Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24/12.5GATBU-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: PENA DE PRISÃO SUBSTITUÍDA POR PENA DE MULTA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL DE TÁBUA - SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 43.º, N.ºS 1 E 2, E 48.º, AMBOS DO CP
Sumário: A pena de multa substitutiva de pena de prisão não pode, por sua vez, ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

            Nos autos de processo comum (singular) que, sob o nº 24/12.5GATBU, correm termos pela Instância Local de Tábua, da Comarca de Coimbra, Secção de Competência Genérica, J1, o arguido A... , foi sujeito a julgamento sendo, a final, condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artºs 143º, 145º, 1, a) e 2, com referência ao artº 132º, 2, l), todos do CP, numa pena de 8 meses de prisão, substituída por 250 dias de multa à taxa diária de €5,50 e na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5,50, pela prática de um crime de injúria, p.p. pelos artºs 181º e 184 do CP. Tal decisão já transitou em julgado.

            Através de requerimento datado de 9/3/2015 (fls. 25 e seg.s deste traslado) o arguido veio requerer a substituição da pena de multa (considerada na sua globalidade) «por dias de trabalho».

            Aberta vista ao MP, foi proferido despacho no sentido de nada opor ao requerido, mas tecendo, todavia, considerações.

            Seguidamente, por despacho datado de 25/5/2015 (fls. 29 e seg.s deste traslado), o M.mo Juiz proferiu o seguinte despacho.

            «1. Por sentença cujo dispositivo consta a fls. 371 foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, (p. e p. pelos arts. 143.º e 145.º/1, al. a) e 2 do CP), na pena de oito meses de prisão, substituída por 250 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, e de um crime de injúria agravada (p.p. pelos artºs 181º e 184º do CP) na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,50.

Requereu o arguido a substituição das penas de multa que lhe foram aplicadas pela prestação de trabalho a favor da comunidade (fls. 639-641) e, na sequência, foi elaborado Relatório dos Serviços da Direcção Regional da Segurança Social, junto a fls. 667-669, que obteve, especificamente, anuência do arguido à substituição das penas por trabalho em favor da comunidade.

Embora de difícil interpretação, entendemos as promoções a fls. 644 e 668 como se pronunciando o MP por entender legalmente vedada a substituição por trabalho da pena de multa substitutiva da prisão e, de sua parte, nada ter a opor à substituição da multa como pena principal.

2. A Jurisprudência veio a conhecer alguma divisão no que tange a admissibilidade de substituição, por trabalho, da multa que haja substituído a pena de prisão e o Ministério Público adere a um entendimento proibitivo, pela alusão que realiza para o dispositivo do art. 43.º/1, parte final, do CP, que, efectivamente, apenas remete para o art. 47.º do mesmo diploma (que estabelece o regime de pagamento em prestações), nada referindo sobre a possibilidade de substituição da multa substitutiva de prisão por trabalho, previsto no art. 48.º do CP.

Esta posição, porém, que esgota a análise do problema no art. 43.º do CP, parece-nos ser de afastar, desde logo porque o regime de substituição da pena curta de prisão (até um ano) não se esgota no aludido articulado legal.

Embora a epígrafe do art. 43.º do CP “substituição da pena de prisão” possa aparentar pretender ser o anúncio legal-positivo que, neste articulado legal, se esgotarão os cânones legais de substituição da pena privativa da liberdade não superior a um ano, o quadro legislativo percorre ainda os arts. 50.º-60.º do CP (os arts. 44.º-46.º são, mais propriamente e quanto a nós, regimes de execução da pena de prisão, não penas substitutivas), razão por que na falta de referência a um regime de substituição secundário da pena de prisão (da multa substitutiva por trabalho) no art. 43.º do CP não se acha um argumento definitivo sobre o problema que aqui se coloca.

De facto, o regime de substituibilidade das penas pretende-se um todo coerente, assimilando as várias previsões positivadas ao longo do diploma penal que ofereçam tratamento dogmático ao problema e que sirvam os interesses a que se acha dirigida a pena e, com especial relevo, pretende-se configure um todo conformativo de uma unicidade de solução normativa que permita, de forma maximalista, obter os escopos que o Direito Penal acoberta.

Para quem ofereça preponderância maior ao elemento literal da interpretação, de todo o modo, sublinhemos que o art. 43.º/1 do CP, se não estabelece uma remissão expressa para o art. 48.º do mesmo diploma, certo é que não o exclui, vedando uma interpretação que o considere aplicável, será bom, desde logo, frisar.

