Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
223/07.1TBPCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESCRIÇÃO
MENORIDADE
Data do Acordão: 05/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 124.º; 320.º, N.º 1 DO CC
Sumário: 1. O prazo de prescrição não começa a correr desde a data do acidente, mas sim daquela em que foi notificada aos interessados o despacho de arquivamento dos autos de inquérito instaurados na sequência do mesmo.

2. A prescrição contra menor que se encontre representado por um ou ambos os progenitores começa e corre mesmo durante a menoridade, mas não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           A..., L.da, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel, peticionando a condenação do réu no pagamento da quantia global de €10.883,06.

Alega a autora que no dia 10 de Novembro de 2004, pelas 18h20m, quando um seu funcionário conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com matrícula ...OP, na sua mão de transito (sentido Penacova – Casal de Santo Amaro) foi embatido pelo ciclomotor com matrícula 1PCV ..., que saiu da sua mão de transito e invadiu aquela por onde circulava. A culpa pela produção do acidente foi apenas do conduto do ciclomotor, que à data do acidente não tinha seguro válido e eficaz.

Em consequência do acidente, o OP sofreu danos, cuja reparação ascendeu a €6.083,06, valor esse cujo pagamento a autora suportou. Por outro lado, no período em que o veículo esteve imobilizado (2 meses) sofreu prejuízos no âmbito da sua actividade comercial que ascenderam à quantia de €1.800,00.

Peticiona a condenação do FGA a pagar à autora a quantia de €10.883,06, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.

O Fundo de Garantia automóvel contestou, arguindo a sua ilegitimidade desacompanhado do responsável civil, no caso, da herança aberta por óbito do condutor do ciclomotor.

Por outro lado, impugna a factualidade atinente aos danos, bem como o valor dos prejuízos cujo pagamento foi peticionado nos autos. A reparação do veículo seria tecnicamente inviável por não garantir a reposição do veículo em perfeitas condições de segurança. À data o valor venal do veículo não ultrapassava a quantia de €5.252 e o valor do salvado foi avaliado em €2.265.

A autora veio requerer a intervenção principal provocada da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B..., representado pela respectiva cabeça de casal, C...e por D... .

Foi admitido tal incidente e citados os herdeiros para a acção.

C... e D... vieram arguir a excepção da prescrição. O acidente ocorreu em 10.11.2004 e foram citadas para a acção em 4.2.2008.

Por outro lado, impugnam a dinâmica do acidente, alegando que a culpa pela sua produção foi do condutor do veículo ligeiro de mercadorias.

Deduziram, igualmente, pedido reconvencional, suscitando para o efeito a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros E....

Alegam que o falecido marido e pai auferia um rendimento mensal médio de 500 euros, contribuindo para a subsistência das reconvintes, o que lhes causou danos de valor não inferior a €90.0000.

Pela perda do direito à vida peticionam um valor de €45.000 e pelos danos não patrimoniais sentidos pela reconvinte mulher e filha a quantia de €30.000 e €10.000, respectivamente. Pela perda do ciclomotor sofreram um prejuízo no valor de €300,00.

Concluem peticionando a condenação da Companhia de Seguros no pagamento da quantia global de €165.300.

A autora apresentou articulado de réplica, pugnando pela improcedência da alegada excepção de prescrição e da reconvenção deduzidas pelas chamadas.

Foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros E....

O Instituto de Segurança Social, IP deduziu pedido de reembolso de prestações da Segurança Social contra a Companhia de Seguros E..., peticionando a condenação da companhia de seguros no pagamento das pensões pagas à viúva e filho do falecido condutor do ciclomotor, no valor de €5.708,62.

A E... – Companhia de Seguros, SA veio contestar o pedido reconvencional, tendo arguido a excepção da prescrição por terem decorrido mais de 3 anos. Em consequência do acidente foi aberto inquérito crime, tendo o mesmo sido arquivado em 16-2-2005. Por outro lado, impugnou a matéria relativa ao acidente e aos danos, cuja indemnização peticionou.

Apresentou, ainda, articulado de contestação relativamente ao pedindo deduzido pelo ISS,IP.

Com dispensa de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento da excepção de prescrição aduzida pelas chamadas e “E... - Companhia de Seguros S.A.” e seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória, sobre que incidiu reclamação deduzida pela ora identificada seguradora, a qual foi indeferida, cf. despacho de fl.s 290, mas rectificada conforme consta a fl.s 309.

            Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal respondido à base instrutória, cf. fl.s 326 a 330, sem que houvesse reclamações.

            No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 334 a 360, na qual se decidiu o seguinte:

“Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e em consequência:

- absolvo o Fundo de Garantia Automóvel, C... e D..., como representantes da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B..., do pedido contra si deduzido por A..., Lda.

- absolvo a E... – Companhia de Seguros, SA do pedido contra si deduzido por C..., por ter procedido a excepção da prescrição do respectivo direito:

- condeno a E... – Companhia de Seguros, SA a pagar a D... a quantia €8.500 pelos danos de natureza patrimonial sofridos, acrescida de juros contabilizados desde a citação até integral pagamento, bem como a quantia de €50.000 pelos danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros contabilizados desde a presente decisão e até integral pagamento;

bem como metade do valor correspondente ao custo da reparação do ciclomotor, valor esse a liquidar em execução de sentença;

- condeno a E... – Companhia de Seguros, SA a pagar ao Instituto de Segurança Social, IP a quantia de €4.695,16, acrescida de juros contabilizados desde a citação até integral pagamento.

*

Os juros serão calculados à taxa de 4% (Portaria nº 291/03, de 8.4).

*

Custas da acção a cargo da autora.

Custas da reconvenção a cargo da reconvinte, da ré e do ISSS/CNP na proporção do respectivo decaimento.”.

            Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a chamada E..., SA, o qual veio a ser recebido como de apelação e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 364), bem como, após a admissão deste notificada, a chamada C..., o qual veio a ser recebido como subordinado (cf. despacho de fl.s 368) concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

            Recurso da E...:

1. No presente caso, e atenta a factualidade dada como provada, o prazo de prescrição é de 3 anos, de acordo com o estatuído no art. 498º, nº 1, do Código Civil.

2. Dispõe o art. 320º, nº 1 do Código Civil que “A prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade”.

3. O prazo de prescrição do direito das demandantes, enquanto titulares do direito de indemnização por morte do marido e pai precludiu decorridos três anos a contar da notificação do despacho de arquivamento do processo crime, ou seja, 21/2/2008.

4. Tendo a reconvinte D...atingido a maioridade em 18/2/2006, o prazo de prescrição continuou a decorrer até 21/2/2008 pelo que não se lhe aplica qualquer prazo de suspensão ou interrupção emergente da menoridade.

5. Donde, o prazo de prescrição segue exactamente as mesmas regras que segue o aplicável a mãe da mesma e isto porque o prazo de prescrição continuou a correr após o decurso de um ano após a reconvinte D... ter atingido a maioridade, isto é, continuou a correr depois de 18/2/2007, só tendo completado em 21/2/2008, pelo que quanto à D...o direito de indemnização também prescreveu.

6. Mas mesmo que assim se não entenda, o que não se concede, existe manifesto erro de julgamento na resposta à matéria do quesito 31º-A (ou 43º) atendendo ao teor do croquis que foi corroborado pelo guarda participante.

7. De acordo com esse documento, o rasto de travagem de 4,70m. efectuado pelo OP inicia-se e conclui-se na hemi-faixa direita, considerando o seu sentido de marcha, o que demonstra que o veículo OP não saiu da hemi-faixa destinada à sua circulação.

8. Nos termos do artº. 712º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil, deverá o Tribunal ad quem modificar a resposta dada aos quesitos 4º, 9º, 10º e 31º-A, alicerçado na interpretação do “croquis” da GNR que serviu de base a tais respostas.

9. Assim, entende-se incorrectamente julgados os referidos quesitos quando estes não dão como provados que o OP seguia na hemi-faixa direita, considerando o seu sentido de marcha e que aí foi embatido pelo velocípede com motor conduzido pela vítima.

10. Deste modo, quanto ao quesito 4º deverá o mesmo ser considerado integralmente provado; quanto ao quesito 9º deverá dar-se como provado que ao chegar ao local referido na resposta aos quesitos 26º, 6º e 14º, o condutor do ciclomotor entrou na faixa de circulação oposta, onde seguia o OP, quanto ao quesito 10º deverá dar-se como provado que o velocípede com motor veio a embater com a sua frente na frente esquerda do OP, na hemi-faixa de rodagem por onde este seguia, i é, na hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha deste último e quanto ao quesito 31º-A deverá ser considerado integralmente provado.

