Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
326/12.0TBLSA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
COMPENSAÇÃO
NORMAS IMPERATIVAS
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 102.º E SEG.S DO CIRE
Sumário: 1. As normas que fixam as compensações a que têm direito os credores de insolventes em caso de resolução de contratos são imperativas.

2. Assim, independentemente, de existir no contrato cláusula que a fixe de modo diverso, só se podem ter em conta as compensações previstas nos artigos 102.º e seg.s do CIRE, em caso de resolução de contratos celebrados com a insolvente.

3. Sendo a insolvente a locatária, o direito da credora reclamante com base no contrato de locação financeira que celebrou com a insolvente, corresponde à diferença, se positiva, entre o valor das prestações ou rendas e o valor da coisa, na data da recusa.

Decisão Texto Integral:

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , LD.ª, foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos principais, em 04.05.2012, já transitada em julgado, na qual foi fixado em 20 dias o prazo para a reclamação de créditos.

Em 21.04.2014, a senhora Administradora da Insolvência (AI) apresentou as relações de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa (CIRE), conforme resulta de fls. 2 a 5 e 6 a 11, respetivamente, tendo, posteriormente, a fls. 739-741, vindo juntar nova lista de créditos reconhecidos retificada de lapsos de ordem material.

Iniciado o prazo para as impugnações, foram deduzidas impugnações à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos pelos seguintes credores:

1) B..., Instituição Financeira de Crédito, S.A. (fls. 57), credor não reconhecido, arrogando-se credor da importância de 16.290,47€, respeitante aos valores em dívida por incumprimento do contrato de locação financeira celebrado com a devedora ora insolvente.

2) C..., S.A. (fls. 84 – anteriormente denominado BPN, Banco Português de Negócios, S.A.), credor não reconhecido, reclamando o crédito global de 43.932,95€, por decorrência do incumprimento de dois contratos de mútuo que identifica.

3) D...., S.A. (fls. 163), impugnou o não reconhecimento do seu crédito, alegando ser credor da quantia global de 105.168,34€, por decorrência do incumprimento de vários contratos que identifica, entre os quais, um contrato de mútuo, um contrato de abertura de crédito, um contrato de locação financeira mobiliária e um contrato de swap.

4) E... , S.A., (fls. 260), credor não reconhecido, reclamando o crédito global de 35.970,00€, acrescido de juros de mora, decorrente do incumprimento do contrato de locação financeira, que teve por objeto o veículo com a matrícula IM... ;

5) F... , S.A. (fls. 274), impugnou com fundamento na incorreção do valor do crédito reconhecido, e que alega ascender 29.975,48€;

6) H... , S.A. (fls. 321), credor não reconhecido, reclamou o crédito global de 76.463,34€, decorrente dos incumprimentos dos contratos de financiamento celebrados a 09.12.2008 e 16.12.2010.

7) G... , Ld.ª (fls. 406), impugnou o não reconhecimento do seu crédito, alegando ser credor da quantia global de 7.041,18€, referente a fornecimento de bens e a prestação de serviços executados.

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A senhora AI respondeu à impugnação dos credores, a fls. 422-434 (originais a fls. 808-814), alegando, em síntese, o seguinte:

1) Da impugnação do B... , Instituição Financeira de Crédito, S.A. - mantém a posição anteriormente assumida, referindo que não dispõe de elementos suficientes para reconhecer o seu crédito;

2) Da impugnação do C... , S.A. - em face da documentação agora apresentada pelo impugnante, e com exceção dos valores reclamados a título de despesas, reconheceu os créditos comuns de 32.222,02€ e de 8.567,18€, acrescidos dos respetivos juros remuneratórios, moratórios e impostos de selo;

3) Da impugnação do C... , S.A. - mantém a posição anteriormente assumida, referindo que não dispõe de elementos suficientes para reconhecer o seu crédito;

4) Da impugnação de E... , S.A. - mantém a posição anteriormente assumida, referindo que não dispõe de elementos suficientes para reconhecer o seu crédito;

5) Da impugnação do F... , S.A. - em face da documentação agora apresentada pelo impugnante, e para além do valor já antes reconhecido, reconheceu ainda os créditos de 11.949,47€ e de 15.069,73€, acrescidos dos respetivos juros de mora e impostos de selo;

6) Da impugnação do H... , S.A. - em face da documentação agora apresentada pelo impugnante, reconheceu o crédito comum de 68.794,95€;

7) Da impugnação de G... , Ld.ª - mantém a posição anteriormente assumida, referindo que não dispõe de elementos suficientes para reconhecer o seu crédito.