Mais se diga, se não acolhe o regime de substituição por trabalho expressamente, o art. 43.º/2 do CP assimila a possibilidade de suspensão da execução da pena principal, quando a multa (de substituição) seja incumprida, consagrado no art. 49.º/3 do CP: parece, pois, legalmente admissível que, atestando-se que a multa não foi cumprida, o julgador suspenda a execução da pena de prisão (principal) subordinando o seu cumprimento à realização de trabalho comunitário pelo condenado, no âmbito da definição de medidas de conteúdo não-económico subordinativas da suspensão (cfr. art. 49.º/3 do CP).

No âmbito da definição da condição de suspensão, por outro lado, parece que o legislador não poderá fixar, no regime de trabalho a executar, uma forma mais onerosa de cumprimento do trabalho para o condenado que aquele que verte dos critérios do art. 58.º/3 e 4 do CP, sob pena de se tratar, no momento da execução, da ampliação do sacrifício da pena antes fixada na sentença.

Por outro lado, o regime concreto do art. 48.º do CP (que diz o MP inaplicável) remete precisamente para o art. 58.º/3 e 4 do CP quanto aos termos de fixação da pena de trabalho substitutiva (cfr., n.º 2, 1.ª parte), existindo uma verdadeira continuidade de tratamento normativo que proporciona uma igualdade de resultados.

Pois se assim é, parece bizantino e formalista que se ache a realização de trabalho como apropriada a realizar um contra-factual do crime (prevenção geral) e a obter um escopo ressocializador (prevenção especial) depois de se haver a multa por não-paga e como ponto de sacrifício razoável (em articulação com a suspensão da execução da pena principal, que passará a subordinar), quando, a montante, se teve a pena de multa como imperativamente impassível de substituição por trabalho.

Ponto firme é (e será) que se ache por adequada, proporcional e justa a realização de dias de trabalho como forma de obter os efeitos (gerais e especiais) a que se dirigiu a pena principal: ou porque a multa substitutiva não foi cumprida fora de um quadro de culpa, que geralmente se fundará na precariedade da situação económico-financeira do condenado, admitindo-se a suspensão da execução da pena curta de prisão subordinada a um dever de prestação de trabalho (art. 49.º/3 do CP, ex vi art. 43.º/2); ou porque o arguido desde logo requereu a substituição da multa e o pedido se revela fundado nessa mesma situação de baixos património e rendimentos, aqui já nos termos do citado art. 48.º do CP.

De resto, se a dilação de pagamento e pagamento prestacional se acham (consensualmente) integrados nas possibilidades de execução conformadas pela multa de substituição (cfr. art. 47.º/3 do CP e art. 43.º/1, in fine), será de manter presente que se faz no pressuposto que a medida de diluição da força da repressão penal tem-se por irrelevante por a redução do nível de encargo económico não constituir, no confronto com o património do condenado, uma forma de diminuição significativa do sacrifício que a pena corporiza, para efeitos jurídico-penais.

Ora, no caso em que o condenado possua por principal fonte de riqueza a sua força de trabalho, não será despropositado afirmar que, ao substituir a multa por trabalho, estamos também no plano da reconfiguração legal da forma como o seu património é afectado pela execução da sanção criminal, ajustando a pena a essa situação com maior grau de pureza (como sucede no caso do art. 47.º/3 do CP): desempenhando trabalho em favor da comunidade, por esse período o arguido vê-se privado do seu principal factor de rendimento (a sua hetero-disponibilidade para o trabalho) e, quando não possui outro de significativa relevância, impõe-se-lhe por essa via uma amputação de natureza económica que obedece à lógica de suportação da multa.

Por fim, de referir que é insistentemente sublinhado pela doutrina que, no plano da política criminal, a realização de trabalho configura uma medida apta a obter a realização dos fins preventivos-especiais de forma maximalista: o enquadramento laboral e o exercício de trabalho, especialmente quando dirigido a serviços de utilidade comunitária, constituem factores de integração do delinquente numa pauta normativa de elevado nível de eficácia, ampliando as expectativas de um processo de ressocialização de sucesso, aquando da execução da pena (vide, neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, Coimbra Ed., pp. 370-384, que apelida de “um instrumento político-criminal altamente positivo de incomparável efeito socializador”).