11. Admitida a modificação da resposta à matéria de facto, no sentido referido na conclusão anterior, terá de concluir-se que o acidente é imputável exclusivamente à conduta da vítima, por violação do art. 13º do Código da Estrada, absolvendo-se a recorrente do pedido reconvencional.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao recurso.

Assim se fazendo / JUSTIÇA

    Recurso subordinado:

1. A douta sentença recorrida decidiu pela procedência da excepção de prescrição arguida pela aqui recorrida, por entender que, no caso dos autos, o prazo prescricional aplicável, era o mais curto (o do n.º 1 do artigo 498.º do C.C.) e não o alargado de 5 anos (o do n.º 3 do artigo 498.º do C.C.);

2. No entendimento da sentença recorrida, a aplicação do prazo alargado previsto no artigo 498.º, n.º 3 do C.C. exigiria que, nos autos, ficasse provado que o condutor do OP havia actuado culposamente e tivesse dado causa ao acidente de que decorreu a morte de B...;

3. Ora, para que seja aplicável o prazo mais longo previsto no artigo 498.º, n.º 3 do C.C. exige-se tão só que “sejam alegados os factos objectivos e subjectivos que permitiriam considerar como crime, a título de dolo ou negligência, a conduta causal do acidente de que resultaram as lesões cuja reparação por via de indemnização a autora requer”;

4. Isto é, o que se exige para aplicação do n.º 3 do artigo 498.º do C.C. é que, num raciocínio ex-ante, os factos alegados pelo autor, possam integrar a prática de crime e que o prazo prescricional para tal crime seja superior aos 3 anos previstos no n.º 1 artigo 498.º do C.C.;

5. A aqui recorrente, no pedido reconvencional alegou expressamente factos objectivos e subjectivos que permitiriam considerar, em abstracto, a existência de crime – in casu, o crime p.p. pelo artigo 137.º do C.Penal;

6. crime para o qual o respectivo prazo prescricional é de 5 anos (artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do C. Penal);

7. Pelo que inexiste a excepção peremptória de prescrição arguida pela aqui recorrida;

8. Assim, ao contrário do decidido, deveria ter sido considerada improcedente a referida arguição;

9. Considerando-se, consequentemente, não prescrito o direito da recorrente à indemnização peticionada;

10. Pelo que, a douta sentença recorrida, ao decidir pela procedência da excepção peremptória de prescrição arguida pela aqui recorrida, fez errada interpretação e aplicação do direito (artigo 498.º, n.º 3 do C.C), com consequente erro de julgamento.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, com o que se fará JUSTIÇA.

           

            Contra-alegando, a E..., pugna pela manutenção da decisão recorrida, argumentando que ficou definitivamente assente que “a prescrição não era susceptível de ser conhecida pelos elementos que, em abstracto, fossem alegados pelas partes”, por no despacho saneador se ter relegado o seu conhecimento para final.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            Recurso da E...:

            A. Se está prescrito o direito a que se arroga a reconvinte D...;

            B. Se assim não se entender, se se verifica uma incorrecta análise e apreciação da prova relativamente aos quesitos 4.º, 9.º, 10.º e 31.º-A, da base instrutória, cujas respostas devem ser alteradas como propugnado na conclusão 10.ª e;

C. Se, em consequência disso, a ora recorrente deve ser absolvida do pedido contra si formulado pela reconvinte D....

Recurso subordinado da interveniente C...:

D. Se não se encontra prescrito o direito a que se arroga.

           

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. A autora, que se dedica à construção civil e obras públicas, era proprietária do veículo de matrícula ...OP (al. A e artº 1º).

2. O OP era utilizado pelos sócios gerentes da mesma na sua actividade profissional e também pelos seus funcionários, no exercício da actividade respectiva (artº 2º).

3. O veículo de matrícula ...OP dispunha de seguro válido e eficaz, por contrato celebrado com a Seguradora E..., titulado pela apólice nº X... (al. C).

4. Em 10.11.04 B..., proprietário do ciclomotor de matrícula 1PCV ..., não tinha transferido para qualquer seguradora a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros por tal veículo (al. B).

5. No dia 10 de Novembro 2004, pelas 18h:20, circulava na estrada E.R 235, ao Km 58,100, em

Galiana, Penacova, no sentido Penacova -Casal de Santo Amaro, o veiculo ligeiro de mercadorias ...OP conduzido por F..., na qualidade de funcionário da A. (artº 3º).

