Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4093/15.8T9CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: INSOLVÊNCIA DOLOSA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
TIPO OBJECTIVO
ACÇÃO DE FAZER DESAPARECER PARTE DO PATRIMÓNIO
SIMULAÇÃO
Data do Acordão: 04/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 227.º DO CP
Sumário: I – O tipo de crime de insolvência dolosa, hoje previsto no artigo 227.º do CP, deixou de exigir que a actuação do devedor seja causa directa e necessária da situação posterior de declaração de insolvência, bastando apenas a ocorrência de uma das actuações descritas no n.º 1 do referido preceito legal, realizada com a intenção de prejudicar os credores.

II – A situação de insolvência, com o respectivo reconhecimento judicial, constitui agora uma condição objectiva de punibilidade.

III – A diminuição real do activo patrimonial da insolvente pode resultar das acções típicas previstas na al. a) do n.º 1 do artigo 227.º do CPP

IV – O desaparecimento de parte do património do devedor não exige o desaparecimento absoluto, no sentido de tornar impossível o seu acesso ou conhecimento do paradeiro dos bens, devendo antes ser considerado na acepção de subtracção dos bens da esfera jurídica do devedor ao direito/conhecimento dos credores e às respectivas acções legais.

V – De facto, uma das formas de desaparecimento de parte do património consiste no esvaziamento patrimonial da sociedade insolvente ou em vias de assim se tornar com recurso à alteração jurídica do património, através da transferência de todo o activo (bens e direitos) da massa insolvente para uma entidade com personalidade jurídica diferente, privando-se, por essa via, os credores da cobrança coerciva dos seus créditos e deixando a devedora na impossibilidade de prosseguir com a sua actividade de modo a obter proventos para satisfação das suas dívidas.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

A. RELATÓRIO

I. Por sentença proferida em 9 de março de 2020, foram condenados:

1. O arguido AP, em coautoria e na forma consumada, pela prática de um crime de insolvência dolosa agravada, previsto e punido pelo artigo 26º, 227º, nº 1, al. a) e b) e 3 e artigo 229º-A todos do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), o que perfaz o montante total de € 3000 (três mil euros).

2. Os arguidos AM, J., F. e V. pela prática, cada um, em coautoria e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 26º, 227º, nº 1, al. a) e b) e 2 todos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), o que perfaz o montante total de € 2500 (dois mil e quinhentos euros).

3. Mais se decidiu na mesma sentença, julgar o pedido de indemnização civil deduzido por “Massa Insolvente de M – …, Lda.” totalmente improcedente e, em consequência, absolver os demandados civis AP, AM, J., F. e V. do montante peticionado.

II. Inconformados, dela recorrem os arguidos e a demandante cível, formulando as seguintes conclusões:

1. AM, J.

1.Como questão prévia e ab initio teremos de nos debruçar sobre a decisão de considerar nulo o depoimento da testemunha (…), isto porquanto vieram dois dos arguidos requerer a nulidade do depoimento da testemunha advogado.

2. Foi entendimento do douto Tribunal a quo, dar provimento ao requerido pelos arguidos, e não só dá por nulo o depoimento da testemunha advogado, como faz inquinar outros depoimentos deste mesmo desvalor, nomeadamente o da testemunha administrativa forense (…).

3. Importa, contudo, ponderar que em termos processuais a requerida nulidade do depoimento ocorreu antes da testemunha prestar o seu depoimento, sem que o douto Tribunal a quo se tenha pronunciado nesse momento e tendo vindo a pronunciar-se apenas na sentença ora em crise.

4. A verdade, é que os dois recorrentes, usaram da testemunha como parte da sua estratégia de defesa, mantendo-se a mesma como previamente equacionada, para vir a final, ver declarado nulo o depoimento da testemunha, sem possibilidade de adaptar a sua estratégia processual.

5. Assim e por apenas se ter declarado a jusante a nulidade do depoimento efectuado a montante, e por, ainda a montante da declaração de nulidade, se terem praticado actos processuais de produção de prova, quando o pedido de declaração de nulidade do mesmo foi também ele a montante, se devem declarar todos os actos processuais posteriores ao depoimento da (…) nulos, por forma da aplicação subsidiária aos autos dos artigos 195.º CPC e seguintes, sob pena se se encontrar violado o melhor disposto no artigo 32.º CRP.

6. uma outra causa de nulidade da sentença ora em crise, nomeadamente, a valoração negativa do silêncio do arguido.

7. O Tribunal a quo aprecia de facto negativamente o silêncio do Arguido, estando impedido de o fazer por imperativo legal e comando constitucional.

8. “A testemunha (…), amigo do arguido (…) desde a faculdade. Este depoimento não se revelou minimamente credível, porque sabe muito e de tudo, mas com base no que o arguido (…) lhe transmitiu, limitando-se a apresentar a versão deste arguido, que, aliás, se remeteu ao silêncio, pelo que nenhum relevo tem.”

9. A valoração negativa do silêncio do arguido fere a Decisão com a nulidade prevista no n.º 3 do art. 126° do Cód. de Processo Penal e consubstancia uma interpretação do n.º 1 do art. 343° do Cód. de Processo Penal que viola o disposto nos n.ºs 1, 2, 5 e 10 da Const. da República Portuguesa.

10. Ainda por questão prévia temos o reconhecimento da insolvência técnica da sociedade M. Lda, senão antes, pelo menos desde 2012.

11. Ora, o crime pelo qual os recorrentes se encontram acusados é cada um, em coautoria e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 26º, 227º, nº 1, al. a) e b) e 2 todos do Código Penal, que alegadamente é dependência de uma reunião “algures no Verão de 2014”.

12. Concebendo sem conceder na existência dessa reunião em2014haviamjá decorridos pelo menos dois anos (2012) desde a falência da sociedade M Lda., conforme melhor se encontra corroborado pela testemunha (…), Inspectora Judiciária.

13. Assim e em bom rigor jurídico, inexiste qualquer bem objectivo à alegada data da pratica dos factos – sempre concebendo sem conceder – que pudesse determinar a imputação do crime aos arguidos ora recorrentes, razão pela qual devem os mesmos ser absolvidos, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.

14. Por outro lado importa considerar que a única pessoa que sempre deteve na sua esfera jurídico o controlo efectivo do acto ou da omissão que possa ser considerado como crime, foi o arguido AP.

15. “18. O arguido AP foi constituído fiel depositário daquele penhor, com a expressa advertência de que, a partir daquela data, não poderia alienar, modificar, destruir ou desencaminhar aqueles bens.”

16. Na verdade era sobre este arguido em exclusivo que recaia o dever e a imposição legal de não alienar, modificar, destruir ou desencaminhar aqueles bens, como na verdade o único.

17. Não obstante, entende o Tribunal a quo que os arguidos actuaram da forma descrita em conjugação de esforços e de intentos, na execução de plano que haviam traçado entre eles, com o propósito, concretizado, de lesar os legítimos interesses dos credores da M. Lda., neles se incluindo os trabalhadores, e que estes se vissem impedidos de receber os seus créditos à custa dos respectivos bens daquela sociedade.

18. Basta, contudo, compulsar os factos dados por provados, a titulo de exemplo, 1, 3, 14, 17, 18, 21, 25, 26, 31, para concluir que apenas um dos arguidos detinha o poder de praticar o facto considerado crime, i e, AP.

19. O mesmo detinha o controlo da sociedade,

20. O mesmo deixou de organizar a contabilidade,

21. O mesmo deu maquinaria de penhor à Autoridade Tributária e Aduaneira e nunca revelou tal facto,

22. O mesmo foi nomeado fiel depositário dessa mesma maquinaria,

23. Ao contrário do facto dado por assente e provado no n.º 19, não foram os arguidos (todos) que retiraram das instalações da M. Lda. a maquinaria.

24. Foi o arguido AP que deu ordens nesse sentido,

25. Conforme prova testemunhal vária que existe nos autos e neste recurso supra em alegações melhor se encontra identificada.

26. Foi este mesmo arguido que transmitiu aos trabalhadores toda e qualquer decisão tomada, 

27. Nunca estes trabalhadores tendo ouvido falar dos aqui recorrentes.

28. Na verdade o nome do arguido AP é recorrente e de uso exaustivo na sentença,

29. O que não acontece com o nome dos recorrentes.

30. Não se entende assim que actuação entre todos os arguidos se refere o douto Tribunal a quo,

31. Que conjugação de esforços e de intentos e sobretudo, 3

32. Que plano executado previamente gizado.

33. Como pode em bom rigor jurídico, o douto Tribunal a quo entender que, os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, sem nunca concretizar que actos foram praticados de forma livre, voluntária, consciente e bem sabendo que tal prática era proibida por lei penal pelos arguidos aqui recorrentes.

34. Não se encontra um único acto imputado ao arguido J. que seja passível de ser considerado crime e, não se encontra um único acto imputado ao arguido AM que seja passível de ser considerado crime.

35. A contradição é tanta e tamanha como se pode ler: “Ora, se em relação à deslocalização das máquinas da M. Lda. para E., o arguido admite que deu ordens nesse sentido, tendo sido cumprido pelos funcionários da sociedade, durante o mês de agosto de 2014, estando a empresa fechada para férias, já em relação à restante factualidade o arguido tenta imputar tais factos aos restantes arguidos, nomeadamente, ao arguido J.. Diremos nós sem conseguir, desde logo, porque autorizou, como gerente da sociedade, que a M. Lda. ficasse desprovida dos seus bens mais essenciais, ou seja, as máquinas que lhe permitiam produzir e manter a empresa em funcionamento, sem que tenha assegurado alguma contrapartida, nomeadamente, se algo corresse mal nas novas instalações, ou seja, a sua intenção de deslocalização das máquinas era definitiva.”

36. É o próprio douto Tribunal a quo que vem desconsiderar a tese do arguido AP,

37. Que vem concluir que este arguido tenta a todo o custo incriminar o arguido J., mas, segundo o mesmo, referindo-se a essa mesma tentativa: diremos nós sem conseguir, desde logo, porque autorizou, como gerente da sociedade, que a M. Lda. ficasse desprovida dos seus bens mais essenciais, ou seja, as máquinas que lhe permitiam produzir e manter a empresa em funcionamento.

38. No entanto, vem depois a condenar o arguido que, ao que tudo indica afinal, apenas foi incriminado pelo arguido AP.

39. Ainda neste seguimento e porquanto importa reter que para que existisse crime, os bens tinham de ter sido dissipados de forma a prejudicar a massa insolvente.

40.A única forma de prejudicar a massa insolvente, era efectivamente os bens continuarem “dissipados”, i e, os bens continuarem em paradeiro incerto, O QUE NÃO ACONTECEU NOS AUTOS e, em particular, O QUE NÃO ACONTECE COM A VERDADE MATERIAL DOS FACTOS.

41. Conforme depoimento prestado nos autos por (…), administradora de Insolvência da sociedade M. Lda., que aos autos alegou saber onde estavam as maquinas, mas que estas não lhe interessavam, que a contrario, ela queria era o dinheiro do alegado acordo verbal.

42. Se no crime em concreto o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora é o património dos credores e mediatamente, o correcto funcionamento da economia de mercado, como peça fundamental do sistema socioeconómico,

43. Então resulta claro que a dissipação do património foi decisão de quem conduziu a sua própria sociedade à insolvência, não em 2014, mas na verdade, já em 2012.

44.E que, ocultando a existência de penhores nas máquinas, à Autoridade Tributária e Aduaneira as fez movimentar, por ordens exclusivamente suas, isto é, o arguido AP.

45. In fine, lê-se na sentença proferida,

46.“No que diz respeito à expressão “fazer desaparecer parte do seu património”, parece que ela servirá para atalhar aos casos em que não se descobre o paradeiro de bens que supostamente se deviam encontrar na titularidade do devedor. Não importa se eles (os bens do devedor) foram objecto de uma alienação real ou tão-só fictícia: importa tão-só que os credores não conseguem atingi-los para garantir a satisfação das suas dívidas, pelo que o valor ostensivo do património resulta, em qualquer caso, diminuído” (Pedro Caeiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, p. 413).”

47. No caso concreto, a própria AI vem aos autos indicar que SABE QUAL O PARADEIRO DOS BENS, apenas se afigura “difícil” ir buscar os mesmos e quer-se é o dinheiro!

48.Todo e qualquer acto praticado e melhor descrito quer nos autos,

49. Quer na sentença em crise,

50. Foi, conforme melhor corroborado por prova testemunhal e documental vária,

51. Promovido de forma unilateral, com ocultação de factos, omissão de informação, praticado pelo arguido AP, sendo que apenas este arguido pode ser condenado nos presentes autos,

52. Desde já se requerendo a procedência por provado do presente recurso e a consequente absolvição dos arguidos aqui recorrentes, assim dignificando V.ª Ex.ª a tão douta e costumada JUSTIÇA!

2. F.

1. O aqui recorrente não se conforma com a douta decisão do Tribunal a quo, que o condenou pela prática, em coautoria e na forma consumada, num crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 26º, 227.º, nº 1, al. a) e b) e 2 todos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), o que perfaz o montante total de € 2500 (dois mil e quinhentos euros).

2. O recorrente entende que face aos elementos de prova existentes nos autos impunha-se decisão diversa, pretendendo, assim, com este recurso ver alterada/revogada a douta decisão do Tribunal a quo. nomeadamente, com a sua ABSOLVIÇÃO.

3. Efectivamente, a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento não corresponde, nem suporta, o acervo fáctico dado como provado pela douta sentença que sustentou a condenação do Arguido, violando, assim, os artigos 124.º 127.º 285.º, 377.º do C.P.P. e os mencionados artigos 26º, 227º, nº 1, al. a) e b) e 2 todos do Código Penal 227.º do Código Penal.

4. A qual, caso tivesse sido devidamente interpretada e aplicada pelo Tribunal recorrido, deveria ter levado à decisão de absolvição do arguido e não à sua condenação.

5. Verifica-se, também, uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto provado nos termos do artigo 410.º n. º2 do código de processo civil.

6. Atenta a matéria dada como provada, esta, por exiguidade, não permite fundamentar uma condenação pelo qual veio o arguido acusado/pronunciado.

7. Nos factos provados na sentença ora recorrida, esta é completamente omissa se o ora recorrente tinha conhecimento, ou em que medida o tinha, do passivo da sociedade insolvente M. Lda.

8. Não se dá como provado a que título a (…) detinha os bens enunciados nos factos provados.

9. Os factos dados como provados na sentença ora recorrida apenas se referem a uma transferência, mas também não especifica em que é que esta consistiu.

10. Seria indispensável que a sentença a quo aferisse a que título e quais os bens que a sociedade (…) detinha provenientes da esfera patrimonial da sociedade M. Lda., para assim poder chegar à conclusão que aquela “transferência” era passível ou não de se integrar nas condutas típicas do artigo 227.º do Código Penal, já que, este específico crime, é de execução vinculada.