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Foi realizada a tentativa de conciliação, a que alude o artigo 136.º, n.º 1, do CIRE, conforme resulta da respetiva ata de fls. 827-829, na qual, por acordo, foram aprovados os seguintes créditos:

- Crédito reclamado pelo credor C... , S.A., nos termos expostos na resposta à impugnação, com o acréscimo das despesas reclamadas, no valor 4% (indexados aos montantes globais), acrescido do montante respeitante a IVA;

- Crédito reclamado pelo credor F... , S.A., nos termos expostos na resposta à impugnação;

- Crédito reclamado pelo H... , S.A., nos termos expostos na resposta à impugnação.

Porque se vislumbrou a possibilidade real de ser obtido acordo relativamente aos credores impugnantes C... , S.A., E... , S.A., e G... , Ld.ª, foi concedido o prazo de 10 dias para que os mesmos apresentassem a documentação necessária.

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Apresentada a documentação em causa, veio a senhora AI aos autos:

- A fls. 873-874, reconhecer, em face dos elementos apresentados, o crédito de G... , Ld.ª, nas quantias de 5.571,91€, com natureza comum, e 28,41€, com natureza subordinada;

- A fls. 908-909, reconhecer o crédito comum do E... , S.A., na quantia global de 18.043,64€, com base nos documentos juntos a fls. 900 e 901, que comprovam o valor de venda do veículo, com a dedução das inerentes despesas;

- A fls. 911 e v.º, reconhecer o crédito comum do C... , S.A., na quantia global de 83.416,94€, sendo 0,97€ de natureza subordinada.

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 Os credores G... , Ld.ª, a fls. 905-906, e C... , S.A., 912-913, vieram expressamente aceitar o reconhecimento dos seus créditos, tal como agora indicados pela senhora AI.

O credor E... , S.A., a fls. 920 e 921, declarou não aceitar o reconhecimento do seu crédito nos termos indicados pela senhora AI.

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A fls. 922-927, o credor B... , Instituição Financeira de Crédito, S.A. (agora designada BB... , Instituição Financeira de Crédito, S.A.), notificada para o efeito, veio referir que, à data da recusa do cumprimento do contrato de locação, encontravam-se vencidas as rendas n.ºs 30 a 34, somando 10.009,80€, a que acrescem mais 14 rendas vencidas e o valor residual contratualizado, num total de 30.025,81€. Após a retoma do veículo, o mesmo foi vendido por 34.194,00€, pelo que entende dever ser-lhe reconhecido o crédito de 16.290,47€, com base nas cláusulas contratuais convencionadas.

Juntou documento comprovativo do valor da venda do veículo.

Respondeu a senhora AI, a fls. 929-931, referindo que, em face do valor da venda agora indicado, o impugnante não tem direito a receber qualquer quantia.

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Tendo em atenção o levantamento da apreensão dos veículos melhor identificados no despacho que faz fls. 38 do apenso de apreensão de bens (apenso A), mostram-se apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens:

1) Trator de mercadorias com a matrícula FM... ;

2) Trator de mercadorias com a matrícula BT... ;

3) Trator de mercadorias com a matrícula CH... ;

4) Trator de mercadorias com a matrícula UT... ;

5) Semi-reboque com a matrícula L-...;

6) Semi-reboque com a matrícula L-...;

7) Semi-reboque com a matrícula L-...;

8) Semi-reboque com a matrícula L-...;

9) Semi-reboque com a matrícula L-...;

10) Semi-reboque com a matrícula L-...;

11) Bens móveis;

12) Saldo bancário na conta n.º (...) do F... , S.A.;

13) 380 ações representativas de capital da sociedade I..., S.A.;

14) Quantia em dinheiro titulado por cheque;

15) Saldo bancário na conta n.º (...) , aberta no F... , S.A., todos melhor identificados nos respetivos autos de apreensão juntos ao aludido apenso A, a fls. 5, 7 a 18 e 31, respetivamente.

