Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/14.8TBSJP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
MORTE
USUFRUTUÁRIO
CADUCIDADE
OPOSIÇÃO
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
DATA
Data do Acordão: 03/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, INSTÂNCIA CENTRAL, SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 5.º, N.º 1, AL. F), 15.º, N.º 2, 18.º, N.º 1 E 26.º, N.OS 1 E 3, DO RAR
Sumário: 1. A caducidade do arrendamento por morte do usufrutuário-locador rege-se pela lei vigente à data da morte deste.

2. O contrato de arrendamento rural em causa foi celebrado em 24 de Maio de 2013 e o usufrutuário-locador faleceu a 23 de Dezembro desse ano, sendo, por isso, de aplicar o que se dispõe no artigo 18.º, n.º 1, do RAR, na redacção do DL 294/2009, de 13 de Outubro, por remissão para o artigo 1051,º do CC, na redacção em vigor em Dezembro de 2013, ou seja, a que lhe foi dada pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, que suprimiu o n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil.

3. O arrendatário rural pode obstar à caducidade do contrato de arrendamento por morte do usufrutuário desde que manifeste ao senhorio que pretende manter a sua posição contratual, na forma legalmente prevista: mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção ou, entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de recepção.

4. Em caso de cessação do contrato, a restituição do prédio só pode ser exigida no fim do ano agrícola em curso em que se tenham verificado os factos que determinaram a cessação do contrato. De acordo com o artigo 5.º, n.º 1, al. f), do citado RAR, o ano agrícola é o período que se inicia em 1 de Novembro, terminando em 31 de Outubro do ano seguinte. Atento a que o doador faleceu em Dezembro de 2013, o ano agrícola, para este efeito, terminou em 31 de Outubro de 2014, data limite da entrega do prédio pelos arrendatários ao senhorio.

Decisão Texto Integral:

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... e mulher, B... , intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C... e mulher, D... , já todos identificados nos autos, alegando, em síntese:

Que adquiriram, por doação, a propriedade de dois prédios rústicos que identificam no artigo 1.º da p.i., que lhes foram doados, mediante a competente escritura, outorgada em 19 de Setembro de 2001, por E... , que reservou para si o respectivo direito de usufruto.

Mais alegam que por si e anteproprietários, estão na posse e fruição de tais prédios, há mais de 40 anos, de modo pleno e exclusivo, na convicção de serem, como são, seus proprietários.

Mais alegam que em 23 de Maio de 2013, o referido doador, celebrou com os réus um contrato de arrendamento rural, tendo por objecto os imóveis doados aos autores e que estes alegam ter-se extinguindo com a morte do usufrutuário, que ocorreu em 23 de Dezembro de 2013.

Acrescentam que através de testamento público lavrado em 28 de Maio de 2013, os aqui réus foram instituídos pelo supra referido doador, como seus únicos e universais herdeiros, mas o testador, à data em que outorgou o testamento, não dispunha de património algum, tanto que, por isso, alegam, ficou a constar no testamento que os réus seriam seus herdeiros relativamente aos “bens que venham a constituir a herança”, sendo que o doador não tinha património algum, por o mesmo se limitar aos imóveis já doados.

Não obstante, os réus, já depois da morte do referido E... , participaram à matriz um prédio urbano com a área total de 362 m2 que é parte de um prédio rústico pertença dos autores, constituindo um arrumo afeto à exploração agrícola. Mais alegam que sobre os prédios haviam os réus celebrado com o usufrutuário contrato de arrendamento rural, que caducou pelo falecimento daquele. E que os réus vêm ocupando esses prédios contra a vontade dos autores, o que lhes causa prejuízo.

Com estes fundamentos, concluem pedindo:

a) Que se declarem os AA. donos e legítimos proprietários dos prédios rústicos identificados no art. 1º da PI, assim como do participado como urbano com o art. 42º-P e descrito na CRP de S... com o n.º 2360;

b) Que se declare que o contrato de arrendamento celebrado pelo usufrutuário se extinguiu com o seu falecimento;

c) A condenação dos RR. a entregarem os imóveis aos AA., assim como aquele que entretanto registaram, uma vez que faz parte integrante dos prédios rústicos;

d) A condenação dos RR. a cancelarem o registo predial averbado em seu nome na CRP sob o n.º 2360;

e) A condenação dos RR. a pagarem a quantia de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento dos pedidos acima;

f) A condenação dos RR. a liquidarem aos AA. o montante indemnizatório de € 2.229,50, referente aos danos patrimoniais decorrentes da privação do uso dos prédios em causa nos autos relativamente ao ano de 2014, e a entregar aquele valor anual até efetiva entrega dos imóveis.

Citados os Réus de forma válida e regular, contestaram e deduziram reconvenção, nos seguintes termos:

Que a doação efetuada aos autores foi efetuada sob condição, que os AA. não cumpriram.

Defendem que o contrato de arrendamento rural não caducou com o falecimento do senhorio/usufrutuário, e que o prédio urbano que manifestaram é distinto dos prédios doados aos autores, só não tendo sido participado às Finanças como destinado à habitação do doador, a fim de não pagar impostos e projecto de obras e licença de habitabilidade, não funcionando, por isso, como barracão de apoio ao cultivo, mas para habitação do doador, servida de luz, água e com número de polícia e encontrando-se delimitado da parte rústica, por uma linha/bardo de videiras com oliveiras em bordadura.

Invocam ainda o direito de retenção, pelas despesas em que incorreram para o cultivo dos prédios e o direito a colher os frutos que semearam/cultivaram nos prédios objecto do contrato de arrendamento ou, assim não sendo, a ser indemnizados pelos respectivos valores e despesas de cultura e produção

Com estes fundamentos concluem pela improcedência da ação.

Em reconvenção, e caso seja proferida decisão que ordene a entregar dos prédios aos AA., pedem a condenação dos AA.:

a) A restituírem aos RR. as rendas pagas, e que não eram devidas;

b) A reconhecerem e a absterem-se de impedir de qualquer modo ou meio os RR. a colherem os frutos naturais ou civis, ou ao pagamento das despesas de cultivo e produção anuais de pelo menos € 1.500,00, referente ao ano de entrega dos imóveis, sem prejuízo das que se vierem a liquidar em liquidação e execução de sentença

c) A reconhecerem que a entrega dos imóveis rústicos não pode ter lugar antes do termo do ano agrícola posterior à sentença;

d) A pagarem aos RR. a quantia de € 1.024,61, referente ao pagamento de impostos/taxas pagos na AT – Serviço de Finanças e aos emolumentos pagos da Conservatória do Registo Predial de S... , por referência ao prédio urbano identificado no art. 20º da contestação, por causa do processo de imposto de selo, IMI, habilitação de herdeiros e registo predial;

e) A pagarem aos RR. danos morais de € 500,00 para cada um;

f) A pagarem aos RR. juros de mora à taxa legal em vigor sobre as quantias a que forem condenados, desde a citação até integral pagamento;

g) A reconhecerem que os RR. têm direito de retenção sobre os imóveis rústicos e urbano até serem pagos pelos AA. dos valores que lhes sejam devidos.

Subsidiariamente,

2.

a) A serem deferidos os pedidos de 1.a) a d), com fundamento em abuso de direito;

b) Mantendo-se os demais pedidos em 1.e) a g).

Responderam os AA., reiterando o alegado na petição inicial, e impugnando a factualidade alegada na reconvenção.

Concluem pedindo que se declare improcedente, por não provado, o pedido reconvencional formulado.

Findos os articulados e depois da prolação de despacho ao respectivo convite de aperfeiçoamento, foi proferido despacho, em que se admitiu a reconvenção deduzida; despacho saneador tabelar e se fixou o objecto do litígio e os temas de prova, sem reclamação.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, com recurso à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 340 a 350 v.º, na qual se seleccionou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, decide-se, na parcial procedência desta ação, condenar os réus:

a) A reconhecerem que os Autores são donos e legítimos proprietários dos prédios rústicos descritos no n.º 1 dos factos provados, acima, e que do prédio descrito sob a alínea a) faz parte a parcela participada como artigo 42º-P, urbano, e descrito na Conservatória do Registo Predial de S... com o n.º 2360;

b) Declara-se extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento rural celebrado entre o falecido usufrutuário de tais prédios e os réus, como arrendatários;

c) Condenam-se os réus a entregarem tais prédios aos autores (incluindo a parcela por si participada como prédio urbano autónomo);

d) Ordena-se o cancelamento da descrição do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de S... sob o art. 42º-P, e descrito na Conservatória do Registo Predial de S... com o n.º 2360.

e) Condenam-se os réus a pagarem aos autores a quantia de € 2.229,50 (dois mil, duzentos e vinte e nove euros, e cinquenta cêntimos) por ano agrícola, a partir de 1 de novembro de 2014, até efetiva entrega aos autores dos prédios descritos em a).

f) Na total improcedência da reconvenção, absolver os AA. dos pedidos contra eles formulados pelos RR..

*

Custas da ação por AA. e RR., na proporção de 1/5 para os AA. e 4/5 para os RR., e da reconvenção pelos RR..”.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os réus, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 463), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Os apelantes têm por erradamente julgados como provados os factos constantes em 6, 9, 10,11 a 19 e 24 e erradamente julgados como não provados os factos constantes em a) a g) da sentença judicial.

2. Com a p.i., foi junto pelos apelados a descrição predial de dois prédios rústicos, propriedade daqueles por doação do falecido E... , onde não consta quer na área quer da composição qualquer construção ou edificação, aliás e concretizando a área total é descoberta, e a existir qualquer edificação (seja qual for) sempre teriam uma parte de área coberta e área descoberta e a composição não menciona sequer qualquer construção, arrumos, palhal, palheiro, edifício ou casa e o mesmo se verifica na matriz do serviço de finanças da localização dos prédios, juntos à contestação.

3. O doc n.º3, doação, junto à p.i., a mesma foi outorgada por procurador dos donatários, de nome N... , o qual sabia da vontade do testador e o que foi aceite pelos donatários, porém, os apelados donatários não levaram o seu procurador aos autos como testemunha.

4. Na citada doação é explicito que o doador E... é residente no lugar de F... , todavia na escritura não se menciona qualquer construção urbana, sequer por declaração ou menção, que seja doada ou faça parte dos prédios rústicos doados e quanto a estes é especificada na escritura a sua composição, bem como se diz que o prédio rustico F... não é contiguo a qualquer outro de igual natureza (rustica) e a ser vontade do doador doar a construção onde residia, seja qual fosse a qualificação que lhe fosse dada (construção, edificação, casa, residência, lar, moradia, barraco, palhal, casa de arrumos, casa agrícola, palheiro), na doação devia constar tal menção, a fim de assim se manifestar a vontade do doador e os donatários a aceitarem.

5. Foi junto à p.i., o doc n.º7 e 8, certidão do chefe do serviço de finanças com a inscrição na matriz de prédio urbano e a descrição predial na conservatória do registo predial de S... o prédio urbano objecto dos autos e de tais documentos consta que o prédio é urbano (não misto ou rustico, ou que tenha sido autonomizado, desanexado ou destacado de outro), tem numero de policia (n.º34), tem área coberta e descoberta, o qual tem confinância a norte, sul e poente com rua publica e a nascente com um particular, a afetação do mesmo (habitação), área total, privativa e dependente, bem como ser o mesmo dotado de cozinha, rede de agua, eletricidade, de ruas pavimentadas e não ter área inferior às regulamentares (RGEU), tendo sido junto planta do edifício, planta de localização e planta de implantação do edifício.

6. O Doc. 9 junto à p.i., comprova que E... em 1986, data em que fixou residência no edifício em causa nos autos, para lhe condições para tanto realizou e requereu a autorização para fazer obras no que até então era arrumos, nomeadamente procedeu a reboco de paredes e arranjo de telhado, dado que para obras interiores a lei não impõe tais requisitos, sempre por referencia ao ano de 1986, onde a partir daí passou a habitar de forma permanente.

7. Foi junto à contestação requerimento de protecção jurídica de E... , nomeação de patrono da Ordem dos Advogados e vicissitude no processo de apoio judiciário, por morte daquele, em face da qual não foi intentada a acção judicial com vista a como era vontade de E... “anular a escritura pública”, que outorgara aos apelados.

