Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7839/15.0T8LSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
REVOGAÇÃO DE CHEQUE
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - C.RAINHA - JL CÍVEL - JUIZ 2 
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.3, 5, 640 CPC, 29 LUCH
Sumário: 1. - Ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., na sentença podem ter assento factos não alegados que, embora ainda essenciais, não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos alegados, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, mesmo que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar.

2. - Só está, pois, afastada a intervenção oficiosa do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais nucleares/principais – os que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas –, continuando aí a manter-se integralmente o princípio do dispositivo.

3. - Já quanto aos demais – factos instrumentais (os substantivamente indiferentes), factos essenciais complementares (os que têm papel completador dos nucleares) ou concretizadores (com função de pormenorizar ou decompor os nucleares) dos alegados –, podendo, mesmo sem alegação, ser atendidos na sentença, ocorre restrição ao princípio do dispositivo, no escopo da obtenção de soluções de justiça material.

4. - Se foi essencial para formação da convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto um elemento de prova gravada que se mostra inaudível/impercetível – tendo o impugnante perdido o recurso em que invocava a invalidade decorrente dessa inaudibilidade/deficiência da gravação –, impedindo o Tribunal de recurso de aceder a esse decisivo elemento de prova, inviabilizada fica a apreciação da impugnação da decisão de facto.

5. - Se o sacador de um cheque, ao transmitir ao banco sacado ordem de revogação por “falta ou vício na formação da vontade por erro”, informa ter emitido e entregue o cheque para pagamento do preço de um veículo, o qual, “quando foi a ver, estava avariado”, tal informação configura motivação suficiente para a revogação e para a recusa de pagamento ao beneficiário do cheque, eximindo o banco de responsabilidade, perante aquele, pelo não pagamento do montante nele inscrito, tanto mais que veio a apurar-se a existência de defeito da coisa vendida.

Decisão Texto Integral:          

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


                                                 ***

I – Relatório

A (…), com os sinais dos autos,

intentou ([1]) ação declarativa comum condenatória contra

C (…), S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R.:

«1. (…) a indemnizar o A., a título de danos patrimoniais sofridos, na quantia de € 7.014,56 (…);

2. (…) a indemnizar o A., a título de danos não patrimoniais sofridos, na quantia de € 500,00 (…);

3. (…) a pagar ao A., a título de juros de mora civis vencidos, sobre a quantia devida ao A. a título de danos patrimoniais, a quantia de € 836,37 (…);

4. (…) a pagar ao A. juros de mora civis vincendos sobre todas as quantias a que, a título de indemnização, venha a ser condenada a pagar ao A., até efectivo e integral pagamento das mesmas.» (cfr. fls. 11 do processo físico).

Alegou, para tanto, em síntese ([2]), que:

- em 24/03/2012, recebeu de J (…) um cheque no valor de € 7.000,00, a descontar sobre uma conta de depósitos sedeada na R.;

- no dia 26/03/2012, tendo apresentado esse cheque à R. para pagamento, o mesmo foi recusado com fundamento em “Revogado Vício - Form. Vontade”;

- em consequência do não pagamento (“devolução”), a R. cobrou ao A. a quantia de € 14,56, a título de “encargos”, ficando o A. privado da dita quantia de € 7.000,00, o que o impossibilitou de liquidar outros compromissos financeiros e o obrigou a recorrer à ajuda de familiares e amigos, o que lhe causou vergonha, embaraço e abatimento;

- a R. devia, no caso, não obstante a revogação do cheque, proceder ao seu pagamento, visto ter sido apresentado a pagamento no prazo legal, sob pena de incorrer em responsabilidade civil extracontratual.

Contestou a R., alegando:

- ter-lhe, em 26/03/2012, o seu cliente J (…) dado ordem de não pagamento quanto ao aludido cheque, invocando “erro vício sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio”, com preenchimento de formulário para o efeito;

- em face de tal comunicação, em que a R. acreditou, em cumprimento dos deveres contratuais para com o seu cliente, recusou o pagamento do cheque.

Assim, concluindo pela total improcedência da ação, requereu a intervenção principal de J (…), que foi admitida na posição de associado da R..

Citado o Chamado, este interveio nos autos, mediante a dedução de contestação, onde concluiu também pela total improcedência da ação.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e da temática da prova.

Procedeu-se a julgamento, após o que, produzidas as provas, foi observado o princípio do contraditório quanto a facto novo considerado indiciado e, como tal, resultante da discussão da causa, apesar de não alegado, com vista ao seu possível aproveitamento como facto complementar à defesa deduzida pela R. “C (…)”, ao que o A. se opôs.

Foi depois proferida sentença ([3]), julgando a ação totalmente improcedente, com absolvição da R. e do Chamado do pedido formulado.

Da sentença, vem o A., inconformado, interpor recurso ([4]), apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

(…)

Contra-alegaram o Chamado e a R., pugnando aquele pela rejeição liminar do recurso e esta pela rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto e improcedência da apelação.


***

O recurso foi admitido – por tempestivo, ante o pagamento de multa prevista no art.º 139.º, n.º 5, al.ª c), do NCPCiv. – como de apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso ([5]), cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([6]) –, importa saber ([7]):

a) Se foram violados os princípios do dispositivo e do contraditório, obrigando à exclusão do ponto de facto n.º 7 do quadro factual dado como provado;

b) Se é admissível a impugnação da decisão de facto, ante os moldes em que empreendida, e, caso o seja, se ocorre erro de julgamento de facto da 1.ª instância ou se, desde logo, a apreciação de tal impugnação resulta inviabilizada por inaudibilidade insuprível de decisiva prova gravada;

c) Se resultam demonstrados os pressupostos da pretendida obrigação indemnizatória e respetivo quantum.


***

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade julgada provada na sentença:

«1. No dia 24.03.2012, em x (...), J (…), entregou ao A. o “cheque” n.º 00 (...), no valor de € 7.000,00 (sete mil euros), com data de emissão de 24.03.2012, sobre a conta bancária n.º (…)  domiciliada na C (…), aqui ré, titulada pelo mesmo J (…) – artigos 3.º a 10.º da petição inicial.

