Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
730/11.1T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
SENTENÇA – FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART.º 374º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: 1. A sentença proferida em recurso de decisão administrativa que aplicou uma coima tem de obedecer aos requisitos referidos no artigo 374º, do Código de Processo Penal.
2. Violando a sentença recorrida o dever de fundamentação, conforme o consignado no n.º 2, do referido artigo 374º, tal conduz à respectiva nulidade, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. a), do mesmo Código.
Decisão Texto Integral:

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I. Relatório

1. No âmbito do Processo Impugnação Judicial n.º 730/11.1T2AVR – que correu termos na Comarca do Baixo Vouga, Aveiro – Juízo de Média Instância Criminal – Juiz 1, com origem nos Autos de Contra – Ordenação nº 1935/07.5EACBR, por sentença de 16.12.2011, foi julgado improcedente a impugnação judicial e mantida na integra a decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, de 28.10.2010, que condenou a arguida, ora recorrente, “W... Hipermercados, SA” pela prática de duas contra-ordenações, previstas respectivamente pelo artigo 5º, nº 1 [não envio de original de reclamação] e nº 2 [não entrega de duplcado de reclamação] do D.L n.º 156/2005, de 15 de Setembro e puníveis pelo artigo 9º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal, nas coimas de € 5.000 e € 5.000 e, operado o cúmulo, na coima única de € 6.000.

