Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
266/15.1GAMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J L CRIMINAL DE CANTANHEDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 374.º E 379.º DO CPP
Sumário: I - Através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.

II - O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

III - Este ónus não é cumprido se o tribunal recorrido se limita a indicar ou a enumerar os meios de prova nos quais se apoiou para dar como provados os factos que deu.

IV - Importava que, em termos sintéticos mas esclarecedores e convincentes, o tribunal recorrido dissesse qual a relevância que lhe mereceu o auto de denúncia e, sobretudo, uma análise crítica sobre o depoimento da ofendida, no sentido de esclarecer e convencer por que razão o único depoimento de prova produzido se mostrou credível, consistente, idóneo para dar como provados os factos que deu.

V - Tendo o arguido recorrente sido condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de violência doméstica, deveria o tribunal recorrido, obrigatoriamente, que apreciar e arbitrar indemnização a favor da vítima (aquela que no caso se justificasse), conforme impõem os artigos 21º, n° s 1 e 2 da Lei n° 112/2009, de 16/09, e 82º-A do Código de Processo Penal.

Decisão Texto Integral:                  







                                            

 Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

            1. Nos autos de processo comum supra identificados, foi o arguido

            A... , solteiro, nascido a 20 de Janeiro de 1985, em (...) , filho de (...) e de (...) , titular do Cartão do Cidadão n.º (...) , residente na Rua (...) (...)

Julgado pela prática de factos susceptíveis de integrarem a autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. p. pelo art. 152º nº 1 b) e nº 2 do CP.

A final foi decidido:

Condenar o arguido A... , como autor material, na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. p. pelo art. 152º nº 1 b) e nº 2 do CP na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

            2. Desta decisão recorre o arguido A... que formula as seguintes conclusões[1]:

            I.          Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a sentença de que ora se recorre está ferida de nulidade, por falta de enumeração dos factos provados e dos factos não provados, o que gera a nulidade da sentença devendo a mesma ser reconhecida, com as demais consequências.

            II.        Por outro lado, deverá ainda a sentença ser considerada nula, pois o Tribunal a quo, oblitera por completo na sua fundamentação a inquirição de uma testemunha K... (GNR), testemunha essa que foi indicada pelo MP e que foi ouvida em audiência de julgamento e cujo testemunho se encontra devidamente gravado.

            III.       Não tendo o tribunal indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efectuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379, nº1, al. a, com referência ao art.374º, nº2, ambos do CPP

            Caso assim não se entenda e sem prescindir:

            IV.       Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

            V.        Consideramos incorrectamente julgados os parágrafos 1 a 15 . De facto, tais pontos devem considerar-se incorrectamente julgados, devendo antes tal matéria dar-se como não provada, impondo decisão diferente da recorrida as declarações da Ofendida e do testemunha K... (GNR) ora prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, em especial aqueles os depoimentos concretamente referidos e melhor identificados na motivação do presente recurso, aquando da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

            VI.       Do parágrafo 1º a 3º:

            O Tribunal a quo considerou que:

            …

            VII.      Na formação da sua convicção, nas declarações da única testemunha (Ofendida).

            VIII.    Das suas declarações verificamos que não conseguiu concretizar o dia, em pormenor tal qual consta da acusação, e muito menos o mês.

            IX.       Pese embora, as questões repetidas do Ministério Publico em audiência a Testemunha, como que a “puxar” pela memória da Testemunha, a mesma nunca conseguiu ser clara, séria e credível, ora dizendo uma data ora outra, ora um mês ora outro.

            X.        A este propósito a ofendida importa transcrever do seu depoimento, recolhido no dia 22-06-2016, entre as 10:46:43 e as 11:04:33 horas, o seguinte:

            …

            XI.       Das declarações da Ofendida não é possível concluir como o Tribunal a quo concluiu, ou seja dando como provados os factos constantes dos parágrafos em causa, inexistindo outros elementos de prova.

            XII.      Consideramos que para os efeitos da al. a) do nº 3 do art. 412 do CPP, que os mencionados factos foram incorrectamente julgados.

            XIII.    No 4º Paragrafo constante da Sentença o Tribunal a quo considerou que:

            …

            XIV.    Em relação a estes pontos da matéria de facto dada como assente pela Sentença recorrida, consideramos terem sido os mesmos incorrectamente julgados, não se provando desde logo a data de início de namoro.

            XV.     Bem como é impossível ser dado como provado, quando a Ofendida declara em Tribunal que o arguido apenas foi violento a partir do primeiro mês de namoro, ao invés do que havia denunciado em sede de inquérito, demonstrando uma falta de credibilidade e seriedade pelo Tribunal e todos os intervenientes.

