Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
246/11.6TBOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: MISERICÓRDIAS
COMPETÊNCIA
TRIBUNAL COMUM
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
ACTAS
FORÇA PROBATÓRIA
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 483º E 496º C. CIVIL.
Sumário: 1. Embora os tribunais judiciais possam não ter competência material para apreciar a legalidade da expulsão do Autor como associados da Ré Misericórdia, decidida pela respectiva mesa da assembleia geral, já a têm para julgarem um pedido de indemnização por danos não patrimoniais fundados em eventuais actos ilícitos conexos ou derivados dessa decisão de exclusão, na medida em que tais factos se subsumem à previsão normativa dos artigos 483º e 496º do Código Civil.

2. A acta que sustenta a deliberação em causa nestes autos apenas possui força probatória plena no que tange à deliberação em si, não já quando à existência dos factos que a sustentam.

3. Assim sendo e tendo por matriz o estabelecido nos arts. 392º a 396º do Código Civil, concluímos que tendo sido impugnadas as razões que suportam a deliberação, estas podem ser – no caso em análise – contraditadas com recurso à prova testemunhal, cuja força probatória é apreciada livremente pelo tribunal - art. 396º do Código Civil -, decidindo os juízes do julgamento “segundo a sua prudente convicção” - art. 655º, nº 1 do Código de Processo Civil - , dado que, como referido, a lei não exige para a prova daqueles factos qualquer formalidade especial - art. 655º, nº 2 do Código de Processo Civil.

4. A expulsão da irmandade constitui uma pena disciplinar, a mais grave é certo, mas é uma pena disciplinar. A deliberação de expulsão do aqui Autor da irmandade a que pertencia foi tomada, por maioria, pela Mesa Administrativa no uso dos seus poderes e competência – art. 11º n.º2 e no artigo 42º alínea b) do Compromisso - e foi de resto posteriormente ratificada pela esmagadora maioria dos irmãos reunidos em Assembleia Geral.

5.O visado – aqui apelante -, até pode ter bons motivos para se sentir ofendido na sua personalidade moral e, apesar disso, ponderados os interesses e valores conflituantes, dever considerar-se justificada a conduta dos réus.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

1.Relatório

A… intentou acção contra a MISERICÓRDIA DE … e o Presidente da Mesa Administrativa da Misericórdia de …, S…, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem - lhe, a título indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 31.000,00 (trinta e um mil euros), com o acréscimo dos juros legais vincendos a partir da citação e até integral pagamento.

Para tal alega, em resumo:

A Misericórdia de … é uma associação de fiéis de índole particular e não de natureza pública, canonicamente erecta.

Tem órgãos próprios eleitos – a Mesa Administrativa é um deles – pelos associados, nos termos dos seus próprios estatutos, o chamado “compromisso”, actua e é administrada pelos seus corpos sociais, em seu nome e sob a sua responsabilidade.

O A. “ foi” associado da MISERICÓRDIA Ré, ou “irmão” da Irmandade, até ao dia 19 de Novembro de 2010, data em que lhe é comunicada e entregue, via postal, registada, a deliberação da Mesa Administrativa, i. e. dos “Mesários”, datada de 18 de Novembro de 2010 e reportada à reunião extraordinária deste órgão de 9 do mesmo mês, de o ( A.) “... excluir da Irmandade, sendo excluído de irmão desta Misericórdia”.

O A., além de associado da Misericórdia / irmão da Irmandade presidiu, durante vários anos – 1996-1998 / 1999-2001 e 2002-2004 – ao Conselho Fiscal da Instituição, tempo durante o qual executou cabalmente as funções que a este órgão fiscalizador cabem do “compromisso” (estatutos próprios).

Acontece que o A. não votou a deliberação, não esteve presente à reunião extraordinária da Mesa Administrativa onde a mesma foi tomada, e portanto não lhe foi dada oportunidade de defesa.

Do teor da acta de reunião, convocada expressamente para o efeito, consta que: “ Pelo Senhor Provedor foi apresentada a questão sujeita a análise da Mesa, colocada na sequência dos incidentes protagonizados pelo irmão A… na Assembleia Geral de 27 de Março de 2010 que deferiu à Mesa Administrativa a competência para tal análise e eventual acção em conformidade.

Analisado esse comportamento, assumido na referida Assembleia Geral perante todos os irmãos ali presentes, bem como comportamentos anteriores do mesmo irmão em outras Assembleias Gerais foram todos os membros da Mesa unânimes em considerar a actuação do irmão A… gravemente danosa para a imagem, prestigio, interesses e acção da Misericórdia”.

