processado aí previsto. Do disposto nos arts. 129º a 140º resulta que o formalismo prescrito para a verificação dos créditos foi notoriamente decalcado da acção declarativa comum, podendo delimitar-se:

- a fase dos articulados, que se inicia com a apresentação da lista a que alude o art.129º pelo administrador de insolvência, passível de impugnação por parte dos interessados, por requerimento dirigido ao juiz (art. 129º, nº1), podendo a impugnação ter por objecto a indevida inclusão ou exclusão, ou ainda a incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos (art. 130º, nº1), seguindo-se a resposta à impugnação (art. 131º);

- a fase do saneamento do processo, com prévia tentativa de conciliação (art. 136º);

- a audiência de julgamento (art. 137º), a que se segue a elaboração da sentença (art. 140º).

Quando inexistem impugnações, parece-nos que o efeito pretendido pelo legislador se reconduz ao efeito cominatório a que alude a lei processual civil nos casos em que o réu, devidamente citado, não contesta a acção, encontrando-se numa situação de revelia operante. Efectivamente, impondo o art. 130º, nº3 a imediata prolação de decisão pelo tribunal, decisão homologatória da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, isso pressupõe, necessariamente, que se dê como adquirido para o processo o circunstancialismo enunciado pelo administrador no que concerne aos elementos de facto que devem constar dessa lista e referidos no art. 129º, nº2 alusivos, nomeadamente, ao montante do capital e juros, natureza, e garantias [ A esse efeito cominatório aludem Carvalho Fernandes e João Labareda, obr. cit., p. 456. Efectivamente, pese embora o entendimento sufragado pelos autores, pode ler-se em anotação ao art. 130º, nº3: “Por outras palavras que, de resto, traduzem a letra da lei, a sentença limita-se, então a homologar essa lista, atribuindo-se efeito cominatório à falta de impugnações”. ].

E não faria sentido que o juiz pudesse questionar esse circunstancialismo porquanto nem sequer tem qualquer elemento em que possa suportar a sua análise, pois as reclamações de créditos e os documentos que as instruem estão na disponibilidade do administrador de insolvência e não do Tribunal (cfr. o art. 128º) [ O que é consentâneo com a desjudicialização do processo que caracteriza o CIRE e o demarca do CPEREF, como assinala Carvalho Fernandes, in “Sentido Geral do Novo Regime da Insolvência no Direito Português”, Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, p.93. ]. Aliás, não pode deixar de salientar-se que, nesta sede, não vigora o princípio do inquisitório, como decorre do art. 11º.

Só assim não acontecerá quando for evidente ou notório – é esse o significado da expressão manifesto que consta do citado preceito –, ter ocorrido um erro, impondo-se considerar que esse erro pode abranger questões de facto e de direito. Ou seja, se os elementos constantes do processo patentearem, de forma flagrante, que o administrador da insolvência cometeu um lapso – porque indicou um valor do crédito superior ao devido, aludiu a uma garantia inexistente …, enfim, tem sido entendido que o erro pode respeitar à natureza e montante do crédito como às suas qualidades –, então impõe-se que o Juiz o corrija, podendo para o efeito diligenciar por obter, previamente, os elementos pertinentes a essa aferição.

O que não se justifica, em nosso entender, é impor ao tribunal que realize, previamente à homologação da lista apresentada pelo administrador da insolvência, uma actividade investigatória tendente a apreciar da conformidade substancial e formal dos títulos de crédito constantes da lista, ou, dito de outra forma, apreciar afinal do seu mérito, em ordem a concluir da correcção da posição adoptada pelo administrador da insolvência relativamente a cada um dos créditos aí descritos. Aliás, considerando a tramitação do processo, para o fazer teria o juiz que, previamente, solicitar ao administrador a junção aos autos das reclamações de créditos, dos documentos que a instruem e porventura outros elementos pertinentes, assim se desvirtuando completamente o sentido da norma aludida.