            XVI.    Na formação da sua convicção, nas declarações da única testemunha (Ofendida), cujo depoimento ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 22-06-2016, entre as 10:46:43 e as 11:04:33 horas:

            …

            XVII.   Mais obliterou o tribunal o depoimento da testemunha K... , a quem a Ofendida negou ser vítima de qualquer violência, tal qual transparece do depoimento da testemunha K... cujo depoimento ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 07-07-2016, entre as 11:14:40 e as 11:19:53 horas:

            …

            XVIII.  Ainda que se tenha como credível o testemunho da Ofendida, o que desde já se repudia, das suas palavras não resulta que o Arguido tenha sido violento durante toda a relação, como consta do 4º parágrafo dos factos provados        

            XIX.    Por isso não se pode dar como provado que “Durante todo o tempo de namoro e convivência conjugal, o arguido maltratou física e psicologicamente a sua namorada, B... , quase sempre no interior da residência do casal.”

            XX.     Pelo que, consideramos que para os efeitos da al- a) do nº 3 do art. 412 do CPP, que os mencionados factos foram incorrectamente julgados.

            XXI.    No parágrafo 5º os factos dados como provados pela sentença recorrida:

            …

            consideramos ter sido o mesmo parágrafo, também, incorrectamente julgado.

            XXII.   Formou o Tribunal a quo a sua convicção nas palavras da Ofendida, na gravação digital, do dia 22-06-2016, entre as 10:46:43 e as 11:04:33 horas do seu depoimento:

            …

            XXIII.  A Ofendida nunca referiu duas chapadas, mesmo sendo questionada mais que uma vez pela Magistrada do M.P..

            XXIV. Foi sempre aludindo a um estalo, repare-se que nem a mesma linguagem é utilizada.

            XXV.   Por isso não se pode dar como provado tal parágrafo,

            XXVI. No Paragrafo 6º:

            …

            XXVII.            Para formação da sua convicção o Tribunal teve em consideração as declarações da Ofendida

            XXVIII.           Não poderá ser dado como provado atentas as suas declarações, em que apenas diz (na gravação digital, do dia 22-06-2016, entre as 10:46:43 e as 11:04:33 horas):

            …

            XXIX. A Ofendida não alega que tenha sido uma imposição do arguido. A Ofendida apenas diz que a partir dessa data nunca mais foi trabalhar.

            XXX.   Não resulta do processo qualquer outro elemento de prova, relativamente a este facto,       XXXI. Pelo que, consideramos que para os efeitos da al- a) do nº 3 do art. 412 do CPP, que os mencionados factos foram incorretamente julgados.

            XXXII.            No Parágrafo 7º resulta que:

            …

            XXXIII.           Formou o Tribunal a sua convicção nas declarações da Ofendida, única e exclusivamente tendo em conta a prova produzida a ofendida, só após questionada pela Magistrada do MP acabou por referir que o arguido lhe batia, mas nunca por nunca referiu qualquer “pau” conforme terá afirmado aquando da denuncia apresentada, conforme depoimento na gravação digital, do dia 22-06-2016, entre as 10:46:43 e as 11:04:33 horas do seu depoimento:

            …

            XXXIV.          Resulta, estranho senão claro que sendo violentamente espancada como alega, não esqueceria facto tão importante como sendo o objecto com o qual foi agredida.

 Motivo pelo qual se entende não estar provado este parágrafo.

            XXXV.            Nos Parágrafos 8 e 9 diz que:

            …

            XXXVI.          Tal não poderá ser considerado provado, até porque em vários momentos do seu depoimento a Ofendida faz afirmações que nos fazem concluir precisamente o contrário, se não vejamos:

            XXXVII.         Quando instada pelo MP a testemunha é firme afirmando que “a gente andava sempre no meu carro”, frisando desta forma, que saiam de casa regularmente, não estando trancada dentro de casa tal qual faz crer. (conforme depoimento de22-06-2016, entre as 10:46:43 e as 11:04:33 horas:

            …

            XXXVIII.        Mais adiante, no seu depoimento e após ter mencionado que a sua filha estava com a sua mãe à data dos factos, a testemunha diz que tinha a filha consigo no dia em que decidiu terminar a relação.

            XXXIX.          Ora, nem a mesma estaria trancada, nem sem comunicação com a família, nem tão pouco não teria a filha consigo.