Consta, ainda: “ este irmão prejudica de forma sistemática o funcionamento das Assembleias Gerais, gerando conflitos e incidentes sem motivo, como aconteceu na Assembleia Geral de 21 de Março de 2009 em que se insurgiu longa e violentamente contra o secretário por se ter referido a si na acta como A…, ao invés de referir pelo nome completo antecedido do titulo ou seja Dr. A...” “...ou como sucedeu na Assembleia Geral de 27 de Março de 2010 em que ofendeu por diversas vezes os membros do órgão sociais e gerou uma tal exaltação que o Presidente da Mesa optou por encerrar a reunião.” “Injuria os membros dos órgãos sociais.” “...intimida os colaboradores sugerindo incompetência e lançando suspeições sobre o comportamento de todos, que impedem que uns desempenhem os cargos para que foram eleitos com tranquilidade e serenidade e os outros desempenhem as funções que lhe são cometidas com eficiência e eficácia, já que sabem que serão atacados e envergonhados publicamente, com considerações produzidas sem fundamento, sem educação e muitas vezes com agressividade.” “Produz ameaças veladas umas vezes e outras expressas de que procederá contra a instituição, como aconteceu na Assembleia Geral de 21 de Março de 2009 em que após mais uma violenta troca de palavras com vários irmãos que se insurgiam contra a sua forma de actuar afirmou ficar por ali no uso da palavra, mas que mais tarde faria o que entendesse, deixando clara uma ameaça de que recorreria a outros meios para fazer vingar as suas opiniões”. “Cabendo nos termos do art. 42º, b) dos Estatutos à Mesa Administrativa a decisão de admissão e exclusão de irmãos e podendo ser excluído um irmão que cause danos à instituição de acordo com o artigo 11º nº 1 al. e) in fine dos mesmos Estatutos entendem os membros presentes da Mesa que se está perante um caso paradigmático em que se justifica a exclusão face à análise a que acima se procedeu.” “...a presente deliberação produz efeitos imediatos, perdendo a partir desta data o A… a qualidade de irmão.”

A deliberação tomada – dita - tornou-se pública, do conhecimento de muitos dos irmãos da Misericórdia, presentes na assembleia geral de 27 de Novembro de 2011, bem como dos funcionários.

Chegou ao conhecimento dos vizinhos do A. em ...

O A. que tem casa própria na vila de … onde vem quase todos os fins de semana e nos tempos livres da sua ocupação profissional (ensino superior), onde tem o seu circulo de amigos, que recebe e com os quais convive.

O A., após a difusão da notícia da expulsão, a ser olhado de soslaio e com alguma curiosidade e mesmo desconfiança por todos, notória desde logo pela marginalização ou afastamento progressivo de alguns.

O A. foi e está a ser vilipendiado, em consequência directa e necessária do acto público de expulsão, tendo-se refugiado em casa, privando-se de convívios e esplanadas, desgostoso, envergonhado, triste e abatido.

As acusações de que o A. foi alvo por parte da R. são manifestamente infundadas.

Além disso, a deliberação, constituindo uma difamação, ofendem gravemente a honra, a dignidade e a consideração social do A.

A pena de expulsão ou de exclusão de Irmão constitui um vexame público Reflexo – aos olhos de quem não conheça os factos e as razões – de um comportamento indecoroso que diminui a reputação do A. e consubstancia uma violação grave do direito de participação do A., enquanto irmão, nas assembleias gerais ou administrativas e nas demais actividades da Irmandade.

Regularmente citados vieram os RR contestar a presente acção, onde se defendem por excepção e impugnação.

...

O A. veio apresentar replica, onde responde às excepções, concluindo pela improcedência das mesmas.

No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções da incompetência material, da ineptidão da petição inicial e da Ilegitimidade passiva do R Presidente da Mesa Administrativa da Misericórdia de ...

Após julgamento, o Tribunal da 1.ª instância proferiu a seguinte decisão:

“Pelo exposto decide-se: Julgar a acção totalmente improcedente e, como tal, absolver os RR dos pedidos.”.

2. Objecto da instância de recurso.

Nos termos do art. 684°, n°3 e 685.º-A do Código do Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, que apresenta as seguintes conclusões:

Os réus, nas suas contra alegações, apresentam as seguintes conclusões:

3. Da instância recursiva

As questões a decidir são as seguintes:

I. Questão prévia sobre a competência do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades para conhecer do pedido indemnizatório formulado pelo autor.

Começam os réus por dizer o seguinte:

“Já anteriormente, logo após a Mesa Administrativa ter emanado a deliberação aqui em causa, o recorrente, discordando do sentido da mesma, havia intentado uma acção judicial – Processo n.º … - junto do Tribunal Judicial de … na qual veio peticionar que este tribunal declarasse nula e ilegal a mesma deliberação social, no entanto, este tribunal declarou-se materialmente incompetente para apreciar a questão por sentença já transitada em julgado.

Concluem que,”… se o Tribunal de … já se considerou anteriormente materialmente incompetente para conhecer da questão da legalidade ou ilegalidade da deliberação, não poderia agora, em caso algum, vir directa ou indirectamente apreciar ou decidir tal questão, contrariando o que havia já anteriormente decidido… e não podendo o Tribunal conhecer da questão da legalidade ou ilegalidade da deliberação, a pretensão aduzida pelo recorrente nos presentes autos fica completamente vazia de conteúdo, pelo que, teria até que ter sido logo julgada improcedente a acção dado que o Autor como causa única de pedir invoca precisamente danos decorrentes de uma deliberação ilegal”.

Com todo o respeito, parece-nos que os apelados confundem a causa de pedir utilizada pelo autor para peticionarem a indemnização com aquela outra da falta de motivo para a sua expulsão.