8. Com a contestação e em requerimentos juntos a esta, que fazem parte integrante, estão as fotografias do imóvel urbano em questão: construção com paredes de cimento, com placa, telhado, dotada de chaminé, com janelas com persianas e gradadas, com duas portas exteriores e acesso direto para a via publica e mais se verifica que no espaço existe ainda uma outra construção em zinco em separado do edifício de cimento, tipo arrumos, palhal ou barraco.

9. Com a contestação está junto o saldo bancário na CGD titulado por E... , bem como consta do requerimento de protecção jurídica o extracto bancário.

10. Está junto com a contestação o imposto municipal sobre imoveis do ano de 2013 e a liquidação do imposto de selo, tendo a autoridade tributaria, avaliado o imóvel urbano como tendo o valor patrimonial de 5.870,00€.

11. Está junto planta de localização, do edifício e da sua implantação, com áreas e divisões, tendo a construção em causa nos autos cozinha, quarto, garagem e tanque e separado desta um anexo para arrumos.

12. Com a contestação está também junta a declaração de quitação com a aposição da assinatura digital do dedo do E... , tendo os apelantes, aquando a celebração do contrato de arrendamento rural pago a renda do ano de 2013 e 2014.

13. Com a resposta à contestação, foi junto documento com visualização do local, estando visível a separação entre o prédio Urbano e o prédio rustico, este delimitado em todas as suas extremas com oliveiras de bordadura (à borda, de vedação, ou seja, ao pé da extrema) e junto ao prédio urbano é também visível que há um bardo de vinha continuo, que delimita, não existindo nele abertura tal como é visível nos restantes barcos, os quais têm um caminho aberto a meio dos bardos ou valados de vinha quer vai entroncar ao pé da casa vizinha, e não há que está em discussão nos autos.

14. Com o requerimento via citius de 3.1.2015, referencia 18391215, está junto o depósito bancário de renda do ano de 2014, na CGD, que estava já paga por entrega directa ao senhorio aquando a celebração do contrato de arrendamento rural, porém em face da sua morte e porque já se previa que os apelados viessem alegar que tal quitação não era válida, por cautela os apelantes arrendatários depositaram no banco em nome dos actuais senhorios a renda, tendo pago duas vezes a renda do ano de 2014.

15. Está junta aos autos, com data de entrada na secretaria judicial em 9.2.2015, certidão da Autoridade Tributaria, com os dados da avaliação do prédio urbano, em causa nos autos, sendo conhecimento oficioso do tribunal que a autoridade tributária para efectuar a avaliação, nos termos da lei em vigor, nomeia perito, que se desloca ao local e confirma ou não o teor da participação da inscrição matricial com os seus elementos que determinam a aplicação de coeficientes de valorização ou desvalorização, fixando o valor patrimonial e após notificando os interessados para querendo reclamarem.

16. Está junto aos autos com data de entrada na secretaria judicial em 23.3.2014, relatório pericial, por perito único, nomeado pelo tribunal a quo, a fim de avaliar o valor venal dos prédios rústicos.

17. No que concerne ao prédio rustico F... , que o tribunal a quo julga como sendo constituído por uma construção ao decidir que o imóvel urbano em discussão faz parte integrante do prédio rustico F... , é de notar que o perito deslocou-se ao local e teve-o como ocupado e composto apenas com fruteiras, vinha e oliveiras em bordadura, jamais referindo o perito ou tendo como existente ou integrante do mesmo qualquer construção, edificação, barraco ou palheiro, casa de arrumos ou de habitação, o que era visível.

18. Da deslocação ao local e da feitura do relatório, o perito na sua observação e análise não teve o imóvel urbano em discussão nos autos como integrado no rustico e é da experiencia comum que se assim fosse o perito o teria integrado e qualificado qual o uso e estado e avaliava como componente do prédio rustico que visualizou.

19. Está também junto aos autos parecer técnico, quanto ao custo médio anual, de cultura e produção da vinha e olival dos prédios rústicos.

20. Estando especificado que para a cultura da vinha há o custo global de 1918,35€, concluindo a final o perito que prédio rústico F... tem um rendimento liquido anual estimado de 106,65€, porquanto quem o cultiva obtém anualmente cerca de 2.025€, mas para tal tem de gastar o valor de 1918,35€.

21. No que diz respeito ao mesmo prédio rústico, mas quanto à cultura do olival, o rendimento liquido anual estimado é de 280,00€, porquanto para obter o valor anual de rendimento bruto de 850,00€, os apelantes gastam anualmente 570,00€.

22. Quanto à prova testemunhal, a testemunha G... , é irmão do falecido E... e irmão dos apelados, com gravação de depoimento no ficheiro 20160418101006, ao tempo 02.56 a 3.04, 03.46 a 04.53, 06.22 a 06.50; 07.07 a 07.56; 21.40 a 22.50; 25.58; 28.05 a 28.25 (referindo-se ao imóvel urbano em casa nos autos) e ao tempo 28.40 a 20.10 diz que tinha convivência familiar sequer diária com o falecido doador e testador E... , também seu irmão, afirma que este passou a residir em separado da casa dos pais desde 1986 por causa de uma grave zanga familiar e construiu um imóvel onde passou a habitar e dotou de quarto, agua, luz, telefone e lareira e que nunca entrou neste “acrescento” ou “aumento” construído pelo irmão e ainda refere a existência de um barraco de zinco para guarda de lenha, distinto do imóvel edificado pelo falecido irmão para habitação.

23. A testemunha H... , com gravação de depoimento no ficheiro 20160418105904, ao tempo 05.30 a 05.37; 7.20 a 7.33 não tem conhecimento directo acerca do imóvel habitado pelo testador até porque como afirma nunca lá entrou, referindo ser uma construção que existe há 32 anos, edificada pelo falecido E... .

24. A Testemunha F... , ao ficheiro 20160418104318, depôs ao tempo 07.00 a 07.20 e disse que nunca entrou na casa habitada pelo falecido, desconhecendo até que compartimentos tinha.

25. A testemunha I... , com gravação no ficheiro 20160418121026, ao empo 01.53 a 02.08; 03.28 a 3.48; 03.54 a 04.00; 04.03 a 04.44; 04.44 a 04.59; 05.17 a 5.27; 05.27 a 05.50; 05.50 a 6.22; 06.32 a 06.55; 07.03 a 7.36; o tempo 07: 48; 08.08 a 08.23;12.49 a 13.24 conhecia o falecido doador e testador, bem como a casa onde habitava, descrevendo-a no seu interior com recheio e exterior, relevando conhecimento directo, bem como distinguiu a casa, o barraco de zinco, o local da horta e delimitou o prédio rustico, referindo a extrema estar definita por oliveiras em bordadura e com um bardo de vinha, bem como referiu que o falecido doou aos apelados dois terrenos rústicos, mas não a sua casa de habitação.

26. A testemunha J... , com depoimento no ficheiro 20160418113242, que depôs apenas aos factos como testemunha no acto notarial de testamento do falecido E... e ao tempo 02.16 a 02.50 declarou que tinha a casa e dinheiro e que pretendia deixar aos apelantes.

27. A testemunha L... tem depoimento gravado no ficheiro 20160418144429, ao tempo 02.56 a 04.14:; 04.45 a 06.00; 06.39 a 06.43; 07 a 07.11; 07.20 a 09.24 e 09.24 a 13.43 e declarou que privou com o falecido E... , conhecendo a casa onde habitava que descreveu e também fez trabalhos agrícolas no prédio F... , o rustico, de poda da vinha. Tem tais prédios como distintos, descreveu as extremas, entradas distintas para ambos. A insistência do tribunal a quo, sempre manteve que a casa tem uma entrada e o prédio da vinha tem outra, não com porta ou portão, mas uma passagem

28. É da experiencia comum, mormente no Douro, que os prédios rústicos são acedidos por caminhos a maioria sem porta ou portão, mas mesmo que assim não fosse é errada a conclusão do tribunal a quo ao considerar a inexistência de passagem distintas e para assim integrar a casa de habitação do falecido num prédio rústico, pois que mesmo que existisse apenas uma passagem para o predito rustico com vinha ao pé da casa ou fosse a mesma para ambos os prédios, tal só poderia significar quiçá uma servidão de passagem (que não foi sequer alegada ou provada pelos apelados), mas jamais pode serviu para que um prédio urbano seja integrado no prédio rústico, que reiterou a testemunha está delimitado por oliveiras e um bardo de vinha.

29. Nos termos do art. 640 do CPC, o ponto 6 foi julgado erradamente provado, porque resulta da prova testemunhal e documental junta autos que o testador E... à data do testamento era proprietário e possuidor de um prédio urbano, do seu recheio (moveis, arca frigorificas, frigorifico, mesa, etc), de um cavalo/macho e de dinheiro, com conta aberta na CGD;

30. O Ponto 9 foi julgado erradamente como provado, mas não há prova testemunhal, documental e pericial de que resulte que o imóvel urbano, construído e destinado pelo E... a habitação faz parte do prédio rustico denominado F... , aliás a prova é no sentido de prédios de natureza, destino, fim e uso diferente (um rústico, outro urbano de habitação), alias com extremas distintas com bardos e oliveiras de bordadura, sendo o imóvel urbano confinante com a rua publica e construído pelo falecido para sua habitação e onde efetivamente residia de forma permanente e habitual.

31. Alias, ao assim o julgar o tribunal a quo, dá azo a uma ilegalidade, pois jamais pode retirar a realidade e natureza a um edifício, que é à face da lei e dos serviços públicos dotados de fé publica (conservatória de registo predial, autoridade tributária e câmara municipal) um urbano, transformando um edifício destinado a habitação em um rústico!

32. O Ponto 10 dos factos foi dado erradamente como provado, porém não foi provado que o imóvel (urbano) em causa nos autos se afectou à exploração de dois prédios rústicos onde se integrava, que o imóvel construído pelo falecido e conservado por este tivesse a área de 28,7 m2, inexistindo mesmo prova que fixe tal área para arrumos e que não tivesse logradouro.

33. Existe prova documental (planta, fotos, avaliação fiscal da autoridade tributária) de que o imóvel era antes de habitação, com número de polícia, quarto, cozinha, loja/garagem, com electricidade, agua, gás, telefone e um logradouro onde está implantado um barraco de zinco para arrumos e onde fazia o falecido a horta.

34. O Ponto 11, foi julgado erradamente provado, pois que o falecido residia no imóvel desde 1986, construiu-o, fez obras e dotou-o de capacidade habitacional com electricidade, gás, agua, telefone, caixa de correio, sita ao pé de ruas pavimentadas, lareira, mobiliário.

35.

36. O ponto 11 julgado provado pelo tribunal a quo está em contradição com o ponto 23 dos factos julgados provados.

37. O Ponto 12, foi julgado erradamente provado, porque é manifestamente falso que o doador aquando a doação deixou bem expresso que a doação integrava aqueles “arrumos”, alias nenhuma testemunha esteve presente no acto da doação e os apelados não trouxeram aos autos como testemunha o procurador que por eles outorgaram tal doação, na doação não foi mencionado qualquer arrumo, barraco, palheiro, casa, construção, encontrando-se antes descrita a composição dos mesmos.

38. Não há prova nem foi alegado sequer, que “o doador deixou bem expresso que a doação integrava aqueles arrumos”, não foi alegado ou provado que essa era a vontade do doador, nem que os donatários tenham aceite tal, aliás tal deveria no mínimo constar na doação na composição dos prédios, ou em menção ou em alteração posterior à doação.

39. O Ponto 13, foi julgado erradamente provado que os réus utilizem ou usaram o imóvel em causa nos autos como arrumos desde a data de celebração do contrato de arrendamento, alias nenhuma prova foi feita neste sentido, sequer testemunhal e tal era inconcebível pois o E... era vivo e aí morava.

40. Ninguém declarou que os réus tenham usado o imóvel em questão em vida do E... ou que nele tenham depositado seja o que fosse, ou que em vida do citado proprietário tenham tido sequer acesso ou as chaves do mesmo, nem deste nem do barraco de zinco.

41. Os Pontos 14 a 19 dos factos julgados provados, e assim não o deveriam ser por não existe qualquer prova documental, pericial ou testemunhal que concretizem nos termos em que os fez o tribunal a quo tais valores ou produção, aliás em tal, a sentença parece de nulidade porquanto o tribunal a quo não menciona o fundamento probatório de tais factos – ex vi art. 607, n.º4 do CPC

42. Foi erradamente julgado não provado o facto constante na Al. a) da sentença, pois com prova documental, está comprovado o deposito a favor dos apelados da renda, em conformidade com a comunicação mencionada em 22 dos factos julgados provados.

43. Os apelantes pagaram duas vezes a renda do ano de 2014, aquando a outorga do contrato de arrendamento ao senhorio e em dinheiro, conforme declaração de quitação que apos a assinatura, e apos a sua morte porque já prevendo que os apelados iriam aceitar a referente ao ano de 2013 mas não a de 2014, os apelantes depositaram novamente o valor da renda no banco.

44. O facto julgado em Al. b) da sentença deve ser julgado provado, por prova testemunhal e documental (fotos e extratos da conta do falecido na GGD), pois além dos prédios rústicos doados tinha a construção de habitação, o seu recheio, um barraco de arrumos de zinco, um cavalo e dinheiro.

45. Foi junto com a p.i., autorização da câmara municipal para o falecido fazer obras e reparações numa edificação, a qual já há data não estava participada na matriz, aliás sendo da experiencia comum por referencia aos anos de1980 que era usual não participar construções a fim de omitindo-as fiscalmente, não chegar do fisco a contribuição autárquica.

46. É notório e do conhecimento oficioso do tribunal que a lei, os usos e a fiscalização existente em 1980 é diferente da factual.

47. O facto constante da Al. c) devia ser dado provado, porque resulta da prova testemunhal e documental (fotos, planta e matriz) que a casa do falecido tinha uma divisão que servia de garagem, a que as testemunhas chamam loja, sendo visível até nos documentos existentes nos autos a porta exterior e foi declarado pelas testemunhas que conheciam e entraram na casa de habitação por um acesso interior, sendo como declaram “pegadas”.

48. O facto constante da Al d) da sentença, foi provado por prova testemunhal e documental (fotos e planta) que no espaço junto à casa onde habitava o falecido há um espaço onde tem um barraco de zinco, que umas dizem ter tido lenha e outros animais, sendo também aí que o mesmo tinha e cultivava a horta, sendo que o logradouro corresponde a tal espaço ou quintal, que afirmaram reiteradamente.

49. Quanto à Al. e) na sentença, existe prova testemunhal, pericial, por fotografia e representação em planta, junta até pelos apelados, que existe divisão entre o prédio urbano e o rústico, com oliveiras em bordadura (até mencionadas pelo perito, o qual não integrou aquando a avaliação dos prédios rústicos a casa do falecido ou sequer o barraco de zinco no prédio rustico F... ) e um bardo de videiras, este mencionado pelas testemunhas e visível no documento junto com o articulado resposta.

50. O facto constante na Al. f) da sentença foi provado por parecer técnico onde está descriminado os custos de produção, cultura e cultivo dos prédios rústicos, estando aí descriminado os trabalhos e rendimento liquido e bruto, sendo das regras da experiência comum que o cultivo e produção de frutos gera para o efeito custos, gastos e encargos.

51. Do parecer técnico resulta que para o cultivo dos prédios rústicos, anualmente, os réus gastam 2488,35€ (valor superior previsto ao dos réus, porquanto estes são pessoas de parcos conhecimentos e que se dedicam à agricultura para consumo e sustento familiar, sendo da experiencia comum não terem conhecimento técnicos que lhe permitam determinar com rigor o que voa gastando anualmente para o efeito, até porque a maior parte da mão de obra é dos próprios, à exceição de trabalhos mais específicos).

52. Quanto ao facto alegado em Al.g) da sentença, é da experiencia comum e da normalidade da vida que como réus, a quem os apelados pretendem deixar sem o que o falecido testador lhes deu, sem colheita de frutos, sem serem indemnizados pelas despesas e ainda lhes é peticionado um valor indemnizatório avultado por terem conservado e feito frutificar o património rustico dos apelados, andem tristes e chateados, por tal ser do homem médio, devendo ser julgado provado.

53. Nos termos e para os efeitos, em face do exposto, o tribunal a quo violou o disposto no art. 607. N.º5 e no art. 615, n.º1 al. b) do CPC, com nulidade da sentença, mormente ao julgar como provados factos para cuja prova a lei exija formalidade (“a vontade expressa do doador”) e omitiu factos provados por documentos.

54. No que à doação, doc. N.º3 junto à p.i., concerne e ao regime legal da mesma, não poderia o tribunal a quo dar como provado que no espirito do doador, este tenha disposto da casa onde habitava a favor dos donatários.

55. o “animus donandi”, isto é, a intenção directa e objectiva do doador em transmitir , o edifício em causa nos autos a favor dos donatários – sendo que tal não é sequer mencionado, sequer por declaração na doação ou até em alteração à doação.

56. Antes de falecer, o doador peticionou junto do ISS e da Ordem dos Advogados a nomeação de patrono para intentar ação judicial contra os donatários, fazendo constar de tal requerimento (junto aos autos) o fim de tal pedido, ação que não veio a ser intentada por o doador ter falecido.

57. Sendo que no caso concreto, o doador jamais deu, entregou ou reservou em usufruto sequer o uso da casa onde habitava, imóvel que manteve como seu património em plenitude.

58. Não se deu como provado o animus donandi do doador quanto aos donatários no que concerne à construção/edifício onde habitava E... e nem tal alegada doação, aos donatários, sempre no que concerne à construção de habitação foi por estes aceites, como o impõe o art. 969, n.º1 do código civil.

59. Acresce que, também ao abrigo do disposto no art. 945 e 947 do C.C E ART. 174, n.º2 do CN (código do notariado), a doação do imóvel urbano em litígio nos autos, teria que ser aceite pelos donatários em vida do doador, E... , e tal não sucedeu, nem foi alegado ou provado.

60. Ademais nunca existiu como impõe a doação uma translação imediata ou a transmissão imediata do direito de propriedade do doador para os donatários e a pretender o doador dar tal construção aos apelados, e tal mais se imponha porque era onde habitava e era por isso o património de maior valor e utilidade para E... , então teria também reservado o usufruto (art. 958 do CC), pois se o fez quanto aos imoveis rústicos doados, mais se imponha, dada a conduta do mesmo, que o fizesse se tivesse também doado o imóvel urbano (a construção onde habitava).

61. O doador dos apelados ou o testador dos apelantes, E... , era um homem como consta da escritura de doação e do testamento nascido a 28.3.1929, sem ascendentes e descendentes, solteiro.

62. Há data da morte tinha na sua propriedade a construção em litígio nos autos, o recheio da mesma (onde habitava), um cavalo e dinheiro no banco, conforme o provam os documentos supra referidos e existentes nos autos e os depoimentos das testemunhas.

63. Por testamento, em face de não ter herdeiros legitimários, podia dispor dos seus bens para depois da morte, sem as litações decorrentes da existência de sucessão legitimária, art. 2179 do CC.

64. Se o testador, à data do testamento, não tivesse bens, atenta a idade do mesmo não iria pagar emolumentos notariais a celebrar um testamento, se nada tivesse.

65. Resulta das regras do código do notariado que nos testamentos públicos, que é o caso, não é necessária a menção de descrição e inscrição de prédios ou a sua omissão, na conservatória do registo predial ou nas finanças- art. 61 do CN.

66. Tratando-se de um testamento público cujo testador não tinha herdeiros legitimários não tem o mesmo que descriminar bens, podendo dispor livremente do património como universalidade, entendendo-se ser errado o julgamento do tribunal a quo quanto à apreciação do escrito no testamento, porquanto é a fórmula comum nos casos em que o testador não ter ascendentes nem descendentes e instituindo universais herdeiros a formula que dispor de todos os bens que venham a constituir a sua herança a favor daqueles.

67. Tal fórmula não significa que á data do testamento o testador não tivesse património, tal como erradamente julga o tribunal a quo, e tal interpretação viola o próprio sentido da figura jurídica do testamento, isto porque, quer tivesse bens ou não, o testamento só vale para o futuro e releva no caso concreto que o testador sempre assegurou a propriedade da construção onde residia até que morresse, a fim de ninguém poder mandar no seu lar ou no uso ou conservação que lhe dava.

68. O TERMO do ano agrícola num contrato de arrendamento rural agrícola pode não coincidir com o termo do contrato ou com o ano agrícola, pois conforme determinação em despacho do Ministro da agricultura e pescas de 4/6/1979, a fixação da data de início e termo do ano agrícola deverá ser feito de acordo com os usos locais, as regiões e as culturas.

69. O tribunal a quo não deveria condenar os apelantes a entregar os prédios rústicos aos apelados sem que aqueles tenham efetuado as colheitas, sob pena de abuso de direito e enriquecimento injusto dos apelados a custa daqueles, que foram quem cultivaram a fizeram despesas durante todo o ano agrícola com vista à colheira de azeitona e uvas.

70. Não é ilícito que sejam os apelantes a cultivar, a agricultar, a fazer despesas de cultura e cultivo e vão os apelados colher o que os outros despenderam em trabalho físico e em património próprio, ficando os apelantes sem direito a serem indemnizados das despesas e benfeitorias e sem as colheitas.

71. Alias a decisão em crise, além de impor a entrega imediata dos prédios rústicos, não atribuiu aos apelantes o direito de efetuar a colheita, não são indemnizados pelas despesas de cultura e cultivo e ainda têm que indemnizar os apelados, os quais ficam com as colheitas sem terem gasto um único cêntimo de despesa de cultura e cultivo.

72. Os apelantes discordam da fixação do termo do ano agrícola do tribunal a quo, porquanto as culturas principais dos prédios rústicos arrendados são a vinha e olival, sendo facto do conhecimento notório, que a vindima é feita nos meses de setembro e outubro e a colheita de azeitona nos meses de novembro a janeiro, dependendo da qualidade e variedade da cultura.

73. Assim interpretou mal, o tribunal a quo, o disposto no art. 38 do decreto-lei n.º 294/2009 de 13/10 e o disposto no art. . 212, 215, 1270 e 1273 do CC, ao aplicar a definição de ano agrícola do art. 4.º do decreto-lei n.º 294/2009 de 13/10, ademais a aplicar-se tal interpretação tal viola o espirito do legislador e tratando-se a vinha e olival de colheita sazonal, implicaria que o arrendatário não poderia colher os frutos.

74. As despesas realizadas com o objetivo de evitar perda, destruição ou deterioração do prédio rustico e a salvaguardas das suas características produtivas fundamentais, são nos termos do art. 5.º al. J) do RAR benfeitorias necessárias, sendo que os prédios rústicos dão fruto por causa do trabalho, cuidado, zelo e despesas realizadas pelos apelantes, o que o tribunal a quo omitiu.

75. Foi dado como provado em 25 dos factos, na sentença, os trabalhos e despesas feitas pelos apelantes, ao longo do ano, e mais se julgou provado que a colheita dos frutos varia de época do ano consoante os frutos em causa, o que é contraditório com a decisão do tribunal a quo em matéria de direito.

76. No caso concreto, a renda deveria ser paga “até dia 31 de dezembro de cada ano contratual”, o contrato em causa teve inicio na data de 24 de maio de 2013, nele estando especificamente estipulado na clausula 7.º que o arrendatário pode efeituar benfeitorias uteis e necessários e aquando a cessação do contrato terá direito a ser indemnizado pelas mesmas, bem como poderá fazer suas as benfeitoras levantáveis caso o pretenda, omitindo o tribunal o expressamente estipulado.

77. Além disso, a comunicação que o tribunal a quo julgou provada em 21 dos factos, datada de 4.3.2014, imponha aos apelantes a entrega no prazo de oito dias, desconsiderando a colheita de frutos ou a indemnização por benfeitorias, despesas de cultura, cultivo ou produção.

78. Os apelantes em face do exposto têm como lícito o direito a colherem os frutos ou a serem indemnizados, o que lhes é negado pelos apelados em tal comunicação, aliás conforme documento mencionado em 21 dos factos provados e os apelantes haviam na data de 21.2.2014, comunicado a manutenção do arrendamento e o pagamento da renda – julgado provado em 22 dos factos provados.

79. Os apelantes ao abrigo do disposto no art. 20 n.º1 do RAR tem que a morte do senhorio não extingue o contrato de arrendamento rural, mas a assim não se julgar sempre teriam direito à colheita de frutos ou à dita indemnização, o que os apelados não aceitam, havendo abuso de direito dos mesmos por via do malogrado falecimento de E... e pretendendo enriquecer injustamente à custa do património dos apelantes, os quais pagaram a renda, fizeram benfeitorias e despesas e se vêm agora sem a restituição do valor das rendas, sem direito a colher os frutos e ser direito a ser indemnizados, e ainda condenados a indemnizar os apelados por terem cuidado e feito frutificar as culturas, ficando assim estes com rendas depositadas, frutos a colher, não pagando as despesas de cultura, cultivo e produção e as benfeitorias, colhendo os frutos e ainda recebendo indemnização correspondente ao rendimento bruto anual dos prédios rústicos, sem um cêntimo terem gasto para tanto!

80. Os apelantes têm direito à colheita dos frutos.

81. A não terem os apelados direito à colheita de frutos têm pelo menos direito a ser indemnizados das despesas de cultura, cultivo e produção e às benfeitorias necessárias – estando descritas no parecer técnico os trabalhos e despesas e sendo das regras da experiencia comum, que os prédios rústicos não produzem uvas e azeitona se não forem agricultados.

82. A considerar o tribunal a quo a extinção do contrato de arrendamento rural, não podem fazer os apelados seu o valor depositado das rendas a partir da data fixada pelo douto tribunal.

83. Senhorio e arrendatário vincularam o contrato celebrado, ao regime especial do arrendamento rural, sendo que pode arrendar-se em conjunto uma parte rustica e uma parte urbana, mas tal não retira a individualidade e natureza real dos imoveis, como erradamente interpretou o tribunal a quo.

84. O tribunal a quo fez errada interpretação da lei e do estipulado pelas partes, aliás no contrato está especificado quais os concretos prédios que são objecto do mesmo; o que compõe esses prédios e na cláusula dois refere-se a Águas, contrações destinadas a habitação e arrumo de animais, sem especificar em concreto, sendo antes uma cláusula usual, pois que não há aguas nos prédios em causa, nem animais ou arrumos para os mesmos e quanto a “construções” destinadas a habitação, jamais se mencionou o prédio urbano residência do senhorio, nem se diz a quem se destinava a habitação, não devendo o tribunal a quo declarar o que foi não foi dito, nem escrito, nem provado.

85. Nos termos do art. 20 do RAR, os apelantes tiveram o contrato de arrendamento como não extinto em face da morte do senhorio e em face da comunicação constante em 22 dos factos julgados provados comunicaram aos apelados a manutenção do arrendamento.

86. Pelo que em face, da litigiosidade da questão, por causa da extinção ou não do contrato de arrendamento, deveria o processo seguir o regime especial do disposto no art. 32 a 35 do RAR, o que constitui nulidade invocada pelos apelantes ab initio na contestação, vindo o tribunal a quo na sentença a omitir tal exceção, o que implicava a absolvição da instância dos apelados, processo especial.

87. A sentença é nula nos termos do art. 615, n.º1 al. b) do CPC, porquanto quanto aos factos julgados provados em 6, 9, 10, 11, 12, 13 a 19 e al a) a g) da sentença, o tribunal a quo não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

88. A sentença é nula ao abrigo do disposto no art. 615, n.º1 al. c) do CPC, estando os fundamentos em oposição com a decisão, atento os factos provados em 3, 7, 21, 22, 23, 24 a 26 e a decisão final propriamente dita em a), d) e f) na condenação.

89. A sentença é nula porque o tribunal a quo não se pronunciou sobre a excepção de nulidade do processo que deveria seguir o regime especial do disposto no art. 32 a 35 do RAR, e em concreto não se pronunciou sobre os pedidos da reconvenção,

90. A sentença é nula nos termos do art. 615, n.º1 al. e) do CPC, porquanto condenou os réus em quantidade superior ao pedido e também em objecto diverso, para tanto basta atentar no pedido feito pelos apelados em c) e f) mencionado ab initio na sentença, tendo o tribunal a quo condenado em valor superior ao peticionado de 2.000,00€ (ex vi al e) da condenação) e em objecto diverso, peticionando os réus que o prédio urbano fosse declarado integrante de dois prédios rústicos (os quais tem localização e nem sequer são confinantes) e o tribunal a quo veio em a) da condenação a integrar e a escolher o prédio em concreto, o que os apelados não fizeram e altera a natureza urbana da construção para rústica, alterando a realidade e natureza das coisas.

Requerem os apelantes a declaração de nulidade e/ou a revogação da sentença, assim se fazendo justiça!

Contra-alegando, os autores, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, defendendo que a prova produzida foi correctamente apreciada, não se devendo, por isso, alterar a matéria de facto tida por provada e não provada e aplicada a lei, em conformidade.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4 do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes dos itens 6.º, 9.º a 19.º e 24.º, dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados e os constantes das alíneas a) a g), da factualidade tida por não provada, que devem passar a considerar-se como provados;

B. Se existe contradição entre o que consta dos itens 11.º e 23.º dos factos provados;

C. Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s b), c), d) e e), do CPC;

D. Se os autos deveriam seguir o regime especial dos artigos 32.º a 35.º do Regime do Arrendamento Rural, o que constitui nulidade invocada pelos apelantes no início da sua contestação, com a consequente absolvição dos apelados da instância.

E. Se não se provou o animus donandi do doador relativamente aos donatários, no que se refere à construção/edifício onde habitava aquele, nem tal doação foi aceite pelos donatários;

F. Se a morte do senhorio não extingue o contrato de arrendamento rural;

G. Se não se podem condenar os apelantes a entregar os prédios rústicos aos apelados, sem que aqueles tenham efectuado as colheitas, sob pena de abuso do direito e enriquecimento injusto dos apelados à custa dos apelantes, que, assim, têm direito a colher os frutos ou a ser indemnizados;

H. A considerar-se a extinção do contrato de arrendamento rural, não podem os apelados fazer seu, o valor das rendas a partir da data fixada.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. Os AA. são proprietários dos seguintes prédios:

a) prédio rústico composto por terreno de centeio e vinha com oliveiras, sito no lugar das F... , descrito na Conservatória do Registo Predial de S... sob o n.º 721, aí registado a favor dos AA., inscrito na matriz sob o art. 1092º;

b) prédio rústico composto por terreno de pastagem com oliveiras, sobreiro e figueiras, sito no lugar das V ... , descrito na citada Conservatória sob o n.º 1722, aí registado a favor dos AA., e inscrito na matriz sob o art. 847º - 1º e 3º PI.

2. Estes imóveis vieram à propriedade dos AA. por escritura de doação outorgada a 19 de Setembro de 2001, onde o doador, E... , reservou para si o direito de usufruto – 2º PI.

3. No dia 24 de Maio de 2013, o doador dos AA., seu irmão e cunhada, celebrou com os RR. contrato de arrendamento rural tendo por objeto os imóveis referidos – 7º PI.

4. E... faleceu a 23 de Dezembro de 2013 na freguesia de Lordelo, concelho de Vila Real, sem descendentes ou ascendentes vivos – 8º PI.

5. Por testamento público lavrado a 28 de Maio de 2013, os aqui RR. foram instituídos por E... como seus únicos e universais herdeiros “dos bens que venham a constituir a sua herança” – 10º e 12º PI.

6. À data da outorga do testamento, E... não tinha qualquer património – al. a) temas de prova (doravante, TP).

7. Após o falecimento de E... , a 16 de Janeiro de 2014, os RR. participaram à matriz a existência de um prédio urbano, omisso, sito no lugar de cemitério, como tendo uma área de implantação de 87,50 m2, com mais de 60 anos, e com uma área total de terreno de 362 m2 – 15º a 17º PI.

8. Este prédio ficou registado na CRP de S... com o n.º 2360, e inscrito na respetiva matriz sob o art. 42º-P – 19º PI.

9. O prédio participado pelos RR. faz parte do prédio rústico denominado F... , doado aos AA. – al. b) TP; 20º PI.

10. Este imóvel eram uns pequenos arrumos afetos à exploração dos dois prédios rústicos onde se integrava, destinado à guarda de alfaias agrícolas e colheitas, com uma área de 28,7 m2 e sem qualquer logradouro, fazendo parte do prédio rústico inscrito sob o art. 1092º (atual art. 1523º) – al. c) TP; 21º PI.

11. Não possuindo condições mínimas para habitação, apesar de o doador ter vivido no mesmo – al. d) TP; 24º PI e 5º resposta.

12. Aquando da doação efetuada aos AA., o doador deixou bem expresso que a doação integrava aqueles arrumos – al. e) TP; 25º PI.

13. Os réus vêm possuindo os imóveis rústicos referidos, cultivando e colhendo os seus frutos, bem como utilizando o referido imóvel de arrumos, desde a celebração do contrato de arrendamento mencionado em 3. – 30º PI.

14. Uma vinha em plena produção pode produzir cerca de 7.500kg/ha (vinhos tintos e rosados), e a parcela de terreno em causa nos autos poderia produzir cerca de 5.775 kg por ano – 38º e 39º PI.

15. No ano de 2014, esta parcela obteve uma autorização de produção de 1024 litros de mosto generoso, letra D, que equivale a cerca de 2 pipas de vinho – 40º PI.

16. O rendimento seria de € 3.100,00 (venda de vinho generoso e consumo), e o custo de tratamento da vinha de € 1.270,50 – pelo que o lucro anual aproximado será de € 1.829,50 – 43º a 45º PI.

17. A parcela de terreno também tem oliveiras (cerca de 32 de médio/grande porte), estimando-se uma produção de cerca de 600 kg de azeitona, que renderiam cerca de 100 litros de azeite para consumo próprio – 47º PI.

18. O custo da apanha estima-se em € 200, e o rendimento obtido em cerca de € 300 (5€ o litro) – 49º PI.

19. O imóvel seria utilizado para arrumos das alfaias agrícolas, podendo estar arrendado, e efetuado o destaque de uma parcela para venda, em que o custo do m2 seria de € 40,00 – 50º e 51º PI.

20. O prédio denominado “V ... ” é composto por olival com cerca de 0,11 ha, estimando-se um rendimento anual com a produção e venda de azeite de € 100,00, já descontando as despesas – 52º PI.

21. Por carta remetida aos réus pelo Exmo. Mandatário dos AA., em sua representação, com data de 4 de Março de 2014, foi comunicado aos réus nomeadamente o seguinte: “… Sucede que, posteriormente, V. Exa. vieram participar à matriz um prédio urbano e, deste modo, a obter a inscrição de um prédio cuja existência tem mais de 20 anos e integrava-se nos prédios doados aos meus constituintes. Acresce que, o contrato de arrendamento celebrado e datado de 24 de Maio de 2013 caducou por falecimento do seu outorgante senhorio. … Venho solicitar que se dignem no prazo de 8 dias a contactar os serviços do meu escritório, informando a possibilidade de entregar os imóveis pacificamente…” – 37º PI, fls. 49-50.

22. Por carta datada de 21.2.2014, remetida sob registo simples, o réu comunicou aos AA. o seguinte: “Na qualidade de arrendatário dos prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia e concelho de S... sob o art. 1092 e 847, como é do vosso conhecimento, sou a informar que a renda referente ao ano de 2014 foi paga ao Sr. E... , porem face ao falecimento do mesmo e nos termos da lei por o contrato de arrendamento rural não caducar com a morte do senhorio, sendo minha intenção como arrendatário manter o arrendamento, pelo que venho solicitar que por escrito informem onde pretendem que passe a pagar a renda anual para os anos vindouros, sendo que nada me sendo transmitido procederei à consignação em depósito em instituição de crédito” – 11º cont.; fls. 97.

23. O falecido residiu no imóvel que os réus participaram à matriz, que muniu de cozinha e uma divisão destinada a quarto, esclarecendo-se que estas divisões existem num anexo ao arrumo construído pelo falecido com essa finalidade - al. g) TP; 16º cont.

24. O referido “acrescento” era servido de água e luz, tendo-lhe sido atribuído número de polícia – al. i) TP; 17º cont.; 6º resposta.

25. Os prédios rústicos estão cultivados por obra dos réus, que os amanham, fazendo despesas de cultivo e produção, atentas as culturas existentes: vinha, oliveiras e árvores de fruto, dispondo e contratando mão-de-obra, transporte, ferramentas e utensílios, bem como de combustível e dos produtos químicos necessários para o efeito, ao longo do ano agrícola, considerando que a colheita de frutos varia de época do ano consoante os frutos em causa – 23º cont.

26. Foram os réus que trataram junto da conservatória e do serviço de finanças do processo de imposto de selo, da habilitação de herdeiros, e da inscrição matricial e predial, tendo fasto em taxas e impostos o valor de € 1024,61 – 26º cont.

*

- Não se provou:

a) Os réus pagaram a renda relativa ao ano de 2014 – al. f) TP.

b) O falecido tinha outros bens e valores para além dos doados aos AA., mormente um prédio urbano com logradouro, de habitação que não deu a conhecer ao serviço de finanças a fim de não pagar impostos – 13º e 14º cont.

c) A casa do falecido tinha acesso interior para uma garagem, também com acesso exterior, garagem esta que faz parte da casa – al. g) TP; 16º cont.

d) O barraco/palhal em zinco pertence ao logradouro da casa – al. h) TP; 16º cont.

e) Existe uma linha/bardo de videiras com oliveiras em bordadura que delimita o prédio urbano do prédio rústico – al. j) TP; 18º cont.

f) Anualmente, os réus gastam para cultivo e produção nos prédios rústicos, na poda/limpa, apanha das vides, deita de herbicida, enxofre e sulfato, ampara/enrola/destampa da vinha com junco, vindima e apanha de azeitona, a quantia de € 1.500,00 – al. k) TP; 25º cont.

g) Em virtude da presente ação, os réus andam tristes, nervosos e chateados – al. l) TP; 27º cont.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes dos itens 6.º, 9.º a 19.º e 24.º, dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados e os constantes das alíneas a) a g), da factualidade tida por não provada, que devem passar a considerar-se como provados;

Alegam os réus que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados e não provados os factos em referência, como o fez, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como provados e não provados, em consonância com o que alegam, estribando-se, para tal, nos documentos que juntaram com a contestação, designadamente, nas descrições prediais (matriciais e do registo predial) dos prédios em referência; do teor da escritura de doação; do requerimento para a realização de obras, no que consideram ser o prédio urbano, junto a fl.s 43 e 44; requerimento de protecção jurídica com vista a intentar acção para “anular a escritura”; fotografias do imóvel em causa; pagamento de IMI; planta de localização do edifício; declaração de quitação de fl.s 112; comprovativo bancário do pagamento da renda do ano de 2014, de fl.s 172; certidão da AT, de fl.s 174 e 175; Relatório Pericial de fl.s 240 e seg.s e nos depoimentos das testemunhas G... , H... , F... , I... , J... e L... .

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do nCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes dos itens 6.º, 9.º a 19.º e 24.º, dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados e os constantes das alíneas a) a g), da factualidade tida por não provada, que devem passar a considerar-se como provados;

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“6. À data da outorga do testamento, E... não tinha qualquer património – al. a) temas de prova (doravante, TP).

9. O prédio participado pelos RR. faz parte do prédio rústico denominado F... , doado aos AA. – al. b) TP; 20º PI.

10. Este imóvel eram uns pequenos arrumos afetos à exploração dos dois prédios rústicos onde se integrava, destinado à guarda de alfaias agrícolas e colheitas, com uma área de 28,7 m2 e sem qualquer logradouro, fazendo parte do prédio rústico inscrito sob o art. 1092º (atual art. 1523º) – al. c) TP; 21º PI.

11. Não possuindo condições mínimas para habitação, apesar de o doador ter vivido no mesmo – al. d) TP; 24º PI e 5º resposta.

12. Aquando da doação efetuada aos AA., o doador deixou bem expresso que a doação integrava aqueles arrumos – al. e) TP; 25º PI.

13. Os réus vêm possuindo os imóveis rústicos referidos, cultivando e colhendo os seus frutos, bem como utilizando o referido imóvel de arrumos, desde a celebração do contrato de arrendamento mencionado em 3. – 30º PI.

14. Uma vinha em plena produção pode produzir cerca de 7.500kg/ha (vinhos tintos e rosados), e a parcela de terreno em causa nos autos poderia produzir cerca de 5.775 kg por ano – 38º e 39º PI.

15. No ano de 2014, esta parcela obteve uma autorização de produção de 1024 litros de mosto generoso, letra D, que equivale a cerca de 2 pipas de vinho – 40º PI.

16. O rendimento seria de € 3.100,00 (venda de vinho generoso e consumo), e o custo de tratamento da vinha de € 1.270,50 – pelo que o lucro anual aproximado será de € 1.829,50 – 43º a 45º PI.

17. A parcela de terreno também tem oliveiras (cerca de 32 de médio/grande porte), estimando-se uma produção de cerca de 600 kg de azeitona, que renderiam cerca de 100 litros de azeite para consumo próprio – 47º PI.

18. O custo da apanha estima-se em € 200, e o rendimento obtido em cerca de € 300 (5€ o litro) – 49º PI.

19. O imóvel seria utilizado para arrumos das alfaias agrícolas, podendo estar arrendado, e efetuado o destaque de uma parcela para venda, em que o custo do m2 seria de € 40,00 – 50º e 51º PI.

24. O referido “acrescento” era servido de água e luz, tendo-lhe sido atribuído número de polícia – al. i) TP; 17º cont.; 6º resposta.

*

- Não se provou:

a) Os réus pagaram a renda relativa ao ano de 2014 – al. f) TP.

b) O falecido tinha outros bens e valores para além dos doados aos AA., mormente um prédio urbano com logradouro, de habitação que não deu a conhecer ao serviço de finanças a fim de não pagar impostos – 13º e 14º cont.

c) A casa do falecido tinha acesso interior para uma garagem, também com acesso exterior, garagem esta que faz parte da casa – al. g) TP; 16º cont.

d) O barraco/palhal em zinco pertence ao logradouro da casa – al. h) TP; 16º cont.

e) Existe uma linha/bardo de videiras com oliveiras em bordadura que delimita o prédio urbano do prédio rústico – al. j) TP; 18º cont.

f) Anualmente, os réus gastam para cultivo e produção nos prédios rústicos, na poda/limpa, apanha das vides, deita de herbicida, enxofre e sulfato, ampara/enrola/destampa da vinha com junco, vindima e apanha de azeitona, a quantia de € 1.500,00 – al. k) TP; 25º cont.

g) Em virtude da presente ação, os réus andam tristes, nervosos e chateados – al. l) TP; 27º cont.”.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 344 a 347):

“Resulta a prova e não prova dos factos assim declarados da análise, ponderação e conjugação crítica dos seguintes meios de prova:

Para além da confissão das partes nos respetivos articulados, confrontaram-se dos documentos juntos aos autos com os depoimentos das testemunhas inquiridas, donde se extraiu claramente que o prédio manifestado pelos réus é parte do prédio rústico denominado “ F... ”, da seguinte forma:

- P... , irmão do autor e do falecido doador, que por isso sabe bem qual o património do falecido à data da sua morte: um prédio que havia adquirido ao sogro da testemunha ( F... ), e um outro doado pelos pais (V ... ). Mais esclareceu que o falecido viveu com os pais até 1983, data em que se zangaram e foi viver para as F... , onde havia um palheiro para ferramentas e um cavalo – palheira que mais tarde aumentou, aí colocando também água e luz. Para além desse barraco, que era a residência do falecido, foi construído um outro mais pequeno, em zinco, para colocação de lenhas. Confrontado com as fotografias juntas aos autos, confirmou que o prédio F... inclui a construção visível a fls. 131, 125-126, correspondendo ao que existe atualmente, encontrando-se o prédio murado, incluindo as duas construções que referiu (a inicialmente existente, ampliada pelo falecido, e o barraco de zinco), prolongando-se o muro pelo remanescente prédio, e sendo comum a única entrada existente para a parte do prédio onde existe nomeadamente vinha (havendo que passar pelas construções para aceder à vinha e às oliveiras). Demonstrou esta testemunha ter conhecimento direto dos factos sobre os quais se pronunciou, tendo deposto de forma objetiva e isenta, merecedora de inteira credibilidade – tendo o seu depoimento sido fundamental para apuramento da verdade.

- F... , reformado de 79 anos, proprietário do lagar de azeite, que se deslocava ao prédio do falecido para transportar a azeitona proveniente do prédio, e depois entregava o azeite, conhecendo por isso o local. Referiu que sempre conheceu o prédio com a casita de campo, como a apelidou, onde estava um cavalo e alfaias agrícolas, tendo o falecido mais tarde ido viver para ali, tendo mandado executar um aumento à construção existente. Que sempre conheceu uma única entrada ao prédio, com um portão junto ao caminho público, sendo o prédio todo murado. Sabe ainda que, para além deste prédio, o falecido tinha um outro, denominado V ... , não lhe conhecendo outro património, designadamente uma casa. Confrontado com as fotografias juntas aos autos, esclareceu o seu depoimento e explicou a localização de cada um dos elementos por si referidos nas mesmas, de forma objetiva e credível, demonstrando conhecer bem o local sobre que se pronunciou.

- H... , de 63 anos de idade, que tem um prédio vizinho do prédio do falecido em causa nos autos (“ F... ”) há 18 anos, adquirido a um seu primo, conhecendo o local há muitos anos. Referiu ter o falecido erigido a construção para o cavalo há 32 anos (altura em que nasceu uma filha da testemunha, recordando por essa razão a data), onde chegou a viver com o cavalo. Depois, construiu ao lado outro barraco, mais alto, onde passou a dormir, constando que não tinha condições – o que foi referido à testemunha designadamente pelo seu pai, pessoa que entrou várias vezes na construção em causa, uma vez que era amigo do falecido, bem como o facto de não ter casa de banho. Mais referiu que falava muitas vezes com o falecido, que várias vezes lhe disse que todo o prédio era para o irmão que estava na Alemanha – o aqui autor. Esclareceu nas fotografias juntas aos autos todos os elementos mencionados no seu depoimento, a fls. 131 (a construção que mencionou, o barraco de chapa para lenha), a fls. 125 (a horta do falecido, ou “logradouro”, na versão dos réus) e a fls. 149 (fotografia aérea, tendo a testemunha descrito com precisão o que é visível). Referiu que a entrada em todo o prédio (casa e vinha) era efetuada através de um único portão, situado em frente à sua propriedade.

Estes os testemunhos principais a que se atendeu, uma vez que provieram de pessoas com conhecimento próximo e, assim, qualificado da factualidade em causa nos autos (nomeadamente o facto de a construção a que se referiram ser parte integrante do prédio doado aos autores, de nome “ F... ”, ou constituir um prédio distinto do rústico).

Quanto à restante prova testemunhal, cabe referir o seguinte:

- M... , de 53 anos, agricultor, referiu ter feito uma poda para o réu, em prédio que este afirmava tratar a meias com o proprietário (o falecido E... ), pessoa que vivia na casa ao lado do prédio. Descreveu a composição do local (as duas construções, as oliveiras à volta, a horta e a vinha, que o réu lhe disse constituir um prédio distinto, sem que entre os mesmos existisse qualquer vedação, mas um muro ao longo da estrada).

- I... , de 57 anos, que trabalha para o réu na agricultura, em épocas sazonais, há 6/7 anos, declarou ter feito uma limpeza na casa do falecido após o seu decesso, referindo a existência de uma única entrada para a habitação e para a vinha, que estão separados por uma linha de oliveiras. Descreveu a composição da habitação do falecido, na parte acrescentada à edificação original, onde estava o cavalo, existindo uma porta de ligação entre ambos, o pequeno barraco de zinco e a horta. Mais declarou que o réu tinha a vinha arrendada (acabando por admitir ter do facto conhecimento por lhe ter sido referido pelo réu). Finalmente, esclareceu que os réus levaram o falecido para sua casa para viver com eles 2/3 anos antes da sua morte, onde este faleceu.

Face à relação de dependência que mantém com os réus, e sendo certo que estes lhe terão transmitido muitos dos factos por si declarados, conforme admitiu, não mereceu esta testemunha credibilidade, nomeadamente no tocante ao facto, que declarou, de lhe ter o falecido referido que “tinha feito ao irmão os terrenos, e que ainda tinha a casa”.

- O... , de 59 anos, cujo marido trabalha para os réus na apanha da azeitona e na poda, declarou ter-se deslocado uma vez ao local em questão nos autos, junto ao portão de entrada para a casa, referindo que o prédio estava vedado (incluindo a vinha).

- L... , de 59 anos, trabalhou 1 ou 2 dias por ano, entre 2000 e 2015, para o réu, declarou conhecer o local onde o falecido residiu, que descreveu. Mais referiu que existia uma entrada direta da rua para a vinha – tendo sido a única testemunha que referiu a existência de tal entrada. Ora, por contrária às declarações de todas as outras pessoas ouvidas em julgamento, que declararam que todo o local (casa, horta, olival e vinha) estava vedado, e tinha uma única entrada, não mereceu esta declaração qualquer credibilidade.

Quanto à testemunha J... :

(…)

No caso de que nos ocupamos, a Exa. testemunha Advogada, no seu depoimento, e após sucinta exposição dos limites do seu depoimento, tendo em conta as regras do segredo profissional, reportou-se apenas à outorga do testamento pelo falecido, no qual foi testemunha, descrevendo o diálogo mantido entre a Sra. Notária e o falecido. E, nesta parte, entendemos que o seu depoimento não viola os deveres consignados no preceito transcrito, tanto mais que não existia, naquela altura, qualquer litígio entre as partes.

Com este preciso limite, foi admitido o depoimento da testemunha – decisão que se mantém, por não contender com o segredo profissional a que os Srs. Advogados se encontram estatutariamente obrigados.

Sendo certo que o depoimento desta testemunha em nada relevou para a descoberta da verdade, não suscitando qualquer dúvida o teor do testamento outorgado pelo falecido.

Na realidade, do conteúdo do próprio testamento outorgado pelo falecido se extrai que este não tinha bens naquela data, porquanto se reporta o mesmo a “todos os bens que venham a constituir a sua herança” – donde se extrai que não havia bens naquela altura que compusessem a herança (fls. 29-30). Por outro lado, o testamento foi outorgado a 28.5.2013, o testador faleceu a 23.12.2013 (fls. 26-27), e o prédio urbano em causa nos autos foi manifestado pelos réus a 16.1.2014 (fls. 32 e ss.), ou seja, após o falecimento de E... .

Por outro lado, ponderou-se o teor do contrato de arrendamento de fls. 23-24, entre o falecido e os réus, datado de 24.5.2013, no qual existe a referência, na cláusula 2ª, às “construções destinadas a habitação e arrumo de animais”, donde resulta claramente que as construções manifestadas em 2014 pelos réus como prédio distinto eram, de facto, parte integrante do prédio rústico agora dos autores. Ademais, a fls. 43-44 dos autos encontra-se a licença de obras para uma casa de arrumos concedida ao falecido, correspondendo ao acrescento da construção pré-existente erigido (que depois constituiu a sua casa de habitação), e o seguro de acidentes de trabalho desta obra, a fls. 45-46, datando as mesmas de 1986 – a confirmar a veracidade do depoimento das duas testemunhas primeiramente referidas, e cujos depoimentos foram fundamentais para assentar a factualidade provada.

Depois, a declaração de quitação de fls. 112 respeita a dois anos, e a marca do dedo alegadamente do falecido encontra-se aposta com uma data posterior ao seu falecimento, razão pela qual se deu como não provado o facto a que tal documento se destinava a comprovar.

Toda a documentação junta aos autos foi cuidadosamente analisada e ponderada, tendo-se referido a mais relevante.

Da conjugação destes meios de prova, que no essencial foram coincidentes, se concluiu que as construções referidas fazem parte integrante do prédio doado aos autores denominado F... - não se tratando de um prédio distinto, conforme alegado na contestação/reconvenção, factualidade que, em consonância, se deu como não provada.

Não incidiu qualquer meio de prova sobre os restantes factos declarados como não provados.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pelos recorrentes, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supra mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvidos, na íntegra, todos os depoimentos prestados pelas testemunhas que depuseram acerca desta questão, resulta que as mesmas, de relevante, referiram o seguinte:

A testemunha G... , irmão do autor e cunhado da ré e, também, irmão do doador, tendo estado emigrado na Alemanha, de onde regressou em 1982, disse que o património do seu irmão C... era apenas constituído pela propriedade das F... e outra sita na V ... de Baixo, a 1.ª que comprou e aquela foi-lhe doada pelos pais.

Referiu que o irmão C... viveu com os pais até 1983, data em que teve uma zanga com o pai e foi viver para as F... , onde tinha um palheiro e “não tendo outra coisa para onde ir foi para ali, onde vivia junto com o cavalo”.

Mais disse que quando o irmão foi para lá viver “o palheiro não tinha divisões e mais tarde fez um pequeno aumento, um quartozito e uma lareira e mandou lá pôr água e luz, mas para mim continuou a ser um palheiro, que não tinha casa de banho nem nada. Continuou a ter lá o cavalo na parte maior, que não dividiu”, referindo que o “aumento” foi feito ao lado do palheiro.

Manifestou a opinião de que “a propriedade é só uma, que o palheiro era para arrumos e que não há mais nenhuma construção se não onde o irmão viveu e que o acesso ao barraco é o mesmo que ao rústico”.

Acrescentou que o prédio das F... “é todo murado, é vedado em toda a volta”.

Confrontado com a foto de fl.s 131, referiu que o “aumento” é a parte mais alta e relativamente à planta de fl.s 126, disse que há lá um barraco de zinco para guarda de lenha e que o “ C... (réu) não tem lá nada a não ser a propriedade do irmão”. Confrontado com a planta de fl.s 125, explicitou que o prédio do irmão “bate dos dois lados com o caminho/via pública”.

Referiu que nunca entrou no “aumento, mas vi aquilo a ser construído” e que se vê de fora, que só tem número de polícia, há cerca de 6 meses, o irmão é que lá pôs o telefone para contactar com o irmão C... .

Por F... , que reside perto do local onde se situa o prédio em questão e conhece as pessoas intervenientes na acção e conheceu o E... , foi dito que tinha um lagar de azeite de que o E... era cliente e foi a casa deste, várias vezes, buscar a azeitona e levar o azeite.

Referiu que o prédio do T ... ( F... ) tem “oliveiras, videiras e uma casita de campo”, onde o referido E... tinha o cavalo e alfaias agrícolas e mais tarde, com a desavença com o pai “foi viver para esse sítio, juntamente com o cavalo”.

Acrescentou que a casa tinha cerca de 40 m2 e era “um barraco de blocos e telhado de telhas, com ripas e caibros”. Tem água e luz.

Inicialmente “foi viver para o sítio onde tinha o cavalo e depois fez um aumento, mas a parte que já existia tem talvez o dobro”.

Referiu, ainda que “o barraco” é dentro do prédio e havia um portal à beira do caminho, “só havia uma entrada que era para o prédio e para a casa” e que o prédio era murado em toda a volta com um muro de xisto.

Disse que o E... só tinha aquele prédio e o das V ... e “entre a casa e o prédio não existe nenhuma vedação, é só terreno logo”.

H... , que conhece o local e as partes e também conheceu o E... , tendo um prédio perto do do E... (só separado por um caminho público), disse que o prédio das F... tem vinha e oliveiras a toda a volta e “uma casa para o cavalo feita há 32 anos”, por referência à idade da filha mais nova e que mais tarde, o E... , fez “outra ao lado, a pegar e depois dormia lá”.

Disse que ouviu o E... dizer que “isto aqui é para o meu irmão”, referindo-se ao que “estava na Alemanha” e que também “havia um barraco de chapa para meter a lenha”.

Confrontada com a planta de fl.s 125, disse que “se entra para o prédio por um portal, coisa única, que lá há e que entre a construção e a vinha não há vedação nenhuma”.

Visionando o doc. de fl.s 149 (foto aérea do local) identificou o prédio como sendo o que tem “o carreiro ao meio” (que ali é visível) e que o mesmo tem oliveiras “em bordadura” (o que, igualmente, ali se vê, que assim é) e que o mesmo era conhecido como sendo “o prédio do Sr. E... ”.

A testemunha J... , advogada, que estagiou com a Ex.ma Mandatária dos ora réus, referiu que estava presente quando foi feito o testamento aos réus e que “o Sr. E... queria desfazer o que tinha feito ao irmão e queria deixar tudo o que pudesse aos réus e que ele tinha a casa e o terreno”.

Mais disse que foi uma vez a casa do E... e que a mesma tinha “uma cozinha, um quarto e uma garagem e ao lado um barracão”.

Pela testemunha M... , que referiu ter feito a poda para o Sr. C... , algumas vezes, foi dito que o “ E... vivia lá e que tinha um macho num barraco junto à casa onde vivia”.

Havia uma horta perto da casa e para trás há terreno e uma carreira de oliveiras.

Disse, ainda, que “o proprietário dizia que eram dois prédios, dividido em duas partes, divididas pelas oliveiras. Vedação não havia”.

O prédio é murado em toda a volta e “a entrada para a casa e o prédio era a mesma”.

I... , que trabalha para os réus, sazonalmente, na agricultura, desde há 6/7 anos, conhece o terreno e as pessoas já referidas, disse que “a estrema da casa com o terreno é feita pelas oliveiras e só há uma entrada para o prédio”.

Referiu que entrou na casa do E... para fazer limpezas e que a mesma tem um quarto e uma cozinha, com móveis e electrodomésticos e uma lareira e que tem uma porta interior que dá ligação à parte onde tinha as alfaias e o animal e um barraco com telhado de zinco.

Disse, ainda, que o E... tinha a casa “e dizia que tinha feito ao irmão os terrenos”.

Confrontada com o doc. de fl.s 149, disse que “só há as oliveiras, não há muro”, referindo-se á divisão entre a casa e o resto do terreno.

Por O... , foi dito que o marido trabalha para os réus, na azeitona, na poda e a curar com herbicidas e que foi ao prédio do E... , uma vez, há 3/4 anos, buscar o marido, que andava lá a trabalhar e disse que o prédio é vedado e havia uma horta junto à casa.

Analisados estes depoimentos, apenas em parte, sufragamos a “leitura” que dos mesmos foi feita em 1.ª instância, aceitando os argumentos ali expendidos para justificar a demonstração da matéria em causa, que se resume à questão de saber se a casa existente no prédio das F... fazia parte do todo do prédio, globalmente considerado, ou era dele autónomo e a quantificação dos prejuízos sofridos pelos autores, em virtude de serem os réus que, desde que a data em que não procederam à entrega dos terrenos, na sequência da caducidade do contrato de arrendamento referido nos autos, requerida pelos ora autores, vêm fruindo e utilizando os prédios que dele são/eram objecto.

Iniciando a análise desta questão, no que a esta última problemática respeita e que consta dos itens 14.º a 19.º dos factos dados como provados, não pode a matéria de facto aí dada como demonstrada subsistir como tal, por nenhuma prova ter sido produzida ou carreada para os autos, que o demonstre.

Nenhuma das testemunhas ouvidas foi inquirida acerca de tais factos.

Não foi junto qualquer documento comprovativo, emitido pelo organismo que tutela as condições e normas para a produção de vinho do Porto, suas quantidades, qualidades, preços, condições de produção e atribuição de benefício e vinho de mesa com proveniência da região demarcada do Douro.

O mesmo se verifica em relação à alegada produção de azeite, ninguém tendo sido inquirido acerca das quantidades produzidas e preços, quer de venda, quer de custos de produção.

Saliente-se que o Relatório Pericial de fl.s 240 a 248, complementado com os esclarecimentos de fl.s 259 e 260, se destinou apenas e tão só, a avaliar o valor dos prédios reivindicados, para efeitos da fixação do valor da causa e nada mais, designadamente, quais os custos de produção das culturas ali feitas e lucros com a respectiva venda dos produtos neles obtidos.

De igual modo, ninguém foi inquirido acerca do eventual valor de arrendamento do imóvel referido no item 19.º, nem foi carreada para os autos qualquer prova que confirme o que aí consta.

Assim, a matéria constante dos itens 14.º a 19.º, passa a considerar-se como não provada, sendo os mesmos eliminados de tal factualidade.

Relativamente à questão da independência/autonomia da construção ali existente em relação ao prédio globalmente considerado, concordamos, no essencial, com a motivação e decisão efectuada em 1.ª instância.

Unanimemente foi referido que se tratava de “um barraco para arrumos” e onde o E... tinha o cavalo e para onde foi viver após a zanga com o pai e sem as condições mínimas para ali residir uma pessoa, mas enfim, as condições ideais são raras e cada um, dentro das suas possibilidades é livre de viver como gosta e/ou pode e o anterior proprietário, pelos vistos, não encarou como estorvo o facto de ali ter o cavalo e com ele, passou a dividir o mesmo espaço, até que, mais tarde, fez o tal “aumento”.

E este “aumento”, note-se, só passou a ser participado às Finanças, como sendo um prédio urbano, autónomo, depois da morte do E... (cf. item 7.º) e sem que se consiga perceber, por não constar dos autos, designadamente qual a razão para se indicar, para além da área de implantação da construção propriamente dita, uma área total de 362 m2, ou seja, qual o critério que fixou a área do designado como “logradouro”.

O próprio E... , quando, em 1986, requereu o pedido de licenciamento à respectiva Câmara Municipal para realizar obras, referiu que se tratava de “reboco de paredes e arranjo de telhado de uma casa de arrumos”.

Bem sabemos que, por vezes, nem tudo o que se pretende fazer numa obra consta do respectivo requerimento de licenciamento e, no caso dos autos, efectivamente, como o comprovam as fotografias da construção, a obra em causa não se limitou ao pedido formulado em tal requerimento, já que foi feito um acrescento à construção já anteriormente existente.

Mas, apesar disso, não se pode concluir que o E... – e é essa a intenção que conta – visse a construção que mandou fazer como sendo autónoma em relação ao restante do prédio em que se inseria.

Desde logo, cumpre recordar que a construção se situa dentro do prédio rústico em questão, havendo uma única entrada para o prédio, globalmente considerado, desde a rua pública até à parte rústica e/ou para a casa e inexistindo qualquer divisão física (muro, parede, sebe, vedação) entre a parte onde se situa a casa e a horta que lhe era contígua e o resto do prédio.

Tal é bem patente no doc. de fl.s 149, verificando-se que existem oliveiras em “bordadura” a toda a volta do prédio, bem como na zona onde acaba a vinha e a casa e espaço de horta referidos, desacompanhada de qualquer outro elemento que permita concluir que haja autonomia entre a parte do prédio onde se situa a vinha e a carreira das oliveiras e a parte onde se situa a casa. Trata-se de prédio de “um só dono”.

Estamos perante uma casa de arrumos e, por natureza, como tal, faz parte, está integrada, no prédio como um todo.

Como acima já se referiu foram os ora réus a fazer a participação às Finanças com o fito de autonomizar a construção e não o E... e já após a morte deste.

Se fosse o próprio E... a requerer tal autonomização, existia uma intenção do próprio em autonomizar a construção do resto do prédio, o que já não se pode concluir da citada atitude dos ora réus, para mais, quando já sabiam que existia a doação a favor dos autores, dado que eram conhecedores de que o E... , alegadamente, estaria arrependido de a ter feito e a queria dar sem efeito e que o mesmo tinha outorgado inventário a favor deles, réus, daí o interesse destes em autonomizar a construção do resto do prédio.

Relativamente ao património de que dispunha o E... resulta que o mesmo apenas tinha os dois mencionados prédios, incluindo-se a casa no das F... .

Assim, mantem-se como provada a factualidade em apreço (itens 6.º, 9.º a 11.º e 24.º - sendo consensual que tinha água, luz e número de polícia).

Não obstante, a existência destes elementos não transforma a construção em parte autónoma, sendo possível atribuir número de polícia e colocar água e luz mesmo que se trate de construção incluída num terreno rústico ou quinta.

Apenas no que respeita ao item 12.º, se tem o mesmo por não provado, dado que ninguém referiu, em termos plausíveis e convincentes qual a intenção do doador ( E... ), para além do que consta da escritura de doação.

Apenas a testemunha H... referiu que o ouvi dizer “isto aqui é para o meu irmão”, mas sem que dissesse (nem isso lhe foi perguntado) se se referia à casa ou ao terreno ou a ambos.

Pelo que, se tem como não provada a factualidade constante do item 12.º, mantendo-se como provada a demais ora em apreço (itens 6.º, 9.º a 11.º e 24.º).

No que concerne à pretendida alteração da matéria de facto dada como não provada, passando a mesma a provada, no que se refere às alíneas b) a e), pelas razões já acima expostas, entendemos que a construção não é autónoma, em relação ao prédio considerado na sua globalidade.

Quanto à alínea g), ninguém foi, quanto a isso, inquirido.

Relativamente à alínea f), apenas foi junto o “Parecer Técnico” de fl.s 319 a 321, sem que no mesmo se justifiquem os resultados nele quantificados e sem suporte quanto ao benefício atribuído (que apenas se refere ser a letra D, sem o comprovar) e quantidades e preços do vinho produzido.

Por último, quanto à alínea a), como se refere na decisão recorrida, a denominada “Declaração de quitação” de fl.s 112, refere-se aos anos de 2013 e 2014 e quanto a este ano, consta nela como data de recebimento pelo E... , o dia 31 de Dezembro de 2014, sendo que ele faleceu em 23 de Dezembro de 2013.

Por seu lado, conforme requerimento de fl.s 171 e comprovativo de depósito na CGD, de fl.s 172, este depósito, respeita ao ano de 2015.

Apenas de referir, ainda, quanto aos efeitos da alteração na matriz, que estas não contêm virtualidades para que a referida matéria de facto seja alterada, uma vez que as certidões matriciais, por si só, carecem de qualquer relevância presuntiva da propriedade para efeitos civis.

Efectivamente, estas apenas gozam de presunções para efeitos fiscais mas não para efeitos civis, dado que nos termos do CIMI, se presume proprietário para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar em 31 de Dezembro do ano a que respeite a contribuição.

Os elementos matriciais apenas contêm a virtualidade de obter relevância civil indirectamente, através dos registos prediais, com os quais se devem harmonizar, cf. artigos 28.º a 32 do Cód. de Registo Predial – neste sentido, Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Iuris, Lisboa, 2001, pág. 122, nota 1.

Assim, procede, parcialmente, quanto a esta questão, em conformidade com o ora decidido, o presente recurso, em função do que se elimina da factualidade dada como provada o que consta dos itens 12.º e 14.º a 19.º, dos factos provados, que se passa a considerar como não provada e mantem-se a demais factualidade que foi dada como provada (e não provada) em 1.ª instância.

B. Se existe contradição entre o que consta dos itens 11.º e 23.º dos factos provados;

Embora sem o concretizar, alegam os recorrentes existir a assinalada contradição.

Como se refere, entre outros, no Acórdão desta Relação de 22/2/2000, in CJ, ano XXV, tomo 1, a pág. 30 “… só há contradição de factos quando estes sejam absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que uns não possam coexistir com os outros”.

Ou, citando Alberto dos Reis, in CPC, Anotado, Vol. IV, 1981, a pág. 553, uma resposta é contraditória com outra quando em ambas se façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a da outra.

O que, salvo o devido respeito, não ocorre in casu.

O item 11.º surge na sequência do que se narra em 10.º, ou seja, em momento anterior à construção do “aumento”, a que se refere o 23.º.

Trata-se de momentos temporais distintos, pelo que não existe a alegada contradição.

De resto, nos autos não constam elementos que permitam aquilatar da “qualidade” de tal aumento, pelo que não se verifica a alegada contradição.

Assim, quanto a esta questão, improcede o recurso.

C. Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s b), c), d) e e), do CPC.

No que a esta questão concerne, alegam os recorrentes que a sentença padece da nulidade da alínea b), por se darem por julgados factos se exige uma formalidade (a vontade expressa do doador) e omitiu factos provados por documentos e não especifica os fundamentos de facto e de direito; a da alínea c), por os fundamentos estarem em oposição com a decisão; a da alínea d), por o Tribunal não se pronunciar sobre a excepção de nulidade do processo por não seguir a tramitação do artigo 32.º a 35.º do RAR e não se pronunciou sobre a reconvenção e a da alínea e), ao ter condenado ao valor peticionado, quer na quantia, quer no objecto, por não se ter considerado a construção como prédio urbano, autónomo.

O artigo 615, n.º 1, al.s b), c), d) e e), sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b), quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c) ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d) ou condene em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

Para que a sentença sofra de nulidade de falta de fundamentação, é necessário que haja falta absoluta, quer relativamente aos fundamentos de facto quer aos de direito e não já uma justificação deficiente, incompleta ou não convincente – cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669 e, de acordo com os mesmos autores, in ob. e loc. cit, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.

Na sentença recorrida descrevem-se os factos tidos por apurados e não provados, bem como lhes foram aplicadas as normas legais atinentes e que ao longo da mesma se foram, uns e outros referindo, pelo que não se verifica a nulidade com fundamento com base na falta da fundamentação quer de direito quer de facto.

A doação foi feita, como o exige a lei, através da competente escritura pública.

E igualmente não padece a sentença recorrida da nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.

Isto porque na mesma se considerou que a acção teria de proceder, em virtude de se terem demonstrado os factos em que os autores assentam a sua pretensão e que eram constitutivos do direito exercido por eles exercido.

De resto, diga-se, não se compreende como pode, simultaneamente, a sentença ser nula por falta de fundamentação (al. b) e por contradição entre a fundamentação e a decisão (al. c).

A nulidade a que se refere a al. d), do artigo 615, NCPC, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

Como decorre da análise da sentença recorrida, esta debruçou-se sobre todas as questões que lhe impunha conhecer e só destas, nos assinalados termos, não indicando os recorrentes, em concreto, qual a questão ou questões que ficou/ficaram por conhecer.

Ao invés, conheceu-se do pedido formulado pelos autores, mas em termos de que os ora recorrentes discordam, o que não configura a aludida nulidade.

Ou seja, conheceu a sentença recorrida de todas as questões que havia que conhecer, no âmbito das respectivas alegações das partes processuais, sem que se tenha ultrapassado tal condicionalismo, julgando improcedente a reconvenção e não se configura a aplicação do artigo 35.º do RAR, quer porque não se exerce o direito de preferência quer porque a referência à forma de processo tem de se entender no âmbito do novo CPC, em que deixou de existir a forma de processo sumário.

A condenação pecuniária cinge-se ao pedido (cf. fl.s 289 e v.º) e a declaração do direito de propriedade dos autores sobre os prédios reivindicados, também está conforme ao aí peticionado em 1.º, pelo que não se verifica a nulidade da alínea e).

Consequentemente, não padece a sentença recorrida das apontadas nulidades.

Pelo que, igualmente, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.

D. Se os autos deveriam seguir o regime especial dos artigos 32.º a 35.º do Regime do Arrendamento Rural, o que constitui nulidade invocada pelos apelantes no início da sua contestação, com a consequente absolvição dos apelados da instância.

Como já se aflorou na questão anterior, esta questão não se coloca, quer porque não se está perante o exercício do direito de preferência, a que se refere o n.º 1 do artigo 35.º do RAR, quer porque desapareceu a forma de processo sumário, a que se alude no seu n.º 2, cf. artigos 546.º, 548.º e 549.º, do CPC, devendo a remissão efectuada no n.º 2 deste preceito, ser entendida como sendo feita para as formas de processo, actualmente, previstas no CPC, que sofreu alterações posteriores à publicação do RAR, sem que neste se procedesse à devida harmonização.

De resto, ao seguir-se a forma mais solene de processo, entre as previstas, mais salvaguardadas ficam as posições das partes e sem esquecer que tal eventual nulidade, a existir, o que não se verifica, há muito que estaria sanada, cf. disposto no artigo 200.º, n.º 2, do CPC, uma vez que não foi interposto qualquer recurso, para além do que se refere à sentença.

Pelo que, também, quanto a esta questão improcede o recurso.

E. Se não se provou o animus donandi do doador relativamente aos donatários, no que se refere à construção/edifício onde habitava aquele, nem tal doação foi aceite pelos donatários;

Defendem os recorrentes que assim sucede, porque o doador não doou aos autores a construção em causa, mas apenas o prédio rústico onde a mesma se encontra implantada.

Esta conclusão só faria sentido se se tivesse demonstrado que a referida construção não fazia parte do imóvel doado, o que assim não sucedeu, demonstrando-se o contrário; ou seja, que a mesma dele faz parte.

Pelo que, nos termos do disposto nos artigos 940.º, 945.º e 947.º do Código Civil é válida a doação em causa e teve como efeito a transmissão da propriedade dos bens doados, para os ora autores, nos termos do disposto no artigo 954.º, al. a), do mesmo Código.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

F. Se a morte do senhorio não extingue o contrato de arrendamento rural.

No que a esta questão respeita, considerou-se que o arrendamento celebrado entre o doador e usufrutuário e os ora réus, caducou com a morte daquele, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, al. b), do DL 294/2009, de 13 de Outubro, designado por RAR.

Por seu turno, os recorrentes defendem que o contrato de arrendamento não caducou, apoiando-se no que se dispõe no artigo 2º.º, n.º 1, do referido DL.

Inexistem dúvidas de que entre o referido E... , na qualidade de usufrutuário e os ora réus foi celebrado um contrato de arrendamento rural, tendo por objecto os prédios ora reivindicados.

Como se refere, por último, no Acórdão do STJ, de 08/02/2011, Processo n.º 12/09.9T2STC.E1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, a caducidade do arrendamento por morte do usufrutuário-locador rege-se pela lei vigente à data da morte deste.

Ora, atento a que o óbito do usufrutuário-locador ocorreu em 23 de Dezembro de 2013 (cf. item 4.º), é aplicável o disposto no referido DL 294/2009.

De acordo com o seu artigo 18.º, n.º 1, al. b):

“O contrato de arrendamento caduca quando:

(…)

b) Cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato tenha sido celebrado, sem prejuízo do disposto no artigo 1052.º do Código Civil”.

Estabelecendo-se, como regra geral, no seu artigo 20.º, n.º 1 que:

“O arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio.”.

Como é sabido, o artigo 1051.º, do Código Civil, foi alterado na sua redacção pelo artigo 5.º do DL n.º 321-B/90, de 15/10 (vulgo RAU) e o regime antes previsto no n.º 2 do artigo 1051.º, que foi suprimido, cf. artigo 4.º deste DL, passou a ser substituído pelo disposto no artigo 66.º, n.º 2 do RAU, que passou a dispor que, no caso de arrendamento para habitação, cujo contrato caducasse por força da alínea c) do artigo 1051.º do CC, o arrendatário teria direito a novo arrendamento nos termos do artigo 90.º do RAU, a que se aplicava, como do mesmo decorre, o regime de duração limitada, sendo o primeiro arrendamento sujeito ao regime de renda condicionada.

Ao passo que no regime, antes, consagrado no n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil, o contrato não caducava pela verificação dos factos previstos na alínea c) do n.º 1 se o inquilino, no prazo de 180 dias após o seu conhecimento, comunicasse ao senhorio, por notificação judicial, que pretendia manter a sua posição contratual.

De ter, ainda, em linha de conta, o disposto no artigo 26, n.os 1 e 3, do RAR, de acordo com os quais:

“1 – Salvo disposição legal em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, designadamente as relativas à cessação e alteração do contrato de arrendamento, à actualização, alteração e depósito da renda, à realização de obras de conservação e de recuperação e de benfeitorias e ao exercício do direito de preferência, são concretizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º

(…)

3 – O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de recepção.”.

Sendo certo que, cf. artigo 1476.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, o usufruto se extingue por morte do usufrutuário.

Como acima já referido o contrato de arrendamento rural em causa foi celebrado em 24 de Maio de 2013 (cf. doc. de fl.s 23 e 24) e o usufrutuário-locador, faleceu a 23 de Dezembro desse ano, sendo, por isso, como já referido de aplicar o que se dispõe no artigo 18.º, n.º 1, do RAR, na redacção do citado DL 294/2009, por remissão para o artigo 1051,º do CC, na redacção em vigor em Dezembro de 2013, ou seja a que lhe foi dada pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, que, como acima já mencionado, suprimiu o n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil.

Em face desta supressão, coloca-se a questão de saber se, ainda assim, o arrendatário rural pode obstar à caducidade do contrato de arrendamento, por morte do usufrutuário.

Como se pode ver no Acórdão da Relação do Porto, de 26/04/2010, Processo n.º 3798/06.9TBPRD.P1, disponível no respectivo sítio do itij, desenharam-se três correntes jurisprudenciais, acerca de tal questão.

A primeira defendendo a caducidade do contrato celebrado por usufrutuário, com o fundamento em que revogado o n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil, perde qualquer sentido ou conteúdo útil a remissão que para este era feita, equiparando-se o contrato de arrendamento rural a um mero contrato de locação que caducava com a morte do usufrutuário-locador.

A segunda defendendo que da revogação daquele preceito do Código Civil, apenas resulta a aplicação das regras do RAU e, por conseguinte, o direito à celebração de um novo arrendamento, nas condições neste consagradas.

A terceira, defendendo que tal revogação apenas se aplica aos casos de arrendamento urbano, ressalvando-se, no que concerne ao arrendamento rural, a possibilidade de o arrendatário obstar à caducidade do contrato, no caso de falecimento do usufrutuário-locador, desde que o arrendatário, no prazo de 180 dias após o conhecimento desse falecimento, comunique ao senhorio, por notificação judicial, a pretensão de manter a sua posição contratual.

Como referido no Acórdão ora por último citado, entendemos que as duas primeiras posições não atentam às especificidades do arrendamento rural, por contraposição ao arrendamento urbano.

Designadamente, o arrendamento rural não se coaduna com um regime de duração limitada e sujeito a renda condicionada, bem como não se concebe que, com a morte do usufrutuário, ao contrário do que sucede no arrendamento urbano, não se conceda ao arrendatário a possibilidade de manter o contrato, pelo que, em nossa opinião é de seguir a terceira das correntes jurisprudenciais citadas.

Como referem Jorge Aragão Seia, Manuel da Costa Calvão e Cristina Aragão Seia, in Arrendamento Rural, 3.ª Edição, Almedina, 2000, em anotação ao artigo 22.º do anterior RAR (DL 385/88, de 25 de Outubro), cuja redacção é similar à do artigo 18.º, n.º 1, do DL 294/2009), a pág.s 148 e 149, sob pena de se afectar a unidade do sistema jurídico, tem de entender-se que a revogação do n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil, se restringe ao arrendamento urbano, que com a publicação do RAU passou a ter um regime substitutivo, o que não se verifica, quanto ao arrendamento rural.

Assim, desde que o arrendatário no prazo de 180 dias, desde que teve conhecimento do falecimento do usufrutuário, comunique ao senhorio, pela forma legalmente prevista, que pretende manter a sua posição contratual, não caduca o contrato de arrendamento.

Em abono desta posição, citam, ainda, os autores ora citados, P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Edição, pág. 456 e Nuno de Salter Cid, in A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português, pág. 220.

Para além de que, esta posição permite um maior equilíbrio entre as posições de ambos os interesses em conflito, não se vislumbrando razões para que o arrendatário rural seja colocado numa posição de desfavor relativamente ao arrendatário urbano, para além de que pode permitir, com a manutenção do vínculo contratual, a perpetuação/continuidade de uma dada exploração agrícola ou florestal, mormente numa época em que é enorme a quantidade de terrenos agrícolas e florestais votados ao mais completo abandono, com todas as conhecidas e nefastas consequências que daí decorrem, quer para os particulares quer para o conjunto das populações e para o próprio Estado.

Concluímos, pois, que ao arrendatário rural é facultada a possibilidade de, nos termos antes referidos no n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil, obstar à caducidade do contrato de arrendamento, desde que manifeste, na forma legalmente prevista, ao senhorio, que pretende manter a sua posição contratual.

Forma legalmente prevista, esta, que, cf. artigo 26.º, n.os 1 e 3, do RAR, acima transcritos, exige que tal manifestação de vontade, seja concretizada mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção ou, entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de recepção.

O problema é que, como resulta do teor do item 22.º dos factos provados, os réus não respeitaram nenhuma destas formas de comunicação, pelo que, em face disso, não se pode concluir que tenham exercido o seu direito, na forma para tal legalmente exigível, pelo que, por via disso, efectivamente, caducou o contrato de arrendamento que haviam celebrado com o usufrutuário-locador, por morte deste, nos termos expostos.

Pelo que, quanto a esta questão, improcede o recurso.

G. Se não se podem condenar os apelantes a entregar os prédios rústicos aos apelados, sem que aqueles tenham efectuado as colheitas, sob pena de abuso do direito e enriquecimento injusto dos apelados à custa dos apelantes, que, assim, têm direito a colher os frutos ou a ser indemnizados.

Na sentença recorrida, com fundamento no disposto no artigo 15.º, n.º 2, do RAR, condenaram-se os réus a entregar aos autores os prédios reivindicados, por estes estarem obrigados a entrega-los até 31 de Outubro de 2014.

Contra o que se insurgem os réus, defendendo terem direito a colher os frutos e a serem indemnizados pelas benfeitorias e pelas despesas que realizaram no prédio.

Conforme artigo 15.º, n.º 2, do RAR, em caso de cessação do contrato, a restituição do prédio só pode ser exigida no fim do ano agrícola em curso em que se tenham verificado os factos que determinaram a cessação do contrato.

De acordo com o artigo 5.º, n.º 1, al. f), do citado RAR, o ano agrícola é o período que se inicia em 1 de Novembro, terminando em 31 de Outubro do ano seguinte.

Atento a que o doador faleceu em Dezembro de 2013, o ano agrícola, para este efeito, terminou em 31 de Outubro de 2014, tal como determinado na sentença.

Determinando a lei a data em que o prédio deve ser entregue ao senhorio, cessa a detenção lícita dos mesmos por parte dos arrendatários que, assim, a partir de tal data, não mais têm direito a fruir as utilidades que os mesmos potenciam, estando a referida data ligada ao termo normal da colheitas anteriores e início de novo ciclo/ano agrícola.

Por outro lado, convém não esquecer que as despesas de cultura não se equiparam às benfeitorias, sendo estas despesas feitas com obras tendentes a melhorar o prédio onde são feitas, classificadas de acordo com a respectiva destinação – cf. artigo 216.º do Código Civil, ao passo que as despesas de cultura não se destinam directamente a beneficiar o prédio, mas à preparação do terreno e tratamentos tidos como necessários, com vista à produção tida em vista.

Os réus apenas alegam despesas tidas com a preparação do terreno para a produção que neles exploraram, não concretizando a realização de qualquer benfeitoria.

As benfeitorias feitas pelo arrendatário só são indemnizáveis, nos termos exarados nos artigos 23.º e 24.º do RAR, sendo que os réus nada alegaram quanto ao consentimento do senhorio para as fazer, nem relativamente aos critérios definidos no referido artigo 24.º, n.º 1, pelo que não pode proceder esta sua pretensão.

Assim, quanto a esta questão, improcede o recurso.

H. A considerar-se a extinção do contrato de arrendamento rural, não podem os apelados fazer seu, o valor das rendas a partir da data fixada.

No que a esta questão concerne, alegam os recorrentes que os apelados não podem fazer seu o valor das rendas a partir da data fixada pelo Tribunal.

No entanto e sem entrar na discussão de saber se assim é, o facto é que compulsando a parte decisória da sentença, se verifica que os réus não foram condenados a pagar tais rendas, apenas sendo condenados a pagar aos autores, a quantia correspondente ao que se considerou serem os prejuízos que sofrerem os autores, em cada ano agrícola, com a ocupação indevida dos terrenos, por parte dos réus.

De resto, no que a estes prejuízos concerne, não pode proceder a condenação concretizada na al. e) da parte decisória da sentença, relativa aos prejuízos que os autores alegam sofrer com a ocupação indevida dos prédios, por não terem demonstrado a factualidade em que assentavam tal pedido (aliás, inicialmente, relegado para posterior liquidação em execução de sentença – cf. fl.s 12 e só depois na p.i., corrigida, veio a ser quantificado), mas sem que se provassem os factos alegados de fl.s 287 a 288 v.º, pelas razões acima expostas.

O conhecimento e decisão desta questão cabem no objecto do recurso, peticionando os réus a sua absolvição do pedido.

Nem sendo de equacionar a relegação no que vier a ser liquidado (cf. artigo 609.º, n.º 2, CPC), porque o que se verifica é que os autores não provaram, como lhes competia – cf. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil – os factos para tal alegados, o que importa a revogação da sentença, neste segmento decisório – al. e).

Pelo que, quanto a tal, procede, parcialmente, o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a sentença recorrida, na parte constante da alínea e), da sua parte decisória e, em consequência, absolvendo os réus do pedido ali referido; mantendo-a, quanto ao mais.

Custas pelos apelantes e apelados, em ambas as instâncias, na proporção dos respectivos decaimentos.

Coimbra, 28 de Março de 2017.

Relator:

Arlindo Oliveira

Adjuntos:

1º - Emidio Francisco Santos

2º - Catarina Gonçalves