Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
41/18.1PBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL DE CALDAS DA RAINHA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 70.º E 71.º DO CP
Sumário:
I – São elementos fundamentais da operação da escolha e determinação da pena a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, portanto, fins de prevenção – geral e especial – por um lado, e a sua limitação pela medida da culpa do agente, por outro.
II – Em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido L, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.

Por sentença de 21 de Fevereiro de 2018, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de seis meses de prisão suspensa na respectiva execução pelo período de um ano, com regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de seis meses.
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Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
49º O arguido L…, foi condenado pela prática em autoria material de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º nº 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova e de frequência de ações e programas com vista à sensibilização de consumo de álcool na condução e das alternativas socialmente ajustadas para não conduzir em estado de embriaguez.
50º Foi condenado ainda na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 6 meses, nos termos do disposto no artigo 69º nº 1 alínea a) do Código Penal.
51º É convicção da defesa que ao arguido L... foi aplicada uma errada escolha e medida da pena, violando o artigo 70º do Código Penal, bem como, todos os princípios decorrentes da existência desta norma.
52º É convicção da defesa que aos factos considerados provados seria bastante a condenação em pena de multa, prevista no artigo 292º nº 1 parte final “é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (…)” – sublinhado nosso
53º É convicção da defesa, que a pena e a medida da pena adotada pelo Tribunal a quo se revela gravemente desajustada à realidade e à prática jurisprudencial.
54º O Tribunal a quo deu por provada a acusação tendo por fonte a Confissão livre e integral do arguido.
55º O arguido era detentor de uma taxa de álcool de 1,42 g/l, próxima dos limites mínimos.
56º O arguido tem no seu registo criminal duas condenações nos últimos 5 anos, factos praticados em 2010 e 2012, decorridos até à presente data 8 e 6 anos desde os mesmos.
57º Resulta do CRC do arguido em 2010 uma condenação de crime da mesma natureza, 8 anos volvidos.
58º Entende a defesa que o Tribunal a quo, fez uma errada escolha da pena a aplicar ao arguido, volvidos mais de 6 anos desde a última condenação tem de se fazer um juízo favorável ao percurso do arguido e não pode o mesmo ser penalizado pelo seu passado.
59º O Direito Penal não é nem pode ser encarado só pela sua vertente condenatória e sancionatória, mas sim e também pela sua forte componente de reintegração do agente infrator na sociedade.
60º Ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez corresponde em abstrato uma pena de prisão de 1 mês até 1 ano ou pena de multa de 10 a 120 dias.
61º E entendeu o Tribunal a quo que “a pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas s restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e de prevenção”, e muito bem…
62º Entendeu ainda que “necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores de devem presidir à determinação da pena aplicável em face da violação de um bem jurídico fundamental.”, e muito bem…
63º Contudo, e muito erradamente conclui que no caso em concreto e atentas às finalidades de prevenção geral positiva e da prevenção especial positiva a pena de multa revela-se desadequada.
64º Deveria o tribunal a quo:
- depois de valorar a confissão do arguido e o seu sentido critico;
- depois de valorar a personalidade do arguido e a sua história de vida;
- depois de valorar a personalidade do arguido em conjunto com os delitos individuais registados no seu CRC e a data dos mesmos, num plano de conexão e frequência, fazendo apelo a uma referência cronológica, por forma a saber se os factos são expressão de uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se só constituem delitos ocasionais, sem relação entre si.
65º É verdade que o arguido tem no seu CRC uma condenação que remonta a factos praticados no ano de 2010 de crime da mesma natureza, note-se 2010!
66º E com o lapso temporal decorrido de 8 anos o tribunal a quo entende haver elevadas exigências de prevenção especial.
67º É excessivo.
68º A pena de multa é suficiente e vai de encontro com as finalidades de prevenção geral e especial.
69º O Tribunal a quo interpretou mal a norma do Art. 70º do Código Penal, devendo ter optado pela condenação em pena de multa.
Nestes termos e nos demais de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar-se a douta sentença recorrida e ser a mesma substituída por outra que condene o arguido numa pena de multa. Assim se fará justiça!