6. O tempo e o piso estavam secos (artº 5º).

7. A estrada era sinuosa, com curvas, mais ou menos acentuadas e, atento o sentido de marcha seguido pelo condutor do OP, representava uma recta com cerca de 30 metros, antecedida de uma ligeira curva com inclinação para a direita e seguida de uma ligeira curva para a esquerda, onde ocorreu o embate (artº 6º e 14º).

8. Em sentido contrário, circulava o ciclomotor marca MACAL, de matricula 1PCV ... conduzido por B... (artº 7º).

9. O funcionário da autora conduzia o veículo ligeiro de mercadorias OP, ao serviço, em proveito e interesse daquela e no cumprimento das directivas da mesma (artº 8º).

10. A estrada no local tem cerca de 5,90 m de largura de faixa de rodagem (artº 15º).

11. No dia e hora referido em 5., ao volante do ciclomotor com a matrícula 1-PCV ..., no sentido Galiana-Penacova, Alves Seco, depois de transpor uma pequena ponte situada em Galiana, prosseguiu o seu percurso percorrendo cerca de 100 metros de uma recta que termina, com curva à direita, imediatamente após o termo da referida localidade de Galiana (artº 26º).

12. Nesta curva deu-se o embate entre a frente do ciclomotor e a frente esquerda do OP, tendo o condutor do ciclomotor sido projectado em consequência do embate e vindo a imobilizar-se na berma direita, atento o sentido de marcha do ciclomotor (artº 29º, 31º e 32º).

13. O veículo propriedade do A., veio a imobilizar-se alguns metros mais adiante, dentro da hemi-faixa direita da aludida estrada (artº 33º).

14. O condutor do OP também veio a embater no muro da berma direita existente no local (artº

16º).

15. O embate veio a provocar no condutor do ciclomotor escoriações e outros ferimentos que determinaram a morte do mesmo (artº 17º).

16. O veículo da A. ficou amolgado e danificado na frente e lateral do lado esquerdo, nomeadamente, na pintura, capot, guarda-lamas, pára-choques, chapa frontal, chapa de matrícula, farol, farolim, pisca, vidro pisca lateral, grelha do radiador, pala frontal, amortecedor, retrovisor, pára-brisas, pneu, e jante (artº 18º).

17. O OP deixou impressos no pavimento rastos de travagem de 4,70metros (artº 43º).

18. O condutor do ciclomotor foi transportado, em ambulância, pelos bombeiros voluntários de Penacova, para os Hospitais da Universidade de Coimbra, e aí veio a falecer no dia 10.11.04 (al. F e artº 34º).

19. O falecido B..., de 44 anos, era, respectivamente, marido e pai das reconvintes, suas únicas herdeiras (al. E).

20. B... exercia a actividade de cortador de árvores, obtendo rendimentos de valor não apurado, que integravam a economia da sua família, constituída por ele e pelas reconvintes (artº 39º).

21. Com a perda de tal rendimento, as reconvintes ficaram numa situação económica muito debilitada, já que apenas a reconvinte mulher trabalhava, como empregada doméstica, em Coimbra (artº 40º).

22. Por causa da situação económica, a reconvinte filha, não obstante se encontrar a estudar, passou simultaneamente a trabalhar, em fins-de-semana e durante as férias, como empregada de café e restaurante, tendo de abandonar os estudos, após concluir o 12.º ano (artº 41º).

23. O custo da reparação do OP, que a autora suportou, ascendeu ao total de €6.083, 06 (seis mil e oitenta e três euros e seis cêntimos) (artº 19º).

24. Na sequência dos danos sofridos com o embate, o OP esteve imobilizado durante até 29.11.04, data a partir da qual se iniciou a reparação, que se prolongou por 12 dias úteis (artº 20º).

25. O OP era o único veículo que a autora detinha, tendo-se socorrido, para prosseguir a sua actividade, de uma viatura que lhe foi emprestada (artº 21º).

26. O autor compensou a pessoa que lhe emprestou uma viatura efectuando-lhe serviços, de valor não apurado (artº 23º).

27. O ISSS pagou à reconvinte viúva e filha, o valor de €1.096,80, a cada uma, a título de subsídio por morte; efectuou ainda o pagamento de pensões de sobrevivência no montante global de €4.695,16, relativas ao período de Dezembro de 2004 a Maio de 2010 (al. F – redacção introduzida a fls. 32).

