Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7303/15.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: USOS
FONTE DE DIREITO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CRP – ARTºS 13º, 58º E 59º; ARTºS 23º, 24º E 25º DO C. TRABALHO.
Sumário: I – Os usos, nos apertados limites definidos pela jurisprudência e pela doutrina, para além de se relacionarem com uma prática reiterada, realizada sem a convicção da sua obrigatoriedade, devem traduzir-se numa prática geral, ou numa prática social.

II – Uma prática reiterada que não tenha carácter geral ou social não se constitui como fonte de direito enquanto uso laboral.

III – A CRP – artºs 13º, 58º e 59º - e as normas legais em matéria de igualdade e não discriminação no trabalho – artºs 23º, nº 1, al. a), 24º e 25º do CT - exigem do empregador que adopte as medidas necessárias à efectiva igualdade de tratamento e se iniba das práticas que importem diferenciação injustificada.

IV – O princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.

Decisão Texto Integral:







                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A... instaurou contra B... , E.P.E, a presente acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que o Réu seja condenado a reconhecer o direito da Autora a que o Réu suporte os encargos com as quotizações da Ordem dos Advogados e Solicitadores correspondente ao escalão mínimo que for devido pela Autora, em conformidade com o respetivo regulamento da CPAS; a indemnizar a A. por todos os danos sofridos tanto patrimoniais como não patrimoniais, sendo na presente data no montante global de 14.404,20 €, a que devem acrescer os juros de mora vencidos no montante de 1.239,00 e os vincendos até integral pagamento; a pagar as mensalidades das quotas da Ordem dos Advogados e as contribuições da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores da A. que se vencerem desde a data da propositura da presente ação, até à prolação da sentença; a pagar mensalmente as quotas da Ordem dos Advogados e as contribuições da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores da Autora, directamente àquelas entidades, nos mesmos termos em que sempre foram efetuados os pagamentos no polo K... aos

demais juristas do respetivo gabinete.

                        Alegou, para o efeito e tal como consta da sentença recorrida:

                        Está ligada ao Réu por contrato de trabalho.

                        O exercício da advocacia por parte das 4 advogadas do GJC implica obrigatoriamente a inscrição actualizada na Ordem dos Advogados e consequentemente o pagamento mensal das quotas para a Ordem dos Advogados (actualmente 37,50 €/mês), e da contribuição mensal para a Caixa

de Previdência de Advogados e Solicitadores (actualmente 171,70 €).

                         O B... (na senda do que ocorria no BB... , E.P.E, e nos K... , E.P.E), atendendo a que as suas causídicas se encontram a trabalhar em regime de exclusividade, assume o pagamento das supracitadas verbas.

                        O que acontece em relação a todas as advogadas do GJC, com exceção da Autora.

                        A Autora com a situação descrita encontra-se a ser vítima de discriminação directa por parte do B... , uma vez que o Réu assume o pagamento dos encargos com as quotas da Ordem dos Advogados e as contribuições para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores de todas as suas Advogadas (Dr.ª C... , Dr.ª D... e, Dr.ª E... ), com única exceção da Autora.

                        Tal discriminação de que tem sido vítima ao longo dos últimos 5 anos por parte do Réu provoca à Autora uma grande angústia e tristeza.

                        O Réu contestou, dizendo:

                        O B... sucedeu nos contratos de trabalhos existentes, como foi o caso do celebrado com a Autora.

                        Existe diversidade de situações contratuais, designadamente entre contratos em funções públicas e contratos individuais de trabalho sem termo.

                         Não pode admitir-se a questão da equidade salarial no que à Dr.ª D... e à Dr.ª E... diz respeito, já que a soma do respectivo vencimento (1.201,48 €), com as quotas e CPAS (atualmente 209,20 €) é, ainda assim, inferior ao auferido pela Autora (1.613,42 €).

                        Apenas se pode aceitar que a Autora tenha ingressado no quadro de pessoal da carreira técnica superior nos K... na 4.ª posição remuneratória, a que corresponde o nível 23 da tabela única, no valor de 1.613,42 €, pela incorporação na sua remuneração das despesas com as quotas e CPAS.

                        Não é legalmente possível que o B... possa suportar os encargos que são de conta dos trabalhadores relativos a quotizações para ordens profissionais ou contribuições individuais não obrigatórios para organismos da segurança social, dado não ser contabilisticamente lícito o lançamento de documento que titule despesa de terceiro.