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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando, em síntese, serem elevadas as exigências de prevenção geral e serem significativas as de prevenção especial, atentas as anteriores condenações sofridas pelo arguido, pelo que a pena de multa não preveniria a prática de novos crimes, e concluiu pelo não provimento do recurso.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público, realçando os antecedentes criminais do arguido e o seu reflexo nas exigências de prevenção especial, e concluiu pelo não provimento do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se foi ou não correctamente escolhida a pena principal aplicada.
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Para a resolução desta questão, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:
A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:
“ (…).
1. (…), o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (…), apresentando uma TAS de, pelo menos, 1,30 g/l, correspondente a uma TAS registada de 1,42 g/l.
2. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir na via publica com a referida taxa de álcool no sangue.
3. O arguido sabia ainda que tal conduta era proibida e criminalmente punida.
[Mais se provou:]
4. O arguido sabia que a quantidade de álcool que havia ingerido antes de iniciar a condução era susceptível de lhe provocar uma TAS superior à legalmente permitida.
5. L... pertence a uma família (…).
6. A separação dos pais ocorreu antes do seu nascimento, tendo o convívio com o pai sido mantido até ao falecimento deste, há cerca de 27 anos. O relacionamento intra – familiar ter-se-á caracterizado por laços de coesão e afectividade entre os seus elementos.
7. L... frequentou a escola primária até concluir a 4ª classe. (…).
8. Iniciou a vida marital aos 18 anos de idade, tendo a sobrevivência do agregado familiar, constituído pelo casal e três filhos, sido assegurada com as receitas obtidas (…).
9. O consumo de estupefacientes, iniciado por volta dos 17/18 anos de idade, esteve associado a um modo de vida pouco compatível com a vida conjugal e familiar, pautado pelo fraco investimento laboral e vida nocturna.
10. Embora reconhecesse a interferência negativa do consumo de estupefacientes e consumo de álcool na obtenção de emprego, adoptou uma atitude pouco consistente no que se refere ao tratamento a esta problemática aditiva.
11. O arguido ocupava o tempo livre na companhia da família e de indivíduos mal conotados socialmente.
12. O percurso criminal de L... regista uma primeira condenação aos 33 anos de idade, pela prática de um crime de roubo, tendo revelado alguma persistência nos actos criminais que, em parte, estavam associados ao comportamento aditivo.
13. O arguido foi sujeito a outras condenações, com intervenção da DGRSP, durante a qual adoptou uma postura relativamente colaborante ao nível da comparência nas entrevistas mas pouco consistente ao nível do tratamento na Equipa de Tratamento e na procura activa de emprego, alegando que as sequelas físicas decorrentes de um acidente de viação dificultam-lhe a realização de determinados trabalhos.
14. L... afirma que ocupa o tempo livre na companhia dos familiares, nomeadamente dos filhos e da sua mãe, sendo o consumo de álcool esporádico. A esposa confirma que o arguido tem um comportamento mais calmo e mais dedicado à vida familiar.
15. No perfil sócio – comportamental de L..., sobressai a existência de uma auto-imagem positiva, de segurança pessoal, e capacidade de contenção da impulsividade em contextos formais, onde adopta um discurso de desejabilidade social.
16. O arguido revela capacidade de avaliar os efeitos do seu comportamento, ainda que por vezes tenda a atribuir as responsabilidades a terceiros.
17. Face a factos de natureza semelhante, reconhece a sua ilicitude, mas tende a relativizar os efeitos do consumo de álcool na condução.
18. L... não está indiciado, à data actual, com processos judiciais.
19. O arguido dedica-se (…), retirando um rendimento de cerca de € 500 mensais da sua actividade.
20. Reside com a companheira em casa da Câmara Municipal, pela qual paga renda no valor de € 25, a que acrescem os consumos de água, electricidade e gás, no valor de €100.