Percebe-se o raciocínio do legislador: se os interessados, que têm uma ampla faculdade de intervir no processo, não impugnam a lista apresentada pelo administrador, é razoável contar-se que não o fazem porquanto a mesma se mostra juridicamente acertada e consistente havendo, pois, uma aparência de legalidade. O sistema fornece, no entanto, uma válvula de escape porquanto se salvaguardou que, em determinados casos – “salvo o caso de erro manifesto”, diz o legislador –, o juiz possa intervir, corrigindo eventuais anomalias antes de homologar a lista. Trata-se de um tipo de intervenção que se coaduna com o papel do juiz, de garante da legalidade, sendo o poder de fiscalização da actividade do administrador (art. 58º) uma das suas vertentes [ Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, supra referido, p. 268. ].

Tendemos, assim, a concordar com Salvador da Costa, quando o autor, depois de aludir à controvérsia que a norma suscita, conclui nos seguintes termos:

“Não decorre da lei motivo para a interpretação do conceito de erro manifesto em sentido diverso do normal, a que acima se aludiu. Mas o juiz, antes da decisão de homologação dos elementos da lista, deve verificar, pelos seus termos, se ela está ou não afectada do referido erro, com vista ao respectivo suprimento.

Como o desfecho do concurso de credores deve ser o que resultar dos factos assentes e da lei aplicável, propendemos a considerar que se o juiz, pela análise da lista, suspeitar de que o administrador da insolvência incorreu em erro manifesto de facto ou de direito no plano dos direitos de crédito ou das respectivas garantias, deve diligenciar no sentido da pertinente correcção.

No caso de se tratar de erro formal que deva ser corrigido e não afecte os direitos das partes pode logo ser corrigido sem afectar a imediata prolação da sentença homologatória.

Tratando-se de erro substancial cuja correcção implique actividade processual significativa, deve o juiz diferir a prolação da sentença, ouvir as partes e o administrador da insolvência sobre a matéria, e determinar, se for caso disso, a elaboração pelo último de nova lista” [ In O Concurso de Credores, 4ª edição Actualizada e Ampliada, Almedina, Coimbra, 2009, p. 338. ]».

Assim configurado o sentido e alcance da norma, quid juris no caso em apreço?

No particular, a vinculação à matéria de facto que resulta provada, neste específico contexto, e que foi eleita, no que respeita ao Crédito nº5 de A (...) , configura-se de adequação - tal como se consagrou em decisório -, a pretexto de que:

«o crédito reclamado decorre da actividade de A (…) como gestor judicial nomeado no âmbito do processo de recuperação de empresa nº 244/04.6TBLMG que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego.

A gestão judicial foi a providência de recuperação que foi adoptada no âmbito daquele processo judicial. O gestor judicial foi nomeado em Outubro de 2004, tendo-lhe sido fixado uma remuneração mensal no valor de €650,00, ou seja, €7.800,00 por ano.

O que se prova é que lhe tinha sido fixada esta quantia mensal quando se iniciou a providência de recuperação de gestão controlada em 08 de Março de 2008, sendo que não se prova que tal decisão tivesse sido alterada em qualquer momento no âmbito daquele processo.

O credor alega que não lhe foi paga a sua remuneração no montante de €5.810,20 relativo ao ano de 2010; €7.800,00 relativo ao ano de 2011; €7.800,00 relativo ao ano de 2012; €7.800,00 relativo ao ano de 2013; e €650,00 relativo ao ano de 2014.

O credor, todavia, não prova, como lhe competia, que exercia as funções de gestor judicial da ora insolvente nesse período. Com efeito, o período de gestão controlada da agora insolvente ocorreu entre 08 de Março de 2008 e 08 de Março de 2010. Como decorre do processo em que foi nomeado gestor o ora credor, o período de gestão controlada iniciou-se em 08 de Março de 2010 (data do trânsito da decisão homologatória da deliberação através de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto dessa data). De acordo com o art. 103º do CPEREF a gestão controlada tem a duração fixada no plano, não excedente a dois anos, salvo prorrogação por mais um ano, o que no caso não ocorreu. “O período de gestão controlada inicia-se na data da homologação da deliberação que aprove a providência e cessa pelo simples decurso do prazo.” - nº 3 do artigo referido.

O Sr. gestor judicial, nos termos do artigo 34º do CPEREF, tem direito a uma remuneração mensal fixada pelo juiz e paga pela empresa, e direito a ser reembolsado das despesas que tenha feito com a gestão.