                        Instruída e julgada a causa foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo o Réu do pedido.     
                                                                       x
                        Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
                        […]

                        O Réu contra-alegou, propugnando pela manutenção do julgado.
                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº PGA emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x

                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como única questão a apreciar, a de saber se o não pagamento, por parte do Réu à Autora, das quotizações da Ordem dos Advogados e da contribuição mensal para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, vai contra o uso, juridicamente atendível, adoptado pelo Réu, e/ou constitui discriminação directa por parte do Réu, proibido pelos artsº 23º a 25º do CT:
                                                                  x
                        A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade, não objecto de impugnação e que este Tribunal de recurso aceita:
                        […]

                                                            x         

                        - o direito:

                        A este propósito escreveu-se na sentença recorrida:

                        “A questão nuclear a que somos convocados a dirimir, deriva da circunstância do Réu assumir o pagamento dos encargos com as quotas da Ordem dos Advogados e as contribuições para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores de todas as suas Advogadas (Dr.ª C... (até janeiro de 2016), Dr.ª D... . e Dr.ª E... ), com única exceção feita à aqui A.

                        Na perspetiva da A. esta diferenciação de tratamento consubstancia uma discriminação direta do R., relativamente a si, enquanto que para o R. tal situação, não a negando, deve-se a uma diversidade de situações contratuais, designadamente entre contratos de trabalho em funções públicas e, contratos individuais de trabalho sem termo.

                        Quid iuris:

                        Como início de abordagem da questão, importa referir que, efetivamente no seio do R. para o exercício da mesma atividade (advocacia do contencioso), existe uma miríade de situações envolvendo as advogadas do Gabinete Jurídico do R. (umas com contrato de trabalho em funções públicas, outras com contrato individual de trabalho), com tratamento diferenciado no que toca ao pagamento dos encargos com as quotas da Ordem dos Advogados, e contribuições para a caixa de previdência de advogados e solicitadores.

                        Com efeito, a esta diversidade de tratamento, no âmbito das causídicas com contrato individual de trabalho, não terá sido imune o facto da contratação da A., em 2010, ter-se efetuado com o K... , enquanto, a contratação das duas outras Advogadas (Dr.ª D... e, Dr.ª E... ), no mesmo ano de 2010, ter tido lugar com o BB... .

                        Sendo que, conforme aliás decorre do facto dado por provado em 01), o B... (aqui R.), foi criado posteriormente ao ano de 2010 pelo DL 30/2011 de 02 de março, por fusão dos K... , E. P. E., do BB... , E. P. E. E do W...., unidades de saúde às quais sucedeu em todos os direitos e obrigações, independentemente de quaisquer formalidades (art. 1.º n.º 1 al b) e art. 2.º n.º 1).

                        Posto isto, com arrimo na factualidade acima dada por provada, verifica-se que: O B... abonou às suas advogadas (relativamente à Dr.ª C... até janeiro de 2016) as verbas referenciadas de quotas da ordem dos advogados e, contribuição mensal para a caixa de previdência de advogados e solicitadores, independentemente: - de terem um vencimento superior (Dr.ª C... ) ou inferior (Dr.ª D... e, Dr.ª E... ) ao da Autora; - terem celebrado um contrato de trabalho em funções públicas (Dr.ª C... ) ou um contrato individual de trabalho (Dr.ª D... e, Dr.ª E... ); - serem funcionárias do Réu há mais tempo do que a Autora (Dr.ª C... ) ou há menos tempo (Dr.ª D... e, Dr.ª E... ); - se encontrar expressamente previsto no seu contrato de trabalho que a responsabilidade pelo pagamento das verbas é da responsabilidade do B... (Dr.ª D... e, Dr.ª E... ) ou ser o contrato de trabalho omisso quanto a esta questão (Dr.ª C... ).

                        Provando-se ainda que, mesmo antes do GJC ser composto pelas atuais causídicas, a todas as anteriores advogadas que compunham o GJC, sempre foi o Réu que assumiu o pagamento das verbas correspondentes às suas quotas para a Ordem dos Advogados e contribuições para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, fosse no polo BB... onde a equipa era formada pela aqui Autora e pela Dr.ª F... , fosse no polo K... à Dr.ª G... .