2. Inconformada recorreu a arguida, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

a) No dia 16/08/2007, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica efectuou uma visita ao estabelecimento da arguida, sito em Aveiro. No decurso de tal inspecção foi detectado que no Livro de Reclamações daquele estabelecimento se encontrava ainda o original de uma reclamação (8150415) que, em tempo, não fora enviada para a autoridade competente. Foi ainda detectada a existência no Livro do duplicado destinado ao reclamente da reclamação nº 8150408.
Isto posto,
b) Importa referir que os factos em causa passaram-se em 20 de Julho e 2 de Agosto de 2007.
c) Atenta a moldura da coima em causa o prazo máximo da prescrição é de 4 anos e meio. Não tendo existido qualquer causa de suspensão da prescrição.
d) Prescervendo, cada uma das contra-ordenações, em 20 de Janeiro e em 2 de Fevereiro de 2012, respectivamente.
Por outro lado,
e) Relativamente à Reclamação 8150415, a mesma apenas não foi enviada para a Autoridade, por mero lapso do funcionário da Arguida responsável pelo envio.
f) Porém, por mero lapso, e contrariando as instruções dadas pela Arguida, não procederam os seus funcionários ao envio da reclamação para a autoridade.
g) Isso mesmo foi referido pela testemunha … na audiência de discussão e julgamento e deveria ter sido dado por provado na douta Sentença que aqui se recorre.
h) Porém, atenta até a matéria em causa na reclamação supra identificada, fácil se torna de constatar que não pretendeu a Arguida esconder a situação omitindo o envio da reclamação em causa.
i) Isso mesmo parece aceitar a douta sentença que aqui se recorre pela consideração da culpa na modalidade negligente não fazendo, porém, reflectir tal juízo no momento do cálculo da coima concretamente aplicável.
Por outro lado ainda,
j) Relativamente à Reclamação nº 8150408, cujo duplicado não foi levado pelo reclamante, vem a Arguida acusada de não o ter remetido juntamente com o original envioado para a ASAE.
k) Antes de mais se esclareça, como já consta dos autos, que o original da reclamação aqui em causa foi atempadamente enviado para a ASAE.
l) Porém, os funcionários da arguida não procederam ao envio conjunto do duplicado destinado ao cliente, desde logo, por tal obrigação não resultar em lado algum do já referido diploma legal e, em segundo lugar, por desconhecerem que, quando o reclamante não pretende levar consigo o duplicado da reclamação é entendimento da ASAE que o mesmo lhe deve ser remetido com o envio do original da reclamação.
m) Por outro lado, a Arguida não tem como obrigar os reclamentes a levarem consigo o duplicado da reclamação que lhes é destinado.
n) Na própria folha de reclamação se refere que um dos duplicados é destinado ao cliente reclamente.
o) Não tendo sido, em momento algum, negado a entrega de tal duplicado ao cliente. Facto, esse sim, que a lei sanciona.
p) A não entrega, por causa que não foram apuradas nos autos não consubstancia a prática de qualquer infracção.
q) Aliás, o não envio de tal duplicado não trouxe qualquer benefício ou permitiu à Arguida ocultar o que fosse, dado que ela já tinha enviado o original da Reclamação, não existindo qualquer motivo para não querer enviar o duplicado ou entrega-lo ao reclamante.
r) Em lado algum do Decreto – Lei nº 156/2005 de 15.09, é referida a situação dos presentes autos.
Por fim,
s) Segundo o art. 9º, nº 1 a) do DL 156/2005, a infracção aqui em causa constitui contra-ordenação, punível pelas entidades fiscalizadoras com coima no valor mínimo de € 3 500,00 e máxima de € 30 000,00.
t) Estabelece o nº 1 do Artº 18º do D.L nº 433/82, que a determinação da medida da coima se estabelece em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefíccio económico que este retirou da prática da contra – ordenação.
u) Pela análise detalhada da douta sentença que aqui se recorre fácil é constatar que não foram ponderados todos os requisitos legais fundamentais para a determinação da medida da ccoima, o que impossibilita a tomada duma decisão justa, equilibrada e proporcional.
v) Sempre foi de grande preocupação por parte da arguida, dar indicações aos seus vários funcionários para procederem correctamente no tratamento das reclamações, não só na disponibilização imediata dos livros de reclamações aos clientes, assim como do envio dos originais da mesma para a autoridade.
w) Aliás, a Arguida possui centenas de estabelecimentos em todo o país e raramente se vê envolvida em processos como o presente.
x) A Arguida preza o respeito pelos direitos dos seus clientes cumprindo sempre de forma escrupulosa todas as disposições legais destinadfas à salvagurada dos mesmos.
y) Para além disto, a arguida possui, na sua estrutura, um departamento legal que visa precisamente prestar apoio aos vários estabelecimentos, nos casos de dúvidas procedimentais, de forma a evitar que lapsos como aqueles que deram origem aos presentes autos não se verifiquem.
z) O n.º 2 do art. 7º do D.L. 433/82, estabelece a responsabilidade das pessoas colectivas pelas contra ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício de suas funções.
aa) Acerca disso, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República deliberaram em forma de parecer publicado no Diário da República, II série de 28.05.95, que “Fica excluída essa responsabilidade se se demonstrar que o agente actuou contra ordens ou instruções expressas da pessoa colectiva ou que actuou exclusivamente no seu próprio interesse”. (Pereira, António Beça; Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas, Almedina, pags. 34 e 35).
bb) Os factos acima descritos permitem-nos concluir qu a arguida não agiu com dolo, nem mesmo com negligência, como propõe a referida decisão.
cc) Porém, desde a data da inspecção, e seguindo a recomendação dada pelos Srs. Inspectores, a Arguida procede ao envio de todas as reclamações.
dd) Além disso, ainda que se estabeleça que a arguida agiu de forma negligente, é excessivo o valor da coima.
ee) O grau da culpa é elemento essencial para a medida concreta da coima a aplicar, não se provando o grau de culpa, não podia nunca ser aplicado o valor em causa.
ff) A este propósito vale a pena lembrar a conclusão I do Ac. do STJ de 24.05.95 Pº nº 47386/3ª, “I – Toda a pena tem de ter como suporte axiológico – normativo uma culpa concreta, o que significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da sanção”.
gg) Por fim, também não foi quantificado o benefício que a arguida retirou com a prática da infracção, pelo que também este elemento não foi considerado para a fixação concreta da medida da pena.
hh) Como não houve tal proveito por parte da arguida, não deve à mesma ser imputada tal obrigação.
ii) Não se provando o grau de culpa e o benefício económico, não podia nunca ser aplicado o valor constante da decisão administrativa e confirmada na douta sentença que aqui se recorre.
jj) Ainda que agindo de forma negligente, o valor aplicado como coima é exorbitante e não é, em hipótese alguma, proporcional à prática da infracção em questão, pelo que, considerando-se que a arguida deve ser condenada no pagamento da coima, lhe seja aplicada a coima pelo valor mínimo.
kk) Punir uma sociedade que cumpre e sempre cumpriu, que gasta centenas de milhares de euros anualmente para prevenir situações como a presente por uma falha que não se traduziu, no caso concreto, em nenhum prejuízo para nenhum dos reclamantes ou em nenhum benefício para si mesmo é manifestamente desproporcional.
ll) Diariamente são punidos Arguidos de forma mais branda por situações que seguramente exigiriam maiores cuidados de prevenção geral e especial.
mm) Mostram-se assim violados os Arts.º 18 do D.L. nº 433/82 e Artº 71º do C. Penal.
nn) Razão pela qual deve a Arguida ser condenada numa pena de admoestação por se revelar suficiente a solene censura da sua conduta.
oo) Quando assim não se entenda – o que, desde logo, se rejeita, em virtude dos factos trazidos para o processo – deverá a coima ser reduzida ao mínimo legal.