O montante da remuneração foi fixado em €650,00. A obrigação de pagar a remuneração venceu-se em cada mês do período de gestão controlada. Provando-se, contudo, que a remuneração devida ao Sr. gestor judicial foi paga durante todo o período em durou a gestão controlada. Assim, nada lhe é devido a esse título.

São-lhe devidas sim as importâncias das despesas com a gestão e que vêm elencadas nos pontos 33 e 34 dos factos provados: €1.951,43.

Não se prova, também, que ele tenha continuado a exercer a gestão, a qualquer título, para lá desse período pelo que nada lhe é devido a qualquer outro título.

Logo, o crédito reclamado deve ser reconhecido pelo montante [agora, asim expresso em decisório] de (como) dívida da massa insolvente, atento o disposto no art. 51º, nº1, al. b) do CIRE por interpretação extensiva».

Assim também, pois que, como diz Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, págs. 182 e 189), o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo urna função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.°, n.º 2: não pode ser considerado com o compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

No mesmo sentido, Oliveira Ascensão escreve: a letra é não só o ponto de partida mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito (O Direito, 6.ª ed., 1991, pág. 368).

Continuando, do mesmo modo, a configurar-se como inarredável que o ónus da prova (art. 342º Código Civil) se traduz, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários - neste específico horizonte problemático -, alegadamente inconsiderados, pelo recorrente, foram levados em conta, na decisão proferida.

O que - como se fez notar -, decorreu, por inevitabilidade processual, de o ónus de alegação da prova, como elemento pressuponente principiológico actuante e vinculador, consistir em cada uma das partes, que quer ver vingar as suas pretensões, ter de cuidar de que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levadas ao tribunal mediante as afirmações correspondentes (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, cd., 1981, 1.°-70). Deste modo, se a parte a quem incumbe o "onus probandi" fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.a ed., 193; ed. 1979, 207). Em todo o caso, tal ónus respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto - trazida, ou não, pela mesma parte (M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 1979, 196).

-

Em tais termos, pois que, persistindo, o segmento do preceito contido no art. 130º nº 3 do CIRE - salvo o caso de erro manifesto -, deve interpretar-se em termos amplos, por forma a considerar que o juiz não deve abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar, tendo em conta que o erro tanto pode respeitar à natureza e montante do crédito como às suas qualidades (cf. Ac. RC, de 23-04-2013, APELAÇÃO Nº 3/12.2TBFCR-D.C1, Relatora: MARIA JOSÉ GUERRA).

No mesmo sentido, como sustentado no Ac. RC, de 11.12.2012 (Pº nº 1358/09.1 Fig-D.C1, Relatora: Maria Inês Moura), «se não houver impugnação da relação apresentada, o juiz procede nos termos do disposto no artº 130 nº 3 do CIRE, cabendo-lhe proferir sentença de verificação e graduação de créditos em que, salvo caso de erro manifesto homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e gradua os créditos em atenção ao que consta dessa lista.

Se há algum lapso na lista apresentada ou questão a esclarecer, impõe-se que o juiz o faça, podendo diligenciar previamente por obter os elementos pertinentes a essa aferição. Terá sempre de haver por parte do juiz uma tarefa de fiscalização, no sentido de apurar se a relação de bens foi bem elaborada. Tal como nos diz o Ac. do S.T.J de 25/11/2008, in.www.dgsi.pt: ”Perante a lista de credores apresentada pelo Administrador da Insolvência e mesmo que dela não haja impugnação, o Juiz não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos de crédito constantes dessa lista, nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante ou qualificação desses créditos, a fim de evitar a violação da lei substantiva.”

Tal como dizem Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pag. 460: “o erro tanto pode respeitar à natureza e montante do crédito como às suas qualidades, em qualquer caso cabendo ao Juiz o dever de evitar violação da lei substantiva; mas isto igualmente sem que possa deixar de permitir aos interessados o respectivo exercício do contraditório.”

Assim, de acordo com o disposto no artº 130 nº 3 do CIRE, em caso de erro manifesto, o juiz não deve homologar de imediato a lista de credores e proceder à sua graduação, não estabelecendo, no entanto, a lei quais as consequências que resultam da verificação de tal erro.