            XL.      Aliás, nenhuma mãe permitiria que um filho passe pelo calvário que a mesma fez crer que foi a sua relação com o Arguido- (conforme depoimento de22-06-2016, entre as 10:46:43 e as 11:04:33 horas:

            …

            XLI.     Foi a Ofendida quem perante um agente de autoridade negou ser vítima do que fosse.

            XLII.   Tendo em conta as declarações da Ofendida (tidas em consideração pelo Tribunal para formação de convicção) e as declarações da testemunha K... , completamente alheias à formação da convicção do Tribunal a quo, implicam decisão diferente relativamente a estes factos.

            XLIII.  Nos Parágrafos 10 e 11:

            …

            XLIV.  A única prova em Tribunal e considerada pelo mesmo foi o depoimento da Ofendida, que quanto aos mesmos apenas diz (conforme depoimento de 22-06-2016, entre as 10:46:43 e as 11:04:33 horas):

            …

            XLV.   Não se entende como podem ser dados como provados os factos alegados nos mencionados pontos.

            XLVI.  A ofendida, única testemunha considerada, ela própria nega tais factos, pelo que se impões decisão diferente quanto aos mesmos.

            XLVII. No Parágrafo 12:

            …

            XLVIII.           O tribunal fundamenta e forma a sua convicção única e exclusivamente uma vez mais a sua convicção, nas palavras da ofendida, que demonstrou um discurso até aqui incongruente e não credível.

            XLIX.  Mais, como pode o Tribunal a quo afirmar, em sede de fundamentação:“ … não dispondo o Tribunal de quaisquer outros elementos teve-se exclusivamente em conta as declarações da ofendida não contrariadas por outra prova, que considerou credíveis, tendo esta narrado de forma séria, consistente e credível os factos por si oportunamente denunciados.”

            L.         Esquece de todo o Tribunal que ouviu na qualidade de testemunha um agente da GNR que chamou aos autos e cujo testemunho foi totalmente esquecido pelo Tribunal a quo.

            LI.       Ora, mais uma vez a Ofendida não falou a verdade em Tribunal. Mais uma vez a Ofendida não estava sozinha com o arguido, não vivia sozinha com o Arguido, e muito menos não estava na companhia da sua filha.

            LII.      Por outro lado, a forma como o Tribunal a quo apreciou as provas disponíveis revela uma clara violação do artigo 127º do CPP, bem como do art 355, , nº 1 do CPP. Extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não tem assento razoável, nem lógico, na prova efectivamente produzida, mormente pelas declarações da Ofendida.

            LIII.     A convicção do Tribunal a quo fundamentou-se exclusivamente nas declarações da Ofendida

            LIV.     Contudo, na melhor das hipóteses a prova produzida criou apenas dúvidas sobre a veracidade dos factos constantes dos parágrafos 1 a 15 da matéria de facto provada

            LV.      Pelo que é insuficiente a matéria de facto provada para a decisão.

            LVI.     Pelo que condenando o recorrente violou o princípio do in dubio pro reo consagrado no nº2 do art 32 da CRP, o qual deveria ter sido aplicado e interpretado no sentido da absolvição do recorrente.

            Sem prescindir,

            LVII.     A medida da pena mostra-se exagerada, uma vez, que se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 50º do Código Penal, pela mesma ordem de razões já expostas, suspensa na sua execução, mediante regime de prova, sendo a ameaça de prisão suficiente para acautelar, por todo o já exposto, as exigências de prevenção verificadas no caso sub judice, permitindo à sociedade manter um controlo sobre a conduta do arguido ora recorrente, sendo que tal não pode ser visto como um acto de clemência, mas antes como de verdadeira realização da Justiça.

            LVIII.  Assim, sujeitando o Arguido à suspensão da pena, sob regime de prova, poderia o Tribunal de facto aferir se a aplicação daquele regime o favorecia e ajudaria a melhorar a sua condição sócio-económica e caso se verificasse que não, sempre revogaria a suspensão, ordenando a efectiva prisão, pelo que nenhum prejuízo ocorreria da aplicação dessa medida.

            LIX.     Ao invés deste poder-dever, o tribunal entendeu assim que ressocialização e reintegração do Arguido ocorre no encarceramento.

            LX.      Merece o arguido um verdadeiro juízo de prognose favorável.

            Termos em que,

            Deve o presente recurso ser considerado provido nos termos enunciados nas conclusões, como é de Direito e Justiça !!!

             

3. Respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese:

a)         Da nulidade da sentença.