28. O valor mensal da pensão em 27.10.08 era de €54,58 (certidão de fls 189 e art.s 363º, nº2, e

370º a 372º, 383º e 385º, todos do Cód. Civil, e 546º do C.P.C.) (al. G).

29. A reconvinte D... nasceu em 18.2.1988 (doc. de fls. 108).

30. O pedido reconvencional deu entrada nos autos em 28.2.2008, tendo sido ordenada a citação da reconvinte em 31.7.2008 e efectuada esta em 14.10.2008 (fls. 94 e ss, 169 e ss e 179).

31. Em virtude do acidente em discussão nos presente autos correu os seus termos nos Serviços do Ministério Publico deste Tribunal um inquérito, com o nº 262/04.4GAPCV, no qual veio a ser proferido despacho de arquivamento, datado de 16.2.2005, que foi notificado a C... em 21.2.2005 (doc. de fls. 323 e ss).

Recurso da E....

A. Se está prescrito o direito a que se arroga a reconvinte D....

            Quanto a tal alega a ora recorrente que assim é porque o prazo de prescrição é o de três anos.

Prazo este que, não obstante a reconvinte D...ser menor, à data do acidente, teve início mesmo durante a menoridade, apenas não se completando sem que seja decorrido um ano sobre a data em que concluiu a maioridade.

Assim, porque o acidente ocorreu em 10 de Novembro de 2004 e o processo crime que foi instaurado em virtude da respectiva ocorrência, foi arquivado por despacho que foi notificado a sua mãe, em 21 de Fevereiro de 2005, atingindo a D...a maioridade em 18 de Fevereiro de 2006, continuou o prazo de prescrição a decorrer durante a sua menoridade, completando-se um ano depois, ou seja, em 18 de Fevereiro de 2007.

Como o pedido reconvencional foi deduzido apenas em 29 de Fevereiro de 2008 e suspendendo-se o prazo de prescrição cinco dias depois, já tinha decorrido o prazo de três anos contados desde a data do despacho de arquivamento dos autos crimes.

Na sentença recorrida, tão só se referiu que a prescrição não se iniciou durante a menoridade da D..., mas apenas na data em que atingiu a maioridade (18/02/2006), pelo que, quanto a esta, não se verificava a alegada prescrição.

Os factos a ter em conta para a decisão desta questão são os seguintes:

- O acidente ocorreu em 10 de Novembro de 2004;

- A D...nasceu em 18 de Fevereiro de 1988;

- o pedido reconvencional deu entrada em juízo no dia 28 de Fevereiro de 2008, tendo sido ordenada a citação da reconvinda em 31 de Julho de 2008, a qual veio a ser citada em 14 de Outubro desse ano;

- em consequência do ajuizado acidente correu termos no Tribunal recorrido um processo de inquérito, no qual veio a ser proferido despacho de arquivamento, datado de 16/02/2005, que foi notificado a C... em 21 de Fevereiro de 2005.

Como consta da sentença recorrida e a que nesta parte se adere, não se conseguiu determinar com rigor o modo como ocorreu o acidente, designadamente se algum dos intervenientes circulava fora da sua mão de trânsito, como melhor resulta dos itens 5 a 17 da factualidade provada, pelo que se concluiu que a culpabilidade na sua produção se ficou a dever ao condutor do OP, apenas porque se tratava de um comissário, do que se presumiu a culpa deste, por força do que se dispõe no artigo 503, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil.

Em face da factualidade que se deu por provada, não se pode, efectivamente, imputar, em termos de juízo de culpabilidade, a produção do acidente a nenhum dos intervenientes, dando-se aqui por reproduzida a argumentação para tal expendida na sentença recorrida.

Concluindo-se, como se concluiu, que não se pode imputar a nenhum dos intervenientes a culpabilidade na produção do acidente, daqui decorre, como consequência directa, que o prazo de prescrição a ter em conta é o de três anos, previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC e não o de cinco, a que se alude no seu n.º 3.

Efectivamente, de acordo com o n.º 1 de tal preceito, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete e o seu n.º 3, estabelece-se a regra de que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o aplicável.