De facto, o autor fundamenta o seu pedido com as acusações de que foi alvo por parte dos RR., que no seu entender são manifestamente infundadas. Nas suas palavras, “… a deliberação, constituindo uma difamação, ofendem gravemente a honra, a dignidade e a consideração social do A.”.

O que estará em causa serão os fundamentos fácticos que ancoram a deliberação de expulsão do recorrente da Irmandade, o que aí se escreveu - “este irmão prejudica de forma sistemática o funcionamento das Assembleias Gerais, gerando conflitos e incidentes sem motivo, como aconteceu na Assembleia Geral de 21 de Março de 2009 em que se insurgiu longa e violentamente contra o secretário por se ter referido a si na acta como A…, ao invés de referir pelo nome completo antecedido do titulo ou seja Dr. A...” “...ou como sucedeu na Assembleia Geral de 27 de Março de 2010 em que ofendeu por diversas vezes os membros do órgão sociais e gerou uma tal exaltação que o Presidente da Mesa optou por encerrar a reunião.” “Injuria os membros dos órgãos sociais.” “...intimida os colaboradores sugerindo incompetência e lançando suspeições sobre o comportamento de todos, que impedem que uns desempenhem os cargos para que foram eleitos com tranquilidade e serenidade e os outros desempenhem as funções que lhe são cometidas com eficiência e eficácia, já que sabem que serão atacados e envergonhados publicamente, com considerações produzidas sem fundamento, sem educação e muitas vezes com agressividade.” “Produz ameaças veladas umas vezes e outras expressas de que procederá contra a instituição, como aconteceu na Assembleia Geral de 21 de Março de 2009 em que após mais uma violenta troca de palavras com vários irmãos que se insurgiam contra a sua forma de actuar afirmou ficar por ali no uso da palavra, mas que mais tarde faria o que entendesse, deixando clara uma ameaça de que recorreria a outros meios para fazer vingar as suas opiniões” - e, não já saber se a deliberação aqui em causa nos autos é válida, legal e eficaz.

Já este Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 23.11.2010, retirado do site www.dgsi.pt, assim decidiu, ao proclamar que, “ …os tribunais judiciais não têm competência material para apreciar a legalidade da exclusão dos Autores como associados da Ré Misericórdia, decidida pela respectiva mesa da assembleia geral, com fundamento no facto da autoridade eclesiástica ter considerado e emitido declaração no sentido dos Autores, seus associados, «haviam abandonado a comunhão eclesiástica» e «segundo o teor do Cân. 316, 1 e 2, deverem ser demitidos da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia». Mas já têm competência material para julgarem um pedido de indemnização por danos não patrimoniais fundados em eventuais actos ilícitos conexos ou derivados dessa decisão de exclusão, na medida em que tais factos se subsumem à previsão normativa dos artigos 483.º e 496.º do Código Civil”.

Avançando no conhecimento da instância recursiva.

 II. A matéria de facto constante da resposta ao Ponto 3 da Base Instrutória deve ser alterada?

 Da leitura das alegações apresentadas pelo apelante resulta, desde logo, que foi sua intenção impugnar a decisão da matéria facto fixada pela 1.ª instância.

Para merecimento da sua alegação diz: “ … A deliberação de expulsão do A. foi, assim, ostensivamente criada, querida, projectada, pelos RR. – retira-se esta caracterização do contexto, da análise critica do processo e dos elementos que ele contém, e bem assim dos depoimentos ! – e isso merecia e justificava a resposta positiva ao quesito 3º da base instrutória. A actuação concertada e preparada dos RR. consubstancia crime de injúria e ou de difamação , um atentado ao bom nome e à honorabilidade do A.

Apesar da complexidade do facto quesitado – “quesito 3º” da base instrutória – era seguro para o Tribunal concluir pela existência da “criação” intencional dos factos que levaram à deliberação da expulsão, sobeja e redundantemente caracterizada. Ou seja, a partir dos fundamentos de facto – a prova testemunhal e documental – que os autos contêm, impunha-se outra decisão, outra verdade jurídico-factual que levasse à procedência da acção”.

Como todos sabemos, a modificabilidade pela Relação da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida - cfr. os arts. 685-B nº 1 e 712º nº1 als. a) e b) do Código do Processo Civil - e só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a primeira instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.

A divergência quanto à decisão da primeira instância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente.

Deste modo, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável - tais exigências legais têm por principal finalidade impedir que o recurso seja utilizado para atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, visando a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, traduzindo-se como expediente meramente dilatório.

Até porque, como sabe o recorrente, no recurso em matéria de facto, está primordialmente em causa a regra da livre apreciação das provas - artigo 655º, nº 1, do citado diploma - com o significado de que a probabilidade por elas sugestionada há-de enquadrar-se numa harmonia com indícios encontrados a partir de - outros - instrumentos disponíveis, conformar-se com ditames de experiência comum e ilações razoáveis que possam ser formuladas - artigos 350º e 351º do Código Civil -, por maioria de razão quando o manancial probatório se resume, essencialmente, à prova testemunhal.

A divergência quanto ao decidido pelo tribunal da 1.ª instância na fixação da matéria de facto, só sobrelevará no Tribunal da Relação se resultar demonstrada, através dos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de erro na apreciação do seu valor probatório, tornando-se necessário, para equacionar aquele, que os aludidos meios de prova apontem, inequivocamente, no sentido propugnado pelo mesmo recorrente - só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.