2. No dia 26.03.2012, o A. apresentou do cheque acima identificado a pagamento, junto do balcão da R. em x (...) – artigos 1.º e 2.º da petição inicial.

3. Sucede que, no mesmo dia 26.03.012, a ré recusou pagar o cheque e procedeu à sua “devolução”, – artigo 11.º da petição inicial

4. Apondo no verso de tal “cheque”, a seguinte expressão: “Revogado Vício – Form. Vontade” – artigo 13.º da petição inicial

5. Cobrando ao A., por débito na conta bancária n.º 11 (...) por ele titulada junto da R., a título de “encargo” com a “devolução” ocorrida, a quantia de € 14,56 – artigos 16.º a 18.º da petição inicial.

6. O Chamado J (…), no dia 26.03.2012 deu à C (…) uma ordem de não pagamento no que concerne ao cheque n.º 00 (...), no valor de € 7.000,00 (sete mil euros), com data de emissão de 24.03.2012, sacado sobre a conta bancária n.º 22 (...), domiciliada na C (…) aqui ré, titulada pelo mesmo J (…) – artigo 6.º da contestação da ré.

7. Para tanto, o Chamado J (…), no dia 26.03.2017 de manhã, deslocou-se ao balcão da C (…) e informou que tinha emitido e entregue o cheque acima identificado a um indivíduo para pagar um veículo mas que, quando foi a ver, o mesmo estava avariado,

8. Tendo preenchido e assinado o documento de fls. 40, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:

Cancelamento de cheques

Nº da conta: (…)

Cancelamento do(s) cheque(s) nº(s): 33 (...)

Por motivo de:

Falta ou vicio na formação da vontade por:

Erro vício sobre a pessoa ou sobre o objeto do negócio: O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio.

Os titulares abaixo assinados declaram:

1- Assumir perante a C (…) toda a responsabilidade extracontratual e eximir a C (…)e toda e qualquer responsabilidade por eventuais danos para terceiros resultantes do não pagamento do cheque, eventualmente resultante de falsas declarações;

2- Ter conhecimento de que caso o beneficiário se dirija à C (…) para perceber a razão da devolução do cheque, a C (…) não só lhe comunicará a identificação do ordenante da revogação e o respetivo motivo, como também o informará de que caso considere que o motivo indicado não é verdadeiro pode accionar judicialmente o ordenante, na mediada em que a conduta deste pode configurar um crime de cheque sem provisão ou de burla.

Assinatura do titular: J (…). – artigo 7.º da contestação da ré

9. O Chamado J (…) não tinha apontes bancários – artigo 8.º da contestação da ré.

10. Os funcionários da agência da C (…)confiaram na veracidade da comunicação do Chamado e que não se tratava de um expediente para não pagar o dito cheque – artigos 8.º, 9.º, 12.º e 13.º da contestação da ré.

11. Em Março de 2012, o chamado J (…) reparou num anúncio publicado pelo autor, publicitando a venda de um tractor agrícola usado – artigo 5.º da contestação do Chamado.

12. Estabelecido o contacto telefónico, no dia 24.03.2012 o chamado deslocou-se às x (...) onde se encontrou com o autor – artigo 6.º da contestação do Chamado.

13. Tendo o autor mostrado ao chamado o tractor para venda – artigo 7.º da contestação do Chamado.

14. Tractor que se encontrava guardado no interior de um armazém, – artigo 8.º (parte) da contestação do Chamado

15. O dia em causa achava-se chuvoso, o que impossibilitou o chamado de experimentar o veículo em circulação – artigo 9.º da contestação do Chamado.

16. No entanto, o autor garantiu ao chamado que o veículo se encontrava em perfeito estado de funcionamento – artigo 10.º da contestação do Chamado.

17. E capaz de desempenhar todas as tarefas agrícolas inerentes às respectivas características e alfaias, – artigo 11.º da contestação do Chamado

18. Nomeadamente de circular em condições de normalidade – idem.

19. Perante as garantias prestadas pelo autor, e atendendo à impossibilidade de o Chamado experimentar o veículo em circulação, devido à chuva, ficou combinado entre ambos que o Chamado levaria o veículo, ficando o autor com um cheque correspondente ao preço, o qual apenas seria depositado caso o tractor se encontrasse em bom estado de funcionamento – artigo 12.º da contestação do Chamado.

20. Razão pela qual, nesse mesmo dia o Chamado entregou ao autor o cheque nos termos acima descritos em 1) – artigos 12.º e 13.º da contestação do Chamado.

21. Após indicação e contacto prédio do irmão do autor, o Chamado contratou um transportador que nesse dia fez o transporte do veículo até às instalações indicadas pelo Chamado – artigo 14.º da contestação do Chamado.

22. Quando o chamado recebeu o tractor nas suas instalações, verificou que as rodas do eixo dianteiro tinham um ângulo de brecagem (viragem) inferior ao ângulo normal de brecagem (viragem) de um tractor com as mesmas características – artigos 15.º e 16.º da contestação do Chamado.

23. Tornando impossível a normal circulação do tractor e a sua utilização na realização das tarefas agrícolas a que o Chamado o destinava – artigos 17.º e 20.º da contestação do Chamado.

24. Limitação mecânica que o autor conhecia e que não podia ignorar.

25. Nesse mesmo dia o Chamado transmitiu ao autor, telefonicamente, os factos acima descritos em 20) e 21) – artigo 21.º da contestação do Chamado.

26. Ao que o autor respondeu que, se algum problema existisse, seria resolvido – artigo 22.º da contestação do Chamado.

27. Mais garantiu ao chamado que não depositaria o cheque enquanto o veículo não estivesse em perfeitas condições – artigo 23.º da contestação do Chamado.

28. Por mera cautela, no dia 26.03.2012, segunda-feira, o Chamado dirigiu-se ao seu banco, aqui ré, e ordenou que o pagamento do cheque não fosse efectuado nos termos descritos em 7) e 8) – artigo 24.º da contestação do Chamado.