O legislador penal português acolheu este primado doutrinário e, por consequência, o trabalho em favor da comunidade é comportado como pena de substituição de prisão até dois anos (ao contrário do que sucede com a multa, limitada a penas até um ano – cfr. arts. 43.º/1 e 58.º/1, ambos do CP), o que revela um propósito legislativo de ampliar os casos de aplicabilidade do trabalho em favor da comunidade em desabono da multa – ainda que diferido o prazo para pagamento ou admitido o seu fraccionamento em prestações (arts. 43.º/1 e 47.º, ambos do CP) –, bem como da pena suspensa, subordinada a condições – ainda que de índole não-económica ou financeira (art. 43.º/2, 49.º/3 e 50.º-52.º, todos do CP).

Assim, a proposta interpretativa do Ministério Público conduz a uma verdadeira inversão desta orientação de política criminal que insufla o regime do quadro das Consequências Jurídicas do Crime no Direito Penal português, o que não se afigura admissível.

A não ser assim, temos que, a jusante da condenação, achamos um quadro jurídico-penal de execução que tem por base desvalor de vontade e de resultado, assente em proporcionalidade e adequação como pontos axiais de contracção de direitos, liberdades e garantias (art. 18.º/3 da Constituição da República) apresado em estaticidade onde se pretende haver adaptabilidade ao caso concreto, já que, no problema com que nos deparamos, se trata de oferecer flexibilidade à pena apenas por tributo a uma capacidade económica desnivelada do agente penal, não atendendo a factores de ampliação de censura ou de ressonância social que, consensualmente, se não tocam por se aferir da requerida substituição secundária.

3. Enfim, à guisa de sumário, temos que, na fase de execução da pena, da interpretação integrada e presidida por uma concepção teleológica do disposto nos arts. 43.º, 48.º e 50.º do CP resulta que o requerido pelo ora arguido é possuidor de base legal, sendo, noutro sentido que não prejudica esta afirmação, de aferir, porém, se nos é possível concluir que, no caso sub iudicio, por essa forma é possível realizar as finalidades que orientaram a determinação concreta da pena que se plasma na sentença (vide, neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19.06.2013 no Proc. 289/09.5GDVFR-A.P1 e de 11.06.2014 no Proc. 659/12.6PIVNG.P1, acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.05.2011 no Proc. 2239/09.4PAPTM.E1 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.04.2013 no Proc. 418/09.3PASXL.L1-3, todos in www.dgsi.pt).

Posto isto, nos termos do artº 48º, 1, do CP, pode a pena (principal ou de substituição) que seja aplicada ao arguido ser substituída por trabalho a favor da comunidade conquanto tanto seja requerido pelo condenado e desde que esta se mostre apta a satisfazer, pela sua execução, os fins específicos a que aquela se dirigiu (cfr. artº 48º, 1, do CP).

Radicando estes, no que possuem de essencial, na reposição contrafáctica das expectativas comunitárias na vigência e integridade da norma violada subjacente à prática delitual e, outrossim, na ressocialização do respectivo agente, compelindo-o a reconformar o seu perfil social e comportamental no sentido da compaginação com os comandos ético-normativos promanados pela Ordem Jurídica, a substituição por trabalho a favor da comunidade constitui uma medida de diversão ancorada na premissa que nem sempre as arquitecturas de direito penal tradicionais permitem, na abordagem ao caso concreto, obter um grau optimizado de satisfação dos interesses perseguidos pelo Direito Criminal.

Pressupõe-se, pois e neste mesmo contexto, que o condenado não possui um estatuto económico-financeiro que permita uma execução da pena de multa (materializada na ablação patrimonial) harmonizada com a dimensão punitiva pretendida alcançar com a sua aplicação e com uma plena realização dos interesses ínsitos à punição (artº 48º, 1, última parte, do CP).

5. Ora, no caso dos autos, não resultando dos autos que o arguido possua um estatuto económico-financeiro incompatível com a medida de substituição proposta, considerando a sua situação de desemprego, o atendimento de encargos de menor dependente e habilitações académicas e profissionais (fls. 262, Factos Provados 11.)), sendo que do Relatório junto a fls. 668 transcorre que se encontra motivado para desenvolver qualquer actividade em favor da comunidade, estão reunidas as condições para que a pena possa ser substituída por trabalho comunitário – assim se logrando os efeitos visados pelas reacções criminais de forma maximalista, em consonância com o que acima se disse – a executar pelo mesmo número de horas por que foram determinadas as penas de multa em dias (cfr. artº 58º, 3, ex vi artº 48º, 2, ambos do CP).