A sentença proferida enumerou os factos provados, que eram todos os constantes da acusação, referindo na parte dos factos não provados “nenhuns”. Assim, não se compreende a alegação do recorrente, quando afirma que os factos provados e não provados não foram enumerados.

b)         Da impugnação da matéria de facto.

O Ministério Público entende que, também, neste ponto, não assiste razão aos recorrentes, pois o Tribunal, após a análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência, fixou a matéria de facto provada e não provada, valorando-a sob a égide do princípio da livre apreciação.

Com efeito, o juiz deverá decidir segundo a sua consciência, utilizando o seu bom senso e a sua experiência de vida, apreciando as provas conforme a sua livre convicção, ou seja, de acordo com “o saber de experiência feito e honesto estudo misturado”, ou, na expressão feliz de Castanheira Neves, de “liberdade para a objectividade” (T. Beleza, Apontamentos II, p. 148).

No caso em apreço, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada, enumerando os elementos probatórios que contribuíram para a formação da sua convicção, com indicação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência, e das razões que os dotaram de relevância e credibilidade. Ademais, tal tarefa foi realizada com conhecimentos lógicos e objectivos e alicerçada nos elementos de prova obtidos em audiência, bem como nos documentos juntos aos autos e invocados na motivação fáctica.

Assim, tendo em conta o princípio da imediação e atendendo a que não se verifica nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal concluímos que a douta sentença recorrida apreciou correctamente a matéria de facto, pelo que nenhum reparo merece.

c)         Da medida da pena

Concordamos, integralmente, com a posição e fundamentação constante da decisão recorrida, também no que se refere à escolha da pena e da sua medida, atentos os antecedentes criminais do arguido, dos quais já consta, entre outros, a prática de um crime de violência doméstica.

Termos em que deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a douta decisão recorrida, como é de JUSTIÇA!

            4. Nesta Relação, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, suscitando duas questões prévias:

            1ª Questão prévia, referente à arguição da nulidade de sentença por falta do exame crítico da prova.

            Conclui:

            “Ora, com o devido respeito por diferente opinião, parece poder considerar-se que a fundamentação da sentença recorrida, de fls. 147 a 153, não se mostra efectuada de forma exemplar, contendo o exame crítico de alguma prova produzida, que foi o depoimento da ofendida, que serviu para formar a convicção do tribunal, mas omitindo completamente o depoimento da única testemunha inquirida, o soldado da G.N.R. K... (fls. 123 e 143), embora tal exame crítico pareça muito insuficiente, mas não completamente inexistente, ficando a dúvida sobre se cumpre o comando do nº 2 do art. 374º do C.P.P. e se permite compreender o fundamento racional que conduziu a que a decisão do tribunal se formasse no sentido em que se formou, embora seja possível concluir poder apreender-se que a decisão recorrida esclarece razoavelmente e, quiçá, de forma suficiente, o motivo ou motivos pelos quais valorou a prova, produzida em julgamento, mas esquecendo e não fazendo referência ao soldado da G.N.R. inquirido ( K... ), possibilitando o controlo sobre a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto.

            Tendo em consideração o exposto, parece-nos que poderá ser julgada improcedente[2] a nulidade da sentença recorrida (art. 379º n ° 1, al. a), do C.P.P.), com os fundamentos deduzidos pelo arguido, embora deixando tal decisão ao douto critério dos Exm ° s Senhores Desembargadores, a quem cabe a decisão final sobre a matéria”. 

2ª Questão prévia (para o caso de ser julgada improcedente a primeira nulidade arguida) esta referente à nulidade da sentença, por omissão de pronúncia ( artigo 379º, nº1, alínea c), do C.P.P.):

a) - Na sentença recorrida, foi condenado o arguido na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva pela prática de um crime de violência doméstica, mas não foi arbitrada indemnização à vitima, conforme impõem os artigos 21º, n° s 1 e 2 da Lei n° 112/2009, de 16/09, e artigo 82º-A do Código de Processo Penal.
            b ) - Não tendo a vítima renunciado à referida indemnização, a falta de ponderação e decisão sobre tal indemnização, constitui nulidade de omissão de pronúncia (art. 379º, n ° 1, al. c), do C.P.P.), que cumpre, desde já e previamente, conhecer, a fim de a 1ª Instância poder sanar tal nulidade da sentença e só depois conhecer do mérito do recurso.

c) - A Lei nº 112/2009, de 16/09, estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas.

Preceitua o artigo 21°da referida Lei:

            …

            2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser “.
           