De acordo com a jurisprudência expressa no Ac. do S.T.J. de 25/11/2008, in. www.dgsi.pt  e com a qual nos identificamos: “ (…) haverá que distinguir entre as modalidades de erro: se se tratar de um erro de natureza meramente formal, cuja rectificação seja insusceptível de influir nos direitos das partes, nada se vê que obste a que a tal rectificação se proceda e que logo de seguida seja elaborada a sentença de homologação e graduação, nesse sentido apontando o objectivo de celeridade processual claramente manifestado no preâmbulo do CIRE; mas, se se tratar de um erro de natureza substancial, que implique ficarem afectados direitos das partes, aqueles princípios processuais implicam a impossibilidade de imediata elaboração de tal sentença, uma vez a alteração que, com o fim de rectificação de tal erro, seja efectuada ou determinada”.

O juiz ao detectar um erro manifesto na relação de créditos apresentada pelo Administrador, divergindo da posição por ele tomada (…), ao avaliar os documentos juntos aos autos, não podia ter proferido de imediato sentença, por isso contender com os direitos do reclamante.

É que, não pode ser retirado ao mesmo a possibilidade de impugnar a lista alterada, quando com a mesma não concorda, e ser chamado, se for caso disso, a fazer prova dos factos que alega.

Assim, terá de haver a elaboração de uma nova lista pela Administradora da Insolvência, rectificada de acordo com o determinado pelo Juiz, em função dos elementos constantes dos autos. A necessidade e determinação de rectificação não pode deixar de se considerar incluída nos poderes de fiscalização conferidos ao Juiz pelo artº 58º do CIRE, cabendo-lhe fiscalizar se o Administrador da insolvência elaborou a relação de créditos com observância de todas as determinações legais, quer de ordem formal, quer de ordem substancial, sendo a este que cabe a elaboração da lista de credores, como lhe impõe o art.º 129º do CIRE- neste sentido, vd. o citado Ac. do S.T.J».

Em zona de efluência e confluência decsória, se situa o Ac. RC, de 25-02-2014, APELAÇÃO Nº 902/12.1TBACB-B.C1, Relatora: CATARINA GONÇALVES, ao chancelar que, «em conformidade com o disposto no art. 130º, nº 3, do CIRE, não tendo sido deduzida qualquer impugnação à lista de credores reconhecidos apresentada pelo administrador de insolvência, não sendo detectável a existência de qualquer erro nessa lista (seja no que toca à existência e valor dos créditos, seja no que toca à sua qualificação) e inexistindo razões para suspeitar que tal erro tenha existido, o juiz limitar-se-á a proceder à sua homologação, sem que, nesse caso, lhe seja exigida qualquer actividade investigatória no sentido de confirmar a correcção dos elementos que constam da lista (seja em termos de facto, seja em termos de direito).

O erro manifesto a que alude a norma citada – e que obsta à homologação da lista – não corresponde apenas ao erro que é evidenciado pelo próprio teor da lista, abrangendo também o erro que possa ser constatado através de outros elementos que já constam do processo, bem como o erro que, apesar de não estar ainda evidenciado, é indiciado pelos elementos que constam dos autos.

Consequentemente, o juiz deve abster-se de homologar a lista nos precisos termos em que foi apresentada – providenciando pela necessária correcção – não só quando constate, perante os elementos que constam dos autos, que ela padece de erro (seja no que toca à existência e valor dos créditos, seja no que toca à sua qualificação), mas também quando existam razões para suspeitar que tal erro foi cometido, devendo, neste último caso, solicitar os elementos e informações necessários com vista à confirmação do erro e tendo em vista o seu suprimento e correcção». Naturalmente, quando tal se torna necessário.

No caso dos presentes Autos, porém - por razões de prova estritas, já evidenciadas, destacado que foi, por tal modo ressumando - haverá de se insistir, que:

«O montante da remuneração foi fixado em €650,00. A obrigação de pagar a remuneração venceu-se em cada mês do período de gestão controlada. Provando-se, contudo, que a remuneração devida ao Sr. gestor judicial foi paga durante todo o período em durou a gestão controlada. Assim, nada lhe é devido a esse título.

São-lhe devidas sim as importâncias das despesas com a gestão e que vêm elencadas nos pontos 33 e 34 dos factos provados: €1.951,43.