Por se entender que a questão a decidir é apenas de direito e os autos já conterem todos os elementos para tal, foi, de imediato, proferida a sentença de fl.s 932 a 941 v.º, na qual se procedeu ao saneamento dos autos e se fixou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final, se decidiu o seguinte:

“Por todo o exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, decide-se:

A) Julgar improcedente a impugnação apresentada por B... , Instituição Financeira de Crédito, S.A., não se lhe reconhecendo qualquer crédito sobre a insolvente;

B) Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida por E... , S.A., e, consequentemente, julgar reconhecido o crédito comum no valor de 18.043,64€ (dezoito mil, quarenta e três euros e sessenta e quatro cêntimos);

C) Julgar verificados os créditos dos impugnantes C... , S.A., C... , S.A., F... , S.A., H... , S.A., e G... , Ld.ª, nos precisos termos que resultaram da tentativa de conciliação realizada nos autos e, bem assim, que se mostram indicados a fls. 873-874 e 911 e v.º, que aqui se dão por reproduzidos;

D) Julgar verificados os demais créditos constantes da lista de credores reconhecidos pela senhora Administrador da Insolvência, constante de fls. 739-741 (processo em papel);

E) Graduar os créditos do seguinte modo:

- Em relação às ações representativas do capital da sociedade I... , S.A.:

1) Em primeiro lugar, o crédito pignoratício da credora I... , Sociedade de Garantia Mútua, S.A.;

2) Em segundo lugar, os créditos laborais dos credores trabalhadores;

3) Em terceiro lugar, os créditos privilegiados do ISS, I.P.;

4) Em quarto lugar, os créditos comuns, procedendo-se a rateio entre todos, se necessário.

- Em relação aos demais bens apreendidos para a massa insolvente:

1) Em primeiro lugar, os créditos laborais dos credores trabalhadores;

2) Em segundo lugar, os créditos privilegiados do ISS, I.P.;

3) Em terceiro lugar, os créditos comuns, procedendo-se a rateio entre todos, se necessário.

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Quanto aos créditos sujeitos a condição deverá ter-se oportunamente em conta o disposto no artigo 181.º do CIRE.

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As dívidas da massa insolvente (artigo 51.º do CIRE) serão pagas nos termos previstos no artigo 172.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE.

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Custas a cargo da massa insolvente (artigo 304.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas).”.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso, a credora reclamante, BB... Instituição Financeira de Crédito, SA, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos de reclamação de créditos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 965), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

A. O presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos que julgou improcedente a impugnação deduzida pela aqui recorrente e, consequentemente, não lhe foi reconhecido qualquer crédito sobre a insolvente “ A... , LDA.”, tem assim por base, a decisão que se acabou referir, com a qual, a aqui recorrente não pode concordar pelos motivos que se explanarão de seguida.

B. No âmbito dos autos principais de insolvência, a aqui recorrente, apresentou uma reclamação de créditos, na qual reclamou o pagamento dos seguintes créditos sobre a insolvente: i) € 4.041,31 (quatro mil e quarenta e um euros e trinta e um cêntimos) correspondente a crédito vencido; ii) € 11.023,26 (onze mil e vinte e três euros e vinte e seis cêntimos) correspondente à indemnização, na hipótese de a Senhora Administradora de Insolvência optar pelo não cumprimento do contrato de locação financeira n.º 98113361 (o que veio a suceder) e; iii) € 38.951,49 (trinta e oito mil novecentos e cinquenta e um euros e quarenta e nove cêntimos), na hipótese de a Senhora Administradora de Insolvência optar pelo cumprimento do aludido contrato.

C. Tendo em conta que a Senhora Administradora de Insolvência, devidamente notificada para o efeito, veio declarar que não pretendia dar cumprimento ao contrato de locação financeira n.º 98113361, a aqui recorrente promoveu pela resolução do mesmo e requereu a separação e entrega do bem objeto do contrato de locação, o que veio a suceder.

D. A Senhora Administradora de Insolvência entendeu não reconhecer o crédito reclamado pela “ BB... ” uma vez que “não foi junta prova bastante do montante em dívida à data a insolvência”.

E. Salvo melhor entendimento, a aqui recorrente deu integral cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 128.º do CIRE no seu articulado de reclamação de créditos, uma vez que indicou a proveniência do seu crédito, a data do vencimento, o número de rendas vencidas e não pagas e a correspondência no respectivo plano financeiro do contrato de locação financeira, bem como o valor unitário das rendas mensais e taxa de juro legal aplicada aos montantes vencidos e não pagos.

F. Acresce que, a própria insolvente na sua petição inicial indicou o crédito da aqui recorrente no montante de € 35.900,68 e, a existência do contrato de locação financeira relativamente ao Tractor de marca DAF, modelo FT, com a matrícula HQ.....