Por sua vez, determina o referido artigo 82°- A do CPP:

            “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos arts. 72° e 77°, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
            Uma vez que a ofendida não deduziu pedido de indemnização civil e não se opôs à aplicação do regime previsto no artigo 82°- A do Código de Processo Penal, haverá que fixar a quantia indemnizatória.
            Sobre esta questão, têm-se pronunciado, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Acórdão do TR. C, de 28-05-2014 (Proc. n°245/13. 3PBFIG. Cl).

            Acórdão do TRC, de 02-07-2014 (Proc. n°232/12.9GEACB.C1).

            Acórdão do T.R.C, de 20-05-2015 (Proc. n°1074/13.OPBVIS.C1).

 

            Em face do exposto, somos de parecer que deve ser declarada nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º n ° 1, al. c), do C.P.P., uma vez que não se pronunciou sobre a fixação de indemnização à ofendida, B... , nos termos do art. 21º Lei n°112/2009, de 16/09, devendo os autos baixar à 1ª Instância, a fim de ser sanado o vício referido, ficando prejudicadas as questões suscitadas no recurso interposto.

           

            5. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.      

II

1. São os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida:

            Factos provados:

             O arguido e B... , conheceram-se no dia 16 de Junho de 2015, na localidade de (...) , tendo começado uma relação de namoro poucos dias depois. O arguido é consumidor habitual de bebidas alcoólicas, tornando-se violento com o consumo excessivo das mesmas. Ao fim de um mês de namoro, o arguido e a ofendida B... passaram a residir juntos, em casa do arguido, sita na Rua (...) , (...) , em comunhão de leito e mesa.

            Durante todo o tempo de namoro e convivência conjugal, o arguido maltratou física e psicologicamente a sua namorada, B... , quase sempre no interior da residência do casal. Com efeito, em data não concretamente apurada do mês de Julho de 2015, na residência que partilhavam e após uma discussão, o arguido desferiu duas chapadas na face da ofendida. Nessa mesma altura, o arguido dirigiu-se ao local de trabalho da ofendida, em (...) , e após uma discussão com o patrão desta, comunicou-lhe que a ofendida não iria mais trabalhar, o que efectivamente aconteceu, por imposição do arguido. Durante os dois meses seguintes, com uma regularidade quase diária, o arguido agrediu a ofendida com chapadas, murros, pontapés, em diversas partes do corpo desta, usando as sua mãos e por vezes paus que levava para casa. Mais costumava apertar o pescoço da ofendida e puxar-lhe o cabelo. Nas mesmas circunstâncias dirigia-lhe expressões como: “puta”, “vaca”, “não vales uma merda”, “devias era ir para a estrada”. Durante esses dois meses a ofendida deixou de sair de casa, permanecendo quase todo o tempo no espaço da habitação que dividia com o arguido (o sótão), por imposição deste. Em data não concretamente apurada, após nova discussão, o arguido partiu o telemóvel da ofendida, inutilizando-o, privando-a assim de poder contactar com outras pessoas, designadamente com a sua família. No início do mês de Outubro de 2015, em data não concretamente apurada, o arguido voltou a dirigir à ofendida os termos supra referidos e desferiu chapadas, que a atingiram na face, e empurrões. No dia 16 de Outubro de 2015, em hora não concretamente apurada mas após o jantar, no interior da residência de partilhavam e na sequência de uma discussão, o arguido retirou as chaves do carro à ofendida, de forma a que esta não pudesse sair de casa, e após ter atirado uma cadeira na direcção daquela, atingindo-a, apertou-lhe o pescoço e levantou-a do chão, até que a ofendida ficasse suspensa, dizendo-lhe que lhe batia para fazer da ofendida mulher. O arguido nunca permitiu que a ofendida recebesse tratamento médico das lesões consequentes à sua supra descrita conduta, comprando-lhe na farmácia pomadas para a mesma colocar nas zonas afectadas.

            O arguido agiu com o propósito conseguido de atingir a ofendida na sua dignidade pessoal, molestando-a psiquicamente, em decorrência do terror e tristeza que lhe causou. Agiu sempre o arguido de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que causava, como causou, sofrimento psíquico à sua namorada e que nada justificava tal comportamento. Mais sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. O arguido já foi condenado pela prática dos crimes de detenção de arma proibida (Proc. 320/07.3TAAVR) violência doméstica (Proc.s 701/08.5GAV e 798/12.3TXCBR) furto qualificado (Proc. 52/09.8GAMIR) ameaça agravada (Proc. 246/15.7GAMIR) e resistência e coacção (Proc. 286/15.6GAMIR).