21. Não são conhecidos encargos ao arguido.
22. Tem o 5º ano de escolaridade.
23. Em 22.01.2018 arguido sofreu as condenações que constam averbadas do CRC de fls. 15 ss, de que se destacam as seguintes, sofridas nos últimos cinco anos:
- Por decisão proferida em 24.07.2012, transitada em 04.10.2012, no âmbito do Proc. nº 545/12.0GBCLD, do Juízo extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, pela prática de um crime de desobediência, p.p. pelo art. 348º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5, por factos praticados em 22.07.2012;
- Por decisão proferida em 25.05.2012, transitada em 25.06.2012, no âmbito do Proc. nº 1388/09.3PBCLD, extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, pela prática de um crime de coacção na forma tentada, p.p. pelo art. 154º, nº 1 e 2 e 22º, nº 2 do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa legal de € 5, por factos praticados em 15.04.2010.
(…)”.

B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte fundamentação quanto á escolha da pena:
“ (…).
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez encontra-se tipificado no art. 292.º do Código Penal, a que corresponde em abstracto uma pena de prisão de 1 mês até 1 ano ou pena de multa de 10 a 120 dias.
Tratando-se de penas compósitas alternativas, de prisão ou de multa há que determinar qual a pena aplicável ao arguido no caso que ora cuidamos.
O sistema jurídico-penal português estabelece uma preferência pelas reacções criminais não privativas da liberdade, pelo que se deve dar prevalência à pena não privativa da liberdade, desde que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), nos termos do preceituado nos arts. 40.º e 70.º do Código Penal e na esteira do princípio da necessidade consagrado no art. 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Estipula o artigo 70.°, do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Na filosofia subjacente do sistema punitivo do Código Penal, apesar de se aceitar a pena de prisão como pena principal para os crimes de maior gravidade, “(...) afirma-se claramente que o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas”, M. Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., Almedina, 1996, p. 270. Não pode, todavia, deixar de considerar-se que “(...) determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas”, in Adelino Robalo Cordeiro, “Escolha e Medida da Pena”, in Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 237 e ss.
A pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e de prevenção.
Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável em face da violação de um bem jurídico fundamental.
No caso dos presentes autos, entende-se que a aplicação de uma pena de multa não realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva ou de ressocialização do agente.
Com efeito, Portugal é um dos países com maior índice de sinistralidade rodoviária da Europa, sendo a maior parte dos acidentes causados por condutas de condutores que desrespeitam as mais elementares regras estradais, sendo inúmeros os casos de condução em estado de embriaguez, que potenciam a ocorrência de acidentes.
Urge combater de forma firme e sem tréguas este tipo de comportamentos, educando e responsabilizando as gerações presentes e futuras para o cumprimento das normas estradais.
Do exposto resulta que as necessidades de prevenção geral são prementes.
Por outra parte, também as exigências de prevenção especial se fazem sentir de forma acentuada.
Com efeito, constata-se que, apesar de já ter sido condenado, por diversas vezes pela prática de crimes estradais, tendo a última condenação ocorrido pela prática crime de condução em estado de embriaguez em 2010, o arguido voltou a incorrer na sua prática, de nada valendo as anteriores condenações a que foi sujeito anteriormente, revelando o fracasso no caso concreto do sistema da pena de multa como forma de prevenção geral e especial contra a prática de novos crimes, tanto mais que a última condenação sofrida pelo arguido ocorreu no dia anterior à prática dos factos em causa nos presente autos.
Por outras palavras, a aplicação da pena de multa não salvaguardou, como deveria ser a sua função, a protecção dos bens jurídicos que as incriminações pretendiam acautelar nem evitou a prática por parte do arguido de novos crimes, mostrando-se, assim, elevadas as exigências de prevenção especial.
Por outro lado, conclui-se que a medida da necessidade de protecção dos bens jurídicos violados, ou de reafirmação contrafáctica da norma violada, exige a aplicação ao arguido de uma pena privativa da liberdade, considerando que a comunidade dificilmente compreenderia opção diversa. E forçoso é não esquecer as fortíssimas exigências de prevenção geral sentidas nesta área, considerando, como supra se referiu, a elevada sinistralidade que caracteriza a circulação automóvel no nosso país, potenciada pela condução em estado de embriaguez, com consequências drásticas.