11. É verdade que todos os elementos probatórios sujeitos à apreciação do Tribunal são por este valorados livremente, todavia, a “livre apreciação da prova” não é sinónimo de arbítrio e muito menos um apelo a uma arrebatada e insindicável discricionariedade.

12. Pelo contrário, esta regra da livre apreciação da prova “não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo.” Germano Marques da Silva in Curso de Processual Penal, vol. II pág. 126 e 127.

13. Segundo Castanheira Neves em “Sumários de Processo Criminal. Pág. 50. “Significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um principio de direito, ainda do domínio da convicção probatória e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva.”

14. A livre apreciação da prova será assim algo de obrigatoriamente corroborado por um momento crítico e racional, composto por critérios lógicos, coerentes, empíricos e científicos, capazes de tornar objectiva a decisão a proferir.

15. Quanto à Impugnação da Matéria de Facto, o recorrente considera incorretamente julgados os PONTOS DE FACTO N.º 7, 19, 23, 38, 39 e 40 dados como provados, os quais deveriam ser dados como não provados.

16. O recorrente considera ainda incorretamente julgado o facto dado como não provado nomeadamente que: “A (…) SUPORTOU UM PASSIVO DA M. Lda. SUPERIOR A 155.000,00”, o qual deveria ter sido dado como provado.

17. Quanto ao mencionado PONTO 7, o Tribunal a quo baseou-se nos depoimentos das testemunhas (…), cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo das declarações (das 12h19min às 13h03) conforme ata de 16 de outubro de 2019) constando do ficheiro 20191016121851-2832711-2870727. e de (…), cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo das declarações (das 13h04min às 13h32min) conforme ata de 16 de outubro de 2019 constando do ficheiro 201910161230352_2832711-2870727), ambos funcionários da M. Lda.

18. Ora, salvo melhor entendimento, não resulta dos depoimentos destas importantes testemunhas, como o Tribunal a quo erradamente retira dele a motivação que “permite concluir do acordo alcançado entre todos para acabar com a M. Lda. e iniciar uma nova empresa, com as máquinas e clientela daquela, esvaziando-a dos elementos necessários à empresa: maquinaria, funcionários e produção “.

19. Efectivamente, do seu depoimento resulta exatamente o contrário desta conclusão erradamente retirada pelo tribunal a quo. nomeadamente que que a M. Lda. iria continuar, que era parte integrante e que haveria uma mera deslocalização do ativo corpóreo.

Se não vejamos:

(min 4:12 a 18.00m):

F.V. - Trabalhou na M. Lda. de que tempo é que tempo?

R. - 2013 a 2014, julgo que junho 2014, se a memória não me atraiçoa. …...

F.V. - E então o que é que se passou nessa reunião que se recorde?

R. - Nessa reunião, daquilo que eu percebi foi que a M. Lda. seria deslocalizada para uma unidade nova nas (…) em que algum pessoal da M. Lda. faria parte do novo projeto, portanto seria a M. Lda. a parte integrante e com a parceria desses senhores o tal senhor J. e o tal senhor (…).

F.V.- Senhor (…) numa reunião desse género pode ser feito apenas um plano de intenções genericamente, vamos ajudar, vamos colaborar, ou pode ser concretizado mais qualquer coisa? Ou não, ali nessa reunião a que foi estava apenas no plano das generalidades ou concretizou-se? É que o senhor disse aí uma coisa concreta que a M. Lda. seria deslocalizada, mas era a M. Lda. que continuava.

R. - Sempre a M. Lda. ponto de honra! Se não fosse a M. Lda. eu nem sequer tinha ido, eu fazia parte integrante da empresa.

20. -O depoimento desta testemunha (…), que se dá aqui por reproduzida para todo o efeito, corrobora as declarações efetuadas pelo co-arguido AP (cuja tomada de declarações se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo(das 10h21min às 12h12min, conforme ata de 08 de outubro de 2019 constando do ficheiro 20191008101119_2832711-2870727) também estão em sintonia com as declarações da citada testemunha, nomeadamente, que era intenção que a M. Lda. continuasse a laborar.

21. Por outro lado, a nível documental, a certidão comercial da M. Lda. de fls. 84 a 90 dos presentes autos permite comprovar que o ora recorrente não tinha qualquer participação social, nem era gerente daquela sociedade.

22. Bem como resulta da certidão comercial da “(…) “de fls. 274 a 280 dos presentes autos, que o ora recorrente não era representante legal daquela sociedade, nem detinha qualquer participação social.

23. No período temporal mencionado no ponto de facto ora impugnado, “Verão de 2014”, o acordo alcançado era entre o representante legal da M. Lda. e os da sociedade (…) foi feito com o intuito de transferir as máquinas de produção para as instalações que aquela iria construir sitas em (…), continuando estas, assim, a serem propriedade da Sociedade M. Lda..

24. Por outro lado, resultou plenamente demonstrado na audiência de julgamento, que a intervenção do recorrente, incluindo a sua participação nas reuniões, se limitou à sua qualidade de diretor fabril da sociedade (que se encontra dada como provada no ponto 5) e a dar o seu parecer quanto à viabilidade técnica da parceria projetada.

25. A sua intervenção no acordado naquela data limitou-se, assim, a dar um mero parecer técnico, dentro das suas competências profissionais.

26. O tribunal a quo não deveria ter dado o facto como provado o tal ponto 7 como provado, pelo que se impõe decisão diversa, ou seja, dar este ponto como não provado.

27. Quanto ao ponto 19, o tribunal deu como provado que: “No mês de agosto de 2014, os arguidos retiraram das instalações da “M. Lda.”, sitas na Rua do (…), em Coimbra, as máquinas de produção, incluindo as que foram dadas de penhor à Fazenda Pública em 27.06.2014, as matérias-primas e os produtos finais, colocando as na Zona Industrial ZIL 1, Lote 3, em (…), no local onde a “(…)” veio a exercer a sua actividade”.

28. Ora, o facto foi incorretamente julgado, no que ao arguido diz respeito, porquanto o arguido, agiu apenas na qualidade de diretor fabril da sociedade M. Lda. e deu instruções nesse sentido a trabalhadores por ordens do sócio gerente, AP.

29. Facto que é algo substancialmente diferente ao dizer que também foi o recorrente que retirou “as máquinas de produção, incluindo as que foram dadas de penhor à Fazenda Pública em 27.06.2014, as matérias-primas e os produtos finais.”

30. Existem meios probatórios nos autos que impõem decisão diversa, nomeadamente, as declarações do co-arguido AP (cuja tomada de declarações se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo (das 10h21min às 12h12min) conforme ata de 08 de outubro de 2019 constando do ficheiro 20191008101119_2832711-2870727) em que o próprio assumiu em exclusivo a autoria dessa ordem.

(min 10:48 a 19:43m).

J - Quem é que disse aos trabalhadores para tirarem as máquinas dali para serem transportadas para outro local?

P - Terei sido eu que dei essa informação, que as máquinas iriam ser transportados para lá para a nova unidade fabril.

31. Também o depoimento da testemunha (…) (que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo das declarações (das 11h41min às 12h28min). conforme ata de 15 de outubro de 2019 constando do ficheiro 20191015114133_2832711-2870727) (min 40.10 a 40.47)

Adv -… Já disse que foi o senhor fez a desmontagem em Coimbra, correcto? Testemunha- Correcto

Adv. E que depois fez a desmontagem em (…). Agora pergunto quem o contratou?

Testemunha: Foi o P.

32. Assim dos meios probatórios acima enunciados, é forçoso concluir que o aqui recorrente não ordenou a retirada das máquinas de produção, incluindo as que foram dadas de penhor à Fazenda Pública em 27.06.2014, as matérias-primas e os produtos finais.

33. Motivos pelos quais o recorrente impugnou este ponto que entende que foi incorretamente julgado, devendo ser dado como não provado. 

34. Quanto ao ponto 23 o tribunal deu como provado que “No mês de Setembro de 2014, os arguidos retiraram das instalações da “M. Lda.”, sitas na Rua do (…), em Coimbra, os equipamentos de escritório e do  departamento galénico, colocando-os noutras instalações na zona da (…), em Coimbra, e que mais tarde foram igualmente transportados para as instalações “(…)” (designação inicial da “(…)”), entende igualmente o recorrente que o Tribunal a quo julgou incorretamente este concreto facto como provado.

35. Isto porque, pelas razões supramencionadas, o ora recorrente não tinha qualquer domínio de facto, nem de direito sobre tais bens para ordenar a retirada dos bens elencados neste ponto.

36. O recorrente era, como se disse, apenas o diretor fabril da sociedade M. Lda., conforme, aliás, se deu provado na sentença no seu ponto 5. 

37. Entende assim, o recorrente que este ponto de facto foi incorretamente julgado, devendo ser dado como não provado.

38. Quanto ao ponto 38 o tribunal a quo considerou provado que “Os arguidos AP, AM, J., F. e V., o primeiro enquanto gerente da  “M. Lda.”,  e todos enquanto administradores da “(…)”, actuaram da forma descrita em conjugação de esforços e de intentos, na execução de plano que haviam traçado entre eles, com o propósito, concretizado,  de lesar os legítimos interesses dos credores da “M. Lda.”, neles se incluindo os trabalhadores, e que estes se vissem impedidos de receber os seus créditos à custa dos respectivos bens daquela sociedade, incluindo no âmbito da insolvência que veio a ser posteriormente decretada judicialmente”.

39. Entende o recorrente que também este ponto de facto foi incorretamente julgado, tao ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo, inexistindo prova nos autos que, com a certeza exigível, permita ao tribunal a quo dar tal facto como provado.

40. Prova que impunha decisão diversa, dando-se aqui por reproduzidas as provas que se enunciaram supra na impugnação do ponto 7.

41. Além de que o recorrente não tinha o domínio do facto, quer na sociedade M. Lda. bem como na sociedade (…), também não o tinha na Sociedade (…), conforme demonstra a estrutura societária da (…) resultante do teor da certidão desta sociedade a fls. 264 a 273 dos presentes autos.

 42. Efetivamente, os elementos da administração (…) ou de facto ligados a esta, os co-arguidos V. e J., para além de deterem em conjunto, a maioria do capital na sociedade (…) tinham os poderes de administração desta sociedade.

43. Assim, para obrigar a sociedade (…), eram necessárias duas assinaturas sendo que uma das duas teria que ser a do presidente de administração ou do vice-presidente, sendo estes, respetivamente, o Dr. J., e o Senhor V..

44. Na verdade, o recorrente apenas fazia parte de direito do conselho de administração e nada mais, tal como foi corroborado por abundante prova testemunhal, tal como o depoimento da (…), do (…), (…) e ainda da (…) (…) tendo estas testemunhas como denominador comum serem trabalhadores da M. Lda. e posteriormente da (…) que afirmam que a administração da sociedade não passava, de facto, pelo ora recorrente.

45. A testemunha (…) (cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo das declarações (das 12h11 às         13h03) conforme ata de 15 de outubro         de 2019 constando     do ficheiro 20191015114133_2832711-2870727) disse (ao minuto 25 ao minuto 26 e 12 segundos do ficheiro acima referido) que quem era o patrão da sociedade (…) era “o Doutor J” e que as ordens que recebia do recorrente não significavam uma responsabilidade social, mas sim ordens de trabalho, de quotidiano.

46. A testemunha (…) (cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo das declarações (das 12h19 às 13h03) conforme ata de 16 de outubro de 2019 constando do ficheiro 20191016121851_2832711-2870727. disse (ao minuto 12 e 03 segundos ao minuto 13 e 40 segundos e do minuto 31 e 50 segundos ao minuto 32 e 58 segundos do ficheiro acima referido) que quem mandava na (…) era o Dr. J. e “o que o Dr. J. dizia era lei”, e quem decidia em todas as matérias era o Dr. J. limitando-se o ora recorrente a dar o seu parecer técnico em matéria de produção.

47. A testemunha (…) (cujo depoimento que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo das declarações (das 10h03 às 11h03) conforme ata de 22 de outubro de 2019 constando do ficheiro 20191022100321_2832711-2870727), quando foi perguntado quem era o dono da empresa, este respondeu (minuto 50 ao minuto 50 e 30 segundos do ficheiro acima mencionado) que a partir da saída do V. a palavra era do “doutor J.”. 

48. A testemunha (…) (cujo que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo das declarações (das 12h05 às 11h54) conforme ata de 16 de outubro de 2019 constando do ficheiro 20191022110334_2832711-2870727).  afirmou (minuto 25 e 45 segundos ao minuto 26 e trinta segundos e do minuto 29 e 30 segundos ao minuto 30 e 28 segundos) que quando tinham reuniões em Setúbal para tratar dos assuntos gerais, quem liderava essas reuniões era o “Dr. J.”, quem tinha a ultima palavra era o “Dr. J.”.

49. Destes testemunhos resulta que o ora recorrente não tinha qualquer poder de facto em qualquer das sociedades envolvidas, não podendo, assim, concluir-se que possa haver um acordo entre alguém que não têm qualquer poder de decisão, nem para decidir “transmitir” o activo corpóreo e a clientela, nem para quem o recebe.

50. O recorrente foi de facto, quer na M. Lda. quer na (…), o director de produção.

51. O facto conhecido- o recorrente ser sócio e vogal do concelho de administração da (…) - não permite firmar um facto desconhecido - que estes em conjugação de esforços com outros arguidos efetuaram um plano com o propósito constante neste facto provado.

52. Nenhuma prova existe em sentido que o ora recorrente teve qualquer participação factual em tal plano.

53. Existe sim, como se acabou de enunciar, que o recorrente de acordo com a prova testemunhal, documental e de acordo com a lógica e experiência comum, nada teve a ver com qualquer alegado projeto delituoso para prejudicar a M. Lda..

54. O facto de o arguido ter integrado a sociedade porque foi convidado para tal e deter uma participação numa sociedade comercial e integrar o conselho de administração é um ato de per si lícito.

55. Pelo que o Tribunal deveria ter considerado este facto como não provado.

56. Quanto ao ponto 39 “Com efeito, com a transferência de todo o equipamento de produção e activo corpóreo da “M. Lda.”, sem a correspondente contrapartida económico-financeira ou registo contabilístico, os arguidos actuaram com o propósito de dissipar aquele património, de forma a obstar que o mesmo fosse usado para pagamento de créditos daquela sociedade, bem sabendo que daquela forma frustravam o pagamento dos créditos laborais dos trabalhadores daquela sociedade em sede de processo de insolvência. e ao Ponto 40 “Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”

Entende-se, aliás como decorrência do que se motivou para se dar como não provado o Ponto 38, que o Ponto 39 e 40 deviam ser dados como não provados.

57. As razões de tal já se encontram explanadas no que se expendeu quanto ao Ponto 38 e que se dão aqui por integralmente reproduzidas por uma questão de economia processual.

