Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2419/10.0TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INCIDENTE
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
INÍCIO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 277º, AL. C), E 281º, Nº 5, DO NCPC
Sumário: I – Se a parte solicita a cooperação do Tribunal para obtenção da identidade dos herdeiros da contraparte entretanto falecida, o prazo para a deserção da instância, por omissão do ónus de instaurar o competente incidente de habilitação de herdeiros, não inicia a sua contagem enquanto a parte requerente não for notificada do resultado dessas informações ou da impossibilidade de as obter.

II - Enquanto não lhe for dado conhecimento do resultado de diligências de informação por ela promovidas não se pode considerar existir negligência em não impulsionar o processo.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - HISTÓRICO DO PROCESSO

                1.            Em 13/07/2010, S..., SA (de futuro, apenas Exequente) instaurou execução contra J... e mulher, M... (de futuro, apenas Executados).

                Em 15/11/2013 veio a Exequente informar do falecimento do Executado marido, juntando a respetiva certidão de nascimento com averbamento do óbito.

                Invocando não saber e não ter como apurar se o finado deixou herdeiros, requereu ainda a notificação da Executada mulher para vir aos autos informar se foi efetuado inventário ou habilitação notarial e se o executado deixou herdeiros, fornecendo os dados relativos à sua identificação.

                Tal pretensão foi integralmente deferida por despacho de 02/12/2013, tendo o ofício para notificação sido expedido em 04/12/2013.

                Em 23/01/2015 a Exequente veio requerer informação «(…) sobre o resultado da notificação remetida em 04/12/2013 para a executada M..., nomeadamente se a mesma veio prestar aos autos as informações solicitadas.».

                Em 07/02/2015, a M.mª Juíza proferiu o seguinte despacho:

                «Decorrido mais de um ano da notificação da co-executada para identificar, em suma, os herdeiros do executado falecido, veio a exequente solicitar informação sobre o resultado dessa notificação remetida à executada em 4/12/2013 (requerimento da exequente, que antecede, enviado electronicamente em 23-01-2015).

Ora, a exequente, patrocinada por advogado, deveria ter impulsionado os autos, nomeadamente, através da apresentação da habilitação de herdeiros quanto ao executado falecido, não devendo ainda deixar passar o prazo de 6 meses desde a data de 4/12/2013 – já que, desde 1/09/2013, com o Novo Código de Processo Civil em vigor, havia necessidade, por força ainda do princípio da cooperação entre exequente e tribunal, de respeitar o prazo da deserção da instância executiva previsto no artº. 281, nº. 5.

Desde Dezembro de 2013 que a exequente nada fez, disse ou impulsionou nestes autos quanto ao falecido executado.

Assim sendo: uma vez que os autos estão parados desde Dezembro de 2013 quanto ao executado falecido, por força de inércia da exequente, ao abrigo do disposto no artº. 281, nº. 5, do Novo Código do Processo Civil (cfr. artº. 6, nº. 1, da citada Lei 41/2013), considera-se a presente instância executiva deserta quanto ao falecido executado J...

Notifique e comunique à Agente de Execução, devendo os autos apenas prosseguir quanto à executada M...».

2.            Inconformada com tal decisão, dela apelou a Exequente, formulando as seguintes conclusões:

...

Nestes termos e nos melhores de direito deve o despacho sob recurso ser revogado e substituído por outro que ordene a notificação do resultado da notificação remetida à coexecutada M... remetida em 4/12/2013, concedendo à Exequente um prazo de 15 dias para se pronunciar sobre o mesmo, nomeadamente, requerendo o que tiver por conveniente.»

3.            Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos (art. 657º nº 4 do CPC), cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

4.            O MÉRITO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).

Tendo isso em conta, bem como a factualidade elencada no ponto 1 desta peça, a questão a decidir é a de saber se a conduta da Exequente deve ser considerada negligente para efeitos de acarretar a deserção da instância.

4.1.        DESERÇÃO DA INSTÂNCIA

No processo civil, dominado pelo princípio do dispositivo, compete às partes o ónus do impulso processual subsequente.

«Tal como para a instauração do processo se exige o pedido da parte [impulso processual inicial: (…)], também o seu andamento ulterior depende de solicitação das partes (impulso processual subsequente). O desenvolvimento do processo tem de ser continuamente estimulado pelas partes (ne judex procedat ex-officio).» [[1]]

A não ser cumprido esse ónus as consequências podem ser diversas, consoante o tipo de processo ou a sua fase.

No processo executivo, a falta de impulso processual por mais de 6 meses acarreta a extinção da instância, por deserção: art. 277º al. c) e 281º nº 5 do CPC.