Nestes termos e nos demais aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que seja proferido douto Acórdão que revogando a douta sentença proferida absolva a Arguida dos factos de que vem acusada.
Mesmo que assim não se entenda, deve a coima aplicada ser substituída por pena de admoestação por se mostrar suficiente a solene censura da conduta da Arguida deve a arguida ser absolvida dos factos de que é acusada.
Quando assim não se entender, deve a coima aplicada à Arguida ser reduzida ao mínimo legal.

3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, invocando, em síntese, não se encontrar prescrito o procedimento contra-ordenacional, bem como, perante, a matéria de facto apurada, mostrarem-se as coimas, parcelares e conjunta, adequadas às circunstâncias do caso, pugnando, em consequência, pela improcedência do recurso com a manutenção da decisão recorrida – [cf. fls. 172/178].

4. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 179].

5. Na Relação, o Ilustre Procurador – Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 186 a 189, no qual, sufragando, no essencial, a posição defendida na 1.ª instância pelo Ministério Público, se pronunciou no sentido de o recurso não merecer provimento.
6. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

É pacifica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões de natureza oficiosa - [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ nº 7/95, DR., I – A Série, de 28.12.95].
No caso em apreço, considerando, desde logo, a limitação dos poderes deste tribunal no conhecimento do recurso [cf. artigo 75º RGCO], em princípio, constituem questões a decidir:
- Saber se ocorre a prescrição do procedimento contra-ordenacional;
- Se resultam violados os artigos 18º do D.L. n.º 433/82, de 27.10 e 71º do Código Penal, além do mais por o tribunal não ter adequado o montante da coima à conduta, supostamente, negligente;
- Se era caso de aplicação da medida de admoestação.

2. A decisão recorrida

No que respeita aos factos provados ficou a constar da sentença recorrida:

“Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 20 de Julho de 2007, … dirigiu-se ao estabelecimento hoje pertencente à arguida – W... Hipermercados SA, na altura … SA, e descontente com o serviço prestado, apresentou uma reclamação, no respectivo livro (8150408).
2. No entanto, o duplicado dessa reclamação não lhe foi entregue.
3. O referido cliente em alturta nenhuma desistiu da reclamação.
4. No dia 02/08/07, … dirigiu-se ao estabelecimento hoje pertencente à arguida – W... Hipermercados SA, na altura … SA, e descontente com o serviço prestado, apresentou uma reclamação, no respectivo livro (8150415).
5. O original da reclamação nunca foi enviado para a ASAE.
6. A arguida conhecia a obrigação legal de enviar os originais das reclamações à ASAE bem como a obrigação de entregar os duplicados das reclamações aos clientes, tendo a obrigação de providenciar que os seus funcionários cumpram essas obrigações.

Quanto aos factos não provados, mostra-se consignado:

Não se provou que:
- A arguida facultasse formação aos seus funcionários destinada a conhecer o teor da legislação atinente ao livro de reclamações.
- Relativamente à reclamação 8150415 (não envio do original à ASAE), o problema ficasse resolvido com o cliente, referindo o mesmo que a reclamação poderia ser esquecida.
- Relativamente à reclamação 8150408 (não entrega do duplicado ao cliente), o cliente desistisse da reclamação, escrevesse na folha de reclamação “anulada” e não quisesse levar consigo o duplicado.
- A arguida tivesse qualquer benefício com as infracções.

