Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
650/12.2TAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: PENA DE MULTA
PRAZO
PAGAMENTO DE MULTA A PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 06/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 47.º, N.º 3, DO CÓDIGO PENAL, E 489.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: Salvo no caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações tem de ser requerida, pelo condenado, no prazo (peremptório) de 15 dias fixado no artigo 489.º, n.º 2, do CPP.
Decisão Texto Integral:  
Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

No processo supra referido, por decisão de 28.02.2013, proferida nos termos do artº 397º do CPP, foi o arguido, A... , melhor identificado nos autos, condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €6, no total de € 1080,00, pela prática de um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artº 86º nº1 al. d) da Lei 5/2006 de 23.02.

Depois de efectuadas várias diligências no sentido de notificar o arguido da decisão e também para em dez dias pagar a multa e as custas em que foi condenado, veio finalmente o arguido a ser notificado pessoalmente em 29.12.2013.

Contudo, não pagou as quantias em que foi condenado no prazo que lhe foi concedido para o efeito.

Em face do não pagamento da multa, e não sendo conhecidos bens penhoráveis, o Ministério Público promoveu a notificação do arguido nos seguintes termos:

1º Ser advertido de que a falta de pagamento da pena de multa pode conduzir à conversão em prisão subsidiária, nos termos previstos no artº 49º do Código Penal;

2º Ser notificado, bem como o seu defensor para, em dez dias, comprovar nos autos as razões eventualmente justificativas da falta de pagamento da multa, ou, no mesmo prazo, proceder ao seu pagamento.

3º Ser notificado da possibilidade de requerer a substituição da pena de multa por trabalho, nos termos do disposto no artº 48º do Código Penal, como forma de evitar a substituição da pena de multa pela de prisão subsidiária.

Sobre esta promoção recaiu o despacho de 17.03.2014, inserto a fls. 141, que deferiu a promoção relativamente ao promovido em 1º e 2º, e indeferiu o ponto 3º por entender tratar-se de pretensão extemporânea.

Dos pontos 1º e 2º foi o arguido pessoalmente notificado em 25 de Março de 2014.

A defensora oficiosa do arguido, por requerimento entrado em 4 de Abril de 2014, informou que o arguido não pagou por não ter rendimentos para tal juntando aos autos atestado da junta de freguesia a informar que não lhe são conhecidos bens e que o único rendimento que possui é o que aufere com o seu trabalho de pastor. E,

Por requerimento de 23 de Abril de 2014, fls. 158 e159, veio o arguido invocar a sua débil situação económica, seu vencimento como pastor correspondente ao vencimento mínimo nacional constitui o único rendimento da sua família constituída pela companheira e um filho, e requerer o pagamento da multa em prestações em número não inferior a 10.

Sobre este requerimento, que obteve a concordância do Magistrado do Ministério Público, foi proferido o seguinte despacho:

“Fls. 151 e ss.: por extemporâneo, o tribunal indefere o requerido – cfr. artigos 489º e 491º do Código de Processo Penal.

Notifique o arguido para, em 10 dias, proceder ao pagamento da pena de multa liquidada, sob pena de execução patrimonial e, eventualmente, da sua conversão em prisão subsidiária.”

É deste despacho que o arguido veio interpor recurso, rematando a respectiva motivação, com 22 conclusões, alíneas A a V onde repete os 26 pontos que alinhou na motivação, defendendo que o pedido de pagamento da multa em prestações, não é extemporâneo, chamando em defesa da sua tese o Ac. Rel. Coimbra de 18.09.2013, processo nº 368/11.3GBLSA, e da Rel. de Évora de 18.09.2012, ambos in www.dgsi.pt, onde se defende que se deve dar ao arguido a possibilidade de cumprir, ainda que fora do prazo que lhe foi conferido para o efeito, a multa em que foi condenado, como forma de evitar o cumprimento de prisão subsidiária.