            Factos não provados:

            Nenhuns.        

            2. O Tribunal recorrido fundamenta a matéria de facto nos seguintes termos:

            Para a formação da convicção do arguido foi determinante a prova documental constante dos autos, designadamente: auto de denúncia de fls. 22-23; aditamento de fls. 33; e CRC de fls. 50-61 conjugada com a prova testemunhal produzida em audiência, que se cingiu à inquirição da ofendida B... , atenta a circunstância das demais testemunhas ( C... e D... ) estarem ausentes. A isto acresce que o arguido não compareceu e, não obstante terem sido emitidos mandados por forma a assegurar o exercício (facultativo) do seu direito de ser ouvido e de tomar posição sobre os factos que lhe eram imputados, o cumprimento dos mandados revelou-se inviável. Assim, não dispondo o Tribunal de quaisquer outros elementos teve-se exclusivamente em conta as declarações da ofendida não contrariadas por outra prova, que considerou credíveis, tendo esta narrado de forma séria, consistente e credível os factos por si oportunamente denunciados.

           

III

            Questões suscitadas pelo recorrente:

            1. Nulidade da sentença por falta de enumeração dos factos provados e não provados.

            2. Nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas e consequente insuficiência de fundamentação da matéria provada.

            3. Impugnação da matéria de facto dada como provada com base em erro de julgamento.

            4. Violação do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.

            5. Violação do princípio do in dubio pro reo.

            6. A medida da pena.

           

            Questões prévias suscitadas pelo Ministério Público nesta instância:

            1. Nulidade de sentença por falta do exame crítico da prova.

            2. Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (artigo 379º, nº1, alínea c), do C.P.P.).      

IV

           

            Apreciando:  

            1ª Questão: nulidade da sentença por falta de enumeração dos factos provados e não provados.

            Alega o recorrente na conclusão I “que a sentença está ferida de nulidade, por falta de enumeração dos factos provados e dos factos não provados”, acrescentando na motivação de recurso que “na presente sentença o Tribunal a quo limita-se a fazer “copy paste” da acusação, ausente de qualquer numeração”.

            Apesar desta última referência a “numeração”, o recorrente quereria dizer com certeza enumeração, pois a falta daquela não gera qualquer nulidade.

            Mas inexiste também falta de enumeração dos factos provados e não provados.

            Basta compulsar o teor dos mesmos, supra transcritos, para assim se concluir.

            É o próprio recorrente que admite que a sentença faz “copy paste” da acusação. E no ponto 9 da motivação de recurso volta a afirmar que “o Tribunal a quo dá como provada toda a acusação”.

            Questão diferente é o que ainda afirma no mesmo ponto 9, ao acrescentar “inclusive determinadas datas, quando em julgamento a única prova testemunhal produzida e alegadamente considerada pelo Tribunal, negou perentoriamente”.

            Mas esta questão não releva em termos de falta de enumeração dos factos provados mas numa outra, da impugnação da matéria de facto dada como provada, questão também suscitada pelo recorrente.

            Pelo que, nesta parte, esta concreta sentença não sofre do vício da falta de enumeração dos factos dados por provados e não provados.

            2ª Questão: nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas e consequente insuficiência de fundamentação da matéria provada.

            1. Diz o recorrente que “o Tribunal a quo, oblitera por completo na sua fundamentação a inquirição de uma testemunha K... (GNR), testemunha essa que foi indicada pelo MP e que foi ouvida em audiência de julgamento e cujo testemunho se encontra devidamente gravado.

            Não tendo o tribunal indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efectuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379, nº1, al. a, com referência ao art.374, nº2, ambos do CPP

            2. Por sua vez, o Ministério Público junto deste Tribunal também vem dizer que “

não se mostra efectuada de forma exemplar, contendo o exame crítico de alguma prova produzida, que foi o depoimento da ofendida, que serviu para formar a convicção do tribunal, mas omitindo completamente o depoimento da única testemunha inquirida, o soldado da G.N.R. K... (fls. 123 e 143), embora tal exame crítico pareça muito insuficiente, mas não completamente inexistente, ficando a dúvida sobre se cumpre o comando do nº 2 do art. 374º do C.P.P. e se permite compreender o fundamento racional que conduziu a que a decisão do tribunal se formasse no sentido em que se formou”.

            3. Por imposição do disposto no artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal, o tribunal tem de motivar a apreciação que faz do caso submetido a julgamento, expondo fundamentos suficientes (com recurso a regras da ciência, da lógica e da experiência) que expliquem o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas (a razão pela qual a convicção do tribunal se formou em determinado sentido).