Escreve o apelante nas suas alegações:

”Se por um lado não temos, na acta e consequente deliberação, referência expressa e concreta da “injúria”, da “ameaça velada”, da “falta de educação e da agressividade” e muito menos se alcança (ninguém o referiu ou o apontou sequer!) qual o “ dano “ que gravemente lesou a imagem, o prestigio , os interesses e a acção da Misericórdia por outro, porque a acta da Assembleia Geral de 27 de Março de 2010 não estava ainda sequer aprovada à data da deliberação de expulsão que com base nela foi tomada..., os factos nela (texto da acta) vertidos não podiam ser utilizados ou considerados como representando a participação dos irmãos que a ela assistiram e intervieram; enquanto não for aprovada, ainda que por minuta, uma acta não passa da proposta de um texto que não é definitivo e não podia ser usada, como foi, pela Mesa Administrativa e muito menos pelo Tribunal - afinal tratava-se de “meros juízos pessoais do documentador”.

A acta foi aprovada na sessão de 27 de Novembro de 2010, data em que – o documento/convocatória está junto aos autos a fls... – até ocorreram , como aliás estava previsto estatutariamente, eleições para os órgãos sociais da MISERICÓRDIA...! Temos que a reunião da Mesa Administrativa de 18 de Novembro de 2010 foi extraordinária, foi expressamente convocada para o efeito expulsão e a ela foi avocada para ser, como foi, usada a acta da reunião da Assembleia Geral que ainda não havia sequer sido aprovada.

É o acto de aprovação da acta que confere força probatória ao conteúdo do seu texto! Naturalmente que, se sem o texto dessa proposta de acta a deliberação de expulsão pela Mesa Administrativa “não se justificava” , o certo é que alguém (a Mesa da Assembleia Geral) , deliberada e intencionalmente, o (texto) fez chegar a outro órgão! Acresce que até o timing escolhido é revelador do “modus operandi”; afinal tudo o que ao A. podia ser e foi imputado terá ocorrido até ao dia 27 de Março de 2010.

Ora, a questão que se põe é esta: porquê a reunião da Mesa Administrativa não ocorreu ao longo dos oito meses seguintes e se esperou pela data imediatamente próxima das eleições de 27 de Novembro de 2010? Isto porque é facto que não mediou, nesses oito meses, qualquer reunião da assembleia geral e nem houve da parte do A. qualquer interpelação.

Não estaria feita ainda a acta? Estudava-se a possibilidade de a (acta) compor no sentido pretendido?

Tudo isto são maquinações que o Julgador atento não deveria, com o devido respeito, deixar passar ou de analisar como implicações do resultado! Eis o exemplo claro em como não havia razões, na própria boca do Provedor…” – fim de citação -.

É certo, que a acta que sustenta a deliberação em causa nestes autos, apenas possui força probatória plena no que tange à deliberação em si, não já, quando à existência dos factos que a sustentam.

Assim sendo e tendo por matriz o estabelecido nos arts. 392º a 396º do Código Civil, concluímos que tendo sido impugnadas as razões que suportam a deliberação, estas podem ser – no caso em análise – contraditadas com recurso à prova testemunhal, que, como sabe o recorrente a sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal - art. 396º do Código Civil -, decidindo os juízes do julgamento “segundo a sua prudente convicção”  - art. 655º, nº 1 do Código de Processo Civil - , dado que, como referido, a lei não exige para a prova daqueles factos, qualquer formalidade especial” - art. 655º, nº 2 do Código de Processo Civil.

A julgadora da 1.ª instância motiva, assim, a sua decisão quanto à matéria de facto:

 “Quesito 3º: Não Provado…”

“… A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados e não provados, alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida em audiência de julgamento, documental e testemunhal, com recurso, ainda, às regras da experiência comum, com especial realce para os meios probatórios que a seguir se salientam:

- Sobre a falsidade dos comportamentos imputados ao A. na deliberação em discussão nos autos e em que esta se estriba para decidir da expulsão daquele como irmão da Irmandade da Misericórdia, ancorou-se o Tribunal no teor das Actas da Assembleia Geral da Misericórdia, juntas aos autos a fls. 138-153 e 194-195 e no escrito junto a fls.159-160, da análise dos quais se colhem os comportamentos imputados ao A. na deliberação que decidiu a expulsão do mesmo como irmão da Irmandade da Misericórdia aludida nas alíneas P) e Q) dos factos assentes, comportamentos esses que nelas se mostram retratados de forma objectiva e que não foram minimamente postos em causa por nenhum outro elemento probatório carreado para os autos, designadamente de índole testemunhal.

Na verdade, todas as testemunhas que foram inquiridas na audiência de julgamento como irmãos, associados e membros do órgãos sociais da Misericórdia ou que para esta prestavam serviços, que estiveram presentes nas Assembleias Gerais a que se reportam tais actas ou que do respectivo teor vieram a ter conhecimento, designadamente, aquando da respectiva leitura e aprovação da Assembleia Geral seguinte, …, não só não puseram minimamente em causa o teor das referidas actas no que tange aos comportamentos do A. que nelas se descrevem e em que se sustenta a supra aludida deliberação de expulsão do mesmo, como até o confirmaram, pese embora, algumas delas, tenham desvalorizado esses comportamentos do A. no sentido de, segundo eles, não justificarem a sua expulsão da Irmandade da Misericórdia, questão esta que extravasa da apreciação a fazer nos presentes autos.

