Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/11.8TAOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 05/10/2017
Votação: SUMÁRIA
Tribunal Recurso: VISEU (J L CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTS. 333.º, N.º 5, E 417.º, N.º 6, AL. A), DO CPP
Sumário: I - A lei define o momento a partir do qual pode ser exercido o direito ao recurso, fixando-o na notificação, pessoal, da sentença ao condenado.

II - O recurso da sentença condenatória, interposto pela arguida, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, é intempestivo, uma vez que, tendo a recorrente sido julgada na sua ausência, ainda dela não foi pessoalmente notificada, pelo que se verifica, in casu, uma circunstância que obsta ao seu [do recurso] conhecimento.

Decisão Texto Integral:


DECISÃO SUMÁRIA

I


No processo comum singular nº 18/11.8TAOFR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Viseu – Instância Local, Secção Criminal – J1, foi proferida sentença em 5 de Setembro de 2016, que condenou a arguida A..., com os demais sinais nos autos, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, c) e e) e 3 do C. Penal, e pela prática de um crime de burla, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 1, ambos do mesmo código, nas penas de 300 dias de multa e de 250 dias de multa, respectivamente, à taxa diária de € 6, e em cúmulo, na pena única de 400 dias de multa à mesma taxa, perfazendo a multa global de € 2.400, e ainda no pagamento da quantia de € 1.000 à demandante civil B... , acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

Inconformada com a decisão, recorreu a arguida, tendo o recurso sido admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, por despacho de 18 de Outubro de 2016, no qual é expressamente referido que a arguida «(…) não foi notificada da sentença via OPC conforme decorre do teor de fls. 613 (…)».

Na resposta ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público suscitou a questão prévia da intempestividade do recurso que entende verificar-se, citando em abono da sua posição, jurisprudência das Relações.

Também o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, entende que o recurso foi interposto prematuramente ou seja, antes da notificação pessoal da sentença à recorrente, pelo que dele não deve a Relação conhecer.

A arguida não respondeu ao parecer.


II

            1. Resulta da acta da audiência de julgamento de 4 de Abril de 2016 [fls. 376 a 383] que a arguida A... , apesar de regularmente notificada, não compareceu tendo, por despacho então proferido, por se ter entendido que a sua presença não era indispensável desde o início da audiência, sido determinado que à mesma se desse início, com representação daquela pelo Ilustre Mandatário constituído.

            A arguida também não compareceu nas sessões da audiência de julgamento de 3 de Maio de 2016 [fls. 453 a 454], 24 de Maio de 2016 [fls. 471 a 474], 13 de Junho de 2016 [fls. 496 a 497], 7 de Julho de 2016 [fls. 501 a 503] e de 5 de Setembro de 2016 [fls. 549].

            Tentada a notificação pessoal da sentença à arguida através de OPC [fls. 551], a mesma não foi possível, por se encontrar aquela a residir na Suíça [fls. 612 a 613]. 

            Tentada a notificação da sentença por carta registada com aviso de recepção, para a Suíça, a mesma não foi possível [fls. 552 e 554 a 555].    

            2. Embora a regra no julgamento penal seja a da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência (art. 332º, nº 1 do C. Processo Penal) a lei prevê algumas excepções.

            Assim, se o arguido regularmente notificado não comparecer na hora designada para o início da audiência, e o tribunal entender que a sua presença desde o início não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material (cfr. nº 1 do art. 333º do C. Processo Penal) dispõe o nº 2 do art. 333º do C. Processo Penal:

            Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do art. 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do art. 117.º.  

            Foi precisamente esta a situação que ocorreu nos autos, estando a arguida, ausente, devidamente notificada, e tendo-se iniciado a audiência com o entendimento de não ser absolutamente indispensável, desde o seu início.

           

A sentença recorrida, até ao momento, foi apenas notificada ao Ilustre Mandatário da arguida.

Estabelece o nº 5 do mesmo art. 333º do C. Processo Penal que, no caso previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.

Como se escreveu na Decisão Sumária desta Relação de 6 de Fevereiro de 2013, proferida no processo nº 93712.8PFLRA.C1, in www.dgsi.pt, «(…) as razões determinantes da exigência legal da notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor radicam na necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar ao segundo todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se recorre ou não e os termos em que impugna. Além disso, no campo das hipóteses, uma vez notificado da sentença, pode o arguido cortar a ligação antes estabelecida, por via do mandador conferido ou da nomeação oficiosa, com o mandatário já constituído ou com o defensor que lhe foi nomeado, conferindo a sua defesa, alargada à interposição de recurso, a diversa individualidade».    

Ora, estabelecendo aquele nº 5 que o prazo para a interposição do recurso pelo arguido só corre a partir da sua notificação da sentença, parece-nos evidente que enquanto esta não se verificar, a interposição do recurso pelo mandatário ou pelo defensor será, sempre, intempestiva, uma vez que o acto é praticado fora do prazo – porque este ainda não se iniciou – em que, peremptoriamente, o deve ser. Com efeito, a lei define o momento a partir do qual pode ser exercido o direito ao recurso, fixando-o na notificação, pessoal, da sentença ao condenado. Admitir como válida a interposição de recurso pelo mandatário ou pelo defensor poderia conduzir, no limite, a que viessem a ser interposto dois recursos, tendo por objecto a mesma decisão, atribuíveis ao mesmo sujeito processual.

E no sentido da intempestividade do recurso se tem pronunciado a jurisprudência das Relações (cfr. além da Decisão Sumária supra referida, a Decisão Sumária da Relação de Coimbra de 15 de Maio de 2013, proferida no processo nº 414/10.8TAMGR.C1 e a Decisão Sumária da Relação de Coimbra de 8 de Fevereiro de 2012, proferida no processo nº 161/03.7GAMIR.C2, e o Acórdão da Relação do Porto de 7 de Julho de 2010, proferido no processo nº 1349/06.4TBLSD.P1, todos in www.dgsi.pt).

3. Em síntese conclusiva do que antecede, temos que o recurso da sentença condenatória, interposto pela arguida, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, é intempestivo, uma vez que, tendo a recorrente sido julgada na sua ausência, ainda dela não foi pessoalmente notificada, pelo que se verifica, in casu, uma circunstância que obsta ao seu [do recurso] conhecimento (cfr. art. 417º, nº 6, a) do C. Processo Penal).

A circunstância de o recurso ter sido admitido não vincula a Relação (art. 414º, nº 3 do C. Processo Penal).

Assim, não deve ser conhecido o recurso.


III

Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo intempestivo o recurso interposto pela arguida, por esta ainda não ter sido notificada da sentença recorrida e, em consequência, dele não conheço.

Sem tributação.

Notifique.

Coimbra, 10 de Maio de 2017



(Heitor Vasques Osório - relator)