A este propósito, recorde-se Figueiredo Dias[3] quando afirma que “[se] a verdade que se procura é (…) uma verdade prático-jurídica e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando (…) o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.

            Ou seja, através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.

            Esta fundamentação não exige ou não é sinónimo de redução a escrito de toda a prova produzida. Para este efeito existe a sua gravação em (por enquanto), em áudio.

            Por sua vez, o “dever de indicação e exame crítico das provas, como elemento da fundamentação da decisão de facto”, não exige “a referência específica a cada um dos elementos de prova produzidos e o respectivo exame crítico. (…)»[4].

E no ac. de 06-03-2013, deste Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no proc. nº 118/10.1JALRA.C1, decide-se:

“De realçar, ainda, a circunstância de a lei não impor a discriminação dos meios de prova concernentes a cada um dos factos provados, não exigindo o dever de fundamentação a sua indicação individualizada – [cf. vg. acórdão do TC n.º 258/01 e o acórdão do STJ de 09.01.1997, in CJ, ASTJ, 5., 1., 172]”.

            O que se pretende ou exige é que o exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

            Como se decide no acórdão do STJ de 24.10.2012, proc. n.º 2965/06.0TBLLE.E1 «o dever de fundamentação da decisão começa e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida».

Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira «…o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso» - [cf. “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2.º vol., 3.ª edição, Coimbra Editora, pp. 798/799].

4. Exigindo, em síntese, o dever de fundamentação da decisão/sentença, esta atitude esclarecedora por parte do julgador a quo, cumpre agora averiguar se no caso concreto, tal dever se mostra cumprido.

A resposta é, decididamente, não.

            O Tribunal recorrido limita-se a indicar ou a enumerar os meios de prova nos quais se apoiou para dar como provados os factos que deu: auto de denúncia de fls. 22-23; aditamento de fls. 33; e CRC de fls. 50-61 conjugada com a prova testemunhal produzida em audiência, que se cingiu à inquirição da ofendida B... [5], atenta a circunstância das demais testemunhas ( C... e D... ) estarem ausentes. A isto acresce que o arguido não compareceu e, não obstante terem sido emitidos mandados por forma a assegurar o exercício (facultativo) do seu direito de ser ouvido e de tomar posição sobre os factos que lhe eram imputados, o cumprimento dos mandados revelou-se inviável. Assim, não dispondo o Tribunal de quaisquer outros elementos teve-se exclusivamente em conta as declarações da ofendida não contrariadas por outra prova, que considerou credíveis, tendo esta narrado de forma séria, consistente e credível os factos por si oportunamente denunciados.

            Importava, ainda que em termos sintéticos mas esclarecedores e convincentes, que o Tribunal recorrido dissesse qual a relevância que lhe mereceu o auto de denúncia e, sobretudo, uma análise crítica sobre o depoimento da ofendida, no sentido de esclarecer e convencer por que razão o único depoimento de prova produzido se mostrou credível, consistente, idóneo para dar como provados os factos que deu. Não basta afirmar. Torna-se necessário demonstrar e convencer. É desta análise crítica que resulta a possibilidade deste tribunal de recurso sindicar o juízo feito pelo tribunal a quo sobre a valoração da prova. Inexistindo esta análise ou exame crítico não pode este tribunal apreciar da bondade sobre o decidido em termos de ajuizar se a valoração se mostra correta e segundo os critérios legalmente exigidos. Imperioso é que o juízo ou percurso lógico do julgador nesta análise e valoração tenha tradução efetiva na fundamentação.

           

            Não devendo este tribunal de recurso pronunciar-se sobre a impugnação da matéria de facto na medida em que, como se decidirá adiante, as nulidades apreciadas ditarão a nulidade da sentença e, consequentemente, ficará prejudicada a apreciação das demais questões, sempre se dirá que, de acordo com o alegado pelo recorrente, foram dados por provados alguns factos que, aparentemente, apresentam alguma discrepância ou desconformidade temporal com o depoimento da testemunha ofendida.

            Por exemplo o tribunal dá como provado que:

            “O arguido e B... , conheceram-se no dia 16 de Junho de 2015, na localidade de (...) , tendo começado uma relação de namoro poucos dias depois.

            …

           

            Durante todo o tempo de namoro e convivência conjugal, o arguido maltratou física e psicologicamente a sua namorada, B... , quase sempre no interior da residência do casal”.