29. Após a ordem de cancelamento, o Chamado informou o autor de tal facto – artigo 25.º da contestação do Chamado.

30. Que garantiu que tudo iria ser resolvido – idem.

31. No entanto, o autor não mais contactou o Chamado, nem procurou resolver o problema mecânico do tractor – artigo 26.º da contestação do Chamado.

32. No dia 29.03.2012, o Chamado enviou ao A. uma carta registada com aviso de recepção, por ele recebida no dia 30.03.2012, com o seguinte conteúdo:

Assunto: Tractor Ford 4000 com matrícula (...)

Exmos Senhor,

De acordo com conversa telefónica dos passados dias 25, 26 e 27 de Março de 2012 venho, deste modo, confirmar por escrito que não pretendo adquirir o Tractor de Marca Ford que me enviou à consignação.

Conforme conversa telefónica do passado dia 26 de Março de 2012, tendo em conta que decidi não ficar com o tractor em questão, anulei o meu cheque nº 44 (...) da Caixa (...) no valor de 7.000,00 € que lhe confiei como caução e que agora agradeço que o mesmo seja devolvido.

Também, de acordo com o combinado, suporto os encargos de transporte de ida e de volta do tractor, os quais pagarei directamente ao transportador. – artigos 27.º e 28.º da contestação do Chamado.

33. O A. não respondeu à carta enviada pelo chamado – artigo 29.º da contestação do Chamado.

34. No dia 30.03.2012, o chamado contratou o transportador que tinha feito o transporte inicial, a fim de este transportar o veículo até à residência do A. – artigo 30.º da contestação do Chamado.

35. Transporte que foi efectuado nesse dia – artigo 31.º da contestação do Chamado.

36. Tendo o transportador contactado o autor para lhe entregar o tractor – artigos 30.º e 31.º da contestação do Chamado.

37. Até à presente data, o autor não devolveu o cheque ao Chamado – artigo 32.º da contestação do Chamado.».

E foi julgado não provado:

«a. Em consequência do não pagamento do cheque, o réu viu-se impossibilitado de liquidar compromissos financeiros que havia assumido com terceiros,

b. E outras despesas que, anteriormente ao recebimento do cheque, já havia assumido com terceiros.

c. Vendo-se obrigado, por forma a fazer face a todas as suas despesas e obrigações, a recorrer à ajuda financeira de familiares e amigos.

d. Em consequência dos factos acima descritos, o A. sentiu-se sobremaneira envergonhado, embaraçado e abatido.

e. O armazém referido em 14) tinha visibilidade reduzida – artigo 8.º (parte) da contestação do Chamado.

f. O tractor havia sido modificado, tendo-lhe sido aplicado um dispositivo mecânico que reduzia a brecagem das rodas do eixo dianteiro – artigo 19.º da contestação do Chamado.

g. No contexto descrito em 29), o autor aceitou tal facto – artigo 25.º (parte) da contestação do Chamado.».


***

B) Da violação dos princípios do dispositivo e do contraditório

Defende o Recorrente que, para além de inobservância do disposto no art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv. (princípio do contraditório), foi violado o princípio do dispositivo, obrigando à exclusão/desconsideração do facto n.º 7 do quadro factual dado como provado (infração ao disposto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, al.ª b), do mesmo Cód.).

Assim, considera, desde logo, tratar-se de um facto essencial nuclear não alegado, a não poder, por isso, ser usado pelo Tribunal, posição esta contrária à adotada na sentença, onde foi entendido tratar-se de facto complementar.

Com efeito, pode ler-se na decisão recorrida:

«(…) entendo que o facto acima descrito sob o n.º 7 dos factos provados configura um complemento dos factos principais oportunamente alegados pela ré nos artigos 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da respectiva contestação, sendo certo que reveste manifesta relevância para a procedência da excepção (facto impeditivo do direito do autor) oposta pela ré.

Destarte, ao abrigo do disposto no art. 5.º n.º 2 al. b) do novo CPC, decido considerar, para efeitos da presente decisão, o facto acima enunciado sob o n.º 7 dos factos provados, porquanto sendo o mesmo complementar aos factos essenciais articulados pela ré, resultou da instrução da causa nos termos que infra se motivarão.».

Cabe, então, saber se estamos perante um facto essencial nuclear ou, diversamente, facto essencial complementar.

O discutido facto insere-se num conjunto/complexo fáctico que cabe começar por lembrar, com o seguinte desenvolvimento:

«6. O Chamado J (…), no dia 26.03.2012 deu à C (…) uma ordem de não pagamento no que concerne ao cheque n.º 00 (...), no valor de € 7.000,00 (…) – artigo 6.º da contestação da ré.

7. Para tanto, o Chamado J (…), no dia 26.03.2017 de manhã, deslocou-se ao balcão da C (…) e informou que tinha emitido e entregue o cheque acima identificado a um indivíduo para pagar um veículo mas que, quando foi a ver, o mesmo estava avariado,

8. Tendo preenchido e assinado o documento de fls. 40, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:

Cancelamento de cheques

Nº da conta: (…)

Cancelamento do(s) cheque(s) nº(s): 33 (...)

Por motivo de:

Falta ou vicio na formação da vontade por:

Erro vício sobre a pessoa ou sobre o objeto do negócio: O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio.

Os titulares abaixo assinados declaram:

1- Assumir perante a C (…) toda a responsabilidade extracontratual e eximir a C (…) de toda e qualquer responsabilidade por eventuais danos para terceiros resultantes do não pagamento do cheque, eventualmente resultante de falsas declarações;

2- Ter conhecimento de que caso o beneficiário se dirija à C (…)para perceber a razão da devolução do cheque, a C (…) não só lhe comunicará a identificação do ordenante da revogação e o respetivo motivo, como também o informará de que caso considere que o motivo indicado não é verdadeiro pode accionar judicialmente o ordenante, na mediada em que a conduta deste pode configurar um crime de cheque sem provisão ou de burla.