Em sede de fundamentação da matéria de facto ficou exarado:

“O tribunal fundou a sua convicção:
- no teor do auto de notícia bem como no teor dos docs. Junto a fls. 3 e 4.
- no depoimento das testemunhas … e … , isnpectoras da ASAE que procederam à inspecção e constataram os factos acimas descritos.
Mais referiu a testemunha … que na reclamação cujo duplicado não fora entregue ao cliente, havia a menção de anulado mas sem que existisse qualquer assinatura do cliente.
- No depoimento da testemunha … que confirmou ter efectuado a reclamação acima mencionada. Refere que nunca desistiu da reclamação, embora nunca tivesse tido qualquer resposta quer do … quer da ASAE.
- No depoimento da testemunha … que confirmou ter efectuado a reclamação acima referida. Mais disse que não desistiu da reclamação.
- No depoimento da testemunha … que era na altura a responsável pelo envio das reclamações para a ASAE, referindo que as mesmas sempre foram enviadas. Mais disse que quando um cliente desiste de uma reclamação, tem de assinar ele mesmo a anulação.
No momento em que ocorreram as duas situações retratadas nos autos estava de baixa e licença de maternidade, só retornando ao serviço em Janeiro de 2008.
Não tem explicação para o que aconteceu”.

3. Apreciando

a.

Invoca a recorrente a prescrição do procedimento contra – ordenacional.

Vejamos, pois, se lhe assiste razão.

Por decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, de 28.10.2010, foi a arguida, ora recorrente, condenada pela prática de duas contra – ordenações, p. e p. pelo artigo 5º, nºs 1 e 2 e 9º, nº 1, al. a) do D.L. nº 156/2005, de 15 de Setembro, decisão essa que, na sequência da impugnação judicial por si intentada, foi confirmada por sentença de 16.12.2011, a qual julgando improcedente a impugnação, manteve a decisão recorrida.
Nos termos do artigo 5º do citado diploma legal, na redacção em vigor à data da prática dos factos:
1. Após o preenchimento da folha de reclamação, o fornecedor do bem, o prestador de serviços ou o funcionário do estabelecimento tem a obrigação de destacar do livro de reclamações o original, que, no prazo de cinco dias úteis, deve remeter à entidade de controlo de mercado competente ou à entidade reguladora do sector.
2. Após o preenchimento da folha de reclamação, o fornecedor do bem, o prestador de serviços ou o funcionário do estabelecimento tem ainda a obrigação de entregar o duplicado da reclamação ao utente, conservando em seu poder o triplicado, que faz parte integrante do livro de reclamações e dele não pode ser retirado.
A violação de qualquer deste comandos legais constitui contra-ordenação, punível – caso o infractor seja pessoa colectiva – com coima de € 3500 a € 30 000 – cf. artigo 9º, nº 1, al. a).
De acordo com a matéria de facto considerada provada na sentença, em causa estão as reclamações apresentadas nos dia 20 de Julho de 2007 e 2 de Agosto de 2007: a primeira por o respectivo duplicado não ter sido entregue ao utente; a segunda em virtude do original nunca haver sido remetido à ASAE.
Face à moldura abstracta da coima correspondente a cada uma das contra – ordenações nenhuma dúvida se suscita no sentido de que o prazo de prescrição do respectivo procedimento é de três anos – cf. artigo 27º, al. b) do D.L. nº 433/82, de 27.10.
Sucede, porém, que não há como ignorar as causas de interrupção e suspensão do procedimento que, no caso, se foram sucedendo ao longo dos autos.
Nesta sede e como causas interruptivas relevam, desde logo, a notificação da arguida para o exercício do direito de audição [expedida em 31.11.2007, tendo sido o correspondente direito exercido em 12.12.2007], a decisão, de 28.10.2010 da autoridade administrativa que aplicou a coima e como causa suspensiva a notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa efectuada em 13.06.2011 – [cf. fls. 5, 9/10, 29 a 33 e 92], tudo conforme o disposto nos artigos 27º - A, nº 1, al. c), 28º, nº 1, als. c) e d) do D.L. nº 433/82.
Conjugando tais dados com o preceituado no nº 3 do artigo 28 e nº 2 do artigo 27º - A do citado diploma, impõe-se concluir que, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão - [cf. o acórdão do STJ n.º 4/2011, DR, 1.ª série, de 11.02.2011], ainda não se mostra decorrido o correspondente prazo de prescrição acrescido de metade.
Improcede, assim, a invocada excepção.

b.