58. Quanto ao facto dado como não provado, “A (…) SUPORTOU UM PASSIVO DA M. Lda. SUPERIOR A 155.000,00” entende o recorrente que este facto devia ter sido dado como provado.

59. O Tribunal a quo fundamenta, como para a globalidade dos factos dados como não provados a ausência de prova, todavia, discorda-se em absoluto que não exista prova para dar tal facto como provado, se não vejamos.

60. No relatório pericial elaborado pela unidade de perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária. constante dos autos a fls. 556 a 569, e em particular a fls 563 exarou-se o seguinte que com a devida vénia, transcrevemos parcialmente:

“3.2.L. M. Lda. / (…)

A M. Lda. de janeiro a julho de 2OL4 foi fornecedora da (…), tendo emitido faturação no valor líquido de 47.21-4,45€ (faturas-notas crédito). Este montante foi liquidado até agosto desse ano. Posteriormente, a partir de agosto de 2OL4 e até ao final desse ano, foram efetuadas pela (…), transferências bancárias para a M. Lda. no valor total de 181.676,96€, tendo ficado esta empresa devedora deste montante. As transferências bancárias efetuadas tiveram como destino as contas bancárias do MG (n.º …) e da ccAM (no ….) tituladas pela M. Lda. (Anexo ao RP, fls. 63 a 88). Foram assim analisadas as pastas da contabilidade da M. Lda. de modo a verificar qual a utilização dos valores transferidos, tendo-se apurado que

Na conta ne …. do Montepio Gera! foram creditados 160.623,79€ tendo sido esse montante utilizado no pagamento de dívidas fiscais e da segurança social, no pagamento de salários de agosto, setembro e outubro, no pagamento de rendas, do desconto de letras e amortização de empréstimos e pagamentos de dívidas a fornecedores, conforme se descreve (…)

Na conta …. da Caixa Agrícola foram creditados €21.053,17 tendo sido os mesmos utilizados no pagamento de dívidas fiscais e da segurança social, no pagamento de rendas, na amortização de empréstimos e pagamento a fornecedores, conforme se descreve: (…)”

61. Assim, extrai-se do referido relatório que, a Sociedade (…), fora do âmbito de transacções comerciais de bens e serviços, entregou um valor superior a 155.000,00 Euros à sociedade M. Lda. e que os montantes entregues tiveram como destino o pagamento de dívidas daquela.

62. Ora o tribunal a quo ao dar como não provado tal facto e existindo a prova que se supra enunciou que exigia decisão diversa, ou seja dar tal facto como provado, deverá, assim, proceder-se à alteração da sentença elencando este facto como provado e consequentemente eliminar-se o mesmo dos factos dados como não provados.

63. Pelo exposto, verifica-se que a conduta do arguido não preenche os elementos típicos do artigo 227.º do Código Penal.

64. Poderia o Tribunal a quo, pelo menos, absolvido a arguida pelo principio “in dubio pro reo”.

65. O crime de insolvência dolosa é um crime de execução específica.

66. Os factos provados na sentença recorrida não se subsumem ao tipo de legal de crime em apreço.

67. Isto porque e na esteira da doutrina expendida Por Luísa Teixeira da Mota, no Mestrado forense sob a orientação do Professor doutor Germano Marques da Silva de 2013, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, intitulado “A insolvência culposa no Cire e a insolvência dolosa no Código Penal acessível em http://hdl.handle.net/10400.14/14920,         que se transcreve parcialmente (…) “exercício, a coberto da personalidade colectiva da empresa se for o caso, de uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa – prevista na alínea e); o uso contrário ao interesse do devedor do seu crédito ou dos seus bens, em proveito pessoal ou de terceiros designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto – prevista na alínea f); o prosseguimento, no seu interesse pessoal ou de terceiro, de uma exploração deficitária, não obstante saberem que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência – prevista na alínea g); e o incumprimento de forma reiterada dos deveres de apresentação e de colaboração até à data de elaboração do parecer referido no nº 2 do artigo 188º - previsto na alínea i); não constituem crime (…).

3. V.

1. É tempo de concluir, dando cumprimento ao disposto no art.º 412º do C.P.P.

2. Reproduz-se brevitatis causa tudo o alegado em sede de motivação.

3. Entende-se, salvo o devido respeito, que o Tribunal recorrido efetuou uma errada e deficiente valoração da prova produzida nos autos, tendo a final proferido uma decisão injusta e ao arrepio da prova produzida, motivo pelo qual se impugna a 79 matéria de facto constante dos pontos 7, 19, 23, 38, 39 e 40, por violação do princípio do in dubio pro reo;

4. Solicita-se ainda a V. Ex.ªs Senhores Venerandos desembargadores uma reanálise crítica à motivação do tribunal no que respeita à matéria fáctica considerada provada relativamente aos factos ora impugnados, estribada nos argumentos aduzidos em sede de motivação do presente recurso, pois os elementos de prova impunham uma decisão absolutória e não condenatória.

5. Em consequência, entendemos que os factos provados 7, 19, 23, 38, 39 e 40 devem ser alterados, pois o recorrente considera, nos termos do art. º412º., nº. 3, al. a), do CPP, os factos provados acima referidos incorrectamente julgados. 6. Assim como os factos 17 e 19 dos factos não provados.

7. Relativamente ao ponto 7 dos factos provados, entende o recorrente que estes factos deviam constar dos “Factos NÃO provados”, uma vez que da conjugação de toda a prova produzida, não poderia acarretar outra decisão que não fosse a consideração dos mesmos como não provados, como passaremos a fundamentar infra.

30. Refere o Tribunal Recorrido na sentença proferida, que a convicção do tribunal, quanto à matéria de facto provada, resultou da apreciação crítica do conjunto da prova produzida e analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade social no âmbito do princípio da livre apreciação da prova estabelecida no art.º 127.º do C.P.P., segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente.

31. Da análise dos depoimentos indicados na motivação da sentença não se vislumbra como pôde o Tribunal recorrido entender que todos os co-arguidos delinearam um plano que visava a transferência dos activos da M. Lda..

32. Veja-se o depoimento de inspectora da PJ, Dr.ª (…) Testemunha – cujo depoimento foi prestado na sessão do dia 16/10/2019 e se encontra registado na Sessão 20191016095524_28327112870727.

33. O depoimento das testemunhas (…), (…), (…), (…), todos funcionários da M. Lda. e a testemunha (…), cujo depoimento se mostra gravado no ficheiro 20191016130352_2832711- 2870727, com início pelas 13h04m e termo pelas 13.32, onde afirmou precisamente o contrário, ou seja, de que dessa reunião resultou que tinha sido proposto uma parceria negocial entre as duas empresas.

34. Nenhum dos depoimentos que alegadamente fundamentaram a convicção do tribunal o referem (nem o podiam referir), tendo o tribunal concluído erradamente pela existência de um conluio entre todos os arguidos, o que não se compreende, pois sequer foi dado como provado que tivesse existido qualquer reunião conjunta entre todos os arguidos!!

35. Relativamente ao ponto 19 dos factos provados, mais uma vez, no entender do Recorrente, estes factos não poderiam ter resultado provados da forma como foram, uma vez que da conjugação de toda a prova produzida, não poderia acarretar outra decisão que não fosse a conclusão de que quem ordenou a retirada da maquinaria localizada na Rua do (…), em Coimbra, foi o arguido P. e F., sem qualquer intervenção do aqui recorrente V..

36. Tendo por base o modo de convicção do tribunal, não se compreende como pôde este facto ser considerado provado, aqui incluindo o recorrente V., na medida em que toda a prova testemunhal, aqui se incluindo as declarações do co-arguido P. e a testemunha (…), referiram que a ordem de retirada das máquinas, foi dada pelo co-arguido P., tendo sido concretizada pelo funcionário (…).

37. Este facto nunca poderia ter sido julgado provado relativamente a todos os arguidos, pois a prova produzida aponta necessariamente em sentido contrário.

38. O recorrente V. nunca esteve presente na retirada das máquinas, não ordenou a sua transferência e nenhuma das testemunhas inquiridas a esta matéria o afirmou.

39. Da prova produzida, resultou apenas que quem ordenou a retirada das máquinas das instalações de Coimbra foi o co-arguido P., que contou com o auxílio do co-arguido F., com o auxílio da testemunha (…).

40. Importa, pois, ouvir as declarações do co-arguido P. quanto a esta matéria, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, constando da mesma o início e o termo (das 81 10h21min às 12h12min) conforme ata de 08 de outubro de 2019, constando do ficheiro 20191008101119_2832711-2870727, onde é afirmado por este ao min 10:48 a 19:43m

Juiz - Quem é que disse aos trabalhadores para tirarem as máquinas dali para serem transportadas para outro local?

P - Terei sido eu que dei essa informação, que as máquinas iriam ser transportados para lá, para a nova unidade fabril.

41. De igual modo o depoimento da testemunha (…), ouvido na sessão do dia 15 de outubro de 2019, e que se mostra gravado no ficheiro 20191015114133_2832711-2870727, constando da mesma o início e o termo das declarações das 11h41min às 12h28min.

42. Retira-se assim dos meios probatórios acima transcritos que o aqui recorrente V. em momento algum ordenou ou participou na retirada das máquinas de produção, incluindo as que foram dadas de penhor à Fazenda Pública em 27.06.2014, as matérias-primas e os produtos finais.

43. Não o fez, não esteve presente nem tinha qualquer poder de facto sobre o património da M. Lda.

44. Pelo que também relativamente a este ponto da matéria provada deveria resultar apenas provado que no mês de Agosto de 2014, o arguido P., mandou retirar das instalações da M. Lda., sitas Rua do (…), em Coimbra, as máquinas de produção, incluindo as que foram dadas de penhor à Fazenda Pública em 27.06.2014, as matérias-primas e os produtos finais, colocando-as na Zona Industrial ZIL 1, Lote 3, em (…), no local onde a “(…)” veio a exercer a sua actividade, tendo contado com o auxílio do co-arguido F. e dos funcionários da M. Lda., (…) e (…) para a desmontagem da maquinaria (tendo depois apenas (…) posteriormente procedido à montagem da maquinaria nas instalações da … (designação inicial da (…) – sendo que a testemunha (…) apenas ajudou na desmontagem na maquinaria conforme é referido pelo tribunal a quo no ponto 20 dos factos provados).

45. No que concerne ao Ponto 23 da matéria de facto provada, mais uma vez este 82 ponto, se mostra totalmente contrário à prova produzida nas diversas sessões de discussão e julgamento

46. Nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou tal facto.

47. Não existe qualquer prova nos autos que o recorrente V. teve qualquer intervenção na mudança dos bens que se encontravam nos escritórios da M. Lda., em setembro de 2014.

48. Não detinha qualquer poder de facto nem de direito na M. Lda., que lhe permitisse efectuar qualquer indicação de gestão desta sociedade, conforme resulta da consulta da certidão comercial da M. Lda. e constante de fls 84 a 90 dos autos.

49. Pelo que mais uma vez se entende que o Tribunal efectuou uma incorreta e deficiente valoração da prova, imputando ao recorrente um comportamento que não existiu, e que não tem qualquer sustentação probatória.

50. O Tribunal criou a sua convicção sem qualquer elemento probatório, o que inquina fatalmente este facto.

51. Motivo pelo qual este facto nunca poderia ter sido dado como provado relativamente ao recorrente V., devendo ser substituído por: 23. No mês de Setembro de 2014, o arguido P. ordenou a retirada das instalações da “M. Lda.”, sitas na Rua do (…), em Coimbra, os equipamentos de escritório e do departamento galénico, colocando-os noutras instalações na zona da (…), em Coimbra, e que mais tarde foram igualmente transportados para as instalações “(…)” (designação inicial da “(…)”).

52. O ponto 38 da matéria de facto provada, mostra-se igualmente incorrectamente apreciado, pois mais uma vez, no entender do Recorrente, estes factos não poderiam ter resultado provados da forma como foram, uma vez que da conjugação de toda a prova produzida, não poderia acarretar outra decisão que não fosse a conclusão de que não resultou provado qualquer plano, “em conjugação de esforços e de intentos, na execução de um plano que haviam traçado entre eles, com o propósito, concretizado, de lesar os legítimos interesses dos credores da “M. Lda.”, neles se incluindo os trabalhadores, e que estes se vis sem impedidos de receber os seus créditos à custa dos respectivos bens daquela sociedade, incluindo no âmbito da 83 insolvência que veio a ser posteriormente decretada judicialmente”.

53. Tendo por base o modo de convicção do tribunal, não se compreende como pôde este facto ser considerado provado relativamente ao recorrente V., apenas e tão só, conforme é referido na sentença recorrida, na página 46 último paragrafo, “Diremos apenas que o arguido V. se relaciona com todos como administrador da (…) de 2012 a 2015 e sócio da (…), posteriormente (…)!!!.

54. Não se descortina como foi possível ao tribunal a quo, que sem qualquer prova testemunhal que aponte, sugira ou conclua qualquer intervenção desse recorrente, face à inexistência de qualquer prova documental e ainda com especial incidência nas declarações da Inspectora da Polícia Judiciária, Dr.ª (…), e cuja transcrição se mostra efectuada nas motivações de recurso - Sessão: 20191016095524_28327112870727, onde refere que inicialmente não tinha procedido à constituição como arguido do aqui recorrente” porque achámos que ele estava um bocadinho à margem de tudo aquilo que fomos analisando e daquilo que fomos depreendendo das pessoas que fomos ouvindo, mas entretanto ele era representante da (…) e nessa posição ele é responsável por aquilo que a empresa faz, independentemente se acompanhou ou não acompanhou ele tem o dever de acompanhar e foi constituído arguido mas a ideia que nós ficámos inicialmente é que ele estava um bocadinho à margem daquilo que aconteceu.

55. Com o devido respeito, o tribunal recorrido incorreu em errada e grosseira valoração da prova relativamente o arguido V. e aqui recorrente, na medida em que toda a prova testemunhal apenas coloca o V. numa reunião ocorrida no início do ano de 2014, onde este surge na qualidade de administrador da (…) até Julho de 2015, empresa já cliente da M. Lda. (Conforme resulta do relatório pericial), a qual passaria por uma parceria comercial para se se expandir o negócio da M. Lda. e iniciar-se a produção de sólidos, numa nova unidade fabril em (…), onde todas as decisões de fundo era tomadas pelo co-arguido J., conforme resultou da ampla prova testemunhal produzida e da própria fundamentação da sentença recorrida.

56. Estamos perante um flagrante erro na valoração da prova produzida, pois inexiste 84 qualquer facto que prove a existência de qualquer plano entre todos os arguidos, no sentido de lesar os legítimos interesses dos credores da M. Lda..

57. Tal facto nunca poderia ter sido julgado provado relativamente a todos os arguidos, sob pena de se condenar uma pessoa cuja culpa não resultou provada, apenas pelo facto do tribunal a quo ter considerado que, como este se relaciona com todos como administrador da (…) de 2012 a 2015 e sócio da (…), posteriormente (…)!!!”