Assinatura do titular: J (…). – artigo 7.º da contestação da ré».

De notar ainda que, sob os aludidos art.ºs 6.º a 9.º da contestação da R., foi alegado, para além do mais, o que consta daqueles pontos 6.º e 8.º dos factos dados como provados (bem como dos subsequentes pontos 9.º e 10.º).

Ora, vem sendo entendido que os factos essenciais nucleares ou principais são apenas aqueles que, pelo lado do autor, “constituem a causa de pedir” ou, pelo lado do réu, “fundam as exceções deduzidas” (art.º 5.º, n.º 1, do NCPCiv.), sendo os demais, se ainda essenciais, factos complementares ou concretizadores (daqueles) ou, não assumindo tal essencialidade, factos meramente instrumentais.

Assim, como sumariado em Ac. desta Relação datado de 17/01/2017 ([8]):

«1. - Ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., na sentença podem ter assento factos não alegados que, embora ainda essenciais, não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos alegados, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, mesmo que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar.

2. - Só está, pois, afastada a intervenção oficiosa do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais nucleares/principais – os que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas –, continuando aí a manter-se integralmente o princípio do dispositivo.

3. - Já quanto aos demais – factos instrumentais (os substantivamente indiferentes), factos essenciais complementares (os que têm papel completador dos nucleares) ou concretizadores (com função de pormenorizar ou decompor os nucleares) dos alegados –, podendo, mesmo sem alegação, ser atendidos na sentença, ocorre restrição ao princípio do dispositivo, no escopo da obtenção de soluções de justiça material.».

E, como desenvolvido na fundamentação desse aresto:

«Seguro é que às partes cabe o ónus de alegar os factos (art.º 5.º do NCPCiv. e, anteriormente, os art.ºs 664.º e 264.º, ambos do CPCiv. revogado), sem prejuízo de, excecionalmente, o Tribunal poder considerar factos não articulados por tais partes.

Assim, dispõe o art.º 5.º do NCPCiv. que cabe às partes o ónus de alegar os factos essenciais constituintes da causa de pedir e fundantes das exceções deduzidas (n.º 1), acrescentando serem ainda considerados pelo Tribunal (n.º 2), para além de outros (que para o caso não relevam), os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (al.ª a)), bem como os (essenciais) que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham as partes tido a possibilidade de se pronunciar (al.ª b)).

Como refere Abrantes Geraldes ([9]), «importa reflectir nas modificações operadas em sede de delimitação dos “temas da prova”, por contraposição com o anterior sistema assente em “pontos de facto da base instrutória” ou com o anacrónico sistema dos “quesitos”, impondo-se agora se atenuem os efeitos de um determinado e frequentemente excessivo rigorismo formal, já criticável perante o sistema anterior», determinando o novo sistema «que a produção de prova em audiência tenha por objecto “temas da prova”(art. 596.º) enunciados na audiência prévia, em vez de incidir sobre “factos” sincopados, tendo-se optado por inscrever a decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença (art. 607.º, n.º 3)», perante o que será de admitir «uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais que deixem a justiça à porta do tribunal» ([10]).

E o próprio CPCiv. revogado – já desde a redação dada pela Lei n.º 180/96, de 25-09 – previa a “consideração, mesmo oficiosa, de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa” (respetivo art.º 264.º, n.º 2), bem como dos “factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório” (n.º 3 do mesmo normativo).

Como vem entendendo o STJ ([11]):

«Com as últimas reformas do processo civil, porém, as partes, por um lado, perderam o quase monopólio que detinham sobre a lide, e, por outro, o Tribunal passa a assumir uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material, ou seja, a alcançar a justa composição do litígio que é, em derradeira análise o fim último de todo o processo.

(…) Reconhece-se, agora, ao Juiz a “possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, os factos meramente instrumentais e [d]os utilizar quando resultem da instrução e julgamento da causa”».

No mesmo sentido se chama a atenção para a necessidade de «considerar de uma forma inovadora em face do NCPC que a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto. Para o efeito já não valem, como valiam em face do art. 646º, nº 4, do anterior CPC (…), os argumentos de pendor formalista. Mais do que nunca, é possível agora o juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art. 5º, nº 2.

O modelo processual introduzido pela reforma é o da prevalência do fundo sobre a forma, de acordo com uma nova filosofia que vê no processo um instrumento, um meio de alcançar a justa composição do litígio, de chegar à verdade material pela aplicação do direito substantivo.

Atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório. Na verdade, continua a caber às partes a definição do objecto do litígio (…).

Certo é, porém, que (…) o juiz tem agora a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente (…)» ([12]).

O tribunal pode agora, ao abrigo do dito art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., acolher para a decisão factos que, embora ainda essenciais, já não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e mesmo que a parte nenhuma vontade tenha manifestado quanto à sua utilização (seja por os não ter alegado ou por não ter manifestado tal vontade na sequência do respetivo conhecimento no âmbito da instrução).

Assim, só está afastada a intervenção oficiosa corretiva do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais “nucleares” ou “principais” (aqueles que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas), continuando a manter-se de forma irrestrita o princípio do dispositivo. Já quanto aos demais (factos instrumentais ou factos essenciais que sejam complementares ou concretizadores de outros alegados pelas partes) poderão os factos não alegados ser tidos em conta pelo tribunal, sem limitações relativamente aos instrumentais e com sujeição à possibilidade de exercício do contraditório no concernente aos restantes (essenciais).

Como refere Paulo Pimenta ([13]), os factos essenciais nucleares – diversamente e por contraposição aos factos essenciais complementares e concretizadores – «constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da excepção, desempenhando uma função individualizadora ou identificadora, a ponto de a respectiva omissão implicar a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da excepção», enquanto os “complementares” e os “concretizadores”, «embora também integrem a causa de pedir ou a excepção, não têm já uma função individualizadora» ([14]) ([15]).

Quanto aos factos meramente instrumentais, serão eles os não substantivamente relevantes (…)».