Nestes termos e com estes fundamentos, defiro o requerido e substituo as seguintes penas aplicadas ao arguido A... :

a) Pena de 250 dias de multa (que substitui pena de oito meses de prisão) por 250 horas de trabalho em favor da comunidade;

b) Pena de 50 dias de multa, por 50 horas de trabalho em favor da comunidade.

Tudo a realizar nos termos constantes do Plano a fls. 667-669, que homologo, sendo que o arguido iniciará o trabalho substitutivo da pena referida em a) e só depois de cumpridas as 250 horas iniciará o cumprimento do trabalho que substitui a pena referida em b).

Notifique e, após trânsito, comunique aos Serviços da Direcção Geral de Reinserção Social, ainda para que informe o tribunal de qualquer ocorrência anómala ou alteração do regime fixado

            Inconformada, a Ex.ma Magistrada do MP interpôs o presente recurso, motivando e concluindo nos seguintes termos:

A. O condenado/recorrente foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artºs 143º e 145º, nº 1, a) e nº 2, com referência ao artº 132º, nº 2, l), do CP, na pena de oito meses de prisão substituída por 250 dias de multa, à taxa diária de €5,50, num total de €1375,00, já transitada em julgado (e na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5,50 pela prática de um crime de injúria, p.p. pelos artºs 181º e 184º do CP), tendo requerido a substituição desta pena por trabalho a favor da comunidade.

B. Por despacho datado de 25/5/2015o tribunal a quo deferiu o requerimento e substituiu a pena de multa aplicada como pena de substituição da pena de prisão, por 250 horas de trabalho a favor da comunidade, a realizar nos termos constantes do plano apresentado pela DGRSP e que nesse despacho foi homologado.

C. A pena substitutiva de multa não se confunde com a pena de multa principal consagrada nos artºs 47º a 49º do P – sendo que a pena de multa aplicada já é uma pena de substituição, não podendo, por isso, ser substituída por outra pena de substituição.

D. É na sentença/acórdão que o tribunal se deverá pronunciar sobre a aplicação das penas de substituição e não em momento posterior (pois são penas aplicadas em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas).

E. Não se trata de uma interpretação rígida, mas antes de uma interpretação correcta, atenta desde logo a construção do sistema e que traduz correctamente os pensamentos/posição do legislador na altura da construção do Código.

F. Por essa razão os regimes da pena de multa principal e da pena de multa substitutiva não são idênticos, nem equiparáveis, sendo que o artº 43º comporta apenas uma remissão selectiva (apenas) para os artºs 47º e 49º, 3, do CP e não global: para todo o regime de substituição da pena de multa (enquanto pena principal).

G. Ao deferir o requerimento do arguido, e deste modo determinar a substituição da pena de multa de substituição por trabalho a favor da comunidade, o tribunal ‘a quo’ violou os artºs 40º, 43º, 1 e 2, 47º, 48º, 1 e 2 e 49 do CP.

            Nestes termos e nos demais de Direito, deve a decisão em crise ser revogada, na parte em que determina a substituição da pena de multa de substituição por trabalho a favor da comunidade, e substituída por outra que indefira o requerimento do recorrente/condenado de substituição (de multa) por trabalho a favor da comunidade, julgando o recurso ora interposto procedente e alterando-se nesse sentido a decisão proferida pelo tribunal a quo.

            Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer, no qual, aderindo à posição assumida pelo recorrente, conclui no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

DECIDINDO:

            A única questão aqui em discussão prende-se com a análise da possibilidade de substituição da pena de multa, substitutiva de prisão, por trabalho a favor da comunidade.

            O nosso labor não se encontra nada facilitado, se atentarmos em que a jurisprudência se divide entre as duas posições, crendo nós, no entanto, ser maioritária a que defende a impossibilidade da substituição.

            O despacho recorrido sustenta que essa dupla substituição é admissível, enquanto que o MP, no seu recurso, sustenta o contrário.

            Na resposta que apresentou ao recurso, o arguido sustenta a posição assumida no despacho recorrido, tecendo, no entanto, iniciais considerações acerca da circunstância de o recurso ter sido interposto pela mesma Magistrada do MP que, algum tempo antes, havia declarado nada ter a opor ao requerido pelo arguido.