Sobre tais comportamentos a primeira das mencionadas testemunhas - … - adiantou que nos comportamento que viu do A. em tais Assembleias não o viu ser incorrecto, embora reconheça que às vezes foi “incómodo“ e “chato“.

Já a segunda de tais testemunhas – … – que confirmou ter estado presente na Assembleia Geral do dia 27 de Março de 2010, na qual, segundo referiu o A. foi interrompido na sua intervenção por várias pessoas, às quais o mesmo respondia - em sua opinião de forma não provocadora nem achincalhante – pelo que foi chamado à atenção pelos membros da Mesa para não responder aos comentários, confirmando também ter estado na Assembleia Geral do dia 21.03.2009 na qual tudo se passou conforme retratado na respectiva acta.

Enquanto a terceira das mencionadas testemunhas – … – confirmou estar presente na dia 27 de Março de 2010, na qual o A. se limitou a proceder à leitura do escrito supra aludido (junto a fls. 159-160), leitura essa em relação à qual referiu não ter sido “ confortável “, pois, a propósito dela gerou-se uma troca de palavras entre o A. e o Provedor e ora R. S… a respeito da “palhaçada“ havia numa Assembleia anterior que tinha envolvido os dois e á qual então o A. respondia através da referida leitura, desvalorizando tal comportamento do A. que rotulou de mero “delito de opinião“ e não recordando de comentários laterais feitos pelo A. enquanto procedia a essa leitura e nem de ânimos exaltados ou reacções por causa dessa leitura por banda de outras pessoas para além da pessoa do Provedor visado com essa leitura.

Já a testemunha …, que inicialmente no seu depoimento começou por dizer nada recordar do ocorrido na Assembleia Geral que teve lugar dia 27 de Março de 2010, acabou por referir, depois de ser confrontada com a sua assinatura da acta referente a tal Assembleia, que depois da leitura do texto pelo A. se gerou um “sururu“ por parte de várias pessoas presentes, designadamente, dos membros da Mesa, rematando que já não tem ideia concreta de tudo quanto então se passou, mas se assinou a acta é porque esta retrata tudo o que então aconteceu.

Quanto à testemunha …, apesar de esclarecer que não esteve presente nas Assembleias Gerais dos anos de 2009, 2010 e 2001, adiantou que chegou a integrar com o A. o Conselho Fiscal e saber que as “ questões “ entre o A. e o Provedor S… surgiram por que aquele suscitava muitas questões e pedia muitas informações que os membros dos outros órgãos sociais estranhavam, comportamentos esses do A. que a testemunha nunca entendeu como incorrecto e que presenciou noutras Assembleias Gerais em que esteve presente.

Particularmente relevante mostrou-se o depoimento da testemunha …, o qual, por desempenhar as funções de TOC da Misericórdia há já 12 anos, participa em todas as Assembleias Gerais, tendo dado a saber que enquanto o A. foi membro do Conselho Fiscal nunca teve intervenções inconvenientes nas Assembleias Gerais, mas quando deixou de integrar o Conselho Fiscal o seu comportamento alterou-se, começou a suscitar várias questões e a direccionar as mesmas à pessoa do Provedor, algumas dessas questões com insistência exagerada, pois tratavam-se de questões que já anteriormente tinham sido por si esclarecidas (v.g. existência de incompatibilidades nos fornecedores), o que levava a que as perguntas formuladas pelo A. fosse mal recebidas, tal insistência por parte do mesmos nas mesma questões suscitavam mal estar na testemunha e nos membros dos órgãos sociais, porque entendiam essa insistência do A. como desconfiança deste em relação á sua actuação, admitindo a testemunha que pessoalmente essa insistência lhe criou “ confusão “ e que o deixava triste, pois não via razão para tal, sendo que essa insistência do A. criava no espírito dos irmãos e associados menos informados a ideia de que as contas estavam todas erradas, quando o A. conhecia o seu trabalho como TOC e não tinha o direito de duvidar dos esclarecimentos que sempre lhe deu, não havendo razão para insistir nas mesma questões, sendo que tais insistências aumentavam cada vez mais à medida que o tempo passava e deixavam transparecer suspeitas e insinuações.

Pelo desconforto que esse comportamento do A. lhe causava pessoalmente chegou a questionar o A. sobre esses comportamentos, perguntando-lhe directamente porque é que ele quando era membro do Conselho Fiscal não deixava entregar documento da contabilidade a ninguém e porque é que depois de deixar começou a exigir que essa documentação lhe fosse entregue para se informar, recebendo do A. como resposta a de que “ agora estou do outro lado “, que entendeu como significativa de que agora o A. estava ali para atacar os membros da Direcção.