Nesta perspetiva, o mencionado facto n.º 7 não parece assumir, no contexto da defesa da R., o relevo de um facto fundante da matéria de exceção deduzida, mas antes o papel de complemento de factualidade essencial nuclear.

Assim, factualidade nuclear da matéria de exceção (como seu “núcleo primordial”) era, salvo o devido respeito, a dos factos n.º 6 – o Chamado J (…)em dia determinado, deu à C (…) uma ordem de não pagamento do cheque (art.º 6.º da contestação da R.) – e n.º 8 – com o preenchimento, para tanto, e assinatura do documento de fls. 40, cujo teor foi dado por integralmente reproduzido (art.º 7.º da mesma contestação) –, da qual, porém, o controverso facto n.º 7 se assume como complemento ou desenvolvimento, ainda que também essencial.

Com efeito, alegada e situada/concretizada a ordem de não pagamento do cheque, é ainda complementar – por não extravasar do quadro factual da matéria de exceção invocada – o consignar-se que, para tanto, o Chamado, no dia 26.03.2017 de manhã, se deslocou ao balcão da C (…) e informou que tinha emitido e entregue o cheque acima identificado a um indivíduo para pagar um veículo mas que, quando foi a ver, o mesmo estava avariado.

Em suma, concordando-se que estamos perante “um complemento dos factos principais oportunamente alegados pela ré”, improcede a invocada violação do princípio do dispositivo e do art.º 5.º do NCPCiv., antes cabendo atender a tal factualidade complementar em prol de soluções de justiça material.

E também se nos afigura claro não ocorrer violação do princípio do contraditório, tal como previsto no art.º 3.º, n.º 3, do mesmo Cód..

Com efeito, o Tribunal a quo não deixou, ainda que após a produção da prova – mas antes da prolação da sentença –, de emitir despacho, datado de 06/12/2017 (como consta de fls. 185 do processo físico), com recorte do facto em discussão (ali claramente identificado/delimitado), dando nota de se tratar de facto não alegado, mas, como complementar à defesa deduzida pela R., resultante da instrução da causa, e concedendo às partes a oportunidade de se pronunciarem, nos termos previstos no “art. 5.º, n.º 2, al. b), in fine, do novo CPC”.

Quer dizer, ao assim proceder, o Tribunal recorrido deu cumprimento ao princípio do contraditório a que alude o art.º 3.º, n.º 3, do mesmo NCPCiv., perante o que o A. veio tomar posição, mediante peça processual constante de fls. 186 e seg. do processo físico, onde pugnou pela desconsideração do “putativo facto” em questão.

E nem se diga – com todo o respeito – que tal apenas ocorreu após o encerramento da audiência final, para assim inculcar a ideia de que ficou impedida ao A. a produção de provas quanto ao novo facto, deixando beliscado o princípio do contraditório em matéria probatória, posto que, caso pretendesse produzir outras provas, cabia a tal A. sinalizá-lo naquela peça processual de exercício do contraditório, o que não fez ([16]).

Donde, pois, a improcedência da argumentação do Recorrente em contrário.

C) Impugnação da decisão da matéria de facto

Da admissibilidade e viabilidade da impugnação

Não se conforma o A./Apelante com a decisão de facto proferida, pugnando pela sua modificação e concluindo que diversos factos dados como provados (que identifica) deverão ser objeto de inversão de julgamento, de molde a serem dados como não provados pela Relação.

Já a R./Apelada começa por defender a rejeição liminar da impugnação da decisão da matéria de facto, por inobservância do ónus de indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso (art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv.), não bastando a indicação da data da sessão de julgamento em que ocorreram os depoimentos gravados nem a apresentação de extratos de tais depoimentos.

Assim, deve, desde logo, colocar-se a questão da (in)admissibilidade da empreendida impugnação da decisão de facto.

Com efeito, esperava-se que o Apelante esclarecesse devidamente – nas suas conclusões –, não só quais os factos que, na sua ótica, foram julgados erradamente, como ainda quais as concretas provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito objetivo e probatório da impugnação de facto, devendo, ademais, indicar com exatidão, baseando-se em prova gravada, as passagens da gravação em que se fundasse, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição ([17]), sem prescindir da expressa indicação do sentido decisório pretendido, como tudo resulta do disposto no art.º 640.º do NCPCiv., que dispõe quanto aos obrigatórios ónus a cargo do recorrente impugnante da decisão de facto.

Como bem explicita Abrantes Geraldes ([18]), “(…) b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…)”.

Para depois concluir que a rejeição do recurso – total ou parcial – quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, na situação de “Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, acrescentando que “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([19]).

Ante este quadro referencial, parece notório – salvo o devido respeito por diverso entendimento – que o Apelante não observou cabalmente os ónus, a seu cargo, tal como estabelecidos pelo art.º 640.º do NCPCiv. – conjugado com o art.º 639.º do mesmo Cód. –, pois que omitiu – nas conclusões e na antecedente alegação recursória – a necessária indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso, desde logo quanto à gravada prova por declarações de parte do Chamado, J (…)  , elemento de prova este que foi essencial para a formação da impugnada convicção do Tribunal recorrido ([20]).

É patente, pois, que o Apelante se limitou, neste particular, a indicar o nome daquele Chamado, J (…), a data da prestação das respetivas declarações e a hora do início e do final da respetiva gravação.

O mesmo tendo feito quanto a diversas testemunhas cujos depoimentos convoca e quanto a declarações de perito em audiência, sendo certo, todavia, que, relativamente à prova testemunhal e por declarações periciais, apresentou transcrição parcial, porém, sempre destituída de qualquer indicação quanto aos tempos concretos (horas, minutos e segundos) da respetiva gravação (impedindo, assim, a determinação temporal quanto a cada segmento da transcrição e a decorrente operação de correspondência com a gravação da prova).

Falta, pois, a observância do ónus – decorrente de preceito legal imperativo – de indicação exata das passagens da gravação em que se funda ([21]), para o que a lei concedia um prazo recursório acrescido de dez dias à parte recorrente (art.º 638.º, n.º 7, do NCPCiv.).