Desse modo, e perspectivando ainda a gravidade da conduta do arguido, entendemos que se justifica a opção pela medida privativa da liberdade, a qual pensamos ser adequada e necessária para satisfazer as exigências comunitárias e as necessidades de prevenção especial.
Assim, opta-se pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão.
(…)”.
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Da incorrecta escolha da pena principal
1. Alega o recorrente – entre outras, conclusões 53 a 59 e 63 a 69 – que sendo o crime praticado punível, em alternativa, com pena privativa e pena não privativa da liberdade, a sua confissão, a baixa TAS registada, as duas condenações sofridas nos últimos cinco anos, a condenação sofrida por crime da mesma natureza há oito anos, impõem um juízo favorável ao seu percurso, que não pode ser penalizado pelo seu passado, pois a sua personalidade e o lapso de tempo decorrido não podem manter em nível elevado, contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, as exigências de prevenção especial, pelo que a pena de multa seria suficiente para assegurar as finalidades da punição.
Contrária é, conforme já dito, a opinião do Ministério Público, quer na 1ª instância, quer na Relação.
Vejamos então a quem, em nosso entender, assiste razão.
Não vem questionada no recurso a prática pelo recorrente, de um crime condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal, crime punível, a título de pena principal, com prisão até um ano ou com multa até cento e vinte dias.
A determinação da pena entendida em sentido amplo, nos casos em que o crime é punível, em alternativa, com pena privativa e pena não privativa da liberdade, como acontece nos autos, passa, em primeiro lugar, pela operação da sua escolha.
O critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Quais são estas finalidades?
Responde o art. 40º do C. Penal, dispondo no seu nº 1 que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, acrescentando no seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Concordantemente, estabelece o art. 71º, nº 1 do mesmo código que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Deste modo, são elementos fundamentais da operação da escolha e determinação da pena, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente portanto, fins de prevenção – geral e especial – por um lado, e a sua limitação pela medida da culpa do agente, por outro. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a culpa, dirigida ao agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.).
Em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).
Aqui chegados.
2. Na sentença recorrida optou-se pela aplicação de pena privativa da liberdade, por se ter entendido serem prementes as necessidades de prevenção geral e por se fazerem sentir de forma acentuada as necessidades de prevenção especial, dado o registo da prática anterior de crimes estradais, a última em 2010, representando a conduta objecto do processo na demonstração do fracasso das penas de multa aplicadas na satisfação das exigências de prevenção isto é, na protecção dos bens jurídicos e na prevenção da prática de novos crimes pelo arguido.
A opção e argumentação de suporte afiguram-se-nos correctas. Explicando.
Como ponto prévio cabe dizer que a referência feita na fundamentação da sentença relativa à questão em análise [fls. 64, parte final do antepenúltimo parágrafo] a, «(…) última condenação sofrida pelo arguido ocorreu no dia anterior à prática dos factos em causa nos presentes autos.» parece resultar de um lapso, na medida em que os factos objecto do processo ocorreram a 21 de Janeiro de 2018 e a última condenação que o arguido regista data de 24 de Julho de 2012 [com trânsito em 4 de Outubro de 2012], conforme ponto 23 dos factos provados e certificado do registo criminal de fls. 15 a 33.
Quanto ao mais.
As condenações que constam do certificado do registo criminal do arguido, integradas, ao menos de forma implícita, no ponto 23 dos factos provados são:
- A prática, em 11 de Maio de 1997, de um crime de roubo, sancionado com pena de prisão suspensa na respectiva execução, por sentença de 4 de Novembro de 1997;
- A prática, em 12 de Março de 1996, de um crime de furto qualificado, sancionado com pena de prisão, por sentença de 24 de Setembro de 1999;
- A prática, em 24 de Outubro de 1998, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sancionado com pena de multa e pena acessória, por sentença de 4 de Novembro de 1999;
- A prática, em 14 de Fevereiro de 1998, de um crime de roubo, sancionado com pena de prisão, por sentença de 9 de Março de 2000;
- A prática, em 20 de Abril de 2002, de um crime de roubo, sancionado com pena de prisão suspensa na respectiva execução, por sentença de 5 de Maio de 2005;
- A prática, em 2 de Junho de 2007, de um crime de injúria, sancionado com pena de prisão suspensa na respectiva execução, por sentença de 14 de Julho de 2010;
- A prática, em 10 de Novembro de 2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sancionado com pena de multa e pena acessória, por sentença de 22 de Novembro de 2010;
- A prática, em 22 de Julho de 2012, de um crime de desobediência, sancionado com pena de multa e pena acessória [proibição de conduzir veículos com motor], por sentença de 24 de Julho de 2012;
- A prática, em 15 de Abril de 2010, de um crime de coacção, sancionado com pena de multa, por sentença de 25 de Maio de 2012.