Em concreto sobre o ocorrido na Assembleia Geral do dia 27.03.2010, esclareceu que todos os presentes nessa assembleia reagiram mal à leitura do texto nela feita pelo A., ao seu conteúdo, adiantando que depois da assembleia terminar falou com algumas pessoas que se mostraram revoltadas com essa leitura, e, ainda, que lhe esta era a reacção do A. a uma anterior atitude do Provedor que a testemunha não recorda.

Também sobre os comportamentos imputados ao A. na deliberação em discussão nos autos, a testemunha …, actual Presidente do Conselho Fiscal e anteriormente como vogal, adiantou que o A. por vezes utilizava linguagem “ excessiva “, como aconteceu na Assembleia Geral ocorrida no dia 19.04.2004, linguagem essa com a qual não concordava, admitindo ter sido essa a razão que leva a que não se mostra assinada por si a acta referente a tal Assembleia, que se mostra junta a fls. 194-195.

Igualmente referiu a mencionada testemunha ter notado uma alteração comportamental no A. depois de deixar de ser Presidente do Conselho Fiscal, no qual sempre disse ter confiado enquanto desempenhou tais funções, alteração essa que se traduziu em o A. passar a colocar nas Assembleias Gerais questões muito pormenorizadas, que criavam crispações entre o mesmo e o Provedor S…, que como observador o levavam a pensar que o A. com tais comportamentos queria “chatear  criar polémica“.

Concretamente em relação ao ocorrido na Assembleia Geral do dia 27 de Março de 2010, adiantou que a mesma acabou “da forma mais triste que podia acabar“.

Rematando tal testemunha o seu depoimento dizendo que os factos da deliberação em discussão nos autos não são falsos.

Também o depoimento da testemunha … assume particular relevo na análise dos factos sob apreciação, uma vez que se trata do Secretário da Mesa que tem como função a redacção das actas das Assembleias Gerais.

O depoimento de tal testemunha, que depôs de forma serena, coerente e objectiva, não deixou qualquer dúvida ao Tribunal de que todos os factos constantes das Actas das Assembleias gerais em discussão nos autos reflectem, com rigor, o que se passou em tais assembleias, e de forma pormenorizada, como o mesmo esclareceu que sempre fazia.

Sobre os comportamentos assumidos pelo A. durante essas Assembleias Gerais, relatou ao Tribunal a vicissitude ocorrida na Assembleia Geral que teve lugar no dia 21 de Março de 2009, a que se refere a acta junta a fls. 144-153, na qual o A. se insurgiu contra si apenas pelo facto de não ter colocado na acta o seu nome completo, esclarecendo que fez constar na acta o nome por que sempre viu ser tratado e pelo qual sempre tratou o A., esclarecendo que depois de tal ter acontecido evitou tratar o A. sem ser com a referência ao nome completo do mesmo. Assim como o comportamento assumido pelo A. na Assembleia Geral do dia 27.03.2010 na qual o A. procedeu á leitura do referido escrito, leitura essa durante foi acrescentando comentários para além do texto escrito, a que na acta se alude como “buchas“, em relação às quais muitas pessoas se insurgiram.

Ainda sobre os comportamentos assumidos pelo A. nas Assembleias Gerais, tal testemunha esclareceu que as intervenções nas mesmas por parte do A. vinham gerando algum constrangimento, porque o A. colocava questões nessas Assembleias que nada tinham a ver com as respectivas ordens de trabalhos, fazia insinuações e provocações.

Neste particular relatou a forma como várias vezes o A. questionou o TOC sobre assuntos da competência deste e um membro do Conselho Fiscal, de nome …, chegando a rebaixar este ao dizer que até desconhecia que ele fosse licenciado, e também em relação a si próprio quando se lhe referiu utilizando um trecho de Camilo Castelo Branco que a testemunha desconhecia.

Da análise de tais depoimentos, mesmos dos produzidos pelas testemunhas arroladas nos autos pelo próprio AA. que revelaram discordar da decisão de expulsão do A. deliberada pela Mesa Administrativa, não resulta que os comportamentos aludidas na referida deliberação sejam falsos, pois, apesar do diferente juízo que essas testemunhas possam ter feito, cada uma delas, sobre a gravidade dos mesmos, que a este tribunal não cabe apreciar, o certo é que objectivamente eles aconteceram e foram presenciados pelas mesmas que sobre eles discorreram, na generalidade de forma desinteressada.

Na verdade, não é no facto do A. pretender saber e de ser esclarecido sobre questões do interesse da Misericórdia, enquanto irmão da respectiva Irmandade – Como efectivamente resultou ser preocupação do mesmo, quer pelos depoimentos de várias das mencionadas testemunhas, quer pelo teor dos documentos juntos a fls. 169-171 – que assentam os comportamentos que lhe vêm imputados na referida deliberação, mas sim a forma e o modo como se comportou durante as Assembleias Gerais com vista à obtenção desses esclarecimentos, para os quais se tornava desnecessário usar de provocações e insinuações, como as mencionadas testemunhas referiram ter acontecido, com as quais punha em causa a honra e idoneidade dos membros dos órgãos sociais e de outros a estes ligados, em especial a pessoa do Provedor S…, conforme este também o referiu no depoimento de parte que prestou na audiência de julgamento…” “…Quanto aos demais factos não provados, sopesou o tribunal que os elementos probatórios carreados para os autos não assumiram consistência bastante para os sedimentar. Em particular quanto à afectação da imagem do A. em consequência da decisão de expulsão do mesmo e ao distanciamento por força dela por parte dos seus amigos, a prova testemunhal que sobre tal factualidade foi produzida vai no sentido de que a consideração que as pessoas tinham pelo A. se mantém incólume apesar da referida expulsão, continuando o mesmo a ser respeitado como sempre foi pelos seus amigos e pelas pessoa que o conhecem e que com ele se relacionam…”.