Vício este determinante da “imediata rejeição do recurso na respetiva parte”, como dispõe aquele preceito imperativo do n.º 2, al.ª a), do art.º 640.º do NCPCiv. ([22]).

Especificamente sobre o ónus legal de indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recorrente e consequências da respetiva omissão, veja-se ainda o Ac. STJ de 19/02/2015 ([23]), em cujo sumário pode ler-se:

«(…) 3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.

4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.

5. Nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações (…)».

Atente-se ainda no Ac. STJ de 26/05/2015 ([24]), em cujo sumário consta que, «Se o recorrente não alegar, ou alegando, não concluir, o requerimento de interposição do recurso é indeferido, nos termos do estipulado pelo art. 641.º, n.º 2, b), do CPC, mas se alegar e concluir, faltando as especificações quanto à exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, o mesmo é, imediatamente, rejeitado …».

Em suma, apesar da transcrição parcelar oferecida, faltando, in casu, as especificações quanto à exatidão das passagens da gravação – que aquela transcrição não substitui nem ajuda a determinar temporalmente – em que o Apelante se funda (que não constam da alegação nem das conclusões recursórias), comprometida fica, por razão de ordem formal, a impugnação empreendida, pois que toda baseada em prova por declarações e depoimentos objeto de gravação, restando, por isso, a rejeição desta parte do recurso.

Mas mesmo que assim não se entendesse, nem por isso a impugnação seria de acolher, agora por falta de acesso a prova decisiva gravada.

Vejamos.

O Chamado, J (…), prestou, como dito, declarações de parte, que foram decisivas para formação da convicção do Tribunal, quanto ao factualismo objeto de impugnação, como resulta da fundamentação da convicção exarada na sentença – o Julgador conferiu credibilidade a esse elemento de prova e nele, por isso, se fundou fortemente – e como reconhecido pelo próprio impugnante.

Ora, como também este admite, tal prova por declarações de parte padece de deficiência na respetiva gravação (“manifesta e evidente”), “impedindo” o Recorrente e o Tribunal de recurso de a ela aceder em moldes satisfatórios (cfr. as já aludidas fls. 231 v.º e 232 do processo físico).

Na verdade, ouvidos os registos áudio, constata-se que essa prova por declarações de parte ([25]) se encontra, no essencial, inaudível ou impercetível, impedindo a sindicância probatória pelo Tribunal da Relação, posto o relato do declarante se apresentar invariavelmente acompanhado de elevado ruído, que impede a compreensão do declarado.

Assim, assiste razão ao Recorrente quando afirma que essa deficiência da gravação impede este Tribunal ad quem de aceder ao teor das declarações do Chamado, sendo impossível, por isso, fixar-lhes o sentido e alcance.

Tratando-se, como visto, de elemento de prova essencial à decisão da causa, posto nele se ter fundado decisivamente o Tribunal a quo, âmbito em que radica profundamente a discordância do Apelante, inviabilizada fica a reapreciação dessa prova e, por consequência, a sindicância das respostas proferidas e impugnadas.

Efetivamente, por falta de acesso a parte essencial da prova produzida, a Relação não está em condições de poder apreciar e alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, não podendo afirmar-se, nestas condições, que a prova produzida imponha decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.), sendo ainda certo, por outro lado, que a matéria de deficiência da gravação já foi objeto de decisão, até desta Relação, transitada em julgado, em sentido desfavorável ao A./Recorrente.

Forçosa é, assim, a conclusão no sentido da rejeição ou improcedência manifesta da impugnação da decisão da matéria de facto, improcedendo as conclusões do Recorrente em contrário e ficando estabilizada – assim tornada definitiva – a decisão de facto da 1.ª instância.


***

D) Substância jurídica do recurso

Da verificação dos pressupostos da obrigação indemnizatória

O A., tendo recebido um cheque do Chamado, título esse que, apresentado à R. (entidade bancária sacada) para pagamento – por conter uma ordem de pagamento dirigida ao banco pelo sacador –, foi objeto de recusa de pagamento com fundamento em revogação por invocado “vício na formação da vontade”, pretende a responsabilização do banco (R.) por indevida/ilícita recusa em tal pagamento ao beneficiário.

Na sentença entendeu-se, em matéria de direito ([26]), que:

«(…) a revogação do cheque no prazo de pagamento é eficaz [sem que o sacado incorra em qualquer tipo de responsabilidade] desde que a mesma assente em justa causa [por o cheque ter sido objecto de furto, roubo, extravio, coacção moral, incapacidade acidental ou qualquer outra situação em que manifeste falta ou vício na formação da vontade], e existam indícios sérios do alegado vício.

Descendo ao caso em análise, está provado que a ré e o chamado convencionaram a utilização de cheques por este último e que, no âmbito de tal convenção, o Chamado emitiu e entregou um cheque ao autor para pagamento do preço de um tractor que lhe adquiriu. Porém, mais se demonstrou que, tendo ao autor apresentado o dito cheque a pagamento no prazo legal para o efeito, a ré recusou o seu pagamento com fundamento na respectiva revogação pelo sacador.

(…) o sacador, ora chamado, justificou junto da ré o motivo da dita revogação com fundamento na existência de erro sobre o objecto do negócio celebrado com o autor e subjacente à emissão e entrega do dito cheque.

Nos termos do 905.º do Código Civil (CC), por remissão do art. 913.º n.º1 do mesmo código, em caso de compra e venda, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias à realização aquele fim, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade.

Ao remeter para os requisitos gerais da anulabilidade, considera a lei aplicáveis as disposições dos arts. 251.º – erro sobre o objecto do negócio – e 247.º – para que o anterior remete – designadamente no tocante à essencialidade do erro e à sua recognoscibilidade para o declaratário.

(…).