            Apesar de a questão não possuir a relevância que lhe pretende atribuir o arguido/respondente, o certo é que a posição do MP, manifestada naquela primeira promoção não terá precisamente o sentido que ora ele lhe atribui; basta ter em atenção o que é dito no terceiro parágrafo do despacho ora impugnado.

            Entrando na análise da questão.

            Determina o artº 43º, 1, do CPP que «a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artº 47º»

            Nos termos do nº 2 do mesmo artigo, «se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do artº 49º».

            Do regime jurídico da multa substitutiva da prisão, assim brevemente traçado, parece resultar, desde logo, a sua essencial distinção do regime jurídico da multa aplicada a titulo principal.

            Em primeiro lugar, se o regime legal fosse o mesmo, não haveria necessidade de operar as remissões cirúrgicas que são feitas pelos nºs 1 e 2 daquele artº 43º; todas as normas atinentes à multa directamente aplicada seriam comuns à multa resultante da substituição da prisão. Ou, então, essa remissão seria feita em bloco.

            Mas não foi isso que o legislador fez: estendeu ao caso apenas a aplicabilidade do artº 47º, que tem a ver com a concretização da pena de multa (nº 1), com a determinação do seu montante diário (nº 2) e com a possibilidade do seu pagamento em prestações (nºs 3 a 5). Do mesmo modo operou expressa remissão para o nº 3 do artº 49º, estabelecendo, assim, a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão substituída, caso o condenado prove que o não pagamento da multa lhe não é imputável.

            Se o legislador operou essa remissão parcial, só podemos concluir que a globalidade do regime não é aplicável ao caso, pois que se ele o pretendesse, o teria feito do mesmo modo. O legislador, que temos de presumir inteligente e esclarecido, terá consagrado «as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artº 9º, 3, do CC). A isto acresce que na interpretação da lei penal não podemos lançar mão da interpretação extensiva ou por analogia, já que a tal se opõem os princípios da legalidade e o da tipicidade e dada a natureza pública do direito penal.

            Como se não bastasse, há outra característica diferenciadora essencial entre as penas de multa aplicadas directamente e aquelas outras resultantes da substituição de pena de prisão de curta duração (inferior a um ano): - Se esta última não for paga, o condenado cumpre a pena aplicada na sentença, por inteiro (artº 43º, 2), ao passo que no caso de não pagamento da primeira, a prisão subsidiária corresponde a 2/3 dos dias de multa fixados na sentença (artº 49º, 1).

            Se o legislador, a propósito do regime legal da pena de substituição operou expressa remissão para apenas algumas normas do regime geral da multa, teremos de entender que apenas essas – e mais nenhumas – são aplicáveis. Assim sendo, fica de fora a aplicabilidade ao caso do artº 48º do CP. Se o legislador o tivesse querido, na sua presumida sapiência, tê-lo-ia feito de forma expressa, como o fez a propósito de outras pontuais questões.

Mas não o fez.

Por essa razão, sendo vedado ao intérprete presumir-se mais inteligente do que o legislador, resta-lhe observar o entendimento que deriva directamente da lei e que conduz ao afastamento da aplicabilidade do referido artº 48º ao caso concreto.

Como começámos por dizer, existe algum dissenso jurisprudencial acerca desta questão que ora nos ocupa; consideramos, todavia, ser maioritária a jurisprudência que vai no sentido do ora por nós defendido, entre a qual a resultante do acórdão da RP de 11/6/2014, proferido no proc. nº 659/12.6PIVNG-A.P1 e bem assim dos acórdão desta Relação, de 23/9/2015, proferido no processo nº 126/14.3GATBU-A.C1, citado pelo Ex.mo PGA, no seu parecer.

Concluindo: as penas de multa, substitutivas de pena de prisão não podem, por sua vez, ser substituídas por trabalho a favor da comunidade. Os casos de não pagamento, imputável ao condenado ou não, encontram pleno tratamento nas normas do artº 43º, 1 e 2, do CP e bem assim naquelas outras para que elas expressamente remetem.

Termos em que, na procedência do recurso do MP, se revoga o despacho impugnado, na parte em que em que determina a substituição da pena de multa de substituição por trabalho a favor da comunidade e, em consequência, se indefere o requerimento do recorrente/condenado, em causa.

Recurso sem tributação.

Coimbra, 16 de Dezembro de 2015

(Jorge França - relator)

(Cacilda Sena - adjunta)