                        Independentemente do vencimento das mesmas ser superior ao da Autora (Dr.ª F... e Dr.ª G... ), estarem ligadas ao Réu por contrato de trabalho em funções públicas (Dr.ª G... ) ou por contrato individual de trabalho (Dr.ª F... ), serem funcionárias do Réu há mais tempo (Dr.ª G... ) ou há menos tempo do que a Autora (Dr.ª F... ) ou os seus contratos de trabalho preverem expressamente a responsabilidade do Réu pelo pagamento (Dr.ª F... ) ou serem omissos quanto a este tema (Dr.ª G... ).

                        O cotejo de tal acervo probatório no seu conjunto, permite concluir pela existência de uma prática quer anterior, quer contemporânea, por parte do R. em abonar às suas Advogadas, tais despesas de quotizações de inscrição obrigatória na Ordem Profissional que lhes permitia exercer tal profissão (suportando as mesmas).

                        Questiona-se assim se é suscetível de qualificar tal prática na categoria do denominado uso laboral, grosso modo entendido, segundo Tiago Cochofel de Azevedo, in da Relevância jurídica dos usos laborais, universidade católica Portuguesa, 2012, pág. 109, como prática reiterada geral (assim se distinguindo das práticas individuais estabelecidas entre o empregador e cada um dos seus trabalhadores, no âmbito de cada um dos contratos de trabalho individualmente considerados) passível (no âmbito de relações de execução continuada e duradoura) de gerar efeitos associados à tutela da confiança e expetativas das partes.

                        Com efeito, nos termos do art. 1.º do CT2009 (fontes específicas): “O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa-fé”.

                        Os usos da empresa constituem fonte de direito, não podendo, contudo, prevalecer sobre normas legais de regulamentação do trabalho de cariz imperativo, instrumentos de regulamentação coletiva, ou princípios de boa-fé, nem sobre disposição contratual expressa em sentido contrário.

                        O uso laboral tem como objeto as mais diversas prestações de índole social que o empregador proporciona aos trabalhadores que exercem a sua atividade quer em empresa, grupo ou sector económico, quer em estabelecimento, ou, porventura, em seu setor particular, como, por exemplo, administrativo.

                        Conforme refere, António Dias Coimbra, in Para Jorge Leite Escritos jurídico-laborais I, pág. 253.º, frequentemente, o uso laboral é visualizado como prática reiterada. Porém, a sua eficácia jurídica implica que o comportamento do empregador se revista de generalidade, constância e fixidez.

                        Nos dizeres de Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho Parte I, págs. 220.º e sgs., os usos correspondem a práticas sociais reiteradas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade.

                        Salienta, no entanto, tal autora (in obra supra citada, pág. 224.º) que, no que toca à relação entre os usos e contrato de trabalho, importa ter sempre presente a natureza e os efeitos dos próprios usos, uma vez que alguns deles podem fazer surgir direitos ou legítimas expectativas na esfera jurídica dos trabalhadores enquanto outros não são de molde a criar essas expetativas (v.g. prática reiterada correspondente a uma liberalidade).

                        De acordo com Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 13.ª edição, pág. 118- 119), «…os usos laborais, independentemente dos termos em que têm sido referenciados pela lei, podem surgir em diversas vestes e com distintas funções jurídicas.

                        Assim, e em primeiro lugar, temos os usos interpretativos, a que aludia expressamente o art. 12.º da LCT, mas que, em rigor, não necessitariam de menção expressa para serem “atendíveis”: sendo práticas normais, tradicionais ou correntes, e refletindo soluções reveladas pela realidade social, são naturalmente utilizáveis para ultrapassar a dificuldade de interpretação e as omissões que os contratos revelem (…).

                        Em segundo lugar, surgem os usos integradores da lei, apontados pelo art. 3.º CCiv., e que, constituindo também soluções de normalidade, assumem o aspeto particular de que a lei os incorpora como instrumento de valoração da realidade (…).

                        Finalmente, há que referir os usos laborais autónomos, que são vinculantes para si mesmos ou em função das características que certas práticas assumem. A repetição, a uniformidade e a continuidade dessas práticas, aliadas à sua licitude e à razoabilidade da expetativa de que se mantenham, transformam-nas em padrões de comportamento exigíveis. O caráter vinculante destas práticas é-lhes intrínseco, e pode ser, ou não, explicitamente reconhecido pela lei. Parece ser este o alvo principal da menção constante do art. 1.º CT».

                        Para Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 165) «O uso é uma prática reiterada. Distingue-se do costume por, nele, não surgir – ou não surgir suficientemente caracterizada – a convicção da obrigatoriedade».

                        Por isso, para este autor, o uso não pode ser fonte imediata de direito, mas sim fonte mediata do direito, porquanto (o uso) só revela normas jurídicas quando, para ele, remete uma fonte imediata, no caso, a lei.

                        Conforme é salientado, no recente Ac. da R.P datado de 14.03.2016, in www.dgsi.pt: « (…) apenas relevam os usos que representem uma prática social reiterada, sem a convicção da sua obrigatoriedade, uma prática reiterada geral (assim se distinguindo das práticas individuais estabelecidas entre o empregador e cada um dos seus trabalhadores, no âmbito de cada um dos contratos de trabalho individualmente considerados) passível (no âmbito de relações de execução continuada e duradoura) de gerar efeitos associados à tutela da confiança e expetativas das partes. Por isso, uma prática reiterada que não tenha carácter geral ou social não se constitui como fonte de direito enquanto uso laboral, devendo igualmente sublinhar-se que a simples habitualidade de uma dada prestação efetuada pelo empregador não constitui fonte de qualquer expetativa tutelável dos trabalhadores em termos de usos retributivo e no sentido da obrigação do empregador manter tal prestação».

                        Destarte, comportamentos da empresa imbuídos de tolerância, não comportam eficácia jurídica relevante no âmbito da constituição de uso laboral.

                        Na verdade, conforme menciona António Dias Coimbra (in, obra supra citada pág. 267.º) o empregador, quando concede, reiteradamente, prestações que incidem favoravelmente no conteúdo da relação laboral, nem sempre tem consciência de que se vincula para futuro. Daí, procurar-se a fundamentação do uso com base em elementos objetivos. Tal perspetiva implica que se atenda, na ponderação de todas as circunstâncias do caso, à expetativa que o comportamento continuado do empregador, manifestado sem reserva, suscita nos trabalhadores favorecidos. Pelo que, frente à eficácia jurídica do uso laboral, importa ter presente o princípio da boa-fé, aliás consagrado no art. 1.º do CT, bem como a concretização de adequado investimento de confiança do beneficiário da prestação (avaliar o investimento pessoal suscitado pelo comportamento do empregador).

                        Com base e suporte nesses ensinamentos, reportando-nos de novo ao caso sob escrutínio, descortina-se duas diversidades de procedimento por parte do R. consoante, o vínculo seja o contrato de trabalho em funções públicas ou, contrato individual de trabalho (daí se optar por analisar em separado estas duas modalidades contratuais):

                        - No contrato de trabalho em funções públicas: - a assunção por parte do R. do pagamento das quotas e caixa de previdência às Advogadas/técnicas superiores juristas do seu gabinete jurídico, é imbuído a nosso ver de um espírito de mera tolerância/liberalidade, porquanto a litigância judicial constitui um encargo para estas juristas que, de outro modo, não suportariam atenta a natureza do vínculo contratual firmado com o R. (o qual não pressupunha o exercício efetivo da advocacia do contencioso);

                        - No contrato individual de trabalho: - nesta modalidade contratual aquando do concurso aberto para a admissão de Advogado/Técnico superior – área jurídica, sabia-se previamente que o cargo a ocupar envolvia ab initio a vertente de representação judiciária do hospital nos contenciosos em que este seja parte. Daí que, a vinculação do pagamento pelo R. de tais quotas, e respetiva caixa de previdência, consubstancie uma prática individual estabelecida entre o empregador e cada um dos trabalhadores, no âmbito de cada um dos contratos de trabalho individualmente considerados (v.g. Cl.ª 11.ª dos contrato individuais de trabalho da Dr.ª D... e, Dr.ª E... e, aditamento, em 01 de setembro de 2008, ao primeiro contrato de trabalho celebrado entre a A. e o BB... – facto provados em 4), 26) e 28)).

                        Logo, tratando-se de uma prática individual contratualizada, a não inclusão de uma Cl.ª idêntica às demais e, acima referidas, no contrato de trabalho celebrado em 09.08.2010 com o K... (facto provado em 03), não viola em termos de razoabilidade e de boa-fé a tutela da confiança e expetativa da A., por não estarmos, desde logo, perante a constatação de um uso laboral relevante, cujos contornos foram acima assinalados – v.g, prática reiterada, genérica, passível de gerar confiança e expetativa.

                        Não obstante, questiona ainda a A. se relativamente a si, a não assunção pelo R. do pagamento de tais quotizações (para a Ordem dos Advogados e, Caixa de previdência), viola o direito à igualdade no trabalho constitucionalmente consagrado no art. 13.º da CRP, sendo assim vítima de discriminação direta nos termos do art. 23.º n.º 1, al. a) do CT, expressamente proibida pelo art. 25.º do mesmo Código.

                        Afrontará a conduta do R. o princípio da igualdade e não discriminação plasmado no art. 13.º da CRP?

                        A resposta a esta questão tem de ser necessariamente negativa.

                        Resulta efetivamente deste preceito que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei, em consequência do que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

                        Estatui o art. 23.º n.º 1, al. a) do CT: «Para efeitos do presente Código, considera-se: a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável».

                        Ora, é pacificamente entendido que o princípio da igualdade pressupõe uma igualdade material, reportada à realidade social vivida, e não uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, o que implica que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

                        Por isso, o que o princípio em causa proíbe são as discriminações sem fundamento material, porque assentes designadamente em meras categorias subjetivas, conforme doutrina correntemente afirmada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão n.º 313/89, in ‘Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º Vol., Tomo II, pgs. 917/ss.

                        Por outro lado, e citando GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pp. 127-128), a proibição de discriminação ínsita no âmbito de proteção do princípio da igualdade «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento», o que se exige «é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio».

                        Neste conspeto, entre as trabalhadoras com contrato de trabalho em funções públicas e, contrato individual de trabalho, existe uma diferenciação contratual que, não colide com o art. 13.º da CRP, por não se tratarem, desde logo, de situações iguais em termos materiais.

                        Tal violação do princípio da igualdade (a existir) colocar-se-á apenas relativamente às trabalhadoras contratadas através de contrato individual de trabalho? Será assim?

                        Mas também aqui não se verifica uma situação idêntica em termos materiais. Com efeito, pese embora, não estar previsto no contrato individual de trabalho da A. a assunção pela R. das quotas da Ordem dos Advogados, e respetiva caixa de previdência (ao contrário do que sucede, como vimos, com as colegas Dr.ª D... , e Dr.ª E... ), o certo é que, o montante remuneratório acordado e estipulado no seu contrato de trabalho é superior ao das suas duas outras colegas (1.613,42 € para a A., e 1.201.48 € para as demais).

                        Provando-se ainda que, o exercício da advocacia por parte das advogadas do GJC implica obrigatoriamente a inscrição atualizada na Ordem dos Advogados e consequentemente o pagamento mensal das quotas para a Ordem dos Advogados (atualmente 37,50 € / mês) e da contribuição mensal para a Caixa de Providência de Advogados e Solicitadores (atualmente 171,70€ / mês).

                        Logo, não será por demais inferir/intuir que a diferença remuneratória estipulada entre a A., e as suas duas colegas, serve também para cobrir tais despesas/encargos de quotização obrigatória para o exercício da profissão de Advogado.

                        Destarte, concluímos pela não violação do princípio de discriminação (direta ou indireta) porquanto, face a diversidade de remuneração estipulada nos contratos individuais de trabalho, somos forçados a concluir que a diferenciação de tratamento não constitui verdadeiramente uma prática discriminatória relativamente à A. em detrimento das colegas, sem fundamento material bastante”.

                        Subscrevemos, sem reserva, estas considerações.

               Com a preocupação de não repetir, por desnecessário, o que a esse respeito na sentença exaustiva e acertadamente se escreveu, diremos apenas que os usos, nos apertados limites definidos pela jurisprudência e pela doutrina, para além de se relacionarem com uma prática reiterada, realizada sem a convicção da sua obrigatoriedade, devem traduzir-se numa prática geral, isto é (cfr. Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag. 57) “realizada perante todos os trabalhadores ou, pelo menos, perante um grupo ou categoria destes e não perante um ou outro trabalhador individualmente considerado” (sublinhado nosso). Ou, dito de ouro modo, numa prática social (cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª ed., pags. 181 e ss.). No mesmo sentido  Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª ed., pags. 113 e ss.