Ora, vem provado que, no âmbito do contrato de compra e venda acordado entre o autor e o Chamado, o autor sabendo que o Chamado pretendia adquirir o tractor para o utilizar na actividade agrícola, assegurou a este que o dito tractor se encontrava em perfeito estado de funcionamento e era capaz de desempenhar todas as tarefas agrícolas inerentes às respectivas características e alfaias. Porém, mais se provou que o referido tractor, ao contrário do que havia sido assegurado pelo autor, apresentava um ângulo de brecagem (viragem) do eixo dianteiro inferior ao ângulo normal de brecagem de um tractor com as mesmas características e que tal desconformidade (redução do ângulo de brecagem) impossibilitava a normal circulação do veículo e a sua utilização nas tarefas agrícolas a que o chamado o destinava.

Como tal, a matéria de facto apurada, não consente dúvidas no que concerne à falta das qualidades, do tractor, asseguradas pelo vendedor (autor) e necessárias à realização do fim a que é destinado (circulação e utilização na actividade agrícola) nos termos e para os efeitos do disposto no art. 913.º do CC, ou seja, na existência de erro-vício sobre o objecto do contrato. Como também não no tocante à essencialidade deste e cognoscibilidade dessa essencialidade por parte do vendedor, aqui autor.

E, como tal, não restam igualmente dúvidas quanto à existência e eficácia da “justa causa” invocada pelo Chamado para efeitos de revogação do cheque dos autos e, consequentemente, quanto à licitude da actuação da ré na recusa de pagamento do referido cheque ao autor.

Nestes termos, assiste justa causa legitimadora da recusa da ré, na qualidade de Banco sacado, em pagar o montante do cheque apresentado pelo autor, ainda que no prazo legal para o efeito.

(…) caso assim não se entendesse, em face da anulabilidade do negócio acordado com o Chamado, da prova da entrega do veículo por este e da resposta negativa dada aos factos descritos sob as alíneas a) a d), a pretensão do autor sempre sucumbiria pela ausência de danos, pelo menos no que concerne ao valor titulado pelo cheque e à indemnização peticionada para compensação dos danos não patrimoniais.».

Contrapõe o A./Apelante (conclusão 4.ª) que, apresentado a pagamento dentro do prazo previsto no art.º 29.º, primeira parte, da LUCH, e não tendo o Chamado, aquando da ordem de revogação/cancelamento do cheque, oferecido qualquer concreta justificação ou fundamento para a revogação, limitando-se, somente, a solicitar tal revogação/cancelamento, a R. (banco sacado) não podia recusar o pagamento ao A./beneficiário, sob pena de responder por perdas e danos causados, indemnizando o ora A./Apelante.

Ao assim argumentar, fundava-se o Recorrente na procedência da sua impugnação da decisão de facto, com passagem dos factos impugnados da lista dos provados para o quadro dos não provados, âmbito em que, como visto, soçobrou.

Era, pois, essencial pressuposto desta apelação que o facto n.º 7 do elenco do factualismo dado como provado houvesse de ser suprimido desse elenco, no momento da sindicância recursiva, fosse por inadmissível acolhimento de facto não alegado, fosse por insustentável juízo probatório positivo.

Porém, como visto, esse facto mantém-se, ainda agora, como facto provado e atendível, aliás, relevante para a decisão da causa.

Assim, subsiste provado que o Chamado, “no dia 26.03.2012 deu à Caixa (...) uma ordem de não pagamento no que concerne ao cheque” em causa (facto n.º 6), para o que, na manhã desse dia, se deslocou “ao balcão da C (…) e informou que tinha emitido e entregue o cheque (…) a um indivíduo para pagar um veículo mas que, quando foi a ver, o mesmo estava avariado” (dito facto provado n.º 7).

Cai, pois, por terra, como é forçoso concluir, a argumentação – por não sustentada, antes repelida, no factualismo provado – no sentido de, aquando da ordem de revogação/cancelamento do cheque, não ter sido oferecida concreta justificação ou apresentado específico fundamento para a revogação daquele.

Ao invés, como exarado na sentença – e bem refletido nos factos apurados –, foi o banco sacado informado pelo respetivo sacador que tinha emitido e entregue o cheque para pagamento do preço de um veículo mas que, quando foi a ver, o mesmo estava avariado, defeito esse da coisa vendida que resulta também demonstrado.

Perante o que só pode concluir-se – contrariamente ao pretendido pelo A./Apelante – por estar motivada a revogação do cheque, motivação essa logo transmitida ao banco sacado ao tempo da revogação pelo sacador, sustentando a conduta da R. de recusa de pagamento do cheque revogado.

Falece, assim, o argumento remanescente apresentado pelo Recorrente na sua apelação, o da ilicitude da conduta da R. por via de falta de motivação/fundamentação da declaração revogatória.

Perspetiva, aliás, reforçada pela subsistência do juízo de provado quanto à demais factualidade objeto de impugnação recursiva do Apelante, factualidade essa a mostrar, de forma exuberante, não apenas o relacionamento sobrante entre as partes no contrato tendente à transmissão do veículo, mas ainda o aspeto defeituoso deste e a motivação do A. para, apesar disso, satisfazer a sua pretensão ao montante do acordado preço, com transferência agora – face à esquiva da esfera patrimonial do Chamado/sacador – para a esfera da R./sacada.

Em suma, salvo o devido respeito, naufraga a pretensão indemnizatória do Recorrente, que não mostra que algo haja a censurar à sentença impugnada, a qual, por isso, deve ser integralmente mantida.

 

                                                 ***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., na sentença podem ter assento factos não alegados que, embora ainda essenciais, não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos alegados, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, mesmo que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar.

2. - Só está, pois, afastada a intervenção oficiosa do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais nucleares/principais – os que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas –, continuando aí a manter-se integralmente o princípio do dispositivo.

3. - Já quanto aos demais – factos instrumentais (os substantivamente indiferentes), factos essenciais complementares (os que têm papel completador dos nucleares) ou concretizadores (com função de pormenorizar ou decompor os nucleares) dos alegados –, podendo, mesmo sem alegação, ser atendidos na sentença, ocorre restrição ao princípio do dispositivo, no escopo da obtenção de soluções de justiça material.