O arguido nasceu a (…) 1964 [existe lapso no Relatório da sentença quando refere como data de nascimento «(…)1940», pois que o arguido, na audiência de julgamento, como consta da respectiva acta, a fls. 49, declarou ter nascido a (…) 1964, sendo esta também a data a que consta dos diversos boletins do certificado do registo criminal junto aos autos, de do auto de notícia de fls. 2 a 3 e do auto de constituição de arguido de fls. 4 e verso] pelo que, na data da prática dos factos, tinha cinquenta e três anos de idade. Regista nove anteriores condenações onde avulta a prática de crimes contra as pessoas e contra o património, por um lado, e a prática de crimes rodoviários, por outro, sendo que todos eles praticados em datas já distantes dos anos de juventude.
No que respeita a crimes rodoviários, foi condenado em Outubro de 1998 e Novembro de 2010, pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sempre em pena principal de multa. Directamente relacionado com este tipo de crime, há ainda que considerar a condenação pela prática de crime de desobediência, em Julho de 2012, posto qua a condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que neste lhe foi aplicada revela, atento o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 69º do C. da Estrada e no nº 3 do art. 152º do C. da Estrada, que a acção típica teve por objecto a recusa do arguido em sujeitar-se, enquanto condutor de veículo, a teste para detecção de álcool no sangue.
É claro que entre estas condenações e a prática dos factos que integram o objecto dos autos decorreram já alguns anos, mas tal não significa, contrariamente ao que parece entender o recorrente, que perderam qualquer relevo para aferir a adequação do seu comportamento ao longo do tempo relativamente às normas que protegem os bens jurídicos violados e à ameaça das respectivas sanções. Na verdade, o arguido vem praticando, não de forma massiva, mas com relativa periocidade, factos típicos ilícitos, revelando uma personalidade avessa ao direito, indiferente aos valores que devem reger a conduta de cada um e de todos os cidadãos em comunidade, com manifesta incapacidade para, após cada condenação sofrida, entender o desvalor da acção praticada e interiorizar a necessidade da respectiva censura, de modo a conduzir a sua vida sem cometer novos crimes. E no que aos crimes rodoviários e crime conexo respeita, é patente que as sucessivas condenações em pena de multa não obstaram a que o arguido, de uma vez por todas, tivesse deixado de ‘reincidir’.
Sendo evidentes as exigências de prevenção geral no que respeita à prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez pois, para além da inusitada frequência com que vem sendo praticado, tal como se refere na sentença recorrida, são trágicas as estatísticas rodoviárias nacionais, no que respeita ao número de mortos e feridos graves causados por acidentes de viação, para cuja produção em muito concorre a condução sob o efeito do álcool, são também notórias as exigências de prevenção especial, face aos traços da personalidade do arguido.

Assim, uma vez que as anteriores penas de multa não lograram dissuadir o recorrente da prática de novos crimes e, muito particularmente, de novos crimes rodoviários, as referidas exigências de prevenção, muito especialmente, de prevenção especial, não permitem a opção por pena principal não privativa da liberdade, já que tal opção, a ser tomada, atentas as exigências de prevenção in casu requeridas, seria muito provavelmente ineficaz, contribuindo apenas para a indesejável desacreditação da pena de multa enquanto pena criminal.
Em conclusão, não merece censura a opção feita na sentença recorrida por pena de prisão.
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS. (art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).
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Coimbra, 10 de Julho de 2018
(Heitor Vasques Osório – relator)
(Helena Bolieiro – adjunta)