58. Verifica-se uma manifesta violação do princípio de presunção de inocência do recorrente, ex vi o art.º 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, de que o princípio in dubio pro reo é corolário.

59. Os elementos probatórios em que assentou a decisão recorrida, não são suficientes para concluir, apenas pela via das regras da experiência, pela co- autoria na prática do crime de insolvência dolosa por banda do ora recorrente V..

60. O Tribunal recorrido não pode decidir tendo por base na formação da sua convicção, qualquer presunção de culpa.

61. As presunções simples ou naturais são, como é sabido, apenas meios lógicos de apreciação das provas (diretas), com podem ser ainda (e são, muitas vezes) meios de convicção.

62. Porém, tais presunções naturais devem ceder perante a simples dúvida sobre a sua exatidão no caso concreto, aplicável in casu.

63. O que vale por dizer que o uso de presunções naturais, não violando o princípio in dubio pro reo, deve, necessariamente, ter como limite este princípio.

64. Em prol de tudo o que supra se afirmou cumpre avaliar, aplicando tais premissas ao caso em apreço, se bem andou o tribunal recorrido ao ter condenado o recorrente da forma que o fez, o que entendemos negativamente.

65. O tribunal a quo considerou provado que o recorrente V., apenas e tão só por fazer parte da administração da (…) no período compreendido entre 2012 e 2015 e sócio da (…), posteriormente (…), e se relacionar com os demais arguidos, fez parte de um plano para lesar os legítimos interesses dos credores da M. Lda..

66. É nosso entendimento que o tribunal incorreu em grosseiro erro de valoração da prova, pelo que este ponto deveria ter sido como não provado.

67. Relativamente aos pontos 39 e 40 da matéria de facto provada e no seguimento do 85 que acima se explanou relativamente ao ponto 38, mais uma vez é nosso entendimento que o tribunal incorreu em grosseiro erro de valoração da prova produzida.

68. Desde logo porque não existiu qualquer transferência de todo o equipamento de produção sem a correspondente contrapartida económico-financeira, procurando assim dissipar-se o património da M. Lda., conforme conclusões constantes do Relatório Pericial de fls. 556 a 569.

69. O que se verificou foi apenas uma deslocalização da maquinaria para as novas instalações sediadas em (…), tendo como objectivo iniciar-se a produção de sólidos, já que as instalações da M. Lda. em Coimbra não se mostravam adequadas à nova realidade comercial acordada.

70. E tanto assim é que o próprio gerente da M. Lda., Sr. P dirige uma comunicação aos seus clientes, em 09.10.2014, inserta a fls. 656 dos autos, onde afirma que construiu uma nova unidade de produção, com o objectivo de aumentar a sua capacidade produtiva, dando a conhecer que a partir do dia 13.10.2014 estariam em condições de proceder ao fornecimento aos seus clientes.

71. Acresce que não existiu qualquer dissipação de património, por duas ordens de razão: Em primeiro lugar porque toda a maquinaria se encontrava e encontra devidamente localizada em (…), e todos os funcionários disso tomaram conhecimento pelo próprio P., conforme resulta do depoimento da Inspectora da Polícia Judiciária (…), depoimento prestado no dia 16.10.2010 e devidamente gravado em suporte digital na sessão n.º 20191016095524_28327112870727,  cuja  importância é vital para se compreender que não existiu qualquer intenção de dissipação de património da M. Lda. para a (…), mas apenas a deslocalização destes equipamentos para outras instalações.

72. Em segundo lugar, pelo teor do relatório pericial de fls. 556 a 569 e anexos, para o qual se remete, elaborado por (…), que relativamente a esta questão e convidada a prestar esclarecimentos na sessão de julgamento do dia 16 de outubro de 2019, depoimento gravado em suporte digital, sessão n.º 20191016105708_2832711_2870727, e     relativamente     a     esta     matéria, foi peremptória em afirmar que não existia qualquer registo de transmissão da maquinaria.

73. Atente-se ainda no teor do relatório pericial, de onde resulta que todo o equipamento (maquinaria) se manteve na propriedade da M. Lda., sendo que ainda existia, sobre algumas das máquinas, aí devidamente elencadas, um penhor a favor da Administração Tributária.

74. Solicita-se assim a V. Ex. ªs Venerandos Juízes Desembargadores, guardiões da Justiça, que para além do que acima se referiu, analisem criteriosamente o teor do Relatório Pericial;

75. Analisando a conjugação de todos estes elementos probatórios, com especial relevo no relatório Pericial, que se encontra subtraído à livre apreciação do Tribunal, não conseguimos vislumbrar em que factos o tribunal a quo alicerçou a sua convicção, entendendo que efetuou uma errada valoração da prova, não se compreendendo nem aceitando como foi possível concluir, como concluiu.

76. E afinal seja considerado não provado o ponto 39 e por consequência lógica dedutiva o ponto 40 dos factos provados, pois tendo em conta os normativos jurídicos do nosso ordenamento quanto à apreciação da prova, é manifestamente insuficiente para promover a condenação do ora recorrente, ao arrepio dos mais elementares princípios de presunção de inocência de todos os cidadãos, e em especial do recorrente.

77. Como resulta da motivação sobre a matéria de facto considerada provada, não existe nos autos prova segura de que o arguido e ora recorrente praticou o crime pelo qual viria a ser condenado.

78. O facto de o recorrente ser administrador da (…) e relacionar-se com todos os demais co-arguidos só permite concluir isso mesmo, pois não existe qualquer outro facto indiciário de qualquer comportamento integrador do elemento objectivo deste tipo de crime.

79. Importa, ainda não olvidar um princípio estruturante do processo penal: o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade.

80. E na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência do arguido (artigo 32º, nº 2, da Constituição) e a regra, seu corolário, in dubio pro reo.

81. Por conseguinte, impunha-se uma decisão absolutória, contrariamente à condenação que o mesmo viria a ser vítima.

82. Deste modo, por tudo o que supra se explanou, e porque devemos considerar que, 87 à luz do princípio in dubio pro reo, estamos perante erro notório de apreciação da prova e a prova produzida não permite a condenação do arguido, impõe-se dar provimento ao presente recurso e absolver o arguido e ora recorrente da prática do crime pelo qual vem condenado.

83. Também relativamente à matéria de facto não provada, não pode o aqui recorrente aceitar a mesma na sua globalidade, pois mais uma vez considera que existiu um flagrante erro na valoração da prova quanto aos pontos 17 e 19 da matéria não provada, face à prova produzida.

84. O recorrente, não pode, face à prova produzida, de natureza pericial – o Parecer elaborado pelo sector de Perícia Financeira e Contabilística da Directoria do Centro da Policia Judiciária, e constante de fls. 556 e 569 e apenso anexo, assim como os esclarecimentos prestados pela Sr.ª Perita da Policia Judiciária, aceitar a decisão sob censura.

85. Como é comummente sabido a prova pericial presume-se subtraída aos julgadores, ex vi o art.º 163 do CPP, e, neste caso concreto, o relatório pericial é completamente esclarecedor quanto aos pagamentos efectuados pela (…) e pela (…), de passivo da M. Lda.

86. Atente-se que na motivação sobre a matéria de facto não provada, o tribunal a quo afirma que a globalidade dos factos não provados se deveu à total ausência de prova.

87. O que é de todo inverosímil.

88. No ordenamento processual penal português, uma perícia caracteriza-se por ser tendencialmente pública e exigir dois pressupostos para a sua realização: um, formal: a nomeação por entidade judiciária; outro, material: a necessidade de especiais conhecimentos para percepcionar (compreender) e apreciar (valorar) factos.

89. A perícia tem um regime específico de produção e apreciação probatória, diverso de qualquer outro meio de prova ou de obtenção de prova.

90. E esse distinto regime consta do nº 2 do artigo 163º do C.P.P. e determina que o “juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”, podendo o juiz “divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”, mas com apelo aos conhecimentos materiais supostos na perícia.

91. Ou seja, a regra do art.º 163.º do CPP só é compatível com a livre apreciação probatória, quando permite ao juiz divergir com argumentos qualificados na área técnica, científica ou artística em causa, estando-lhe vedada uma livre apreciação com apelo a “regras de experiência comum”, à sua convicção pessoal ou a qualquer outro critério que não o uso de conhecimentos e argumentos inerentes à área artística, técnica ou científica da perícia, o que manifestamente in casu, não sucedeu!

92. O Tribunal a quo, simplesmente ignorou uma prova vinculada, não tendo retirado do Relatório Pericial factos provados e que ali constam expressamente;

93. Sendo essencial que se proceda à análise do teor do relatório pericial, elaborado pela unidade de perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária e constante dos autos a fls. 556 a 569, e em particular a fls. 563, de ode se extrai que a partir de agosto de 2014 e até ao final desse ano, foram efetuadas pela (…), transferências bancárias para a M. Lda. no valor total de 181.676,96€, tendo ficado esta empresa devedora deste montante.

94. Assim, extrai-se do referido relatório, assim como dos esclarecimentos prestados pela Sr.ª Perita, Dr.ª (…) na sessão 20191016095524_2832711-2870727, onde relativamente a esta matéria em concreto afirmou que, a Sociedade (…), fora do âmbito de transacções comerciais de bens e serviços, entregou valores superiores a 181.676,96€, Euros à sociedade M. Lda. e que os montantes entregues tiveram como destino o pagamento de dívidas daquela.

95. O tribunal a quo ao dar como não provado a existência de pagamentos por parte da (…) e da (…) de dívidas da M. Lda. incorreu em erro grosseiro na apreciação da prova, apreciação que lhe está vedada por lei, sendo imperioso por parte desse Venerando Tribunal, uma reapreciação da prova, devendo em consequência os pontos 17 e 19 da matéria de facto não provada dai serem eliminados, e passarem a constar dos factos provados.

96. Assim pela presente impugnação da matéria de facto entende o recorrente que se demonstra de forma extremamente clara que existe uma insuficiência na matéria de facto para que esta possa sustentar a decisão recorrida, que houve factos erradamente julgados, cuja reapreciação da prova produzida levará a que esse Tribunal Superior entenda que o recorrente V. deve ser absolvido.

97. De igual modo entende o recorrente que a matéria dada como provada, é manifestamente insuficiente para a decisão que o tribunal recorrido tomou.

98. Atente-se que a sentença recorrida é completamente omissa quanto à titularidade dos bens que elenca nos factos provados, quando o relatório pericial refere expressamente que não existe qualquer documento de transferência de propriedade dos mesmos;

99. O tribunal recorrido violou ostensivamente uma prova vinculada tal como é a Perícia realizada, por força do art.º 163 do CPP, de onde resultaram factos que não poderiam ter sido apreciados pelo tribunal, sem que este tivesse plasmado a sua discordância, revelando conhecimentos técnicos idênticos, e ainda assim sempre teria que os fundamentar, o que naturalmente conduz à sua nulidade;

100. Relativamente à matéria de Direito entende o recorrente que não praticou o crime pelo qual veio a ser condenado, assente nas alíneas a) e b) do n.º 1 de n.º 2 do art.º 227 do Código Penal.

101. Sendo de elementar justiça a sua absolvição, por falta de preenchimento dos seus elementos objectivo e subjectivos.

102. O recorrente, não pode assim aceitar que a sua conduta – apenas pelo facto de ser administrador da (…) e relacionar-se com os demais arguidos, possa ser integrada neste ilícito penal, quer ao nível dos requisitos objectivos de punibilidade quer ao nível subjectivo, pois nada praticou, nem participou em qualquer plano previamente delineado para dissipar qualquer património, conforme resulta do que anteriormente se explanou.

103. Não procedeu a qualquer transferência de ativos da Arguida M. Lda., para que os credores da sociedade não satisfizessem os créditos que sobre esta detinham e nem tinha como o fazer.

104. E sequer os credores da sociedade ficaram impedidos de obter a cobrança coerciva dos seus créditos à custa do património daquela, pois que todos os equipamentos se encontram em E., bem sabendo a Sr.ª AI do local onde se encontram e não os remove dali porque dá muito trabalho e apenas pretende o dinheiro.

105. O comportamento do recorrente V. não contribuiu directamente para a situação e declaração judicial da insolvência da M. Lda., a qual foi requerida por dois trabalhadores daquela sociedade.    

106. É, por demais consabido que, em            princípio, pelas dívidas da responsabilidade de uma pessoa ou entidade societária responde a totalidade do seu património, podendo os credores executar os bens que compõem esse património para obterem satisfação do seu crédito.

107. As máquinas e equipamentos nunca foram retirados da titularidade da sociedade devedora M. Lda., tendo para ali sido transportados para um novo projecto comercial e ali se encontra a aguardar que a Sr.ª AI promova a sua retirada e a sua venda, sendo certo que existem penhores constituídos a favor da AT.

108. Pelo que, teremos de concluir que foi o comportamento da Sr.ª Administradora, que bem sabendo onde os mesmos se encontram, inviabilizou a satisfação dos seus credores, na medida em que o valor desses bens o permitiria e se mantêm na esfera jurídica da sociedade M. Lda..

109. Sendo de elementar justiça a absolvição do aqui recorrente V..

4. M., Lda.

1.º A 09.03.2020, foi o arguido AP, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa agravado, (artigos 26º, 227º, nos 1, al. a) e 3, e 229º-A) e os restantes arguidos AM, J., F. e V. pela prática, cada um, em coautoria e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 26º, 227º, no 1, al. a) e b) e 2, todos do Código Penal.

2.º No entanto, apesar de todos dos factos dados como provados, entendeu o douto tribunal a quo julgar totalmente improcedente, o pedido de indemnização cível formulado pela Recorrente.

3.º Porquanto, refere que dos autos não ficou provado que as condutas dos arguidos foram causa directa e necessária desse prejuízo, não resultando provado qualquer dano “ex novo”,

4.º Por outro lado, considera que também não ficou demonstrado que, se não fosse a conduta dos arguidos, os bens pertencentes a sociedade M. Lda. fossem integrar, sem mais, a massa insolvente desta sociedade,

5.º Na medida em que, em momento anterior a estas factos, a sociedade já se encontrava em falência técnica, resultante da má gestão da empresa.

6.º Salvo o devido respeito pela douta sentença, consideramos que este entendimento consubstancia um erro na aplicação do Direito aos factos.

7.º O pedido de indemnização civil fundamenta-se no comportamento delituoso dos arguidos relacionado com a subtração de bens pertencentes à Recorrente.

8.º Transmissão realizada com o intuito de prejudicar esta sociedade e beneficiar as sociedades (…) (NIPC …) e (…) (NIPC …),

9.º No âmbito das quais, os arguidos tinham cargos de Administração nestas duas sociedades encontram-se todas relacionadas entre si.