Ora, não se tendo demonstrado a culpa de nenhum dos intervenientes na ocorrência do acidente, não se lhes pode imputar a prática de factos que constituam um crime.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 03/02/11, Processo 1228/07.8TBAGH.L1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, o tribunal cível ao fazer a subsunção dos factos alegados e provados à prática de uma infracção penal, não obstante esta se destine apenas a determinar se ocorre ou não a ampliação do prazo prescricional, tem de obedecer inteiramente ao princípio da legalidade e da tipicidade.

Assim, desde logo inexistindo culpa, não se pode falar na prática de um crime, pelo que fica, liminarmente, afastada a possibilidade de se considerar a existência de um prazo prescricional mais longo que o de três anos, fixado no n.º 1 do artigo 498.º, do CC.

Neste sentido, ainda, o Acórdão do STJ, de 19/09/2006, Processo 06A2492, disponível no mesmo sítio do anterior, no qual se refere que “Não se tendo provado as circunstâncias concretas em que ocorreu a colisão, o dever de indemnizar só pode fundar-se na responsabilidade objectiva ou pelo risco (…) sendo o prazo de prescrição do direito indemnizatório do autor, aqui aplicável o de três anos, nos termos do artigo 498.º, n.º 1, do CC”.

O mesmo defendem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil; Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 477, que ali escrevem: “Se se tratar de um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco, não poderá haver alongamento do prazo prescricional, pois não existe aí qualquer crime.”.

Igualmente se sufraga o entendimento vertido na sentença recorrida, por apelo ao disposto nos artigos 306.º, n.º 1 e 323.º, n.º 1, ambos do CC, que, no caso em apreço, o prazo de prescrição, não começa a correr desde a data do acidente mas sim daquela em que foi notificada aos interessados o despacho de arquivamento dos autos de inquérito instaurados na sequência do acidente em causa.

O n.º 3 do artigo 498.º CC, constitui uma consequência da opção do nosso legislador pela adesão obrigatória do pedido cível ao processo penal no caso de indemnização decorrente da prática de um ilícito criminal, pelo que mesmo que arquivada a participação criminal, pode, então, o lesado procurar a jurisdição cível para se ressarcir dos danos que sofreu.

Atento a que o despacho de arquivamento foi proferido em 16 de Fevereiro de 2005 e notificado à mãe da D...(na altura menor) em 21 de Fevereiro de 2005, é nessa data que se inicia o prazo de três anos.

Como se constata de fl.s 94, o pedido reconvencional deu entrada em tribunal no dia 29 de Fevereiro de 2008, pelo que, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, CC, se tem o prazo de prescrição por interrompido no dia 04/03/2008.

Assim, tem de concluir-se que já se mostrava ultrapassado o prazo de três anos, contados de 25 de Fevereiro de 2005, quando foi formulado o pedido reconvencional pelas intervenientes C...e D....

Mas será que o facto de a D...só ter atingido a maioridade em 18 de Fevereiro de 2006 (dado que nasceu em 18 de Fevereiro de 1988, cf. item 29 e artigo 130.º CC), impede que quanto a si, já não se verifique a prescrição?

Na sentença recorrida, como vimos, considerou-se que assim é com o fundamento em que o prazo de prescrição não se iniciou durante a sua menoridade.

No entanto, assim não é!

De acordo com o que estabelece o artigo 320.º, n.º 1, do CC, a prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre os seus bens, salvas as excepções ali previstas (aqui não aplicáveis) e, ainda que o menor tenha representante legal, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade, ou seja, a partir da data em que atinge a maioridade.

Daqui decorre, pois, que a prescrição, desde que, como no caso em apreço, a menor se encontre representada por um ou ambos os progenitores (cf. artigo 124.º CC), começa e corre mesmo durante a menoridade, com a única diferença que não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.

Como referem A. Pais de Sousa e Carlos Frias Oliveira Matias, in Da Incapacidade Jurídica Dos Menores Interditos E Inabilitados, 2.ª Edição, Almedina, 1983, a pág.s 103 e 104 “A regra seria que a prescrição não corre contra menores, enquanto não tiverem representante legal ou quem administre os seus bens, e que, ainda que tenham representante legal, a prescrição não se completa antes de decorrido um ano depois de findo o impedimento da menoridade. É que, mesmo tendo representante legal, pode acontecer que este não exerça devidamente os direitos do menor”.

Assim sendo, o decurso do prazo de prescrição no que concerne aos direitos a que se arroga a D..., conta-se da mesma forma do que relativamente a sua mãe, com a única diferença de que não se completaria sem ter decorrido um ano contado da data em que atingiu a maioridade.