Chamando ainda a seu favor a norma do nº 2 do artº 49º do CP segundo o qual o arguido pode pagar, a todo o tempo, a multa, como forma de evitar a execução da prisão subsidiária e concluindo que a interpretação literal do artº 489º do CPP, colide com o objectivo da aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade, pelo que o prazo de 15 dias a que o preceito se refere não pode ser havido como preclusivo do direito de formular tal pedido, e que:

“o tribunal a quo ao indeferir, por extemporâneo o requerimento formulado pelo arguido, pese embora o mesmo tenha alegado e comprovado nos autos, a falta de pagamento dentro do prazo, se ficou a dever à sua insuficiência económica, fez incorrecta interpretação da lei, violando o disposto no art.º 47º nº3 do CP e 107º nº2 e 489º do CPP”.

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O recurso foi admitido.

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Aprestou-se a responder-lhe a Digna Magistrada do Ministério Público, defendendo a procedência do recurso, que resumiu nas três conclusões que a seguir se transcrevem:

1º O arguido requereu o pagamento da pena de multa em prestações mensais, depois do termo do prazo a que alude o artº 489º, do Código de Processo Penal, mas antes de instaurada a execução patrimonial e da conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

2º O decurso do prazo de 15 dias após a notificação para pagamento da pena de multa não preclude, sem mais, a possibilidade de requerer o pagamento da pena de multa em prestações.

3ª O nosso legislador dá primazia ao cumprimento de penas não detentivas em detrimento destas, pelo que, o Tribunal, no presente caso, deveria ter apreciado as condições substantivas para o deferimento do pedido de pagamento da pena de multa em prestações.

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O Ex. mo Juiz chamando à liça dois Ac. desta Relação ambos proferidos em 18.09.2013, sustentou a decisão recorrida, defendendo que o artigo 489º nº2 do CPP impõe que a pretensão de pagamento da multa em prestações deve ser formalizada no prazo peremptório de 15 dias para o seu pagamento voluntário, sob pena de desencadeamento do procedimento de cobrança coerciva e, eventualmente, da conversão em prisão subsidiária.

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Já neste tribunal para onde os autos foram entretanto enviados, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, depois de relatar que a questão posta no recurso tem dividido a jurisprudência, emitiu fundamentado Parecer, defendendo o provimento do mesmo.

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 É consensual quer na doutrina quer na jurisprudência que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso das nulidades e vícios a que se reporta o artº 410º do CPP.

Pois bem, das prolixas conclusões supra descritas resulta que o recorrente recorreu de facto e de direito.

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Conhecimento do recurso

Não está em causa que o requerimento onde o arguido pede que lhe seja deferido o pagamento da pena de multa em que foi condenado em prestações, foi efectuado para além do prazo de 15 dias a que se reporta o artº 489º nº2 do CPP, mesmo contando já com os três dias a que se reporta o art.º 145º do CPC, ex vi art.º 107-A do CPP, conf. datas assinaladas “a bold”, no relatório que fizemos no início deste acórdão.

A questão posta á nossa consideração resume-se a saber se o prazo previsto no artº 489º nº2 do CPP, de 15 dias a contar da notificação para pagamento da multa é um prazo peremptório ou preclusivo, ou se o requerimento pode ser formulado enquanto não se proceder à execução ou à conversão da multa em prisão subsidiária, questão que como resulta das alegações feitas no processo, tem recebido decisões desencontradas.

Tanto quanto sabemos, a corrente maioritária nesta Relação tem considerado que o prazo referido no citado art.º 489º nº2 do CPP, tem a natureza de prazo processual e por consequência, é um prazo peremptório, e como tal, com o seu decurso o requerente perde o direito de praticar o acto, salvo se alegar justo impedimento nos termos apertados em que este instituto é admitido, no artº 107º do mesmo Código.

Assim decidimos no processo nº 247/08.1 GTLRA-A.C1, (embora aí estivesse em causa a substituição da multa por dias de trabalho a favor da comunidade o que não muda a natureza do prazo em discussão) e assim se decidiu, nos Ac. desta Relação ambos 18.09. proc. 68/11.3GBLSA-A.C12013 (por maioria), e no proc. 145/11.1TALSA (por unanimidade) e recentemente no Ac. de 11.02.2015, proferido no processo nº 12/12.1GECTB-A.C1, os três últimos disponíveis in www.dgsi.pt., sendo que todos eles se reportam a casos em tudo semelhantes aos dos presentes autos.

Este último aresto, que remete para o proferido no processo 68/11.3, que também referimos, decidiu-se a questão nos seguintes termos, que pela sua concisão e por merecer a nossa inteira concordância passamos a transcrever:

Está em causa, no recurso a interpretação do regime substantivo previsto no artigo 47º nº 3 do Código Penal com o correspondente ritual, adjectivo, previsto e 489°, n°2 e 3 do CPP, sobre o prazo em que é admissível o requerimento para pagamento da pena de multa em prestações.

Estabelece o art. 47º, n.º 3 do C.P: Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

Por sua vez, postula o art. 489º do CPP:

1- A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nela  fixado, não podendo ser acrescido de quaisquer adicionais.

2- O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.

3- O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.

Como vem doutamente equacionado, a questão não tem obtido resposta uniforme.

Sobre a questão, temos como mais ajustada à letra e ao espírito dos preceitos em questão a interpretação dada pelo Ac. TRC de 18-09-2013, RECURSO 68/11.3GBLSA-A.C1, acessível em www.dgsi.pt:

1- O prazo processual estabelecido no n.º 2 do art.489.º do C.P.P, para pagamento voluntário da pena de multa, é um prazo peremptório;

2- Sendo um prazo peremptório, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode o condenado apresentar o requerimento para pagamento da multa em prestações (de diferimento do pagamento ou de substituição da pena de multa por dias de trabalho) para além do prazo de 15 dias contados da notificação para proceder ao seu pagamento voluntário.

E o Ac. TRC de 18-09-2013, recurso 145/11.1TALSA-A.C1, também acessível em www.dgsi.pt: Salvo no caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações tem de ser requerido, pelo condenado, no prazo (peremptório) de 15 dias, fixado no artigo 489º, nº 2, do CPP.

Com efeito, o prazo para o requerimento de pagamento em prestações é o definido no art. 489º, nº2.

A excepção prevista no nº3 – no caso de o pagamento da multa “ter sido diferido ou autorizado” pelo sistema de prestações – tem precisamente em vista o caso em que o pagamento em prestações “ter sido” requerido dentro do prazo legal e “ter sido diferido”. O tempo verbal utilizado, no passado, reforça o argumento.

O condenado, além do prazo do trânsito em julgado da sentença dispôs de 15 dias para o efeito.

Se o não fez, sob pena de subversão dos mecanismos processuais, sujeita-se aos trâmites subsequentes com vista ao pagamento coercivo, subsequente apuramento das razões do não pagamento e só em última instância à aplicação da prisão subsidiária.

O argumento de que deverá, sempre que possível, salvaguardar a possibilidade de cumprimento da pena sem a privação da liberdade, não colhe, porquanto da não admissão do requerimento para pagamento em prestações para lá do termo do prazo, peremptório, de 15 dias a partir do trânsito em julgado da sentença, não decorre nem automática nem necessariamente, o cumprimento da prisão subsidiária. Impondo-se antes a tentativa de execução patrimonial e, em última instância, provando-se que o não pagamento da multa não é imputável ao condenado, pode ainda ser suspensa a execução, nos termos do art. 49º, nº3.

Aliás também a substituição por prestação de trabalho tem o mesmo prazo peremptório – remissão do artigo 490º, nº1 para o artigo 489º, nº2 do CPP.

Não se vislumbrando razões materiais de relevo para ser de outra forma, no que toca ao pagamento em prestações.