G. Por outro lado, atenta a decisão da Senhora Administradora de Insolvência em não cumprir com o contrato de locação financeira, a aqui recorrente, por carta registada datada de 31 de Agosto de 2012, procedeu à resolução do contrato de locação financeira mobiliária n.º 98113361 e, reclamou o pagamento da quantia de € 16.290,47 (dezasseis mil duzentos e noventa euros e quarenta e sete cêntimos) correspondente ao somatório das rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros e bem ainda, uma indemnização correspondente a 20% da soma das rendas vincendas, mais o valor residual contratualizado – cfr. Resulta da cláusula décima sétima das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira junto aos autos.

H. Na sequência da resposta à impugnação deduzida pela “ BB... ”, a Senhora Administradora de Insolvência acaba por referir e admitir nos artigos 12.º a 14.º que, pelo menos à data da declaração de insolvência encontrava-se vencida e não paga a trigésima renda, cujo valor global ascendia a € 2.015,09 (€ 2.002,80 + € 12,29). Contudo entendeu que não tinha como apurar o crédito que a “ BB... ” detinha sobre a insolvente, atento os efeitos previstos no artigo 104.º n.º 5 do CIRE e o facto de a aqui recorrente não ter indicado o valor de venda do equipamento objeto do contrato.

I. E, na sequência da notificação efetuada pelo tribunal “a quo”, a aqui recorrente informou os autos que, o tractor objecto do contrato de locação financeira foi vendido pelo valor de € 34.194,00 (trinta e quatro mil novecentos e noventa e quatro euros).

J. O tribunal “a quo” na posse das informações supra referidas, entendeu na sentença objecto do presente recurso que, atento o disposto no artigo 104.º n.º 5 do CIRE, o valor da coisa locada na data da recusa (€ 34.194) era superior ao valor reclamado (€ 4.041,33 + 11.023,36) e, como tal, decidiu não reconhecer qualquer crédito à aqui recorrente.

K. Algo com o qual, a aqui recorrente não pode concordar, isto porque, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 104.º do CIRE “os efeitos da recusa de cumprimento pelo administrador, quando admissível, são os previstos no n.º 3 do artigo 102.º, entendendo-se que o direito consignado na respectiva alínea c) tem por objecto o pagamento, como crédito sobre a insolvência, da diferença, se positiva, entre o montante das prestações ou rendas previstas até final do contrato, actualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no n.º 2 do artigo 91.º, e o valor da coisa na data da recusa, se a outra parte for o vendedor ou locador, ou da diferença, se positiva, entre este último valor e aquele montante, caso ela seja o comprador ou o locatário” (itálico e negrito nosso).

L. Assim, afigura-se que estamos perante dois tipos de crédito: o crédito correspondente às rendas vencidas e não pagas até à data da declaração de insolvência – no montante € 2.015,09 – e os créditos vencidos após a declaração de insolvência.

M. Quanto ao crédito correspondente à trigésima renda, referido no número anterior, dúvidas parecem não subsistir que o mesmo existe e que, constitui um crédito sobre a insolvência.

N. E isso mesmo parece resultar da informação prestada pela Sr. Administradora de Insolvência no requerimento junto aos autos no dia 19 de Março de 2014!! Aquela, não nega a existência do valor em dívida correspondente àquela renda, aliás confessa até a sua existência, todavia refere não dispor de elementos para efetuar o cálculo nos termos do disposto no artigo 104 n.º 5 do CIRE.

O. Aqui chegados, salvo melhor entendimento, afigura-se que o tribunal “a quo” interpretou erradamente os valores de € 4.041, 33 e de € 11.023,36, respetivamente, indicados pela aqui recorrente.

P. O primeiro corresponde às rendas trigésima e trigésima primeira (ainda que em bom rigor apenas a primeira se mostrasse vencida e não paga à data da declaração de insolvência); já a quantia de € 11.023,36 corresponde ao somatório daquelas duas rendas, com o valor correspondente à indemnização calculada nos termos do disposto no artigo 17.º das Cláusulas Contratuais Gerais previstas no Contrato de Locação Financeira (à data da elaboração da reclamação de créditos).

Q. Contudo, o n.º 5 do artigo 104.º do CIRE faz alusão expressa ao “montante das prestações ou rendas previstas até final do contrato, actualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no n.º 2 do artigo 91.º, e o valor da coisa na data da recusa” (itálico e negrito nosso).