10.º Salvo o devido respeito, que é muito, resulta como provado que os arguidos retiraram da titularidade da Recorrente, bens que integravam o seu património,

11.º E com esta conduta, ao Arguidos impediram a Recorrente e os seus credores em obter a satisfação dos seus créditos através da liquidação daqueles bens,

12.º O que tem prejudicado gravemente os interesses da Recorrente e dos seus credores, impedindo-os de verem satisfeitos os seus créditos em sede do processo de insolvência 612/15.8T8CBR que corre os seus termos no Juízo de Comércio de Coimbra.

13.º Para além do mais, a prejudicialidade destes atos na esfera da Massa Insolvente encontram- se previstos nos factos considerados como provados na douta sentença.

14.º Para além do supra exposto, conforme impõe o artigo 129.º do Código ex vi artigo 483.º do Código encontram-se preenchidos todos os requisitos de que responsabilidade civil extra-contratual depende, nomeadamente,

15.º O facto, ilícito, típico, o nexo de imputação do facto ao agente, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

16.º Pelo que, dúvidas não existem que foi a conduta premeditada dos Arguidos que conduziu inevitavelmente ao desvio de património da Recorrente,

17.º O que, provocou graves e sérios danos na sua esfera jurídica.

18.º A Recorrente viu-se não só desprovida de património, nomeadamente de material de produção,

19.º Mas também de todo o ativo intangível nomeadamente o know-how, fórmulas produzidas, bem como a própria clientela.

20.º Ao retirarem as máquinas, fonte de toda a produção daquela empresa, os arguidos fizeram com que esta ficasse sem qualquer capacidade produtiva, com os previsíveis reflexos negativos na solvabilidade da empresa.

21.º Provocando uma situação em que se viu impossibilitada de cumprir com as suas obrigações vencidas e vincendas.

22.º E fizeram-no sabendo da precária situação económica da insolvente.

23.º O comportamento dos Arguidos foi a causa única e adequada para os prejuízos causados na esfera da Recorrente.

24.º Prejuízos que se quantificam em 865.110,64€ (oitocentos e sessenta e cinco mil, cento e dez euros e sessenta e quatro cêntimos) e que correspondem à subtração de todos o ativo tangível e intangível da insolvente.

25.º Ainda que ainda assim não se entenda, sempre se dirá que os arguidos devem ser condenados ao pagamento de 513.432,70€ (quinhentos e treze mil, quatrocentos e trinta e dois euros e setenta cêntimos), correspondente ao valor dos bens físicos de que indevidamente se apropriaram.

3. O Ministério Público, em primeira instância, respondendo aos recursos pugnou pela manutenção da sentença recorrida.

4. Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

5. O demandado V., na resposta ao pedido cível, defendeu a improcedência.

6. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

B. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido julgou a matéria de facto, como segue:

Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. A “M., LDA.” foi constituída em 03.10.2011 e é uma sociedade comercial por quotas, de responsabilidade limitada, com o número de identificação colectiva e de registo 510 015 115, tendo como únicos sócios àquela data o arguido AP e mulher F..

2. E tem como objecto social: “fabrico, importação, exportação e comercialização de produtos farmacêuticos e cosméticos. Comércio de produtos relacionados com a actividade.”

3. O gerente único da sociedade “M. Lda.”, desde a sua constituição, é o arguido AP, com uma quota de €90.000,00, e para que a empresa fique validamente obrigada, em todos os seus actos e contratos, é suficiente a assinatura do gerente único.

4. Em 04.01.2013, F. transmitiu a sua quota naquela sociedade para o arguido AM, com duas quotas no valor nominal de 5.000,00€ cada, tendo sido nessa altura ainda alterado a sede social da Avenida (…), n.º 270, em (…), para a Rua do (…), n.º 98, em Coimbra, onde a sociedade passou a laborar.

5. O arguido F. era o director de produção da “M. Lda.”.

6. A partir do ano de 2012 a sociedade “M. Lda.” começou a ter dificuldades financeiras para fazer face aos encargos assumidos, uma vez que o seu passivo era bastante superior aos valores a receber acrescidos dos meios financeiros líquidos.

7. Em data não concretamente apurada, mas que se situa algures no verão do ano de 2014, os arguidos AP, AM, J., F. e V. delinearam entre si um plano de actuação, que visava a transferência dos activos da sociedade “M. Lda.”, incluindo a clientela, para a sociedade que mais tarde viria a ser a “(…)”, para que esta continuasse a actividade anteriormente desenvolvida por aquela, sem a correspondente contrapartida por tal transferência.

8. Por seu turno, a sociedade “(…)” foi constituída em 06.12.2013, como sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com o número de identificação colectiva e de registo 510910840, tendo naquela data como sócios F. e M., desempenhando esta última as funções de gerente.

9. Esta sociedade “(…)” tinha como objecto social: “a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento de imóveis, cessões de exploração, urbanização e loteamentos, representações industriais e comerciais, investimentos, consultoria nas áreas de gestão e o apoio às empresas. Exercício da indústria e aluguer de automóveis sem condutor. Compra e venda de veículos automóveis, venda directa ou por via electrónica de veículos novos e usados, assim como de peças, acessórios e outros produtos e serviços promocionais das marcas representadas. Comércio de importação e exportação e venda de veículos automóveis, peças e acessórios, bem como a reparação de veículos automóveis e prestação de serviços”, e sede na Zona Industrial ZIL 1, Lote 3, em (…).

10. Em 16.10.2014, F. e M. transmitiram as suas quotas naquela sociedade ao arguido J..

11. Em 17.10.2014, a sociedade “(…)” passou a ter como objecto social: “fabrico, importação, exportação e comercialização de produtos farmacêuticos e cosméticos. Comércio de produtos relacionados com a actividade”.

12. Em 27.10.2014, a sociedade “(…)” transformou-se em sociedade anónima, tendo como sócios os arguidos AP, AMJ., F. e V..

13. O conselho de administração desta sociedade é composto por todos os arguidos e presidido pelo arguido J..

14. Em 29.01.2015, a sociedade “(…)” alterou a sua denominação para “(…)”, tendo como capital social, no valor de 100,00€ distribuído pelos sócios, da seguinte forma: F., residente na Rua (…), 16, em Lisboa, com uma quota no valor de 50,00€; M., residente na Rua (…), 2, em Cascais, com uma quota no valor de 50,00€, que desempenhava as funções de gerente, e em 16.10.2014, as indicadas sócias venderam as suas quotas ao arguido J., residente na Rua (…), 16, em Lisboa, que assumiu o cargo de gerente.

15. Em 27.10.2014, a sociedade transforma-se em sociedade anónima e aumenta o capital social para 50.000,00€, mediante subscrição em numerário: 15.000,00€ por V., 8.500,00€ por AP, 8.500,00€ por F., 3.000,00€ por AM, e 14.900,00€ por J. (que já tinha 100,00€).

16. A partir de Junho de 2014 a “M. Lda.” deixou de organizar a sua contabilidade.

17. Em 27.06.2014, no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs 3050201401094882 e 3050201401182676, a “M. Lda.” deu de penhor, como garantia no valor total de € 99.500,00, os seguintes bens:

Verba um - um sistema de tratamento de águas, composto de quatro módulos: 1° marca MILLIPORE 70 ROC (sistema ELIX) com o S/N F7AN90976A; 2° módulo da marca MILLIPORE, cat. N° ZFRE5P350, n.º do lote F5 N40359 e o S/N F5CN40359E; 3° modulo depósito para 1400 Lt, marca MILLIPORE AIQSA - n.º P-18090 (deposito "D" DN-955); 4° modulo sistema UV (ultra Violeta) para a purificação do sistema contínuo de água, no valor de €30.000,00;

Verba dois - uma máquina de tempografia, marca Promise, PAD Print JN, cor cinza, em funcionamento, no valor de €3.000,00;

Verba três - Uma máquina de enchimento de sólidos, cromada, da marca ANCIMO H.SL - EP-14, TYPE SMART. RQS A-412374, com a matrícula n.º 1674-1214076-06-12 e a ref: SAVR 1 LINEAL, em bom estado e em funcionamento no valor de €10.000,00;

Verba quatro - uma máquina de enchimento e sólidos, em metal verde, da marca KING-Packaging Machinary, TB4A, n.º 1391, em funcionamento e em bom estado no valor de €5.000,00;

Verba cinco - dez conjuntos de rolos em alumínio para máquina Belisteradoram FAMAR-50, composto cada conjunto de rolo fonador, rolo arrastador, rolo selador e peça cortante, todos em bom estado e em funcionamento no valor de €18.000,00;

Verba seis - uma máquina Belisteradora, marca FAMAR, Tipo AP - Matrícula 1637, em metal verde, e um tapete transportador elétrico 1 mt x 0,20 mt, tudo em funcionamento, no valor de €12.000,00;

Verba sete - dois codificadores DOMNO A-100 (S/N D-N1A09438, D-N1A14912), dois suportes para codificador DOMINO A-1 00, duas passadeiras transportadoras de 1 mt x 0,20 mt, dois stands para base comando para domino series A, dois "Photocell Assy proximity" para domino Serie A, tudo em funcionamento no valor em €8.000,00;

Verba oito - máquina de enchimento de bisnagas em PVC, marca TIP DA (V. TONAZZI & C.ª) ano 1989 com a matrícula n.º 06871786, e uma máquina de enchimento de bisnagas em alumínio transformada para automática, ambas em funcionamento no valor de €10.000,00;

Verba nove - Uma linha de enchimento de ampolas de vidro, constituída por 3 módulos: 1 ° modulo - máquina de enchimento SFAM 76390 - AUMALE - France; 2° Modulo - Equipamento de lavagem de ampolas, e 3° módulo máquina de fecho de ampolas a quente, no valor de €3.500,00;

18. O arguido AP foi constituído fiel depositário daquele penhor, com a expressa advertência de que, a partir daquela data, não poderia alienar, modificar, destruir ou desencaminhar aqueles bens.

19. No mês de agosto de 2014, os arguidos retiraram das instalações da “M. Lda.”, sitas na Rua do (…), em Coimbra, as máquinas de produção, incluindo as que foram dadas de penhor à Fazenda Pública em 27.06.2014, as matérias-primas e os produtos finais, colocando-as na Zona Industrial ZIL 1, Lote 3, em (…), no local onde a “(…)” veio a exercer a sua actividade.

20. Nessa altura, foram os trabalhadores da “M. Lda.”, (…) e (…), quem procederam ao desmonte das máquinas nas instalações desta, e pelo menos (…) procedeu depois à sua montagem nas instalações da “(…)” (designação inicial da “(…)”).

21. Ainda nessa altura, os arguidos AP e F. transmitiram aos trabalhadores da “M. Lda.” que as máquinas tinham sido transferidas para (…), onde passaria a ser feita a produção daquela sociedade.

22. De seguida, parte dos trabalhadores da “M. Lda.” foram dispensados e outros foram trabalhar para as instalações da “(…)” (designação inicial da “(…)”), em (…).

23. No mês de setembro de 2014, os arguidos retiraram das instalações da “M. Lda.”, sitas na Rua do (…), em Coimbra, os equipamentos de escritório e do departamento galénico, colocando-os noutras instalações na zona da (…), em Coimbra, e que mais tarde foram igualmente transportados para as instalações “(…)” (designação inicial da “…”).

24. Foi nas instalações na zona de (…), em Coimbra, entre setembro de 2014 até ao final do ano de 2014, que os trabalhadores da parte administrativa da “M. Lda.” continuaram a exercer as suas funções para esta, sendo, no entanto, todos os documentos emitidos em nome da “(…)” (designação inicial da “…”).

25. Com efeito, em 09.10.2014, o arguido AP, enviou uma comunicação escrita aos clientes “M. Lda.”, informando-os da construção de uma nova unidade de produção, na qual fora já dado início no acondicionamento de comprimidos e cápsulas.

26. Mais tarde, em 19.01.2015, o arguido AP, informou os clientes que a “M. Lda.,” “… deixa de exercer a actividade fabril, passando todas as actividades a serem feitas pela (…)”.

27. Devido à transferência do equipamento de produção e activo corpóreo para a sociedade “(…)”, a “M. Lda.” ficou impossibilitada de exercer a sua actividade comercial e gerar rendimentos.

28. Por outro lado, para além das facturas n.º 2014/858 e n.º 2014/1012, emitidas ao cliente “…” e referentes à transmissão de duas viaturas, não existe qualquer registo na contabilidade da “M. Lda.” da transmissão do equipamento de produção e activo corpóreo, incluindo bens adquiridos em regime de locação financeira.

29. Em consequência, a facturação da “M. Lda.” foi apenas emitida até julho de 2014, razão pela qual, nesse ano as vendas sofreram uma redução de cerca de € 700.000,00.

30. Por seu lado, em relação à facturação da “…”, registada nas contas correntes de clientes em referência aos anos de 2014 e 2015, mais de 72% e 57%, respectivamente, foi emitida a clientes comuns à “M. Lda.”, sendo que no ano de 2013 não apresentava qualquer facturação.

31. No final do ano de 2014, o arguido AP reuniu-se com os trabalhadores da “M. Lda.” em Coimbra e deu-lhes conhecimento da impossibilidade de continuidade daquela empresa.

32. Não obstante a “M. Lda.” ter ficado sem actividade, a “(…)” emitiu àquela duas facturas, uma em 19.12.2014 e outra em 06.05.2015, respectivamente, no valor de € 5.800,50 e € 6.775,55, supostamente para a aquisição de produtos farmacêuticos, ficando assim a “M. Lda.” devedora daquela naqueles montantes.

33. Em 20.01.2015, os ex-trabalhadores (…), contribuinte fiscal n.º (…) e (…), contribuinte fiscal n.º (…), vieram requerer ao Tribunal que a sociedade “M. Lda.” fosse declarada em situação de insolvência, tendo sido proferida sentença em 13.10.2015, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 612/15.8T8CBR, que correu termos junto da Instância Central de Coimbra, Secção de Comércio (J1), onde a “M. Lda.” foi declarada insolvente.

34. Aquando da declaração da insolvência da “M. Lda.”, esta não tinha qualquer estabelecimento a laborar.

35. No âmbito do processo de insolvência apenso não se logrou a apreensão de quaisquer bens ou direitos da titularidade da “M. Lda.”, nem mesmo dos bens dados em penhor à Fazenda Pública.

36. O passivo da “M. Lda.” apurado no âmbito do referido processo de insolvência ascende a € 865.810,64, tendo sido reconhecido a quantia € 118.284,96 referentes a créditos privilegiados dos trabalhadores.

37. Em 02.11.2016, no âmbito da realização de buscas às instalações da “(…)”, sitas na Zona Industrial Zil 1, Lote 3, em (…), foi verificado que se encontravam colocadas e a laborar naquelas instalações, as máquinas de produção que foram transferidas das instalações da “M. Lda.” em agosto de 2014.

38. Os arguidos AP, AM, J., F. e V., o primeiro enquanto gerente da “M. Lda.”, e todos enquanto administradores da “(…)”, actuaram da forma descrita em conjugação de esforços e de intentos, na execução de plano que haviam traçado entre eles, com o propósito, concretizado, de lesar os legítimos interesses dos credores da “M. Lda.”, neles se incluindo os trabalhadores, e que estes se vissem impedidos de receber os seus créditos à custa dos respectivos bens daquela sociedade, incluindo no âmbito da insolvência que veio a ser posteriormente decretada judicialmente.

39. Com efeito, com a transferência de todo o equipamento de produção e activo corpóreo da “M. Lda.”, sem a correspondente contrapartida económico-financeira ou registo contabilístico, os arguidos actuaram com o propósito de dissipar aquele património, de forma a obstar que o mesmo fosse usado para pagamento de créditos daquela sociedade, bem sabendo que daquela forma frustravam o pagamento dos créditos laborais dos trabalhadores daquela sociedade em sede de processo de insolvência.

40. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Do pedido de indemnização civil

41. A sociedade M. Lda. tem o CAE principal … (Fabricação de outras preparações e de artigos farmacêuticos), e o CAE secundário …. (Comércio a retalho de produtos alimentares, naturais e dietéticos, em estabelecimentos especializados).

42. A M. Lda. iniciou a sua actividade formalmente em 2011, 2012 foi o primeiro ano com laboração efectiva, e em 2013, apresenta pela primeira vez resultados positivos: no ano 2011 teve um resultado líquido negativo de (-) 8.408,95€; no ano 2012 teve um resultado líquido negativo de (-) 142.228,69€; e no ano 2013 teve um resultado líquido de 14.279,54€.

43. O número de trabalhadores ao serviço da insolvente foi no ano 2011 um trabalhador que prestou 520 horas de trabalho (o gerente da sociedade); no ano 2012, apresentava dez pessoas ao seu serviço que prestaram 19.580 horas de trabalho; e no ano 2013, tinha trinta trabalhadores ao seu serviço que prestaram 26.737 horas de trabalho.

44. Já em relação à facturação da insolvente, constata-se que em 2011 facturou 2.438,05€; em 2012 facturou 230.910,92€; e em 2013 facturou 1.127.639,22€

45. E nos activos da sociedade no final de 2011 tinha activos no valor de 19.483,51€; no final de 2012 tinha activos no valor de 554.144,14€; e no final de 2013 tinha activos no valor de 1.159.214,68€.

46. Relativamente ao Passivo temos que no final de 2011 devia 5.608,55€ a fornecedores e 894,01€ ao Estado; no final de 2012 devia 105.847,04€ a fornecedores e 12.983,74€ ao Estado; e no final de 2013 devia 393.421,64€ a fornecedores e 84.245,61€ ao Estado.

47. A M. Lda. deve, nesta data, à Fazenda Nacional, o valor de 108.441,04€, e deixou de pagar as contribuições, incidentes sob as remunerações pagas aos trabalhadores ao seu serviço, à Segurança Social, logo em agosto de 2013, estando hoje em dívida, e a esse título, o total de 110.012,83€.

48. Antes do período de férias de agosto de 2014, o gerente da insolvente (o arguido AP) anunciou aos trabalhadores que a empresa passaria a ter o seu funcionamento dividido em duas partes:

a. O sector Administrativo permaneceria em Coimbra;

b. O sector de Produção seria deslocalizado para o Alentejo.

49. Durante esse mês de férias, esvaziaram as instalações existentes na Rua do (…), nº 98, em Coimbra, e transferiram para o (…), na (…), Coimbra, todo o equipamento administrativo, e para (…), em (…), Setúbal, o equipamento de produção.

50. Em junho de 2014, o arguido AP comunicou a (…), (…) e (…) que os seus contratos (de trabalho a termo certo) não se renovariam e cessariam a 03.08.2014.

51. E comunicou a (…) e a (…) que os seus contratos cessariam em setembro de 2014.

52. Em setembro de 2014, os poucos trabalhadores ainda ao seu serviço transitaram para as novas instalações no (…), na (…), Coimbra.

53. Ainda em setembro de 2014, a insolvente deixou de cumprir com o pagamento das prestações acordadas com a Caixa Geral de Depósitos, S.A..

54. E a partir de outubro de 2014, a insolvente começou a vender os produtos do seu comércio/fabrico sob diferentes denominações, nomeadamente '(…)" e "(…)".

55. Todavia, aos fornecedores continuavam a fazer encomendas sobre a designação "M. Lda.".

56. O conselho de administração da (…) é composto por todos e presidido por (…) – Farmacêutico, a quem foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão da actividade profissional pelo período de 15 anos, prevista no artigo 118.º, alínea d) do Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos aprovado pelo Decreto -Lei n.º 288/2001, de 10 de Novembro, vigente à data da ocorrência dos factos, por violação dos deveres consagrados nos artigos 80.º, 82.º, 87.º, alíneas b) e d), 90.º, alíneas a), c) e f), e 100.º, números 1 e 2 desse Estatuto, pena com início de aplicação a 09.02.2016.

57. Foram analisadas as contas oficialmente prestadas pela sociedade e apurou-se (de acordo com as demonstrações financeiras) que, em 2013 a “(…)” não registou atividade.

58. Em 2014, esta empresa registou um volume de negócios de 212.688,00€ e obteve um lucro líquido de 14.386,00€, e apresentou em 2014, o seu 1º ano de actividade, um saldo de clientes superior ao volume de vendas.

59. Da análise ao passivo da (…), verifica-se que não tem dívidas à banca, nem de curto prazo nem de longo prazo.

60. Na verdade, a sociedade financiou a sua própria actividade, no valor de 507.381,00€, através da rubrica “Outras Contas a Pagar”.

61. A sociedade “(…)”, foi constituída a 04.07.2012, sob a designação “(…)”, com o NIPC (…), e desde essa data, que tem a sua sede na Zona Industrial Zil 1, Lote 10, em (…), Setúbal.

62. Em 09.10.2012, foi deliberado pelos seus sócios aumentar o capital social da sociedade, e convertê-la em Sociedade Anónima, e em 21.06.2013, é registada a alteração da designação social para “(…)”,

63. A 06.07.2015, é mandatado como Administrador único J..

64. E a 22.12.2015, é alterado o objecto social que passa a ser “comércio por grosso de produtos farmacêuticos. Comércio e retalho, supermercados e hipermercados, importação, exportação, indústria, comércio, fabrico, representação, produção, embalamentos, investigação e desenvolvimento e seus similares, na área da nutrição de toda a variedade de produtos naturais, fitoterapêuticos, medicamentos. Medicamentos homeopáticos, dietéticos e suplementos alimentares, com e sem glúten, na forma de xaropes, barras, comprimidos, cápsulas, ampolas bebíveis, saquetas, bem como o embalamento e produção para terceiros. Importação, exportação, indústria, comércio, fabrico, representação, produção, distribuição, embalamentos, investigação e desenvolvimento e seus similares de produtos cosméticos, dermo-cosméticos, produtos de higiene, artigos da puericultura, perfumes, bem como o embalamento e produção para terceiros. Importação, exportação, comercio, indústria, fabrico, representação, produção e distribuição, embalamentos da fabricação de outras preparações e de artigos farmacêuticos, alimentação, produtos naturais, montagem, acondicionamento, execução, renovação, remodelação, alteração do tipo, rotulagem e esterilização de dispositivos médicos, artigos plásticos e outros artigos e equipamentos hospitalares, bem como a produção e embalamento para terceiros. Bem como formação, prestação de serviços e consultoria na área da saúde. Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.”

65. Em novembro de 2014, a sociedade M., Ld.ª deixou de pagar os salários à generalidade dos trabalhadores, que optaram por suspender e cessar os respectivos contratos de trabalho: (…) (suspendeu o seu contrato a 22.12.2014); (…) (suspendeu o seu contrato a 05.01.2015); (…) (suspendeu o contrato a 05.01.2015); e (…) (suspendeu o seu contrato a 05.01.2015).

66. E ainda em novembro do mesmo ano, a M. Lda. entra em incumprimento com o credor Banco Santander Totta, S.A..

67. Em 20.01.2015 os trabalhadores (…) e (…) requereram a declaração de insolvência da sociedade M. Lda..

68. Em declaração, datada de 19.01.2015, a empresa representada pelo seu gerente, o arguido AP, acompanhada de (…), Advogado, com domicílio profissional na Rua da (…), n.º 15, 2º Esq., em Lisboa (enquanto credor), subscreveram a declaração que deu início ao processo de revitalização, não constando sequer do balancete analítico como credor e não constando como credor da Lista de Credores apresentada pelo AJP no PER.

69. Em 12.02.2015, foi publicado o anúncio do PER, mas não foi enviado aos credores para análise, qualquer plano de revitalização, tendo sido ultrapassado o prazo para as negociações.

70. Segundo indicação do AJP, em requerimento apresentado no PER em 16.04.2015, “(...) a empresa não tem instalações, não tem ativos, não tem trabalhadores e não exerce qualquer atividade. Assim, a elaboração de qualquer plano de recuperação ou revitalização está fora de questão, pelo que o AJP é de opinião que a empresa deve ser declarada insolvente (...)”.

71. De acordo com os documentos analisados, a insolvente M. Lda. era proprietária de:

a. Equipamento administrativo adquirido pela insolvente por 22.905,00€ e no valor contabilístico actual de 12.445,00€;

b. Equipamento básico adquirido pela insolvente por 146.349,00€ e no valor contabilístico actual de 101.679,00€;

c. Ferramentas e utensílios adquiridos pela insolvente por 47.372,00€ e no valor contabilístico actual de 31.325,00€;

d. Equipamento de transporte adquirido pela insolvente por 42.723,00€ e no valor contabilístico actual de 21.361,00€;

e. Mercadorias (produtos utilizáveis no processo de fabrico dos produtos farmacêuticos), que a 30/12/2014 ascendiam ao valor de 198.298,83€.

72. Destes bens do activo, alguns foram adquiridos em regime de locação financeira:

a. Em 2012, celebrou com a Caixa Leasing e Factoring, Instituição Financeira de Crédito, SA, três contratos de locação financeira para aquisição de uma máquina contadora de comprimidos e drageias; uma máquina de enchimento, selagem e marcação de ampolas e um veículo marca Citroen, Modelo C4, matrícula 76-LO-11, pelo valor total de 45.425,94€; - Vide Doc. 26 a 28

b. Em 2013, celebrou com o Banco Santander Totta, SA um contrato de locação financeira para aquisição de um túnel de retracção Germark, com os respectivos acessórios, pelo valor de 16.000,00€.

73. E a insolvente M. Lda. tinha ainda no seu inventário:

a. Matérias-primas no valor de 57.457,48€;

b. Material de acondicionamento primário no valor de 39.071,79€;

c. Material de acondicionamento secundário no valor de 11.520,41€;

d. Produto intermédio no valor de 27.347,62€;

e. Produto acabado no valor de 12.926,65€;

No total global de 148.323,95€.

74. O passivo da insolvente M. Lda. apurado nestes autos, ascende ao montante de 865.110,64€ (pela Relação de Créditos Reconhecidos) – valor muito próximo do passivo já existente em 31.12.2013 de 1.157.313,21€.

75. O arguido J. desde 28.02.2018 se encontra inibido “para o exercício do comércio bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de cinco anos, nos termos de sentença de 02 de fevereiro de 2018, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Comércio de Setúbal – Juiz 2”.

Condições pessoais dos arguidos

(…).


**

Factos não provados

Resultaram não provados os seguintes factos:

(…).


**

IV - Motivação da decisão de facto

(…).

C. APRECIAÇÃO RECURSOS

I. RECURSO AM E J.

1. Depoimento de advogado

A primeira questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se o tribunal recorrido errou ao declarar a nulidade do depoimento prestado por (…), por quebra do sigilo profissional.

Em causa está a seguinte decisão:

«Os arguidos AP e F. invocaram a nulidade do depoimento da testemunha (…), Ilustre Advogado, por quebra do sigilo profissional.

Cumpre apreciar e decidir.

O artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, no que diz respeito ao segredo profissional, dispõe o seguinte:

“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;

e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.

4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.

5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.”

Compulsado o depoimento prestado pela testemunha (…), resulta que o seu depoimento se encontra relacionado com o exercício do patrocínio forense e por esse motivo, sujeito a segredo profissional.

Ora, o segredo profissional traduz-se, em geral, na reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço prestado ou à sua profissão.

Esta testemunha teve conhecimento de certos factos relacionados com este processo, como mandatário do aqui arguido AP, sendo igualmente mandatado pelos restantes arguidos, mesmo que em momentos diferentes, conforme atestou em audiência de julgamento.

Ou seja, estão em causa conhecimentos ou informações suportados no exercício da advocacia, pelo que está implícito estar abrangido pelo segredo profissional, sendo que a dispensa do segredo profissional poderá ser alcançada por uma de duas vias: por requerimento do Advogado ao Presidente do Conselho Distrital respetivo, que autorizará – o procedimento previsto no nº 4 do art.º 92º do EOA; por via do incidente processual de quebra do segredo profissional regulado no artigo 135º do Código de Processo Penal (vide com interesse nesta matéria, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07-12-2018, proferido no processo nº 430/14.0TAAMT.P1, disponível em www.dgsi.pt.).

E no caso em apreço nenhuma dessas vias foi seguida.

Como tal, teremos forçosamente de concluir que o depoimento da testemunha (…), Advogado, de acordo com o nº 5 do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, não pode ser considerado/valorado, por se tratar de meio de prova proibido, o que se declara, nos termos do artigo 125º do Código de Processo Penal».

Estes argumentos não convenceram os recorrentes que os contestam, mas, quanto a nós, sem razão.

Vejamos:

Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (artigo124.º do Código de Processo Penal).

Num Estado de Direito Democrático, como o nosso, a verdade material e a realização da justiça, enquanto finalidade última do processo penal, não pode ser alcançada a qualquer custo, sendo delimitada por princípios constitucionais, em especial, os direitos, liberdades e garantias pessoais.

Os procedimentos destinados à demonstração do facto criminoso não são absolutos, mas delimitados pela legalidade da prova, nos termos previstos no artigo 125.º, do Código de Processo Penal.  Só são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

A prova testemunhal é, por regra, um dos meios de prova legalmente admissíveis. Qualquer pessoa pode depor sobre factos de possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova (artigo 128.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).

Esta regra sofre várias excepções entre as quais se situam as pessoas que estejam sujeitas ao sigilo profissional, cujo regime é regulado no artigo 135.º do Código de Processo Penal.

«Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, os médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos».

O artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, impõe ao advogado a obrigação de guardar segredo relativamente a factos que lhe advenham através do exercício da sua actividade profissional.

Estabelece este preceito, no seu n.º 1:

«O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

(…).».

E, no n.º 3:

«O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.».

Porém, quando seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, o advogado pode, nos termos do n.4, do mesmo preceito e diploma, revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que, para o efeito, se obtenha prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento. 