Não se prova, também, que ele tenha continuado a exercer a gestão, a qualquer título, para lá desse período pelo que nada lhe é devido a qualquer outro título»;

Perante tal evidência probatória consagrada, corrigindo, sem necessidade de outras diligências.

Daí que se configure como afirmativa (restritiva) a resposta à questão em 1; e, por sua vez, negativa a resposta à questão em 2.

*

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

Deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto (art. 130º, 3, do CIRE), não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite. Reiterando-se, finalmente, que este erro pode respeitar à indevida inclusão do crédito nessa lista, ao seu montante ou às suas qualidades.

2.

Não decorre da lei motivo para a interpretação do conceito de erro manifesto em sentido diverso do normal, a que acima se aludiu. Mas o juiz, antes da decisão de homologação dos elementos da lista, deve verificar, pelos seus termos, se ela está ou não afectada do referido erro, com vista ao respectivo suprimento.

3.

Como o desfecho do concurso de credores deve ser o que resultar dos factos assentes e da lei aplicável, propendemos a considerar que se o juiz, pela análise da lista, suspeitar de que o administrador da insolvência incorreu em erro manifesto de facto ou de direito no plano dos direitos de crédito ou das respectivas garantias, deve diligenciar no sentido da pertinente correcção.

4.

No caso de se tratar de erro formal que deva ser corrigido e não afecte os direitos das partes pode logo ser corrigido sem afectar a imediata prolação da sentença homologatória. Tratando-se de erro substancial cuja correcção implique actividade processual significativa, deve o juiz diferir a prolação da sentença, ouvir as partes e o administrador da insolvência sobre a matéria, e determinar, se for caso disso, a elaboração pelo último de nova lista.

5.

Configura-se, no entanto, como inarredável que o ónus da prova (art. 342º Código Civil) se traduz, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários - neste específico horizonte problemático -, alegadamente inconsiderados, pelo recorrente, foram levados em conta, na decisão proferida. O que - como se fez notar -, decorreu, por inevitabilidade processual, de o ónus de alegação da prova, como elemento pressuponente principiológico actuante e vinculador, consistir em cada uma das partes, que quer ver vingar as suas pretensões, ter de cuidar de que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levadas ao tribunal mediante as afirmações correspondentes.

6.

Em tais termos, se não houver impugnação da relação apresentada, o juiz procede nos termos do disposto no artº 130 nº 3 do CIRE, cabendo-lhe proferir sentença de verificação e graduação de créditos em que, salvo caso de erro manifesto homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e gradua os créditos em atenção ao que consta dessa lista.

7.

Se há algum lapso na lista apresentada ou questão a esclarecer, impõe-se que o juiz o faça, podendo diligenciar previamente por obter os elementos pertinentes a essa aferição. Terá sempre de haver por parte do juiz uma tarefa de fiscalização, no sentido de apurar se a relação de bens foi bem elaborada. Perante a lista de credores apresentada pelo Administrador da Insolvência e mesmo que dela não haja impugnação, o Juiz não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos de crédito constantes dessa lista, nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante ou qualificação desses créditos, a fim de evitar a violação da lei substantiva.

8.

No caso dos presentes Autos, porém,  por razões de prova estritas, já evidenciadas, destacado que foi, por tal modo ressumando:

«O montante da remuneração foi fixado em €650,00. A obrigação de pagar a remuneração venceu-se em cada mês do período de gestão controlada. Provando-se, contudo, que a remuneração devida ao Sr. gestor judicial foi paga durante todo o período em durou a gestão controlada. Assim, nada lhe é devido a esse título.

São-lhe devidas sim as importâncias das despesas com a gestão e que vêm elencadas nos pontos 33 e 34 dos factos provados: €1.951,43.

Não se prova, também, que ele tenha continuado a exercer a gestão, a qualquer título, para lá desse período pelo que nada lhe é devido a qualquer outro título»;

Perante tal evidência probatória consagrada, corrigindo, sem necessidade de outras diligências.

*

IV. A Decisão:

Pelas razões expostas, improcede o recurso interposto, assim se confirmando a decisão recorrida.

 Custas pelo recorrente, fixando-se ataxa de justiça em 3 UC..

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António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo