Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
882/20.0T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PLANO DE RECUPERAÇÃO
APROVAÇÃO
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/10/2021
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 17º-F, Nº 5, ALS. A) E B), DO CIRE
Sumário: I - Face ao que se dispõe no n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE, considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

II - No que respeita ao apuramento da maioria necessária à aprovação do plano de recuperação, a alínea b) impõe que tenham de ser emitidos em sentido favorável mais de metade dos votos correspondentes à totalidade dos créditos relacionados, devendo ainda que mais de metade dos votos emitidos correspondam a créditos não subordinados, e a alínea a) impõe que, caso o número de votos emitidos não ultrapasse a metade, mas seja superior a um terço de todos os créditos relacionados com direito a voto, os votos favoráveis correspondam a uma maioria qualificada de 2/3 dos votos efetivamente expressos.

III - Quando o legislador se refere a mais de metade destes votos, entendemos que só pode querer referir-se aos votos favoráveis anteriormente computados: é relativamente a estes que se entende distinguir os correspondentes a créditos subordinados e não subordinados, exigindo agora para a aprovação do plano, e cumulativamente com o cálculo anterior, que mais de metade dos já encontrados votos favoráveis, calculados por referência ao universo dos créditos relacionados, corresponda a créditos não subordinados.

IV - Para os efeitos da alínea a) do nº 3 do artigo 17º-F do CIRE, o legislador entendeu necessário um quorum constitutivo de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de pelo menos um terço do capital envolvido no plano de recuperação.

V - Para a aprovação do plano de recuperação, em termos de quorum deliberativo, o legislador exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções.

Decisão Texto Integral:







                                             DECISÃO SUMÁRIA

     I – RELATÓRIO

No Processo Especial de Revitalização (CIRE) n.º 882/20.0T8ACB do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Comércio-Alcobaça-J1 -, em que é devedora “A..., S.A.”, foi proferido, em 23.11.2020, douto despacho que decidiu não homologar o plano de recuperação apresentado pela A..., Sa.

O teor integral do referido despacho é o seguinte:

“A 15-9-2020 a devedora A..., Sa. apresentou plano de recuperação.

Nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 2 do Cire, apresentaram alegações os seguintes credores: o Banco C..., Sa. (R. de 21-9-2020); a V..., Lda. (R. de 22-9-2020); a I..., Lda. (R. de 23-9-2020); a I..., Sa. (R. de 23-9-2020); a C..., Sa. (R. de 23-9-2020); e a S..., Lda. (R. de 23-9-2020).

A 14-10-2020 o Instituto da Segurança Social, Ip. pugnou pela ineficácia do aludido plano em relação aos créditos provisoriamente reconhecidos ao mesmo Instituto. A tal pretensão se opõe a devedora (R. de 22-10-2020).

A devedora não procedeu a alterações ao plano, tendo sido publicado o respetivo anúncio a 4-10-2020 (artigo 17.º-F, n.º 3 do Cire).

A 16-10-2020 o Sr. AJP juntou aos autos o resultado da respectiva votação (artigo 17.º-F, n.º 3 do Cire).

Solicitam a não aprovação do referido plano de recuperação os seguintes credores:

-o Banco C..., Sa. (R. de 26-10-2020);

-a I..., Lda. (R. de 27-10-2020);

-a I..., Sa. (R. de 27-10-2020);

-a C..., Sa. (R. de 27-10-2020);

Através de requerimentos autuados a 9-11-2020, o Sr. AJP e a devedora alegam no sentido de que o referido plano de recuperação foi validamente aprovado e, em consequência, pugnam pela homologação do mesmo.

Cumpre apreciar e Decidir.

As alíneas do n.º 5 do artigo 17.º-F do Cire configuram dois critérios normativos, parcialmente cumulativos, conducentes ao apuramento da maioria necessária à aprovação do plano de recuperação (Acórdão do STJ de 5-6-2018, processo n.º 2316/16.5T8CHV.G1.S2, que se segue de perto).

Assim, no que respeita ao apuramento da maioria necessária à aprovação do plano de recuperação, a alínea b) impõe que tenham de ser emitidos em sentido favorável mais de metade dos votos correspondentes à totalidade dos créditos relacionados, devendo ainda que mais de metade dos votos emitidos correspondam a créditos não subordinados.

Já na hipótese da alínea a): caso o número de votos emitidos não ultrapasse a metade, mas seja superior a um terço de todos os créditos relacionados com direito a voto, então exige-se que os votos favoráveis correspondam a uma maioria qualificada de 2/3 dos votos efetivamente expressos.

No caso concreto, há que ter presente o quadro resumo da votação apresentado pelo Sr. AJP, cujo teor aqui se dá por reproduzido, bem como o facto do quórum constitutivo, ou seja a totalidade dos credores votantes ascender a 88,78%.

Extrai-se do referido quadro que o plano de recuperação não foi votado favoravelmente por mais de metade dos votos emitidos não subordinados.

Face à realidade acima sintetizada, não se verifica quórum deliberativo quer no que exige o disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F, quer no que dispõe a alínea b) do mesmo preceito legal.

Em consequência, o plano de recuperação apresentado pela A..., Sa. não foi aprovado, o que se declara com e para todos os efeitos.

Pelo exposto, não homologo o plano de recuperação apresentado pela A..., Sa.

Oportunamente deve o Sr. AJP emitir o parecer, a que alude o disposto no artigo 17.º-G, n.º 4, por remissão do artigo 17.º-F, n.º 8 do Cire.

Notifique.”

A devedora A..., S.A., não se conformando, veio interpor o presente recurso, pretendendo a revogação da douta decisão recorrida – por violação, por incorreta aplicação do disposto no art.º 17.º-F, n.º 5, al. a), do CIRE - e a sua substituição por outra que, em termos de votação, aprove o plano de recuperação, e que, seguidamente, o analise e decida, em conformidade com o seu conteúdo – caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, homologá-lo ou não (art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.).

Para o efeito apresenta a motivação e as respetivas conclusões.

A Recorrida I..., S.A., em resposta ao Recurso, defende que a improcedência do recurso e a consequente manutenção da douta decisão recorrida por não merecer qualquer censura.

Para o efeito, apresenta as contra motivações e as respetivas conclusões.

O recorrido Banco C..., S. A., Sociedade Aberta, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência e a consequente manutenção da douta decisão recorrida.

Pata o efeito apresenta a sua contra motivação e respetivas conclusões.

Foi, em 20.01.2021, recebido o recurso nos seguintes termos:

“Alegações de recurso (autuadas a 9/12/2020).

A A..., Sa. interpõe recurso da Decisão proferida a 23-11-2020.

Uma vez que a referida sociedade tem legitimidade, o recurso é tempestivo, sendo a referida Decisão recorrível, admito o referido recurso (artigos 627.º, 629.º, 631.º, n.º 2, 637.º, 638.º, n.º 1 segunda parte, 639.º do CPC).

O recurso interposto é de apelação, sobe de imediato, nos presentes autos e com efeito devolutivo (artigo 14.º, n.º 5, e n.º 6, alínea b), do Cire).

Admito as respostas apresentadas ao referido recurso pela I..., Sa. (R. de 22-12-2020) e pelo Banco C..., Sa. (R. de 23-12-2020), uma vez que as mesmas se mostram tempestivas e assiste legitimidade a tais credores.

Uma vez que nada obsta e com urgência, remeta o aludido apenso ao Tribunal da Relação de Coimbra, para Superior Decisão.

Dn.

Notifique.

***

Parecer apresentado pelo Sr. AJP (R. de 10-12-2020).

Conclui o Sr. AJP no sentido de que a A..., Sa., não se encontra em estado de insolvência.

Pelo exposto e sem prejuízo do que superiormente for decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, determino o oportuno encerramento dos presentes autos, com a consequente extinção dos seus efeitos (artigo 17.º-G, n.ºs 2 e 6, por remissão do artigo 17.º-F, n.º 8 do Cire).

Manifeste-se o Sr. AJP quanto à sua remuneração.

Notifique.”

Nesta Relação foi oportunamente admitido o recurso e mantida a sua espécie, efeito e regime de subida fixados pela 1ª Instância, nada obstando ao seu conhecimento.

O Ex. mo Sr. Relator entende que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 652.º, n.º 1, al. c) e 656.º, do C. P. Civil, deve ser proferida decisão sumária.

Em decisão sumária, cumpre, pois, apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso

É pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o seu objeto – cfr. designadamente, as disposições conjugadas dos art.ºs 5.º, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil – sem prejuízo da apreciação das que se apresentem como sendo de conhecimento oficioso.

Face às conclusões da motivação do recurso, a única questão a decidir é a seguinte:

Saber se a decisão recorrida deve ser revogada – por violação, por incorreta aplicação, do disposto no invocado art.º 17.º-F, n.º 5, al. a), do CIRE - e substituída por outra que, em termos de votação, julgue aprovado o plano de recuperação apresentado nos autos e, decorrentemente, o analise em termos do seu conteúdo - caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, tendo em vista a sua homologação ou a sua não homologação - art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.

2. Os Factos e o Circunstancialismo relevantes e assentes:  

Os Factos e o Circunstancialismo relevantes e assentes nestes autos são os que defluem do antecedente Relatório, os quais se dão aqui por reproduzidos.

3. O Direito

Como referimos supra, a única questão a decidir é a de saber se decisão recorrida deve ser revogada – por violação, por incorreta aplicação, do disposto no invocado art.º 17.º-F, n.º 5, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - e substituída por outra que, em termos de votação, julgue aprovado o plano de recuperação apresentado nos autos e, decorrentemente, o analise em termos do seu conteúdo - caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, tendo em vista a sua homologação ou a sua não homologação - art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.

Apreciando e conhecendo desta única questão colocada pela apelante (saber se decisão recorrida deve ser revogada – por violação, por incorreta aplicação, do disposto no invocado art.º 17.º-F, n.º 5, al. a), do CIRE - e substituída por outra que e substituída por outra que, em termos de votação, julgue aprovado o plano de recuperação apresentado nos autos e, decorrentemente, o analise em termos do seu conteúdo - caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, tendo em vista a sua homologação ou a sua não homologação - art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.).

Conclui a apelante:

A decisão que se pronuncia no sentido da não homologação do plano de recuperação da Devedora, ora Recorrente, não pode manter-se, concretamente na parte em que é decidido que “Em consequência, o plano de recuperação apresentado pela A..., Sa. não foi aprovado, o que se declara com e para todos os efeitos. Pelo exposto, não homologo o plano de recuperação apresentado pela A..., Sa.

A decisão proferida não aplica corretamente e viola o disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ao caso em apreço.

O Meritíssimo Juiz a quo não efetuou um correto enquadramento jurídico dos factos, nem a correta aplicação do direito na decisão recorrida.

O Administrador Judicial Provisório apresentou, em 16 de Outubro de 2020, o documento informativo do resultado da votação do plano de recuperação, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 17.º-F do CIRE, do qual consta que o aludido plano foi aprovado nos termos do disposto no n.º 5 do mesmo artigo.

A alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE estatui que se considera aprovado o plano de recuperação que “Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs. 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.

A mencionada alínea impõe apenas que mais de metade dos votos emitidos sejam correspondentes a créditos não subordinados. A expressão da lei é “votos emitidos”!

A lei não exige, ao contrário do decidido, votos favoráveis emitidos, mas apenas que mais de metade dos votos emitidos correspondam a créditos não subordinados.

Na votação do plano de recuperação mais de metade dos votos emitidos em apreço correspondem a créditos não subordinados, concretamente 54,38% dos votos emitidos.

Os votos desfavoráveis à aprovação do plano de recuperação (21,52% dos votos emitidos) correspondem, na sua totalidade, a créditos não subordinados e têm de ser considerados nestas contas, pois são “votos emitidos”.

Pelo que o plano de recuperação foi regularmente aprovado, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 17º F do CIRE.

O total dos créditos relacionados com direito de voto ascende a €4.938.572,67, representando os créditos subordinados 43% do total dos créditos e os créditos não subordinados 57%.

Concluída a votação, por força das abstenções, o Plano de Recuperação foi votado por €4.384.451,45, correspondente a 88,78% dos créditos.

Foram emitidos €3.441.098,17 votos favoráveis, correspondentes a 78,48% dos votos emitidos, sendo que, dos votos favoráveis, €2.000.272,93 correspondem a créditos subordinados e €1.440.825,24 correspondem a créditos não subordinados.

Assim, em termos de votos favoráveis emitidos verificou-se que o montante dos credores subordinados votantes (2.000.272,93) ultrapassou o montante dos credores não subordinados votantes (1.440.825,24).

Em face desta realidade - que, salienta-se, ocorre por força das abstenções -, torna-se necessário atentar no resultado da votação considerando os credores com créditos não subordinados.

Votaram favoravelmente o Plano de Recuperação Credores não subordinados que representam mais de 60,4% da totalidade dos créditos não subordinados relacionados que exerceram o direito de voto, já que, considerando somente os credores com créditos não subordinados, o total dos votos exercidos ascendeu a € 2.384.178,52, tendo votado favoravelmente o Plano Credores com créditos no montante de € 1.440.825,24, correspondente a 60,4% do total de créditos não subordinados com direito de voto, e apenas 39,6% dos Credores com créditos não subordinados votou contra o Plano.

Verifica-se, pois, que a salvaguarda dos Credores não subordinados pretendida pelo legislador está plenamente assegurada, já que a maioria deles votou favoravelmente a aprovação do plano e, para além disso, mais de metade dos votos emitidos correspondem a votos de Credores com créditos não subordinados.

O plano de recuperação foi regularmente aprovado, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 17º F do CIRE.

Se considerarmos que o legislador, na redação que deu ao aludido preceito, quis estabelecer a exigência que, para aprovação do plano, o mesmo recolha o voto favorável de mais de metade dos votos emitidos de créditos não subordinados, verificamos que tal está, igualmente, cumprido no caso em apreço, uma vez que dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados (2.384.178,52), 1.440.824.24, correspondentes a 60,43%, foram favoráveis e apenas 943.353,28, correspondentes a 39,57%, foram desfavoráveis, conduzindo à mesma conclusão: Estão cumpridos os requisitos legais para a aprovação do plano de recuperação ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 5 artigo 17.º-F do CIRE, pelo que deverá considerar-se o mesmo devidamente aprovado.

Sendo o CIRE enformado pela filosofia do favor debitoris, tendo o PER como desiderato a recuperação e revitalização das empresas devedoras - tal como resulta da exposição de motivos da proposta de lei que deu lugar à Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril –, certamente que o legislador não pretendeu que, tendo sido apurado que os créditos subordinados votantes ultrapassam os créditos não subordinados votantes por força das abstenções, a devedora possa ver impedida a aprovação do Plano de Recuperação quando a maioria dos credores com créditos não subordinados vota favoravelmente e, mesmo desconsiderando os credores com créditos subordinados, a maioria dos restantes o votou favoravelmente.

Ora, é precisamente esse o caso presente, pelo que o Plano de Recuperação tem de ser considerado aprovado, ainda que para tal fosse necessário desconsiderar parte dos créditos dos credores com créditos subordinados.

Tendo em consideração os factos elencados e que não foram devidamente apreciados pelo Meritíssimo Juiz a quo, bem como a fundamentação da decisão colocada em crise, deve a mesma ser revogado e, em consequência, substituída por outra que homologue o plano de recuperação da Devedora, ora Recorrente, aprovado nos termos do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento.

Quid Juris?

Defende a recorrente que a douta decisão recorrida deve ser revogada - por violação, por errada aplicação, do disposto no invocado art.º 17.º-F, n.º 5, al. a), do CIRE - e substituída por outra que, em termos de votação, julgue aprovado o plano de recuperação apresentado nos autos e, decorrentemente, o analise em termos do seu conteúdo - caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, tendo em vista a sua homologação ou a sua não homologação - art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.

Ora, salvo o devido respeito, entendemos que, na parte em que defende se considere aprovado o plano de recuperação apresentado por si, assiste a razão à recorrente.

            Com efeito, dispõe-se no art.º 17.º-F do CIRE:   

“1- Até ao último dia do prazo de negociações a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de revitalização, acompanhada de todos os elementos previstos no artigo 195.º, aplicável com as devidas adaptações, sendo de imediato publicada no portal Citius a indicação do depósito.

2 - No prazo de cinco dias subsequente à publicação, qualquer credor pode alegar nos autos o que tiver por conveniente quanto ao plano depositado pela empresa, designadamente circunstâncias suscetíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a empresa de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior.

3 - Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.

4 - Concluindo-se a votação com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, em que intervenham todos os seus credores, este é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:

a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n. os 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou

b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

6 - A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º, com as necessárias adaptações, e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com a empresa e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.

7 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º

8 - Caso o juiz não homologue o acordo aplica-se o disposto nos n. os 2 a 4, 6 e 7 do artigo 17.º-G.

9 - Sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência.

10 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.

11 - Compete à empresa suportar as custas do processo de homologação.

12 - É aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º.

13 - É aplicável o disposto no n.º 6 do artigo seguinte, contando-se o prazo de dois anos da decisão prevista no n.º 7 do presente artigo, exceto se a empresa demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano ou que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa.” (Itálico nosso)

Quer dizer:

Como vimos, face ao que se dispõe no n.º 5 do citado art.º 17.º-F do CIRE,  considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n. os 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

Ora, in casu, verifica-se que:

Da votação escrita apresentada pelos credores que, descontando as abstenções, entendidas como a diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos que teriam direito de voto e o valor dos que efetivamente expressaram o direito de voto, votaram 88,78% dos créditos relacionados, uma vez que, sendo o total de créditos reconhecidos de €4.938.572,67, expressaram sentido de voto créditos correspondentes a 4.384.451,45, decorrendo também com clareza que, do universo dos credores votantes (€4.384.451,45), €2.000.272,93 correspondem a créditos subordinados e €2.384.178,52 a créditos não subordinados.

Assim, votaram o plano credores com créditos não subordinados que representam mais de metade dos votos emitidos (não se considerando as abstenções), pelo que se verifica que mais de metade dos votos efetivamente expressos (independentemente do seu sentido e não se considerando as abstenções) correspondiam a créditos não subordinados.

Por outro lado, no que respeita ao apuramento da maioria necessária à aprovação do plano de recuperação, a alínea b) impõe que tenham de ser emitidos em sentido favorável mais de metade dos votos correspondentes à totalidade dos créditos relacionados, devendo ainda que mais de metade dos votos emitidos correspondam a créditos não subordinados, e a alínea a) impõe que, caso o número de votos emitidos não ultrapasse a metade, mas seja superior a um terço de todos os créditos relacionados com direito a voto, os votos favoráveis correspondam a uma maioria qualificada de 2/3 dos votos efetivamente expressos.

Ora, nestes autos, tendo presente o quorum constitutivo, ou seja, a totalidade dos credores votantes, que ascende a 88,78%, e o teor do quadro resumo da votação apresentado pelo Sr. AJP, cujo teor aqui se dá por reproduzido, verificamos que o plano de recuperação foi votado favoravelmente por mais de metade dos votos emitidos não subordinados.

Por conseguinte, foram emitidos em sentido favorável mais de metade dos votos correspondentes à totalidade dos créditos relacionados e verifica-se ainda que mais de metade dos votos emitidos correspondem a créditos não subordinados.

Quando o legislador se refere a mais de metade destes votos, entendemos que só pode querer referir-se aos votos favoráveis anteriormente computados: é relativamente a estes que se entende distinguir os correspondentes a créditos subordinados e não subordinados, exigindo agora para a aprovação do plano, e cumulativamente com o cálculo anterior, que mais de metade dos já encontrados votos favoráveis, calculados por referência ao universo dos créditos relacionados, corresponda a créditos não subordinados.

Ora, como vimos, da votação escrita operada resulta que a ora recorrente obteve mais de metade dos votos favoráveis dos credores detentores de créditos não subordinados e nessa conformidade o plano que apresentou foi aprovado.

Por conseguinte assiste a razão à recorrente, designadamente quando defende nas suas conclusões do recurso:

“Na votação do plano de recuperação mais de metade dos votos emitidos em apreço correspondem a créditos não subordinados, concretamente 54,38% dos votos emitidos.

Os votos desfavoráveis à aprovação do plano de recuperação (21,52% dos votos emitidos) correspondem, na sua totalidade, a créditos não subordinados e têm de ser considerados nestas contas, pois são “votos emitidos”.

Pelo que o plano de recuperação foi regularmente aprovado, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 17º F do CIRE.

O total dos créditos relacionados com direito de voto ascende a €4.938.572,67, representando os créditos subordinados 43% do total dos créditos e os créditos não subordinados 57%.

Concluída a votação, por força das abstenções, o Plano de Recuperação foi votado por €4.384.451,45, correspondente a 88,78% dos créditos.

Foram emitidos €3.441.098,17 votos favoráveis, correspondentes a 78,48% dos votos emitidos, sendo que, dos votos favoráveis, €2.000.272,93 correspondem a créditos subordinados e €1.440.825,24 correspondem a créditos não subordinados.

Assim, em termos de votos favoráveis emitidos verificou-se que o montante dos credores subordinados votantes (2.000.272,93) ultrapassou o montante dos credores não subordinados votantes (1.440.825,24).

Em face desta realidade - que, salienta-se, ocorre por força das abstenções -, torna-se necessário atentar no resultado da votação considerando os credores com créditos não subordinados.

Votaram favoravelmente o Plano de Recuperação Credores não subordinados que representam mais de 60,4% da totalidade dos créditos não subordinados relacionados que exerceram o direito de voto, já que, considerando somente os credores com créditos não subordinados, o total dos votos exercidos ascendeu a €2.384.178,52, tendo votado favoravelmente o Plano Credores com créditos no montante de €1.440.825,24, correspondente a 60,4% do total de créditos não subordinados com direito de voto, e apenas 39,6% dos Credores com créditos não subordinados votou contra o Plano.

Verifica-se, pois, que a salvaguarda dos Credores não subordinados pretendida pelo legislador está plenamente assegurada, já que a maioria deles votou favoravelmente a aprovação do plano e, para além disso, mais de metade dos votos emitidos correspondem a votos de Credores com créditos não subordinados.

O plano de recuperação foi regularmente aprovado, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 17º-F do CIRE.

Se considerarmos que o legislador, na redação que deu ao aludido preceito, quis estabelecer a exigência que, para aprovação do plano, o mesmo recolha o voto favorável de mais de metade dos votos emitidos de créditos não subordinados, verificamos que tal está, igualmente, cumprido no caso em apreço, uma vez que dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados (2.384.178,52), 1.440.824.24, correspondentes a 60,43%, foram favoráveis e apenas 943.353,28, correspondentes a 39,57%, foram desfavoráveis, conduzindo à mesma conclusão: Estão cumpridos os requisitos legais para a aprovação do plano de recuperação ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 5 artigo 17.º-F do CIRE, pelo que deverá considerar-se o mesmo devidamente aprovado.”

Quer dizer:

“I - Para os efeitos da alínea a) do nº 3 do artigo 17º-F do CIRE, o legislador entendeu necessário um quorum constitutivo de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de pelo menos um terço do capital envolvido no plano de recuperação. II - Depois, para a aprovação do plano de recuperação, em termos de quorum deliberativo, o legislador exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções.” – Ac. do TRP de 13.03.2017.

Por conseguinte, no caso concreto, há que ter presente o quadro resumo da votação apresentado pelo Sr. AJP, cujo teor aqui se dá por reproduzido, bem como o facto do quorum constitutivo, ou seja a totalidade dos credores votantes, ascender a 88,78%.

Extrai-se do referido quadro que o plano de recuperação foi votado favoravelmente por mais de metade dos votos emitidos não subordinados.

Face à realidade acima sintetizada, verifica-se, assim, quorum deliberativo - pelo menos no que exige o disposto na al. a) do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE.

Com efeito, parece-nos ser de aplicar à questão da aprovação a alínea a), pois os critérios do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE são alternativos, pelo que o plano será aprovado se passar no crivo de um ou de outro.

E segundo a al. a) do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE, o plano apresentado nos autos deve ser considerado aprovado pelo seguinte:

Em primeiro lugar, o plano foi votado (contra, a favor ou com abstenção.) por credores que representem, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto contidos na lista de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório.

Em segundo lugar, o plano recolhe o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos.

Em terceiro lugar, verifica-se que mais de metade dos votos emitidos correspondam a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

Ora, no recurso está apenas em questão esta 3.ª condição que, como vemos, se verifica.

Aliás, em linha com o n.º 1 do art.º 212.º do CIRE, no qual essa condição significa que o plano deve recolher o voto favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções. Ou seja, parte-se dos votos emitidos por credores não subordinados, a favor ou contra o plano, não entrando em linha de conta com as abstenções, e o plano cumpre esta 3.ª condição se tiver recolhido mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados. Por outras palavras, o plano preenche a 3.ª condição se, dos créditos não subordinados que votaram a favor ou contra o plano, mais metade deles votaram a favor da aprovação do plano.

De facto, tendo em conta que emitiram voto, a propósito do plano, credores não subordinados com créditos no montante de 2.384.178,52 euros, sendo que deles 1.440.825,24 votaram a favor do plano - ou seja, tendo por referência os votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados -, a maioria deles foi favorável ao plano.

Por conseguinte, afigura-se-nos que está preenchida a 3.ª condição (sendo que o preenchimento das outras duas não é objecto de controvérsia).

Em consequência, salvo o devido respeito, o plano de recuperação apresentado pela A..., S.A., contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, foi aprovado, não podendo subsistir, neste âmbito, a douta decisão recorrida.

Face ao exposto, e sem mais considerações, deverá, pois, ser a mesma revogada e substituída por outra que, em termos de votação, julgue aprovado o plano de recuperação apresentado nos autos e que, decorrentemente, seguindo-se os seus normais trâmites, analise o referido Plano e decida, em conformidade com o seu conteúdo – caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, homologá-lo ou não – art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.

Por conseguinte, em suma – porquanto violou, por errada aplicação, designadamente, o disposto no invocado art.º 17-F.º, n.º 5, al. a), do CIRE – deve ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que, em termos de votação operada, julgue aprovado o plano de recuperação apresentado nos autos e que, decorrentemente, o analise em termos do seu conteúdo - caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, tendo em vista a sua homologação ou a sua não homologação - art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.

Resumindo e concluindo:

Procede, pois, esta única questão recursiva e, em consequência – porquanto violou, por errada aplicação, designadamente, o disposto no invocado art.º 17-F.º, n.º 5, al. a), do CIRE –, deve ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que, em termos de votação, julgue aprovado o plano de recuperação apresentado nos autos e que, decorrentemente, o analise em termos do seu conteúdo - caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, tendo em vista a sua homologação ou a sua não homologação - art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.

III – DECISÃO

Pelo exposto, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra, decido:

I) Julgar procedente o recurso de apelação interposto e, em consequência:

1) Revogar a decisão recorrida;

2) Ordenar a sua substituição por outra que:

a) Julgue aprovado, em termos de votação, o plano de recuperação apresentado nos autos.

b) Analise o referido plano, em termos do seu conteúdo - caso não haja outro motivo formal para a sua rejeição -, tendo em vista a sua homologação ou a sua não homologação.

II) Custas pela parte vencida a final.

                                                                          Coimbra, 10 de março de 2021