Independentemente das demais questões suscitadas pela recorrente, afigura-se-nos ser de enfrentar um aspecto prévio que, pela consequência que daí pode advir, merece primazia no tratamento.
Temos vindo a entender que a violação do artigo 374º, nº 2 do CPP, aplicável ao procedimento contra-ordenacional ex vi do artigo 41º do D.L. nº 433/82, de 27.10, é de conhecimento oficioso – [cf. neste sentido, no âmbito da sentença penal, os acórdãos do STJ de 22.03.2001 (proc. 353/01 – 5.ª), 18.11.2004 (proc. n.º 3272/04 – 5.ª), 21.12.2005 (proc. n.º 4642/03 – 3.ª), 04.01.2006 (proc. n.º 3801/05 – 3.ª), 14.03.2007 (proc. n.º 617/07 – 3.ª)].
Ora, o dever de fundamentação exige, designadamente, a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação da infracção contra - ordenacional e a determinação da sanção [coima].
No processo contra-ordenacional, valendo como acusação a decisão da autoridade administrativa [cf. artigo 62º do D.L. 433/82], deve, pois, a sentença proferida no âmbito do recurso de impugnação judicial deixar claro quais os factos daquela contantes que teve como provados ou, ao invés, não provados.
Contudo, a sentença em crise, elencando, embora, factos considerados provados e não provados é omissa relativamente ao elemento subjectivo da infracção, o que não podia ter sucedido, posto que, também neste domínio, está arredada a responsabilidade objectiva.
Com efeito, consta da decisão administrativa “Deste modo resulta provado que a arguida não cumpriu as regras relativas à posse e utilização do Livro de Reclamações, em concreto, no que se refere ao obrigatório envio da folha original à entidade competente, e a entrega do duplicado da folha ao reclamante, violando a lei e prosseguiu com a sua conduta, conformando-se com a infracção e com o resultado que que a mesma produziu, pelo que agiu de livre vontade e deliberadamente” ….”O arguido representou (face ao tempo decorrido, já que a legislação data de 2006 e sendo do conhecimento dos profissionais do sector e também dos consumidores/utentes, de comum, são e mediando entendimento, a obrigação das normas legais em causa nos autos) a realização do facto como consequência possível ou eventual da sua conduta enquadradando-se o seu animus, na forma de dolo evental …”, factos que estão em consonância com a condenação – pela entidade administrativa - a título de dolo.
Não obstante, nenhum destes factos ficou consignado – como provado ou não provado - na sentença, na qual, após a descrição da materialidade da conduta, apenas, consta: “6. A arguida conhecia a obrigação legal de enviar os originais das reclamações à ASAE bem como a obrigação de entregar os duplicados das reclamações aos clientes, tendo a obrigação de providenciar que os seus fuincionários cumpram essas obrigações.”, circunstância que, aliada à referência em matéria de direito à punição de tais condutas, também, a título de negligência, potenciou parte das objecções colocadas quer na petição recursiva quer na resposta apresentada pelo Ministério Público.
No sentido de que a sentença proferida em recurso de decisão administrativa que aplicou uma coima tem de obedecer aos requisitos referidos no artigo 374º do CPP vd., entre outros, os acórdãos do STA de 26.05.1999, BMJ 487, p. 344, do TRL de 23.09.1999 [rec. n.º 2036/99], do TRC de 06.03.1997, CJ, 1997, T. II, p. 45 e, bem assim, de 08.05.2003, CJ, 2003, T. III, p. 54.
Nesta conformidade, só resta concluir por ter violado a sentença recorrida o dever de fundamentação, tal como consignado no nº 2 do artigo 374º do CPP, o que conduz à respectiva nulidade [artigo 379º, nº 1, al. a) do CPP], impondo-se, em consequência, que os autos baixem à 1.ª instância, como vista a que o tribunal recorrido profira nova sentença, sanando os assinalados vícios.
Mostra-se, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pela recorrente.

III. Decisão

Termos em que, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em declarar nula a sentença, determinando que os autos baixem à 1.ª instância onde, pelo mesmo tribunal, deverá ser proferida nova sentença, sanando os assinalados vícios.

Sem tributação

Maria José Nogueira (Relatora)


Isabel Valongo