Uma vez que a D...a alcançou no dia 18/02/2006, tendo tal prazo de um ano terminado em 18/02/2007 e a prescrição veio a ocorrer em 25 de Fevereiro de 2008, suspendendo-se no dia 04 de Março de 2008, como acima já explicitado, quanto à sua mãe, tem de concluir-se que, também, em relação a si, já havia decorrido o prazo de 3 anos de que dispunha para fazer valer os seus direitos decorrentes do ajuizado acidente, por já ter adquirido a maioridade há mais de ano, contado por referência a esta última data.

Assim, procede o presente recurso, julgando-se procedente a excepção de prescrição invocada pela ora recorrente, E..., relativamente à interveniente D..., em consequência, do que, nesta parte, se revoga a decisão recorrida.

Atento a que as demais questões levantadas pela ora recorrente no seu recurso, apenas o foram para o caso de improcedência do mesmo, no que a esta questão tange, torna-se inútil a sua apreciação, pelo que delas não se conhece.

Recurso subordinado da interveniente C...:

D. Se não se encontra prescrito o direito a que se arroga.

Defende a ora recorrente, C..., que assim tem de entender-se porque alegou factos que permitiriam, em abstracto, tipificar a existência de um crime p. e p. pelo artigo 137.º do Código Penal, pelo que, nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, o prazo de prescrição a considerar é o de cinco anos.

Na sentença recorrida, como vimos, considerou-se que o prazo é o de três anos.

Já aquando da análise e decisão da questão elencada em A), referente ao recurso principal, concluímos, pelos motivos aí expostos, que o prazo de prescrição a ter em consideração é o de três anos, o que aqui se reitera, dando por reproduzidos os argumentos aí utilizados.

De igual forma, valem as considerações tecidas acerca do início de tal prazo e sua contagem.

Pelo que nos resta apreciar a questão do ponto de vista expendido pelo ora recorrente, ou seja, o de que o prazo de prescrição é de cinco anos, nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 3, CC, por para tal bastar alegar factos que, em abstracto, tipifiquem a prática de um crime.

Salvo o devido respeito, parece-nos evidente a sem razão da autora.

Se assim fosse, então, nunca se aplicaria o prazo (regra) de prescrição de três anos fixado no n.º 1 do artigo 498.º do CC.

Efectivamente, bastaria, para tal, alegar factos que integrassem a prática de um crime, mesmo que, a final, nada se demonstrasse quanto a tal factualidade.

Ao contrário do alegado pela ora recorrente, somos de opinião que o lesado, ao propor uma acção cível, decorridos que sejam os três anos sobre a data em que estava em condições para a propor, tem de alegar e provar factos que sejam subsumíveis à tipificação de um tipo legal de crime.

Assim não sendo, estar-se-iam a subverter todos os princípios que presidem à imputação a uma pessoa da prática de um tipo legal de crime, designadamente, em caso de comprovada inexistência de uma conduta culposa.

Como acima já se referiu, citando, de novo, o Acórdão do STJ, primeiramente mencionado, o tribunal cível não pode fugir aos princípios da legalidade e da tipicidade, que regem em sede da imputação de um crime a um agente e sem culpa não há crime.

Consequentemente, como a ora recorrente não demonstrou a culpa do condutor do OP na produção do ajuizado acidente, inexiste crime e por decorrência, tal como decidido em 1.ª instância, verifica-se que já prescreveu o direito a que se arroga a ora recorrente.

Consequentemente, improcede, o recurso da interveniente C..., sendo, nesta parte, de manter a decisão recorrida.

Nestes termos se decide:       

Julgar procedente a apelação deduzida pela E..., em consequência do que se revoga a decisão recorrida, na parte em que a condenou a pagar a D..., as quantias nesta especificadas e relativas ao pedido reconvencional que  esta deduziu contra aquela, em consequência do que se absolve a recorrente de tal pedido e;

Improcedente a apelação deduzida pela interveniente C..., em consequência do que se mantém a decisão recorrida, na parte em que absolveu a E... do pedido que contra esta deduziu a ora recorrente.

Mantendo-se a mesma, quanto ao mais.

            Custas por apelantes e apelados, tendo em conta os respectivos decaimentos, em ambas as instâncias, sem prejuízo dos benefícios do apoio judiciário, que foram concedidos.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira