Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
883/10.6T2AVR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.235, 236, 237, 238 CIRE
Sumário: 1. Para os efeitos do art. 238/1d) do CIRE, do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí advieram prejuízos para os credores.

2. Os diversos elementos da previsão do art. 238º/1d) do CIRE constituem factos impeditivos do direito de exoneração, pelo que não compete ao insolvente a prova da sua não verificação (art. 342/2 do CC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              M (…) requereu, em 10/05/2010, a sua insolvência e pediu, ao mesmo tempo, a exoneração do passivo restante.

              Tal pedido teve o parecer favorável da administradora da insolvência, mas a oposição dos dois únicos credores da insolvente e foi deferido por despacho judicial.

              O B (…), um dos credores, interpôs recurso contra este despacho, terminando as respectivas alegações com conclusões que, em síntese, considera que está verificado o fundamento previsto na al. d) do nº. 1 do art. 238 do CIRE para o indeferimento liminar do pedido.

              A insolvente não contra-alegou.

              Questões que importa solucionar: se está verificada a hipótese de que fala o recorrente para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

                                                                 *

              Sistematizando os factos que se podem considerar provados, implicitamente assumidos pela decisão recorrida e com relevo para a decisão da questão posta pelo recorrente, completados (ao abrigo dos arts. 712/1a), 659/3 e 713/2, todos do CPC) com  recurso aos elementos de prova existentes nos autos (petição inicial da devedora, na parte aceite pelo recorrente; certidão predial junta pela insolvente; reclamação de créditos do recorrente não impugnada; relatório da administradora na parte aceite pelo recorrente e não impugnado pela devedora; certidão da declaração de créditos, não impugnados; declaração de quitação), pode-se dizer que são eles os seguintes:
         1. No ano de 2006, o X...SA, pelo processo que correu termos sob o n.º 1987/06.5TBAGD, no juízo de execução de Águeda, intentou uma acção executiva contra a insolvente, para pagamento do valor de 22.020,37€, titulado por uma livrança.
         2. O pagamento da quantia exequenda viria a ser efectuado pelo Z... a 31/12/2009, de forma a ficar legalmente sub-rogado no direito de crédito do X..., já que não tinha reclamado tempestivamente o seu crédito.
         3. O Z... intentou acção executiva contra a insolvente, que corre termos sob o n.º 1790/10.8T2AGD, no JE de Águeda, reclamando o valor que liquidara ao X... uma vez que a insolvente não procedeu ao seu pagamento. Este é um dos créditos reclamados e reconhecidos nesta insolvência.
         4. No processo n.º 975/07.9TBAGD, que corre termos no JE de Águeda, o V..., SA, moveu, no ano de 2007, uma acção executiva contra a insolvente, para pagamento de 24.939,89€, que a executada tinha avalizado. O V..., SA, não foi ressarcido do seu crédito. Este é outro dos créditos reclamados e reconhecidos nesta insolvência.
         5. O Z... tem dois créditos hipotecários. Pelo menos desde Agosto de 2008 não é feito qualquer pagamento.
         6. Face ao referido incumprimento, o Z... instaurou em 01/05/2010 acção executiva contra a insolvente, para pagamento de 113.617,21€, que corre termos no JE de Águeda, pelo processo com o n.º 1787/10.8T2AGD. Este é o terceiro crédito reclamado e reconhecido nesta insolvência.
         7. O nome da insolvente consta da lista de devedores a instituições bancárias junto do Banco de Portugal.
         8. A remuneração mensal da insolvente é de 500€, acrescida de subsídio de refeição e este é o seu único rendimento.
         9. Na petição inicial, a insolvente refere que o seu vencimento era, não raras vezes, insuficiente para fazer face às despesas mais elementares.
         10. A entidade empregadora – com invocação de dificuldades de pagamento - suspendeu o pagamento da remuneração da insolvente em Dezembro de 2009.
         11. O único bem imóvel – um prédio com 80m2 de área coberta e 720m2 de área descoberta - que a insolvente tem é o imóvel a que correspondem os dois créditos hipotecários do recorrente e que está agora a ser vendido pela Srª administradora judicial.
         12. A insolvente é divorciada e tem um filho menor a seu cargo.

                                                                 *

              A exoneração do passivo pedida pela insolvente está prevista no art. 235 do CIRE:
         “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo.”

              Para além de alguns requisitos formais, previstos nos arts. 236º e 237º do CIRE, e cuja verificação não é posta em causa pelo recorrente, o pedido deve ser indeferido liminarmente, no caso de verificação de alguma das 8 hipóteses previstas no nº. 1 do art. 238º do CIRE.


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              O despacho judicial recorrido analisa a verificação de todas as hipóteses em causa e conclui que nenhuma delas se verifica.

              O recorrente, sem pôr em causa que assim seja quanto às outras, considera, no entanto, que o caso cai dentro da previsão da al. d) do nº. 1 do art. 238º:
           d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;

               O recorrente não põe em causa que os elementos constantes da alínea são de verificação cumulativa (neste sentido, aliás, veja-se o acórdão do TRP de 10/01/2010 citado abaixo; bem como o do TRP de 21/10/2010 3916/10.2TBMAI-A.P1, que ainda cita, neste sentido, os acs do TRP de 09/12/2008, 0827376, de 15/07/2009, 6848/08.0TBMTS.P1, de 25/03/2010, 4501/08.4TBPRD-G.P1, e de 8/4/2010, 1043/09.4TBVNF-B.P1; não se desenvolve a questão porque o recorrente não discorda e porque ambas as correntes da jurisprudência referidas abaixo também aceitam esta cumulatividade - todas estas referências são sempre à base de dados do ITIJ).


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               Quanto à situação de insolvência e à não apresentação à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da mesma, o recorrente demonstra-o com a invocação dos factos dados acima como provados, dos quais decorre, pelo menos desde Agosto de 2008, uma situação de incumprimento reiterado com diferentes credores, por alguém que na prática não tem bens (o único imóvel está hipotecado por um valor previsivelmente superior ao dele) e de rendimentos tem apenas cerca de 500€ mensais e cujas dívidas ultrapassam os 174.000€ – sendo certo que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações” (art. 3º/1 do CIRE).

               Mas a decisão recorrida não diz o contrário, pois que até pressupõe correctamente que a devedora não se apresentou à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, como se vê do que diz nesta parte:
         […] ainda que se conclua pela verificação da situação de insolvência para além dos seis meses anteriores à sua apresentação, como confessamente ocorre no caso (arts. 5º e 12º da petição inicial) […]


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               Também não é discutido, nem discutível, que a devedora não podia deixar de saber, pelo menos desde Setembro de 2008, que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, tendo em conta os factos dados como provados, como explica o recorrente:
         O valor global das dívidas da insolvente é avultado […] sobretudo, se considerarmos que se reporta a uma pessoa singular. […] o seu nome consta da lista de devedores a instituições bancárias junto do Banco de Portugal, pelo que se encontra vedado o acesso a qualquer tipo de financiamento. […] a sua remuneração mensal, no valor de 500€, jamais suportaria o pagamento das obrigações não cumpridas e supra mencionadas. […] na petição inicial, a insolvente refere, expressamente, que o seu vencimento era, não raras vezes, insuficiente para fazer face às despesas mais elementares. […] não se encontravam reunidas condições que permitissem perspectivar uma progressão na carreira profissional ou um aumento salarial, atentas as dificuldades de pagamento com que se deparava a entidade empregadora, que viria mesmo a suspender o pagamento da remuneração da insolvente em Dezembro de 2009. […]

              Para além disso, e como diz o ac. do TRG de 04/10/2007, citada pelo recorrente,
         “ao falar em “perspectiva séria” o legislador aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica do insolvente, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo”.

               A decisão recorrida não se terá pronunciado sobre a questão, apenas porque considerou logo não verificado o elemento de que se fala a seguir e por isso já não precisava de analisar este (dada a cumulatividade de que se falou acima).

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               Assim, o que fica, na prática, em discussão é apenas o seguinte: do facto de a devedora não se ter apresentado à insolvência quando há muito já o devia ter feito, decorreu prejuízo para os dois credores?

              A sentença, que tinha presente os termos da oposição do recorrente, no essencial idênticos aos deste recurso, disse quanto a isto o seguinte:
         […] não existem elementos que permitam concluir que em consequência de tal incumprimento os credores viram prejudicada a respectiva situação creditória, no sentido de assim verem dificultada a cobrança/satisfação dos seus créditos.
         Com efeito, tratando-se aqueles de pressupostos cumulativos, para os efeitos em apreço não preenche o referido conceito de prejuízo o simples facto de o decurso do tempo avolumar o passivo pelos juros vencidos.
         Nesse sentido vide os acórdãos:
         da Relação de Lisboa de 14/05/2009 [nº. 2538/07.0TBBRR.L1-2 da base de dados do ITIJ – parênteses acrescentado por este TRC]:
         Não correspondendo os juros de mora a qualquer prejuízo (diminuição do património ou ganhos que se frustraram) sofrido pelos credores com a apresentação tardia à insolvência, nos termos do art. 238º/1d) do CIRE, não há motivos para indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante
         da Relação do Porto
         de 11/01/2010 [nº. 347/08.8TBVCD-D.P1 da base de dados do ITIJ – parênteses acrescentado por este TRC]:
         No procedimento de exoneração do passivo não integra o “prejuízo” previsto no art. 238º/1d) do CIRE o simples acumular do montante dos juros e o mero atraso na cobrança dos seus créditos por parte dos credores.
         e de 14/01/2010 [nº. 135/09.4TBSJM.P1 da base de dados do ITIJ – parênteses acrescentado por este TRC]:
         O prejuízo para os credores de que trata o art. 238º/1d) do CIRE é o que resulta do capital de dívidas contraídas pelo devedor em período posterior ao momento em que a sua insolvência está consolidada e/ou que resulta de dissipação de património pelo devedor nesse mesmo período, reduzindo a garantia patrimonial de todos os credores, ou a garantia patrimonial de alguns credores que não está autorizado a preterir nessa dissipação
         […]
         Nesse sentido vide acórdão da Relação de Coimbra de 23/02/2010 [nº. 1793/09.5TBFIG-E.C1 da base de dados do ITIJ – parênteses acrescentado por este TRC]: que, para além do mais, também se pronuncia pela irrelevância do acumular do passivo pelos juros vencidos com o decurso do tempo.
         […]
         Esse mesmo entendimento foi ostensiva e claramente assumido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/2010 [nº. 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1 da base de dados do ITIJ – parênteses acrescentado por este TRC] ao consignar que:
         Do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí  advieram prejuízos para os credores. (…). Ora, se se entende que pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores, então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo. Só se compreende esta autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor teve uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé e que dessa conduta resultaram prejuízos para os credores. Assim o exige o pressuposto ético que está imanente na medida em causa.
         Mais acrescentou [o dito acórdão do STJ - parênteses acrescentado por este TRC] a respeito da concreta questão da acumulação de juros vencidos, que:
         o atraso na apresentação à insolvência não pode causar prejuízo aos credores com a invocação de que os juros se avolumam na medida em que continuam a ser contados até àquela apresentação. (…). Quer dizer, actualmente e em face do regime estabelecido no CIRE, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasionaria qualquer prejuízo aos credores. Dito doutro modo: se no regime anterior, estabelecido no CPEREF se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime actual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito ao juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da divida.
         Subentende tal entendimento o pressuposto que, do facto de o insolvente se apresentar à insolvência depois de decorridos mais de seis meses após a verificação e constatação de tal situação, não decorre de per si que, por isso, os respectivos credores vão, em sede de processo de insolvência, receber menos do que receberiam caso o insolvente se tivesse apresentado no referido prazo, o que sucede independentemente de qual seja o concreto montante do em dívida num e noutro momento por força do sucessivo vencimento de juros. Bastas vezes sucede que, até à apresentação à insolvência, o devedor vai procedendo a amortizações (de capital e juros ou só de juros) através de pagamentos parciais das suas obrigações. Com efeito, o incumprimento do dever de apresentação à insolvência só é susceptível de arrastar prejuízo para os credores quando nesse entretanto o insolvente praticou actos dos quais tenha resultado (ou susceptível de resultar) diminuição ou agravamento do seu património com consequente diminuição das garantias de pagamento aos seus credores, vg., a alienação ou desaparecimento de património ou o agravamento do passivo com a contracção de novas dívidas (depois de conhecida a situação de insolvência), o que no caso sequer resulta indiciado.”

              O recorrente contrapõe que:
         A não apresentação à insolvência consubstancia um evidente prejuízo para os credores, dado verificar-se, para além do mais, um aumento do passivo global em virtude do vencimento de juros dos créditos vencidos.
         Neste particular, são de profícua análise as considerações expendidas no ac. do TRG de 30/04/2009 [nº. 2598/08.6TBGMR-G.G1 da base de dados do ITIJ – parênteses acrescentado por este TRC]:
         “[…] a não apresentação atempada à insolvência torna evidente o prejuízo para os credores, pelo avolumar de seus créditos face ao vencimento de juros e pelo consequente avolumar do passivo global da insolvente (o que dificulta o pagamento dos créditos) havendo até quem considere que deva mesmo presumir-se o prejuízo dos credores do facto de os requerentes da exoneração não se terem apresentado à insolvência, quando era manifesto que eles, desde há largo período, não tinham bens em número e valor susceptíveis de satisfazer os créditos dos seus credores (ac. do TRL de 26/10/06, publicado na CJ.2006.IV, pag. 97).”
         Ao abster-se de se apresentar atempadamente à insolvência, recusando todas as evidências quanto ao seu colapso financeiro, a insolvente conseguiu apenas protelar as suas dívidas, provocando um acréscimo do seu passivo.
         Não obstante os credores da insolvente terem intentado várias acções, com as inerentes diligências tendentes à descoberta de bens penhoráveis, os mesmos não foram ressarcidos dos seus créditos, tendo ainda que suportar integralmente as custas dos processos, o que lhes causou sério prejuízo, facto que é público e notório.
         O apelante, nos processos executivos que intentou contra a insolvente, suportou igualmente as custas inerentes aos referidos autos, bem como as quantias relativas a provisões e honorários do agente de execução, sem, contudo, lograr o ressarcimento dos seus créditos, o que traduz e representa um inequívoco prejuízo.
         Acresce que, o reclamante, como instituição bancária, está obrigado a provisionar o incumprimento relativo aos créditos que concede, junto do Banco de Portugal (cfr. aviso do Banco de Portugal n.º 3/95, de 30/06), sendo que, mantendo-se a situação de incumprimento, não é possível libertar as provisões, com manifesto prejuízo para o desenvolvimento na sua actividade creditícia.”

                                                                 *

               No mesmo sentido do recorrente, vêem-se os acs:

               do TRP de 09/12/2008, 0827376 (mas o relator deste acórdão é o mesmo que o do ac. do TRP de 08/02/2011, citado abaixo, que segue a outra corrente, pelo que só razões muito particulares do caso concreto é que justificaram este acórdão),

               do TRC de 17/12/2008, 1975/07.4TBFIG.C1

               do TRP de 15/07/2009, 6848/08.0TBMTS.P1,

               do TRG de 31/12/2009, 2199/08.9TBGMR.G1,

               do TRP de 19/01/2010, 627/09.5TBOAZ-B.P1; 

               do TRL de 28/01/2010, 1013/08.OTJLSB-D.L1-8

               do TRC de 11/02/2010, 570/10.5TBMGR-B.C1,

               do TRP de 20/04/2010, 1617/09.3TBPVZ-C.P1 (com voto de vencido)

               do TRG de 12/07/2010, 7750/08.1TBMTS-F.G1

               do TRE de 12/07/2010, publicado na CJ.2010.III.294 (citado de um outro)

               do TRC de 07/09/2010, 72/10.0TBSEI-D.C1 (note-se entretanto que o 1º adjunto deste acórdão subscreveu entretanto um acórdão de sentido contrário, de 23/11/2010, citado abaixo, em que esclareceu que no anterior existia um prejuízo efectivo para os credores, “posição que temos de considerar como revista”) 

               do TRG de 12/10/2010, 2945/09.8TBBRG.G1

               do TRC de 14/12/2010, 326/10.5T2AVR-B.C1

               do TRP de 15/12/2010, 1344/10.TBPNF-A.P1 (note-se entretanto que um dos adjuntos deste ac. reviu entretanto a sua posição, como esclarece no ac. de 15/03/2011 citado abaixo);

               do TRG de 27/01/2011, 6067/09.9TBBRG-G.G1

                                                    *

            O ac. do TRC de 15/12/2010 sintetiza assim a posição desta corrente:
         A partir do momento em que, estando em situação de insolvência, não existe qualquer perspectiva séria de melhoria da situação económica em que se encontram, a inacção dos devedores, ao não requererem tempestivamente a respectiva insolvência, redunda, em princípio, em prejuízo dos credores, pois que, para além de provocar o avolumar dos montantes em dívida a estes, por via do acumular dos juros remuneratórios e/ou moratórios, possibilita que o património se vá dissipando, diminuído, assim, a garantia que este representa para tais credores.
         Assim, sendo o prejuízo dos credores, em princípio, decorrência normal da circunstância de não se requerer a insolvência tempestivamente, nas ocasiões previstas na alínea d) do nº 1 do referido art.º 238º, do CIRE, a existência desse prejuízo é conclusão permitida por inferência fundada no princípio “id quod plerumque accidit”, que cumpre ser contrariada por factualidade que o requerente da exoneração do passivo restante deverá fornecer.

               A posição do recorrente inscreve-se, assim, numa das correntes da jurisprudência sobre a questão. O recorrente apenas desenvolve a argumentação, falando, para além do avolumar do juros, nos custos das acções executivas e no necessário aprovisionamento do incumprimento relativo aos créditos que concede.

               Só que, em relação a estes prejuízos de que fala o recorrente, todos eles, à excepção dos da última execução, não se demonstra que não existissem já antes do atraso da apresentação da devedora. E, em relação a todos, eles decorrem do incumprimento da obrigação e não do atraso na apresentação…

                                                                 *

               Contraposta a esta corrente, existe uma outra, que é a seguida pela decisão recorrida (que como se viu cita vários acórdãos, entre eles o único do STJ que já se pronunciou sobre a questão) e que dá resposta expressa às questões levantadas pela posição contrária.

               Como se diz no ac. do TRP de 10/01/2010, citado na decisão recorrida:
         “Mas, esta situação [avolumar da dívida] ocorre em todas as situações. O atraso implica, sempre, um avolumar do passivo. A não ser assim, não estaríamos perante uma impossibilidade de cumprir as suas obrigações, mas numa situação de dificuldade.
         Quer isto dizer que o legislador não pode ter querido prever naquela alínea d) como excepção aquilo que é o normal ocorrer.
         Daqui resulta que temos de considerar o “prejuízo” previsto nessa alínea como algo mais do que o que já resulta da demais previsão desse dispositivo. Esse prejuízo não pode consistir no aumento da dívida e atraso na cobrança dos créditos por parte dos credores, pois que tal já resultava da demais previsão dessa alínea.”

              No ac. do TRP de 21/10/2010, 3916/10.2TBMAI-A.P1, explica-se:
         Enquanto requisito autónomo do indeferimento liminar do incidente, o prejuízo dos credores acresce aos demais requisitos - é um pressuposto adicional, que aporta exigências distintas das pressupostas pelos demais requisitos, não podendo por isso considerar-se preenchido com circunstâncias que já estão forçosamente contidas num dos outros requisitos.
         Valoriza-se aqui […] a conduta do devedor, ou seja, apurar se o seu comportamento foi pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica, devendo a exoneração ser liminarmente coarctada caso seja de concluir pela negativa.
         […] a lei não visa mais do que os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos (a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer).
         São estes comportamentos desconformes ao proceder honesto, lícito, transparente e de boa fé cuja observância por parte do devedor é impeditiva de lhe ser reconhecida possibilidade (verificados os demais requisitos do preceito) de se libertar de algumas das suas dívidas, e assim, conseguir a sua reabilitação económica.

              Neste sentido, vejam-se ainda os acs.

              do TRP de 11/01/2010, 347/08.8TBVCD-D.P1,

              do TRP de 14/01/2010, 135/09.4TBSJM.P1,

              do TRC de 23/02/2010 1793/09.5TBFIG-E.C1,

              do TRP de 19/05/2010, 1634/09.3TBGDM-B.P1,

              do TRP de 30/09/2010, 430/09.2TJPRT.P1,

              do TRC de 02/11/2010, 570/10.5TBMGR-B.C1,

              do TRP de 18/11/2010, 1826/09.5TJPRT-E.P1,

              do TRC de 23/11/2010 1293/09.3TBTMR-A.C1 (o relator deste acórdão esclareceu que reviu a sua anterior posição);

              do TRL de 14/12/2010, 2575/09.0TBALM-B.L1-1

              do TRG de 18/01/2011, 5984/09.0TBBRG-E.G1;

              do TRP de 25/01/2011, 4898/09.9TBSTS-E.P1;

              do TRP de 08/02/2011, 754/10.6TBOAZ-E.P1 (no sumário do relator: No actual regime do CIRE, o agravamento das dívidas do insolvente apenas resultante do vencimento de juros não constitui prejuízo dos credores que possa ser imputável ao atraso na apresentação à insolvência, para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 238.º do CIRE; o sumário feito no ITIJ tem um conteúdo que não sugere minimamente este conteúdo do acórdão);

              do TRP de 10/02/2011, 1241/10.8TBOAZ-B.P1 (com um voto de vencido)

              do TRP de 15/03/2011, 2887/10.0TBGDM-E.P1 (no sumário do relator: O aumento global dos débitos do devedor decorrente do acumular dos juros e do atraso na cobrança dos créditos por parte dos credores não integra o conceito de “prejuízo” a que se alude na alínea d) do nº 1 do art. 238 do CIRE – o sumário elaborado pelo ITIJ não reflecte, minimamente, este ponto do sumário do relator; o relator esclarece que reviu a posição contrária que assumiu como adjunto no ac. do TRP de 15/12/2010, citado acima);            

                                                                       *

              Esta corrente da jurisprudência é acompanhada ainda da solução de outra questão, que é a do ónus da prova. Enquanto os acórdãos da outra corrente defendem que o ónus da prova da não verificação dos elementos da previsão da norma têm que ser alegados e provados pelo devedor, esta corrente defende o contrário.

              Neste sentido, veja-se o ac. do TRC de 23/02/2010, citado na decisão recorrida:
          “Em geral, as causas enumeradas na lei como fundamentos de indeferimento de uma pretensão são sempre causas impeditivas do respectivo pedido. Face à redacção da lei, que comina com indeferimento o pedido de exoneração do passivo, com fundamento na apresentação extemporânea à insolvência por parte do devedor, desde que resulte do atraso um prejuízo para os credores, afigura-se que esta factualidade constitui um facto impeditivo do direito, pois a lei só exige ao requerente devedor a formulação do pedido de exoneração. Como facto impeditivo do direito que é, a ausência de prova, sobre se há ou não o apontado prejuízo, não pode implicar o indeferimento do pedido.”

              É também esta a posição do ac. do STJ de 21/10/2010 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1, já citado acima:
         “Até porque, bem vistas as coisas, as diversas alíneas do nº 1 do artigo 238º do CIRE estabelecem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
         Não constituem factos constitutivos do direito do devedor de pedir esta exoneração. Antes e pelo contrário, constituem factos impeditivos desse direito. Nesta medida, compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova – cfr. nº 2 do art. 342º do CC.
         Um afloramento deste entendimento pode encontrar-se na alínea e) do referido art. 238º, quando aí se prevê o caso de para a indiciação da existência a culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência e no caso de não constarem já do processo, os elementos serem fornecidos pelos credores ou pelos administrador da falência.”

                                                                 *

              Posto isto, adere-se à segunda corrente, ou seja, à que também é seguida pela decisão recorrida, pois que a) a primeira não explica a razão de ser do elemento prejuízo constante da previsão da norma em causa, autónomo do atraso na apresentação; b) parte de uma presunção de um prejuízo (potencial…) decorrente do atraso (no fundo como se todos os devedores insolventes se inserissem num tipo de devedor que mal se sabe insolvente esconde ou dissipa os bens, actuando em prejuízo dos credores, cabendo-lhes a prova do contrário) e c) e inverte as regras do ónus da prova dos elementos cumulativos de tal previsão.

              E, sendo assim, tem de se considerar que foi correcta a decisão recorrida.

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              Sumário:

               I. Para os efeitos do art. 238/1d) do CIRE, “do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí  advieram prejuízos para os credores”.

               II. Os diversos elementos da previsão do art. 238º/1d) do CIRE constituem factos impeditivos do direito de exoneração, pelo que não compete ao insolvente a prova da sua não verificação (art. 342/2 do CC).

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

              Custas pelo recorrente.


Pedro Martins ( Relator )
Virgílio Mateus
António Carvalho Martins