Quando os actos forem praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo (cf. n.º 5, do citado artigo 92.º).

No caso vertente, encontra-se assente, que o depoimento de J. incidiu sobre factos que conheceu no exercício da profissão de advogado, sem dispensa prévia do sigilo profissional.

E, por isso, não servir como meio de prova em juízo, sob pena de cometimento de nulidade, com e bem decidiu o tribunal quo .

Diante esta decisão, entendem os recorrentes que devem ser declarados nulos todos os actos processuais posteriores às declarações de (…), nos termos do disposto no artigo 195.º, do Código de Processo Civil, por aplicação subsidiária do Código de Processo Penal.

Sobre a aplicação das normas do processo civil ao processo penal estatui o artigo 4.º, do Código de Processo Penal:

Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.

Ora, como o Código de Processo Penal regula expressamente o regime das nulidades processuais e de prova (cf. artigos 118.º a 127.º), não faz qualquer sentido falar de lacuna cuja integração apele à aplicação do disposto no artigo 195.º, do Código de Processo Civil, improcedendo, assim, a pretensão do recorrente.

Se bem percebemos o teor das Conclusões n.ºs 4 e 5, opinam os recorrentes que foram surpreendidos, na sentença, com a declaração de nulidade do testemunho do Senhor Advogado, o que prejudicou a sua defesa, com violação do disposto no artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa.

Contudo, tal afirmação não corresponde à verdade. 

Os recorrentes, através do seu ilustre mandatário e subscritor do recurso, tiveram conhecimento da arguição da nulidade, exerceram o direito ao contraditório e foram notificados do despacho que decidiu relegar para sentença a decisão, na sessão de audiência e julgamento de 11 de dezembro de 2019, podendo, então, exercerem o contraditório que entendessem por convenientes. 

Pelo que, nem os recorrentes foram surpreendidos pela decisão, nem foram constrangidos no exercício do direito de defesa, não se verificando a violação das disposições do artigo 195.º, do Código de Processo Civil e do artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa.

Improcedem as Conclusões n.ºs 1 a 5.

2. Silêncio do arguido

Nas Conclusões n.º 6 a 9, os recorrentes criticam a decisão recorrida por valoração negativa do silêncio do arguido J..

Antes de mais, importa reter, que a génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, antes decorre do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se autoincrimine.

Todavia, se o uso do direito ao silêncio não pode em caso algum prejudicar o arguido, também este não pode esperar qualquer benefício, quando prova exista contra ele.

O tribunal recorrido não credibilizou as declarações prestadas pela testemunha (…), porque sabe de muito e de tudo, mas com base no que o arguido Mendonça lhe transmitiu, limitando-se a apresentar a versão deste arguido que, aliás, se remeteu ao silêncio.

É contra esta última expressão que se insurgem os recorrentes, considerando-a como valoração negativa do silêncio do arguido.

Pois bem.

Resulta da sentença recorrida que o depoimento de (…) incidiu não sobre factos de que tivesse conhecimento (depoimento directo), mas do que ouviu dizer ao arguido (depoimento indirecto).

Nos termos do artigo 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

No caso, a validade do depoimento da testemunha relativamente aos factos ouvidos do arguido, estava dependente das declarações que este entendesse prestar, sem as quais, aquele depoimento não podia servir como meio de prova. Foi este o sentido que o tribunal atribui ao silencio do arguido, não contendo qualquer valoração negativa.

Não se mostram, assim, violados os artigos 126, n.º 3 e 343.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, nem os princípios constitucionais, nomeadamente os indicados pelos recorrentes.

II. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)

II.INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
(…)

III. QUALIFICAÇÃO JURIDICO PENAL

Os recorrentes AM, J., F. e V. trazem para discussão, a questão de saber se estão preenchidos os elementos típicos do crime de insolvência dolosa.

Em causa está, assim, a interpretação do artigo 227º, do Código Penal que reza assim:

«1- O devedor que com intenção de prejudicar os credores:

a) destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património;

b) diminuir ficticiamente o seu ativo, dissimulando coisas ou animais, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexata, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida;

c) criar ou agravar artificialmente prejuízos ou reduzir lucros; ou

d) para retardar falência, comprar mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente;

é punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

2 - O terceiro que praticar algum dos factos descritos no n.º 1 deste artigo, com o conhecimento do devedor ou em benefício deste, é punido com a pena prevista nos números anteriores, conforme os casos, especialmente atenuada.

3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, é punível nos termos dos n.ºs 1 e 2 deste artigo, no caso de o devedor ser pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, quem tiver exercido de facto a respectiva gestão ou direcção efectiva e houver praticado algum dos factos previstos no n.º 1».

As sucessivas alterações legislativas deste preceito vieram reforçar a ideia de que a incriminação da insolvência dolosa deixou de exigir na tipicidade que a actuação do devedor seja causa directa e necessária da situação e posterior declaração de insolvência, bastando apenas que se mostre preenchido o tipo de ilícito que se verifique uma das actuações descritas no nº 1 do preceito em análise, realizadas com intenção de prejudicar os credores.

A este propósito, escreve Luís Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, págs. 343/344:

«No âmbito da redacção anterior, exigia-se que a falência que viesse a ser declarada em consequência da prática dos referidos factos, o que implicava a exigência de uma relação de causalidade entre os referidos comportamentos e a declaração da falência. Actualmente, no entanto, deixou de se exigir essa relação, exigindo-se apenas que ocorra a situação de insolvência e esta venha a ser judicialmente reconhecida (…). Estamos assim perante meras condições objectivas de punibilidade do agente, o que implica que hoje, os crimes insolvenciais tenham que ser qualificados como crimes de perigo abstrato, cuja ilicitude corresponderia aos comportamentos previstos no tipo respectivo e cuja punibilidade seria limitada de duas condições objectivas: a ocorrência da insolvência e o respectivo reconhecimento judicial. Estas condições de punibilidade teriam como função a confirmação da perigosidade típica dos comportamentos incriminados nas várias alíneas, e daí a exigência para que o agente possa ser sancionado».  

Nesta senda, são elementos do tipo: o elemento material concretizado na acção típica descrita nas várias alíneas do nº, 1, do preceito em análise – reconduzidas por Pedro Caeiro [Comentário Conimbricense, parte especial, tomo II, pág. 412 e 413], a cinco grupos: a) as condutas que provocam diminuição real do património; b) condutas que provocam uma diminuição fictícia do património liquido; c) condutas que visam ocultar uma situação de crise conhecida do devedor; d) a não justificação da aplicação regular dos valores pelo devedor concordatário; e e) a prática de uma das condutas referidas por parte de um terceiro, como o conhecimento do devedor ou em seu beneficio – e o elemento subjectivo mediatizado na intenção, por parte do sujeito activo, de prejudicar os credores.

A diminuição real do activo patrimonial da insolvente, pode resultar, entre outras, das acções típicas previstas na alínea a) do n.º 1, do artigo 227.º, citado, destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património.

A diminuição fictícia do activo patrimonial, simulando uma situação patrimonial inferior à realidade pode ser provocada, dissimulando activo, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexata, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida.

Com a destruição o património deixa de «manter a individualidade anterior», acarretando a «completa imprestabilidade da coisa. Se o património, «sem perder totalmente a sua integridade, sofre um estrago substancial com a consequente diminuição do seu valor económico ou da sua utilidade especifica», falamos de uma acção de danificação. Quando o património se torna «mesmo que temporariamente, inadequada ao fim a que se destinava, sem que perca a sua individualidade, estaremos diante de um acto de inutilização. [Código Penal Anotado, 2º Vol. Parte Especial, 3ª edição, Editora Rei dos Livros, Lisboa, página 967].
O desaparecimento de parte do património corresponde à dissipação do património como por exemplo, a acção de «levar todas as suas existências para a fábrica do outro arguido, com a intenção de prosseguir a actividade (…) sob outro nome (…)», (Leal Henriques e Manuel Simas Santos Código Penal Anotado, 2º Vol. Parte Especial, 3ª edição, Editora Rei dos Livros, Lisboa, página 967.)

Nesta orientação, a prática de negócios simulados integra-se no acto de dissipação (ob. cit. pág.967). Em sentido contrário, Pedro Caeiro [Sobre a Natureza dos Crimes Falenciais: (O património, a falência, a sua incriminação e a reforma dela), pág. 195], considera que a simulação «não constitui uma diminuição real do património (…) mas uma diminuição fictícia» e que «fazer desaparecer é não se descobrir o paradeiro dos bens que supostamente se deveriam encontrar na titularidade do devedor». Neste sentido, cf. Acórdãos da Relação do Porto de 16 de fevereiro de 2000, proferido no processo n.º  1288/97 e de 17 de outubro de 2012, (www.dgsi.pt).

Quanto a nós, salvo o devido respeito pela opinião contrária, seguimos a primeira a posição, como já decidimos no Acórdão desta Relação de 27 de maio de 2020 (www.dgsi.pt).
O desaparecimento de parte do património não exige o desaparecimento total no sentido de tornar impossível o seu acesso ou conhecimento do paradeiro dos bens, mas um desaparecimento parcial, no sentido de subtrair os bens da esfera jurídica do devedor ao direito/conhecimento dos credores, e às respectivas acções legais.
Uma das formas de desaparecimento de parte do património consiste no esvaziamento patrimonial da sociedade insolvente ou em vias de se tornar insolvente, com recurso à alteração jurídica do património, transferindo todo o activo (bens e direitos) da massa insolvente para uma entidade com personalidade jurídica diferente, privando, por essa via, os credores da cobrança coerciva dos seus créditos e deixando a devedora na impossibilidade de prosseguir  com  a actividade, continuando a obter os proventos para  satisfação das suas dividas perante os credores.

Dito isto, vejamos o nosso caso.

Em 27.06.2014, no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs (…) e (…), a “M. Lda.” deu de penhor, como garantia no valor total de € 99.500,00, alguns dos bens.

O arguido AM foi constituído fiel depositário daquele penhor, com a expressa advertência de que, a partir daquela data, não poderia alienar, modificar, destruir ou desencaminhar aqueles bens.

A partir de junho de 2014, a M. Lda. deixou de organizar a sua contabilidade.

No verão do ano de 2014, os arguidos delinearam entre si um plano de actuação, que visava a transferência dos activos da sociedade “M. Lda.”, incluindo a clientela, para a sociedade que mais tarde viria a ser a “(…)”, para que esta continuasse a actividade anteriormente desenvolvida por aquela, sem a correspondente contrapartida por tal transferência.

No mês de agosto de 2014, os arguidos retiraram das instalações da “M. Lda.”, sitas na Rua do (…), em Coimbra, as máquinas de produção, incluindo as que foram dadas de penhor à Fazenda Pública em 27.06.2014, as matérias-primas e os produtos finais, colocando-as na Zona Industrial ZIL 1, Lote 3, em (…), no local onde a “(…)” veio a exercer a sua actividade.

Nessa altura, foram os trabalhadores da “M. Lda.”, (…), quem procederam ao desmonte das máquinas nas instalações desta, e pelo menos (…) procedeu depois à sua montagem nas instalações da “(…)” (designação inicial da “(…)”).

Ainda nessa altura, os arguidos AP e F. transmitiram aos trabalhadores da “M. Lda.” que as máquinas tinham sido transferidas para (…), onde passaria a ser feita a produção daquela sociedade.

De seguida, parte dos trabalhadores da “M. Lda.” foram dispensados e outros foram trabalhar para as instalações da “(…)” (designação inicial da “(…)”), em (…).

No mês de setembro de 2014, os arguidos retiraram das instalações da “M. Lda.”, sitas na Rua do (…), em Coimbra, os equipamentos de escritório e do departamento galénico, colocando-os noutras instalações na zona da (…), em Coimbra, e que mais tarde foram igualmente transportados para as instalações “(…)” (designação inicial da “(…)”).

Foi nas instalações na zona de (…), em Coimbra, entre setembro de 2014 até ao final do ano de 2014, que os trabalhadores da parte administrativa da “M. Lda.” continuaram a exercer as suas funções para esta, sendo, no entanto, todos os documentos emitidos em nome da “(…)” (designação inicial da “(…)).

Em 17.10.2014, a sociedade “(…)” alterou o seu objecto social para o mesmo da M. Lda.: fabrico, importação, exportação e comercialização de produtos farmacêuticos e cosméticos. Comércio de produtos relacionados com a actividade”.

Em 27.10.2014, a sociedade “(…)” transformou-se em sociedade anónima, tendo como sócios os arguidos, recorrentes, que também faziam parte do conselho de administração desta sociedade.

Em 09.10.2014, o arguido AP, enviou uma comunicação escrita aos clientes “M. Lda.”, informando-os da construção de uma nova unidade de produção, na qual fora já dado início no acondicionamento de comprimidos e cápsulas.

Mais tarde, em 19.01.2015, o arguido AP, informou os clientes que a “M. Lda.” “… deixa de exercer a actividade fabril, passando todas as actividades a serem feitas pela “(…)”.

Devido à transferência do equipamento de produção e activo corpóreo para a sociedade “F.”, a “M. Lda.” ficou impossibilitada de exercer a sua actividade comercial e gerar rendimentos.

Para além das facturas n.º 2014/858 e n.º 2014/1012, emitidas ao cliente “ABREVIATURA LDA” e referentes à transmissão de duas viaturas, não existe qualquer registo na contabilidade da “M. Lda.” da transmissão do equipamento de produção e activo corpóreo, incluindo bens adquiridos em regime de locação financeira.

Em consequência, a facturação da “M. Lda.” foi apenas emitida até julho de 2014, razão pela qual, nesse ano as vendas sofreram uma redução de cerca de € 700.000,00.

Por seu lado, em relação à facturação da “(…)”, registada nas contas correntes de clientes em referência aos anos de 2014 e 2015, mais de 72% e 57%, respectivamente, foi emitida a clientes comuns à “M. Lda.”.

No final do ano de 2014, o arguido AP reuniu-se com os trabalhadores da “M. Lda.” em Coimbra e deu-lhes conhecimento da impossibilidade de continuidade daquela empresa.

Não obstante a “M. Lda” ter ficado sem actividade, a “(…)” emitiu àquela duas facturas, uma em 19.12.2014 e outra em 06.05.2015, respectivamente, no valor de € 5.800,50 e € 6.775,55, supostamente para a aquisição de produtos farmacêuticos, ficando assim a “M. Lda.” devedora daquela naqueles montantes.

Aquando da declaração da insolvência da “M. Lda.”, esta não tinha qualquer estabelecimento a laborar.

No âmbito do processo de insolvência apenso não se logrou a apreensão de quaisquer bens ou direitos da titularidade da “M. Lda.”, nem mesmo dos bens dados em penhor à Fazenda Pública.

O passivo da “M. Lda.” apurado no âmbito do referido processo de insolvência ascende a € 865.810,64, tendo sido reconhecido a quantia € 118.284,96 referentes a créditos privilegiados dos trabalhadores.