Escutados os depoimento das pessoas ouvidas em juízo – que o apelante transcreve parcialmente – nada nos permite concluir diferentemente do Tribunal de Oliveira de Frades, até porque, a modificação da matéria de facto só terá pleno cabimento quando haja uma flagrante desconformidade na sua apreciação o que, de todo, não acontece nestes autos.

Assim, sopesando criticamente toda a prova pessoal produzida, bem como a prova documental nos termos que antes se enunciaram, não se forma uma convicção positiva neste tribunal quanto à realidade dos factos articulados no Ponto 3.º da Base Instrutória, estando em causa, como o apelante sabe, matéria cujo ónus da prova lhe incumbe, improcedendo integralmente a impugnação da decisão da matéria de facto.

Como escrevem os apelados, a dado momento das suas contra alegações,”… Todas as testemunhas que foram ouvidas nos autos e que estiveram presentes nas Assembleias Gerais vieram comprovar, em maior ou menor medida, a veracidade dos factos constantes da deliberação. O Recorrente limita-se a discordar ao longo das suas alegações de recurso da valoração feita pelo Tribunal à prova produzida em audiência de julgamento, sendo que, a simples divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal firmou sobre esses factos, não pode – no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova – servir de base à impugnação da matéria de facto…”

Porque a decisão da 1.ª instância não apresenta quaisquer vícios, omissão de motivação, contradição na fixação da matéria de facto ou outros, que exijam a este Tribunal a sua alteração/revogação, improcede, neste particular a instância de recurso, mantendo-se, assim, os factos fixados pela 1.ª instância, que são:

4. Do Direito

 Com a presente acção pretende o A. a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 31.000,00€, a título de danos não patrimoniais.

Da análise da p.i conclui-se que a presente acção é intentada, tendo por base a responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 483º do Código Civil – para além destas disposições básicas de responsabilidade civil enumerados nesta norma, o nosso legislador recebeu uma série de previsões particulares, que concretizam ou completam aquelas, como por ex., os artigos 484.º, 485.º e 486.º e, ainda, os artigos 491.º, 492.º e 493.º, sendo que a "ofensa ao crédito e bom nome prevista no artigo 484.º não é mais de que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo 483.º, pelo que se deve considerar subordinada ao princípio geral do artigo 483º.

A simples leitura desta norma mostra que vários pressupostos condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, cabendo a cada um desses pressupostos um papel especial na complexa disciplina das situações geradoras do dever de reparação do dano.

É necessário, desde logo, que haja um facto voluntário do agente, que esse facto do agente seja ilícito por violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger esses direitos, que haja um nexo de imputação desse facto voluntário e ilícito ao agente em termos de dolo ou mera culpa e que dessa violação decorrente de actuação voluntária, ilícita, culposa, decorram danos para terceiros e que se demonstre existir um nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de forma a poder concluir-se que o dano é resultante da violação.

Como é sabido a culpa “lato sensu” exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes de dolo ou de negligência, e esta, também designada de culpa “stricto sensu”, traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes de consciente ou inconsciente.

No primeiro caso – culpa consciente - o agente prevê a realização do facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação, sendo que no segundo – culpa inconsciente - o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.

Na falta de outro critério legal, a culpa - agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito - é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, nos exactos termos da norma do artigo 487º, nº 2, do Código Civil, ou seja, em abstracto, de acordo com a conduta normal do cidadão comum, e com a ética, a deontologia, o civismo exigíveis à generalidade das pessoas.

Tal reprovação existirá quando se possa concluir que o agente, pela sua capacidade e face às circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de forma diferente.

O critério legal da apreciação da culpa é pois abstracto, uma vez que a sua avaliação é feita tendo em conta as concretas circunstâncias subjacentes à situação em causa, por referência a uma pessoa normal.

Sabemos que, no âmbito da responsabilidade delitual impende sobre o lesado o ónus de demonstrar a culpa do autor da lesão – bem como de todos os outros pressupostos da responsabilidade civil extracontratual -, excepto nas situações em que exista presunção de culpa, que não será o caso em análise nestes autos – sobre esta temática, Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil anotado, vol. I, 4ª edição, pág.. 485/486, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 453, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, volume II, pág. 348 e ss, Antunes Varela, Direito das obrigações, Volume I, 7ª edição, pág. 559 -.

Também temos por acertada a expressão de que “o bem jurídico honra traduz uma presunção de respeito por parte dos outros, que decorre da dignidade moral da pessoa”.

O seu conteúdo é constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem observância social desta condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de existência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém.