Pressuposto fundamental para que ocorra a deserção da instância é a negligência do Exequente que deixa de dar impulso ao processo.

Neste contexto, a negligência significa a atitude de quem, devendo assumir um qualquer comportamento, o não faz.

No caso de falecimento de uma das partes, há que proceder à habilitação dos seus herdeiros (art. 351º e seguintes do CPC) o que, no caso, competia à Exequente.

O desconhecimento de quem sejam esses herdeiros não constitui impedimento, pois se permite a instauração do incidente contra incertos: art. 355º do CPC.

Assim, no rigor dos princípios, assistiria razão à Sr.ª Juíza pois tendo a Exequente informado do falecimento do Executado marido em 15/11/2013, passaram-se mais de 6 meses sem instaurar o incidente de habilitação.

Porém, desde há muito que esse corolário do princípio dispositivo sofre restrições, designadamente as decorrentes do princípio da cooperação (art. 7º do CPC) e, hoje [[2]], também, o princípio de gestão processual (art. 6º CPC).

De acordo com o art. 7º nº 4 do CPC, “sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo”.

Ora, invocando necessidade dessa cooperação, veio a Exequente, em 15/11/2013, requerer a notificação da Executada mulher para vir aos autos informar se foi efetuado inventário ou habilitação notarial e se o executado deixou herdeiros, fornecendo os dados relativos à sua identificação.

Tal pretensão tinha todo o sentido, sabidos os inconvenientes dum incidente de habilitação instaurado contra incertos, bem como a diversidade de procedimento do incidente consoante a qualidade de herdeiro esteja ou não já reconhecida noutro processo, tudo a contender com delongas processuais desnecessárias e, por isso, a implicar também o dever de gestão processual por parte do juiz (art. 7º nº 1 do CPC).

Por isso que tal pretensão obteve acolhimento, ordenando-se a pretendida notificação por despacho 02/12/2013.

Ora, a partir daqui, o ónus de impulso processual fica suspenso, enquanto não lhe for comunicado o resultado dessa notificação, ou a ausência de resposta.

Constatada a omissão de cooperação por parte da Executada mulher, haveria que ponderar a sua condenação em multa (cf. art. 7º nº 3 e 417º nº 3 do CPC) e comunicar à Exequente a ausência de resposta.

Só com essa comunicação à Exequente se poderia operar a cessação da suspensão, iniciando-se então o decurso do prazo para a deserção.

Nada lhe tendo sido dito [[3]], veio então a Exequente, em 23/01/2015, requerer informação sobre o resultado dessa notificação.

Ao invés de se informar sobre a ausência de resposta, fazendo-se impender de novo sobre a Exequente o dito ónus de impulso processual subsequente, emitiu-se antes de imediato a deserção da instância, em violação, não só dos mencionados princípios, como também do disposto no nº 3 do art. 3º, na vertente da proibição da decisão-surpresa.

Consequentemente, assistindo razão à Recorrente, incumbe revogar o despacho em crise.

            5.            SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC)
a) Se a parte solicita a cooperação do Tribunal para obtenção da identidade dos herdeiros da contraparte entretanto falecida, o prazo para a deserção da instância, por omissão do ónus de instaurar o competente incidente de habilitação de herdeiros, não inicia a sua contagem enquanto a parte requerente não for notificada do resultado dessas informações ou da impossibilidade de as obter.
b) Enquanto não lhe for dado conhecimento do resultado de diligências de informação por ela promovidas, não se pode considerar existir negligência em não impulsionar o processo.

            III.          DECISÃO

6.            Pelo que fica exposto, e no provimento do recurso, acorda-se nesta secção cível da Relação de Coimbra em revogar o despacho recorrido, antes se ordenando a notificação da Exequente sobre o resultado da notificação efetuada à Executada mulher por ofício datado de 04/12/2013.

Sem custas.

Coimbra, 30/06/2015

(Relatora, Isabel Silva)

(1ª Adjunto, Alexandre Reis)

2º Adjunto, Jaime Carlos Ferreira

***


[[1]] Manuel A. Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 374.
[[2]] Pese embora a ação tenha sido instaurada em 2010, todo o processado aqui em crise ocorreu já no domínio das alterações introduzidas no CPC pela Lei nº 41/2013, de 26.06, em vigor desde 01/09/2013.
[[3]] Atente-se ainda no facto de, não estando a Executada mulher representada por advogado, uma eventual sua resposta não poderia ser efetuada através do Citius, pelo que a Exequente também não poderia almejar o comportamento da Executada pela simples consulta do sistema.