O argumento de que o escopo da lei de que deve dar-se primazia à vontade manifestada pelo arguido no sentido do cumprimento voluntário compatibiliza-se com o entendimento em causa – além de poder sempre pagar a multa voluntariamente, tem a oportunidade de requerer o pagamento em prestações desde que o requeira no prazo legalmente fixado.

Se o arguido, notificado da sentença, não quis fazê-lo no prazo de 15 dias, segue-se o preceituado na lei com execução – e não está em causa o cumprimento da prisão subsidiária em que o arguido, nos termos da lei (art. 49º, nº3 do CP), pode sempre evitar a prisão pagando a multa.

Não requerendo o pagamento em prestações dentro do prazo legal, sujeita-se aos termos subsequentes previstos na lei.

Aliás na perspectiva oposta, o prazo definido no art. 489º do CPP deixava de ter qualquer sentido.

Conclui-se assim, com os citados arestos deste Tribunal, que, salvo em caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações deve ser requerido pelo condenado dentro do prazo peremptório de 15 dias, fixado no artigo 489º, nº 2, do CPP.”

Aliás, como tivemos oportunidade de referir no proc. 274/08.1GTLRA-A.C1, por nós relatado:

Com efeito, além de não se vislumbrarem razões para conferir ao prazo do artº 489º nº2 ex vi artº 490º nº1 do CPP, outra natureza que não a de prazo processual, como são em geral os prazos conferidos aos sujeitos processuais e designadamente aos arguidos para exercerem os seus direitos de defesa (contestar, recorrer, etc), também se não vê que com a interpretação supra defendida se belisquem sequer o direitos de defesa do arguido.

Defender solução contrária, estar-se-ia a premiar o desinteresse e a inércia bem patentes na atitude do arguido que, passado mais de 3 meses após ter sido notificado para pagar a multa, e sem apresentar qualquer justificação, veio pedir a sua substituição, face aqueles condenados em pena de multa que diligentemente respondem às notificações que lhe são feitas.

Com efeito, só com a interpretação que defendemos se faz sentir ao condenado o sentido ético-penal da condenação, do mesmo passo que se garante a confiança da comunidade nas normas, assegurando-se assim, a vigência da norma violada e a confiança no sistema sancionatório.

A partir do momento em que o arguido não paga a multa no prazo que lhe foi concedido e pura e simplesmente silencia, nada dizendo ou requerendo, apesar de ter sido notificado para o efeito, e, inclusive, de que podia vir a cumprir prisão subsidiária, e se comporta como se não tivesse sido objecto de qualquer sanção penal, nem de qualquer advertência, não lhe é lícito, pensamos nós, invocar o seu direito de defesa para se opor à execução da multa e ou da prisão subsidiária, direito que não curou de exercer no momento próprio, sob pena de se subverter todo o sistema jurídico-penal.

De resto, se bem entendemos a lógica do sistema de execução da multa, a prisão subsidiária foi pensada precisamente como instrumento para conferir credibilidade e exequibilidade à pena de multa, que consiste no direito penal moderno a sanção por excelência.

Citando o Prof. Figueiredo Dias - “A consagração de uma pena de prisão sucedânea, em alternativa de 2/3, em caso de multa não paga, é “tão pouco desejável como irrenunciável: sem ela seria a própria pena de multa a sofrer irreparavelmente, enquanto instrumento de actuação preferido da política criminal”, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime §553.”

Destarte, outra solução não nos resta que a de manter o despacho recorrido.

Daqui não resulta, como parece entender o requerente, que se tenha de passar à execução da prisão subsidiária, pois que antes dela ainda se tem de providenciar pelo pagamento coercivo da multa, e não sendo este possível, existe sempre a válvula de escape da substituição da prisão subsidiária, verificadas as condições do artº 49º do Código Penal.

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Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se improcedente o recurso e confirma-se o despacho recorrido devendo o processo prosseguir os seus trâmites em conformidade.

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Custas pelo arguido com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

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(Cacilda Sena - relatora)

(Elisa Sales - adjunta)