O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual - o bom nome - e um lado social - a reputação ou consideração - fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros. É, ao fim e ao cabo, uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade – Augusto Silva Dias, Alguns Aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, ADFDL, 1989, 17/18, citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 17.03.98, CJ tomo II, pág. 149 -.

No entanto, também temos por adquirido que a violação do direito de personalidade pode ser afastada quando o facto do lesante é praticado no exercício regular de um direito, no cumprimento de um dever, em acção directa, em legitima defesa ou com consentimento do lesado.

Sabido que a ordem jurídica não pode impor dois deveres incompatíveis enquanto se mantiver a situação de incompatibilidade, é lógico que o dever menos fortemente tutelado deixará, neste caso, de ser devido.

O aplicador do direito pode, em certas circunstâncias considerar isento de censura um acto objectivamente ilícito.

Nos autos, são mencionadas/relatadas circunstâncias que de acordo com determinado órgão são susceptíveis de levar à exclusão do A. da Irmandade.

De facto, nessas actas são enumerados determinados comportamentos do A. que, de acordo, com determinado órgão de uma instituição são susceptíveis de originar a expulsão do mesmo.

Já vimos, aquando da motivação da matéria de facto, que tais expressões/comportamentos existiram, tiveram lugar, ou seja, não foram inventadas para, com elas, prejudicar o autor – a questão de saber se a deliberação da Mesa Administrativa da R. que decidiu excluir o A da Irmandade é (in) válida já não pertence aos Tribunais Judiciais.

No entanto, ao contrário da 1.ª instância, com o devido respeito, entendemos que tais expressões serão objectivamente “injuriosas”.

As expressões utilizadas, nomeadamente quando se diz que o A. “injuria os membros dos órgãos sociais”, “...intimida os colaboradores”, “Produz ameaças veladas umas vezes e outras expressas” são objectivamente ofensivas e não apenas uma crítica.

No entanto, porque produzidas para fundamentar um direito superior a este último – o direito das “instituições” a retirar do seu “seio” elementos que de acordo com um determinado procedimento legal não devem fazer parte delas -, entendemos que justificado está o uso de tais factos na aplicação da “sanção” pela ré.

A não ser assim, ficaria coartado – pela ameaça da condenação pela violação dos direitos de personalidade - o direito das “associações” a proporem/aplicaram sanções aos seus “associados”, sempre que estivesse em causa a existência de fundamento como o dos autos.

Ora, a expulsão da irmandade constitui uma pena disciplinar, a mais grave é certo, mas é uma pena disciplinar. A deliberação de expulsão do aqui Autor da irmandade a que pertencia foi tomada, por maioria, pela Mesa Administrativa no uso dos seus poderes e competência – art. 11º n.º2 e no artigo 42º alínea b) do Compromisso - e foi de resto posteriormente ratificada pela esmagadora maioria dos irmãos reunidos em Assembleia Geral.

O visado, até pode ter bons motivos para se sentir ofendido na sua personalidade moral e, apesar disso, ponderados os interesses e valores conflituantes, dever considerar-se justificada a conduta – sobre esta problemática, ler Paulo Vieira Henriques, Os Excessos de Linguagem na Imprensa, Estudos de Direito da Comunicação, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2002, pág. 213 -.

Também, neste particular, improcede o recurso.

Sumariando esta decisão:

1. Embora os tribunais judiciais possam não ter competência material para apreciar a legalidade da expulsão do Autor como associados da Ré Misericórdia, decidida pela respectiva mesa da assembleia geral, já a têm para julgarem um pedido de indemnização por danos não patrimoniais fundados em eventuais actos ilícitos conexos ou derivados dessa decisão de exclusão, na medida em que tais factos se subsumem à previsão normativa dos artigos 483.º e 496.º do Código Civil.

2. A acta que sustenta a deliberação em causa nestes autos, apenas possui força probatória plena no que tange à deliberação em si, não já, quando à existência dos factos que a sustentam.

3. Assim sendo e tendo por matriz o estabelecido nos arts. 392º a 396º do Código Civil, concluímos que tendo sido impugnadas as razões que suportam a deliberação, estas podem ser – no caso em análise – contraditadas com recurso à prova testemunhal, que, como sabe o recorrente a sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal - art. 396º do Código Civil -, decidindo os juízes do julgamento “segundo a sua prudente convicção”  - art. 655º, nº 1 do Código de Processo Civil - , dado que, como referido, a lei não exige para a prova daqueles factos, qualquer formalidade especial” - art. 655º, nº 2 do Código de Processo Civil.

4. A expulsão da irmandade constitui uma pena disciplinar, a mais grave é certo, mas é uma pena disciplinar. A deliberação de expulsão do aqui Autor da irmandade a que pertencia foi tomada, por maioria, pela Mesa Administrativa no uso dos seus poderes e competência – art. 11º n.º2 e no artigo 42º alínea b) do Compromisso - e foi de resto posteriormente ratificada pela esmagadora maioria dos irmãos reunidos em Assembleia Geral.

5.O visado – aqui apelante -, até pode ter bons motivos para se sentir ofendido na sua personalidade moral e, apesar disso, ponderados os interesses e valores conflituantes, dever considerar-se justificada a conduta dos réus.

A Decisão

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

José Avelino - Relator 

Regina Rosa

Artur Dias