R. Ora, o valor das rendas previstas até final do contrato – conforme referido pela recorrente no artigo 14.º da sua reclamação de créditos – ascendia a € 38.951,49 (trinta e oito mil novecentos e cinquenta e um euros e quarenta e nove cêntimos).

S. Ainda que se admita que no valor supra referido (€ 38.951,49), se possa entender que será de excluir o valor correspondente à trigésima renda (€ 2.002,80) uma vez que a mesma se venceu ainda antes da declaração de insolvência da sociedade “ A... ”, deveria ser considerado o montante de € 36.948,69 (trinta e seis mil novecentos e quarenta e oito euros e sessenta e nove cêntimos).

T. E assim sendo, deveria ser reconhecido um crédito sobre a insolvência à aqui recorrente no valor de € 2.754,69 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos) correspondente à diferença entre as rendas previstas no contrato de locação até final e “o valor da coisa na data da recusa”.

U. A este montante, deverá igualmente acrescer, a quantia de € 2.015,09 (dois mil e quinze euros e nove cêntimos) correspondente à trigésima renda, acrescida dos juros de mora e, assim sendo, no mínimo deveria ter sido reconhecido à aqui recorrente, a quantia de € 4.769,78 (quatro mil setecentos e sessenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), atento tudo quanto acabou de se referir.

V. Sem prejuízo de tudo quanto se alegou, entende contudo a recorrente ter direito a ver reconhecido o crédito por si reclamado no valor de € 16.290,47 (dezasseis mil duzentos e noventa euros e quarenta e sete cêntimos), correspondente às rendas vencidas e não pagas à data da resolução, juros de mora e à indemnização contratualmente prevista, o que desde já se requer.

W. Ao decidir como decidiu, a sentença proferida efectuou uma incorreta interpretação dos normativos legais aplicáveis, nomeadamente o disposto nos artigos 46.º, 47.º, 91.º, 102.º n.º 3 e 104.º n.º 5 do CIRE, pelo que deverá a mesma ser revogada e, proferida sentença a julgar desde logo, a impugnação deduzida pela aqui recorrente procedente e, nessa medida, reconhecido o crédito por si reclamado.

Nestes termos, o presente Recurso deve merecer provimento, e, consequentemente, anular a decisão recorrida, nos termos supra referidos.

Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se deve ou não, ser reconhecido o crédito reclamado pela ora recorrente, com base no contrato de locação financeira que celebrou com a insolvente e, a sê-lo, em que montante.

É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida (no que respeita ao crédito aqui em discussão):

A. Entre o credor impugnante e a devedora insolvente foi outorgado escrito particular, denominado «contrato de locação financeira mobiliária n.º 98113361», no dia 28.04.2009, tendo por objeto da locação o veículo pesado (trator) com a matrícula HQ...., no valor de 84.359,11€ (s/IVA), com início em 05.11.2009, por 48 meses, sendo a periodicidade das rendas mensais, com o valor de 1.638,57€ cada, exceto a primeira que era no valor de 12.653,87€, e com o valor residual de 1.687,18€;

B. A aqui devedora foi declarada insolvente por sentença proferida em 04.05.2012;

C. A ora impugnante, nos termos do disposto no artigo 128.º do CIRE, reclamou junto da senhora AI o crédito vencido de 4.041,33€, referentes às rendas n.ºs 30 e 31, de 05.04.2012 e 05.05.2012, respetivamente, no montante global de 4.041,33€, o qual, no caso de recusa de cumprimento do contrato de locação financeira mobiliária, passaria, nos termos contratualmente acordados, para 11.023,36€ (ou para 38.951,49€, no caso de se optar pelo cumprimento do mesmo;

D. À data da declaração de insolvência, 04.05.2012, a ora devedora insolvente não havia procedido ao pagamento da renda n.º 30, vencida em 05.04.2012, no valor de 2.002,80€ (1.628,29€ + IVA à taxa de 23%);

E. A senhora AI veio a optar, em 09.08.2012, pela recusa do cumprimento do aludido contrato de locação financeira, tendo o veículo objeto do mesmo sido separado da massa insolvente e restituído à ora credora impugnante;

F. Com a data de 26.10.2012, foi emitida nota de lançamento n.º 54224, no valor de 34.194,00€, respeitante à venda do veículo com a matrícula HQ.....

Se deve ou não, ser reconhecido o crédito reclamado pela ora recorrente, com base no contrato de locação financeira que celebrou com a insolvente e, a sê-lo, em que montante.