            Todavia, segundo a transcrição que é feita do depoimento desta testemunha, resulta que a mesmo afirmou o seguinte:

            “ B... : É assim, no primeiro mês correu tudo bem. Até ao dia que ele me deu o primeiro estalo. A partir daí…

            Procuradora: E isso foi quando?

            B... : O primeiro estalo já foi passado um mês. Em julho, logo no princípio.

            Procuradora: De 2015?

            B... : Sim.

            Sem prejuízo da eventual bondade do decidido, tem o julgador a quo o dever legal de esclarecer o sentido de determinados factos serem dados por provados, na sua exata medida ou amplitude.

            Não o fazendo, não está o julgador a exprimir a força e a razão da sua opção, que deve ser motivada e não tratar-se de mero palpite.

            Ao que já se disse, conforme é invocado quer pelo recorrente arguido quer pelo Ministério Público, o Tribunal recorrido também não dá qualquer justificação ou fundamento por que não relevou o depoimento da testemunha K... , soldado da GNR, que foi ouvido sobre os factos. Ainda que fosse para afirmar a irrelevância material de tal depoimento para os concretos factos a provar.

            O que está em causa é, pois, a inexistência de exame crítico da prova produzida.

            O que nos leva a concluir pela sua inexistência e consequente nulidade da sentença por falta de fundamentação ao abrigo do artigo 374º, nº2, do Código de Processo Penal.

            3ª Questão: nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (artigo 379º, nº1, alínea c), do C.P.P.).

            1. Tendo o arguido recorrente sido condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva pela prática de um crime de violência doméstica, deveria o Tribunal recorrido, obrigatoriamente, que apreciar e arbitrar indemnização a favor da vitima (aquela que no caso se justificasse),conforme impõem os artigos 21º, n° s 1  2 da Lei n° 112/2009, de 16/09, e 82º-A do Código de Processo Penal[6].

            Com efeito, a vítima não deduziu pedido de indemnização civil mas também não renunciou ao mesmo.

            O disposto no artigo 21°,nº 2, da Lei nº 112/2009, de 16/09, não suscita dúvidas:

            “2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser “.

Determinando por sua vez o artigo 82°- A do CPP:

“1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72° e 77°, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.
            Neste sentido se pronuncia o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.5.2014, proferido no proc. n°232/12.9GEACB.C1:

            1. Em caso de condenação por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, ou porque ela a pediu ou, não o tendo feito e não se tendo oposto ao seu arbitramento expressamente, por via do disposto no art. 21º da Lei n.º 112/2009, de 16/9.2. A sentença que, ao condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, não se pronuncia sobre tal questão, é nula, por omissão de pronúncia.

            Bem como o ac. deste Tribunal da Relação de Coimbra de 02-07-2014, proferido no proc. n°245/13. 3PBFIG. C1:

            1- Praticado o crime de violência doméstica, a lei impõe o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua proteção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente;

            2.- Não o fazendo, verifica-se a omissão de pronúncia, que gera a nulidade da sentença.

           

            Decide-se ainda no mesmo sentido no ac. deste Tribunal da Relação de Coimbra de          

24-06-2015, proferido no proc. 94/12.6GAACB.C1.

            A sentença enferma, pois e também, desta nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 379º, nº 1, c) do C. Processo Penal.

            Com a declaração de nulidade da sentença, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se:

1. Julgar improcedente a nulidade da sentença por falta de enumeração dos factos provados e não provados.

2. Julgar procedente quer a nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas e consequente insuficiência de fundamentação da matéria provada quer a nulidade de omissão de pronúncia quanto à não apreciação da indemnização a arbitrar à vítima ofendida.

Consequentemente, declara-se a nulidade da sentença que importa a sua revogação, devendo ser proferida nova sentença que sane os vícios apontados, depois de reaberta a audiência a fim de assegurar o contraditório, produzindo-se prova, se tal se revelar necessário.

Sem tributação.

Coimbra, 27 de Setembro de 2017

(Luís Teixeira – relator)

(Vasques Osório – adjunto)

[7]


[1] Por não se afigurar necessário para a apreciação do objecto do recurso, não se incluirão, nesta enumeração das conclusões, a transcrição que é feita dos depoimentos.
[2] Afigura-se existir lapso, pois entende-se que se quereria dizer “procedente”.
[3] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º vol, Coimbra: Coimbra Editora, 1981, pp. 204-205.
[4] Assim, Ac. do TC nº 59/2006, DR II Série de 13/4/2006, p. 5629.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Parcialmente reproduzidos no relatório a propósito da alegação da questão prévia pelo Ministério Público, nesta instância.
[7]