Em 02.11.2016, no âmbito da realização de buscas às instalações da “(…)”, sitas na Zona Industrial Zil 1, Lote 3, em (…), foi verificado que se encontravam colocadas e a laborar naquelas instalações, as máquinas de produção que foram transferidas das instalações da “M. Lda.” em agosto de 2014.

Os arguidos AP, AM, J., F. e V., o primeiro enquanto gerente da “M. Lda.”, e todos enquanto administradores da “F.”, actuaram da forma descrita em conjugação de esforços e de intentos, na execução de plano que haviam traçado entre eles, com o propósito, concretizado, de lesar os legítimos interesses dos credores da “M. Lda.”, neles se incluindo os trabalhadores, e que estes se vissem impedidos de receber os seus créditos à custa dos respectivos bens daquela sociedade, incluindo no âmbito da insolvência que veio a ser posteriormente decretada judicialmente.

Com a transferência de todo o equipamento de produção e activo corpóreo da “M. Lda.”, sem a correspondente contrapartida económico-financeira ou registo contabilístico, os arguidos actuaram com o propósito de dissipar aquele património, de forma a obstar que o mesmo fosse usado para pagamento de créditos daquela sociedade, bem sabendo que daquela forma frustravam o pagamento dos créditos laborais dos trabalhadores daquela sociedade em sede de processo de insolvência.

A M. Lda., no final de 2011, tinha activos no valor de 19.483,51€; no final de 2012 tinha activos no valor de 554.144,14€; e no final de 2013 tinha activos no valor de 1.159.214,68€.

Em setembro de 2014, os trabalhadores que ficaram ao seu serviço transitaram para as novas instalações no (…), na (…), Coimbra.

Ainda em setembro de 2014, a insolvente deixou de cumprir com o pagamento das prestações acordadas com a Caixa Geral de Depósitos, S.A.

E a partir de outubro de 2014, a insolvente começou a vender os produtos do seu comércio/fabrico sob diferentes denominações, nomeadamente “(…)” e "(…)".

Todavia, os fornecedores continuavam a fazer encomendas sobre a designação "M. Lda.".

Em 2014, esta empresa registou um volume de negócios de 212.688,00€ e obteve um lucro líquido de 14.386,00€, e apresentou em 2014, o seu 1º ano de actividade, um saldo de clientes superior ao volume de vendas.

Em novembro de 2014, a sociedade M. Ld.ª deixou de pagar os salários à generalidade dos trabalhadores, que optaram por suspender e cessar os respectivos contratos de trabalho: (…) (suspendeu o seu contrato a 22.12.2014); (…) (suspendeu o seu contrato a 05.01.2015); (…) (suspendeu o contrato a 05.01.2015); e (…) (suspendeu o seu contrato a 05.01.2015).

E ainda em novembro do mesmo ano, a M. Lda. entra em incumprimento com o credor Banco Santander Totta, S.A..

Segundo indicação do AJP, em requerimento apresentado no PER em 16.04.2015, “(...) a empresa não tem instalações, não tem ativos, não tem trabalhadores e não exerce qualquer atividade. Assim, a elaboração de qualquer plano de recuperação ou revitalização está fora de questão, pelo que o AJP é de opinião que a empresa deve ser declarada insolvente (...)”.
Deste contexto factual, resulta claro que os arguidos, a coberto de uma nova entidade jurídica (…), os arguidos continuaram a desenvolver a actividade da M. Lda., agora desonerada de todas as dividas, uma vez que estas não transitam para a (…), a nova sociedade criada pelos arguidos, para a qual apenas transitou o activo, em especial, os meios de produção, a clientela e alguns dos trabalhadores.
Os arguidos deixaram, assim, a insolvente desprovida de todos os recursos capazes de gerar influxos e rendimentos, colocando-a em absoluta impossibilidade de solver as dividas vencidas, não podendo deixar de percepcionar que tais condutas prejudicavam ou agravavam ainda mais os prejuízos infligidos aos credores.

Mostram-se, assim, reunidos os elementos constitutivos do crime previsto pelo artigo 227.º, n.º 1, alínea a) e b) e n.º 2, do Código Penal, devendo os arguidos ser por ele condenados.

Por fim, uma palavra para a alegada insolvência técnica da M. Lda., desde de 2012 aludida pelos recorrentes AM e J., para dizer que nenhuma relevância (aliás não indicada pelos recorrentes) assume para o caso.

É que, a punibilidade das condutas descritas no nº 1, do citado artigo 227º, depende da existência da situação de insolvência da empresa (com verificação judicial) e não da falência técnica, conceitos de natureza e amplitude diferentes, como já tivemos oportunidade de decidir, no nosso acórdão proferido no processo n.º 135/12.7.TACNF.C1 (in www.dgsi.pt), aliás, reproduzido, nesta parte na sentença recorrida, a fls. 1607.º v.º a  1608.

Bem andou assim o tribunal recorrido em condenar os arguidos, como coautores, pela prática do crime de insolvência dolosa.

 

IV. RECURSO DEMANDANTE CIVEL

A questão que opõe a recorrente ao tribunal recorrido é a de saber se os danos patrimoniais reclamados pela massa insolvente, M. Lda., foram causa directa e necessária da conduta dos arguidos.

De acordo com o disposto no artigo 71.º do Código Penal, a acção civil de indemnização fundada na prática do crime de insolvência, deve ser deduzida neste processo penal.

O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundado na prática de um crime, isto é, decorrente da prática de um crime, tendo na sua base uma conduta criminosa (cf. com um âmbito de aplicação diferente, o artigo 377.º, do Código de Processo Penal).

Dispõe o artigo 129.º do Código Penal que os pressupostos materiais do direito à indemnização de perdas e danos emergentes de crime são regulados pela lei civil. 

A acção civil pode ser formulada e conhecida no processo penal, se o pedido de indemnização de natureza civil for conexo com o facto crime. A acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização de perdas e danos emergentes da prática do crime. [cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de e 6 de novembro de 1996 (CJ ASTJ 1996, tomo III, pág. 187].

Trata-se da responsabilidade por factos ilícitos ou aquiliana face a uma violação ilícita e culposa de um direito ou de um interesse tutelado, nos termos gerais do artigo 483.º, n.º do Código Civil e não de uma responsabilidade obrigacional, tratada nos artigos 798.º a 812.º, do Código Civil, a operar diante a inobservância pelo devedor da obrigação assumida perante o credor.

No caso em apreço, a indemnização peticionada pelos danos resultantes do não pagamento do valor que os arguidos contrataram com a insolvente para a alienação dos bens e direitos não se funda no crime cometido pelos arguidos. Tais danos surgem na sequência do incumprimento de um alegado contrato celebrado entre os demandados, nos termos dos quais, se comprometeram a pagar à M. Lda., a mencionada quantia de 630 000,00€ (artigos 88.º a 109º.º pedido cível de fls. 1046/1046v.º).

Donde, se tal indemnização não se funda na responsabilidade civil pelos danos causados pelos arguidos, com a prática do crime de insolvência dolosa, então o pedido civil, para além de inadmissível no processo penal, está manifestamente votado ao fracasso, tanto mais que nem sequer foram julgados provados os factos atinentes ao contrato alegado pela Recorrente.

Não assiste, assim, razão à Recorrente.

Subsidiariamente, peticiona a recorrente, o pagamento da quantia de 513 432,00€ relativamente ao valor dos bens de que se apropriaram e bem assim os danos causados pela paralisação da actividade da insolvente, no valor de 865 110,64€.

Vejamos.

A responsabilidade civil decorrente da prática de um crime é determinada em função da lei substantiva civil, maxime o principio geral da responsabilidade por factos ilícitos, cujo regime vem regulado no artigo 483º, do Código Civil.

Dispõe este preceito:

«1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei».

Na terminologia técnica corrente, indicam-se como pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a) o facto; b) a ilicitude; c) imputação do facto ao lesante; d) o dano e e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O nexo da causalidade adequada é também pressuposto da obrigação de indemnizar. De acordo com o disposto no artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

De acordo com a tese dominante, com a previsão do artigo 563º, citado, o legislador acolheu a doutrina da causalidade adequada.

Do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano. [Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 1, págs. 893, 899, 890/1]

Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela [Código Civil Anotado, Volume I, em anotação ao artigo 563º, pág. 548]:

«A fórmula usada no artigo 563º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito».

Lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de novembro de 2010:

«O artigo 563. ° do Código Civil consagra o princípio da causalidade adequada na sua formulação negativa.

O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgultig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto (…)

É a consagração do ensinado por Enneccerus-Lehman, que para o Dr. Ribeiro de Faria, conduz a que ‘a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu ‘pelas referidas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias’. (…)

Parte-se, pois, de uma situação real, posterior ao facto, e até ao dano, e afirma-se que o segundo decorreria daquele perante um desenvolvimento normal, ou seja, o dever de indemnizar existe em relação aos danos que terão provavelmente resultado da lesão.

Ou como julgou este Supremo Tribunal, a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias».

A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano. (Acórdão de 13 de janeiro de 2009, processo n.º 3747/08 - 1.ª Secção).

Para além desta teoria (dominante), outras surgiram. A doutrina do escopo da norma jurídica violada, defendida por Menezes Cordeiro e Menezes Leitão e a doutrina das esferas de risco, proposta por Ana Mafalda Miranda Barbosa, na sua dissertação de doutoramento.

Para Menezes Cordeiro, a previsão do artigo 563.º tem duas finalidades: afasta a causa virtual como fonte de imputação e não exige, em regra, a necessidade da absoluta confirmação do decurso causal: não há que provar tal decurso, mas, apenas, a probabilidade razoável da sua existência. A lei tutela o lesado, facultando a indemnização perante meras probabilidades fácticas. [Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, págs. 542]

Menezes Leitão entende que a questão da determinação do nexo de causalidade reconduz-se a um problema de interpretação do conteúdo e do fim específico da norma que serviu de base à imputação dos danos. [Direito das Obrigações, Volume I – Introdução. Da Constituição das Obrigações, pág. 313]

Ana Mafalda Miranda Barbosa, Responsabilidade Civil Extracontratual. Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade, páginas 111-145, defende a tese do nexo de causalidade como nexo de imputação ou nexo de ilicitude, através da comparação das esferas de risco do lesante, do lesado e da vida em geral, tendo por base uma noção não atomista nem individualista de pessoalidade e partindo, na sua construção dogmática, da dependência intersubjectiva e dos deveres de cuidado entre as pessoas. (…) Assim, será com base na assunção de uma esfera de risco e no cotejo dela com outras esferas de risco (tituladas pelo lesado, por um terceiro ou pela própria realidade natural e social) que conseguiremos dizer quando deve haver imputação objectiva do dano-lesão ao comportamento do agente».  (ob. citada pág. 196).

Descendo ao caso dos autos.

Peticionou a reclamante os danos decorrentes da privação dos bens subtraídos pelos arguidos, no valor de 513 432,0070€.

Entendeu o tribunal recorrido que estes danos não foram causados pela conduta dos demandados, constituindo um dano ex novo.

Salvo o devido respeito por esta opinião, com ela não concordamos.

Com efeito, os bens enunciados nos factos provados n.ºs 71 e 73 pertenciam à massa insolvente, que sobre eles detinha o direito de propriedade, gozando de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição, nos termos dos artigos 1302.º e 1305.º do Código Civil.

Os arguidos, ao subtraírem os bens à massa insolvente, transferindo-os para a nova sociedade, dispuseram ilegitimamente de uma propriedade de alheia violando o direito tutelado pelo artigo 1302.º citado.

A violação deste direito por parte dos arguidos decorre da conduta ilícita e criminosa dos arguidos (e não violação de deveres contratuais), sendo causa directa, necessária e adequada aos danos sofridos pela recorrente com a privação da propriedade dos bens, em montante correspondente ao respectivo valor económico cifrado em 513 432,70€.

E, sendo assim, encontram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, nos termos do artigo 483.º, do Código Civil, ficando os demandados obrigados a indemnizar a recorrente, no pagamento da quantia de 513 432,70€.

Tal quantia será acrescida de juros, à taxa legal, contados a partir da data de trânsito em julgado desta decisão até integral pagamento.

Procede, pois, este pedido de indemnização deduzido pela M. Lda., a que acrescerão

Por último, reclama a recorrente o ressarcimento do prejuízo causado com a paralisação da actividade, no valor de 865 110, 64€.

Em abstracto, a paralisação da actividade da empresa é susceptível de causar danos à insolvente. Em concreto, tal não sucede, pois não foram alegados e demonstrados os factos materiais e concretos subjacentes àquele dano.

Se bem entendemos a petição inicial de fls. 1042 a 1051, o dano pela paralisação da actividade da empresa corresponde ao passivo da massa insolvente, fixado no valor de 865 110, 64€, por duas ordenas de razões:

Em 31 de dezembro de 2013 existia um activo de 1 129 214,68€, quantia suficiente para solver o passivo pré-existente (artigos 85.º a 86.º de fls. 1047).

Com a venda dos stocks e mercadorias (factos 173.º e 174.º de fls. 1049 v.º), obteria a insolvente proventos para solver o passivo.

Ora, quer o activo existente no final de 2013, quer a venda de stocks e mercadorias não resultam da inatividade comercial da empresa consequente do desvio das unidades de produção, sendo que nenhuma referência à situação económica financeira da insolvente no ano de 2014, nomeadamente, quanto aos proventos líquidos que seriam obtidos com a produção e comercialização dos produtos.

A omissão de tais factos impede se julgue verificado o dano decorrente da paralisação demandante, improcedendo a indemnização cível a, este propósito, deduzido, pela demandante. 

D. DECISÃO

Nestes termos, os Juízes que compõem a 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, acordam:

a) Em julgar não providos os Recursos interpostos pelos arguidos F., AM, J. e V., mantendo na íntegra a vertente penal da sentença recorrida;

b) Custas pelos Recorrentes: solidariamente os encargos, individual a taxa de justiça que se fixa em 4 UCS.

c) Em revogar a sentença recorrida, na parte em julgou improcedente o pedido de indemnização cível formulado pela Recorrente substituindo-a pela seguinte decisão:

Julgam parcialmente provado o pedido cível formulado pela Massa Insolvente de M. Lda. e, em consequência condenam solidariamente os arguidos/demandados, a pagarem à demandante, a quantia de 513 432,00€ (quinhentos e treze mil, quatrocentos e trinta e dois euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a data de transito em julgado desta decisão até integral pagamento.

d) No mais peticionado pela M. Lda. vão os demandados absolvidos do pedido.    

d) Custas do pedido de indemnização cível e do recurso pela demandante e pelos demandados, na proporção do decaimento.

Notifique.

Coimbra, 7 de abril de 2021

Alcina da Costa Ribeiro (relatora)

Maria Alexandra Guiné (adjunta)