4. - Se foi essencial para formação da convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto um elemento de prova gravada que se mostra inaudível/impercetível – tendo o impugnante perdido o recurso em que invocava a invalidade decorrente dessa inaudibilidade/deficiência da gravação –, impedindo o Tribunal de recurso de aceder a esse decisivo elemento de prova, inviabilizada fica a apreciação da impugnação da decisão de facto.

5. - Se o sacador de um cheque, ao transmitir ao banco sacado ordem de revogação por “falta ou vício na formação da vontade por erro”, informa ter emitido e entregue o cheque para pagamento do preço de um veículo, o qual, “quando foi a ver, estava avariado”, tal informação configura motivação suficiente para a revogação e para a recusa de pagamento ao beneficiário do cheque, eximindo o banco de responsabilidade, perante aquele, pelo não pagamento do montante nele inscrito, tanto mais que veio a apurar-se a existência de defeito da coisa vendida.

                             

                                                 ***

V – Decisão

Pelo exposto, negando-se provimento à apelação, mantém-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pelo A./Apelante.

                                                 ***

Coimbra, 15/01/2019

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinatura eletrónica.

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro


([1]) Em 19/03/2015.
([2]) Segue-se, nesta parte, por economia de meios, a síntese do relatório da decisão recorrida.
([3]) Conhecendo de facto e de direito, datada de 22/02/2018.
([4]) Também o demandante interpôs recurso de despacho, proferido em 23/03/2018, que julgou, por extemporaneidade, “improcedente a nulidade invocada pelo autor com reporte à deficiência da gravação da prova produzida no dia 07.11.2016” (quanto às declarações de parte do Chamado/Interveniente J (…)), recurso esse, com subida em separado, já julgado pela Relação de Coimbra (3.ª Secção), com trânsito em julgado, que decidiu considerá-lo improcedente, assim confirmando o despacho recorrido (cfr. fls. 212-213 e certidão de fls. 306 a 314 v.º do processo físico).
([5]) Em anterior despacho do Relator, foi entendido que a apelação da sentença é ainda tempestiva, ante o pagamento da multa prevista no art.º 139.º, n.º 5, al.ª c), do NCPCiv., como defendido pela 1.ª instância.
([6]) Cfr. art.ºs 1.º e 8.º, ambos da Lei n.º 41/2013, de 26-06.
([7]) Segue-se uma ordem lógica de enunciação e apreciação das questões relevantes suscitadas.
([8]) Proc. 3161/12.2TBLRA-A.C1 (Rel. Vítor Amaral), em www.dgsi.pt, com os mesmos aqui Exm.ºs Desembargadores Adjuntos.
([9]) Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 238.
([10]) Se o Autor aludido se reporta diretamente à questão da admissibilidade de integração na decisão fáctica de asserções que sejam mais do que puras “questões de facto”, a verdade é que o quadro de opções legislativas – e de filosofia inerente – que invoca também vale, do mesmo modo, para o esclarecimento do que agora nos ocupa.
([11]) Cfr. Ac. de 07/05/2015, Proc. 4572/09.6YYPRT-A.P2.S1 (Cons. Orlando Afonso), em www.dgsi.pt.
([12]) Assim o Ac. STJ, de 10/09/2015, Proc. 819/11.7TBPRD.P1.S1 (Cons. João Trindade), disponível em www.dgsi.pt.
([13]) Cfr. Comunicação intitulada “Temas de Prova”, em www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Texto_comunicacao_Paulo_Pimenta.pdf.
([14]) Nesta perspetiva, “factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma excepção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele. Por sua vez, os factos concretizadores têm por função pormenorizar a questão fáctica exposta sendo, exactamente, essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da acção (ou da excepção)”.
([15]) Com entendimento essencialmente semelhante, cfr., na doutrina, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, ps. 19 a 25. Também na mesma perspetiva, na jurisprudência, pode ver-se ainda o Ac. STJ, de 24/04/2013, Proc. 403/08.2TBFAF.G1.S1 (Cons. Lopes do Rego), em www.dgsi.pt.
([16]) Diversa seria, obviamente, a abordagem do caso se então o A. tivesse requerido a produção de pertinente prova quanto ao novo facto e o respetivo exercício probatório lhe fosse impedido sem justificação procedente.
([17]) Cfr. art.º 640.º do NCPCiv., bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 126 e segs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, págs. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
([18]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 126 e seg., com negrito aditado.
([19]) Cfr. op. cit., ps. 128 e seg..
([20]) É o próprio Apelante quem reconhece, na sua alegação recursiva, que não cumpre, por deficiência da gravação respetiva, o preceituado no art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, al.ªs a) e b), do NCPCiv. (cfr. fls. 231 v.º e 232 do processo físico), embora então ainda na esperança de que lhe fosse dada razão quanto ao pretendido em tal matéria de deficiência da gravação, pressuposto que não viria a verificar-se, posto ter decaído no recurso interposto nessa matéria.
([21]) Aquelas onde precisamente se encontram os segmentos de cada depoimento que a parte pretende ver reexaminados, onde, assim, cada depoimento se reporta à factualidade objeto de impugnação, e não onde as testemunhas depõem sobre a demais factualidade (que não mereceu impugnação recursória).

([22]) Como vem entendendo a jurisprudência dominante do STJ, “no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações” – cfr. Ac. STJ de 09/02/2012, Proc. 1858/06.5TBMFR.L1.S1 (Cons. Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico aditado, bem como demais jurisprudência ali citada. No mesmo sentido, à luz do NCPCiv., cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 127 e seg..
([23]) Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Cons. Tomé Gomes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico e sublinhado aditados. 
([24]) Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 (Cons. Hélder Roque), também disponível em www.dgsi.pt, com itálico e sublinhado aditados. 
([25]) A que se reporta a ata de fls. 132 v.º e seg..
([26]) Com base em diversa doutrina e jurisprudência referenciadas na respetiva fundamentação jurídica.