Defende a recorrente que deve ser reconhecido o seu crédito, porque o montante de 4.041,33 €, corresponde às rendas 30.ª e 31.ª, vencidas e não pagas à data da insolvência e o de 11.023,36 €, corresponde ao somatório daquelas rendas, com o valor correspondente à indemnização calculada nos termos do disposto no artigo 17.º das Cláusulas Contratuais Gerais, que fazem parte do Contrato de Locação Financeira em causa.

Acrescenta que, cf. artigo 104.º, n.º 5 do CIRE, são de ter em conta os montantes das prestações ou rendas previstas até final do contrato, actualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do n.º 2 do seu artigo 91.º, e o valor da coisa na data da recusa.

Atento a que o valor das rendas previstas até final do contrato ascendia a 38.959,49 € e o bem foi vendido por 34.194,00 €, sempre terá direito, pelo menos, à quantia de 4.769,78 €; sem prejuízo de entender, em face do clausulado no referido artigo 17.º, que terá direito a receber todas as quantias que refere no requerimento de reclamação de créditos; o qual (crédito), assim, lhe deverá ser reconhecido, na totalidade.

Ao invés, na sentença recorrida, considerou-se que, por aplicação do disposto no artigo 104.º, n.º 5, do CIRE, tendo em conta o valor da coisa locada, na data da recusa – 34.194,00 € - e o montante reclamado, nenhum crédito detém a reclamante sobre a insolvente.

O crédito aqui reclamado – o que as partes aceitam – teve origem num contrato de locação financeira, tendo por objecto, uma viatura automóvel, em que a ora insolvente assumiu a posição de locatária, sendo que o referido contrato ainda se encontrava vigente, aquando da declaração de insolvência.

O crédito aqui reclamado, cf. al. B), dos factos provados, em caso de recusa de cumprimento do contrato por parte da Administrador da Insolvência (como veio a ocorrer), ascende aos montantes de 4.041,33 €, referente às rendas n.º 30 e 31 e de 11.023,36 €, em conformidade com a previsão da referida Cláusula 17.ª.

Uma vez que a A.I. optou pela resolução do contrato, tem aplicação o disposto no artigo 102.º, n.º 3, al. c), do CIRE, segundo o qual, sem prejuízo do direito à separação da coisa, se confere à outra parte o direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada.

Mas, por outro lado, tem, ainda, de se ter em conta o disposto no artigo 104.º, n.º 5, do CIRE, de acordo com o qual:

“Os efeitos da recusa de cumprimento pelo administrador, quando admissível, são os previstos no n.º 3 do artigo 102.º, entendendo-se que o direito consignado na respetiva alínea c) tem por objeto o pagamento, como crédito sobre a insolvência, da diferença, se positiva, entre o montante das prestações ou rendas previstas até final do contrato, atualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no n.º 2 do artigo 91.º, e o valor da coisa na data da recusa, se a outra parte for o vendedor ou locador”.

Ora, atento a que, cf. alínea F), dos factos provados, o veículo locado foi vendido pelo montante de 34.194,00 €, tal como considerado na sentença recorrida, inexiste qualquer diferença positiva, entre o valor do bem, na data relevante, e o crédito reclamado (16.290,47 €).

De realçar que, as normas que fixam as compensações a que têm direito os credores de insolventes, em caso de resolução de contratos, como o ora em apreço, são imperativas – cf. artigo 119.º, n.os 1 e 2, do CIRE.

Assim, independentemente, de existir no contrato cláusula que a fixe de modo diverso, só se podem ter em conta as compensações previstas nos artigos 102.º e seg.s do CIRE, em caso de resolução de contratos celebrados com a insolvente – neste sentido, o Acórdão desta Relação, de 25 de Março de 2014, Processo n.º 3468/12.9TJCBR-B.C1, disponível no respectivo sítio do itij.

Rege, pois, o disposto no citado artigo 104.º, n.º 5 e, por isso, porque a insolvente era a locatária, o direito da reclamante, “corresponde à diferença, se positiva, entre o valor das prestações ou rendas e o valor da coisa, na data da recusa” – neste sentido, veja-se Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág.s 492 e 493 e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 2009, pág.s 147 e 148. 

Consequentemente, é de manter a decisão recorrida, a qual, não sofre dos vícios que lhe assaca a recorrente.

Assim, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso, em função do que se mantém a sentença recorrida.

As custas do presente recurso, são a suportar pela apelante.

Coimbra, 12 de Setembro de 2017.