               Por isso, uma prática reiterada que não tenha carácter geral ou social não se constitui como fonte de direito enquanto uso laboral.

                        E a recorrente, no seu recurso, designadamente nas conclusões 4ª e 5ª, em que valoriza, com base no artº 1º do Cod. Trabalho, a atendibilidade do uso do pagamentos dos encargos com quotas da Ordem dos Advogados e CPAS a todas as Técnicas Superiores da Área Jurídica, não põe minimamente em causa  a argumentação da sentença quando esta refere, a nosso ver sem oposição possível, que a vinculação do pagamento pelo Réu de tais quota e contribuição- sabendo-se que não existe norma legal que imponha o seu pagamento pelo empregador-, consubstancia uma prática individual estabelecida entre o empregador e cada um dos trabalhadores, no âmbito de cada um dos contratos de trabalho individualmente considerados, devendo qualificar-se como uma prática reiterada correspondente a uma liberalidade, sem a convicção da obrigatoriedade, sabendo-se previamente que o cargo a ocupar envolvia ab initio a vertente de representação judiciária do hospital nos contenciosos em que este seja parte

                        E também não se verifica a invocada violação da proibição de discriminação, consagrado nos artigos 23º a 25º do Código do Trabalho.

                        A Constituição da República Portuguesa – artºs 13º, 58º e 59º - e as normas legais em matéria de igualdade e não discriminação no trabalho exigem do empregador que adopte as medidas necessárias à efectiva igualdade de tratamento e se iniba das práticas que importem diferenciação injustificada

                        Em termos de lei ordinária, temos que dispõe o artº 23º, nº 1, al. a) do CT que:

                         “Para efeitos do presente Código, considera-se:
                        Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;”.         
                        Por sua vez, o artº 24º, nº 1, dispõe que “O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos”.

                        E o artº  25º consagra a “Proibição de discriminação” e estabelece, no seu nº 1, que “O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior” e no nº 5 que Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação”,.

                        Importa dizer, no entanto, que não basta uma qualquer situação de tratamento diferenciado para que se tenha por violado o direito à igualdade consagrado naquele artº 24º, nº 1, e, consequentemente, por preenchida a previsão típica do nº 5 do mesmo normativo.

              Com efeito e como se disse, aquele direito à igualdade constitui uma das expressões do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado (artº 13º da CRP).

              Por outro lado, é hoje pacífico que o princípio da igualdade não proíbe tratamentos  diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.
              Por outras palavras, o que esse princípio proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, porque assentes, designadamente, em meras categorias subjectivas – cfr. acórdãos do TC nºs 186/90, de 6/06/90, e 319/00, de 21/06/00, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pag. 128.

              Como assim, só pode ter-se por verificada uma situação de violação do princípio da igualdade se demonstrado estiver um tratamento diferenciado assente num qualquer factor de discriminação ilegítimo, designadamente ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical (artº 24º, nº 1, do CT/09).

               Como se escreveu no Acórdão 166/10 do Tribunal Constitucional, retomando os Acórdãos 186/90, 187/90 e 188/90, “o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa perspectiva sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot)”.

                        O regime do referido artigo 25.º reporta-se à protecção dos trabalhadores contra práticas discriminatórias ilícitas (a sua epígrafe é “proibição de descriminação”) fundadas em critérios estranhos ao desempenho laboral, critérios esses directamente atentatórios da dignidade da pessoa humana, dos direitos de personalidade do trabalhador, tal como resulta da explicitação indicativa do artigo 59.º, n.º 1, al. a) da CRP, ou sejam critérios ou factores característicos fundados na idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas. Factores esses que de forma mais ampla ou detalhada são referidos no n.º 1 do art. 24.º do Código do Trabalho, ainda que também de forma indicativa

                        Ora, como muito bem se salienta na sentença recorrida, por um lado estamos perante um diferença contratual entre as trabalhadoras com contrato de trabalho em funções públicas e contrato individual de trabalho, e, por outro lado, o montante remuneratório acordado e estipulado no  contrato de trabalho da Autora  é superior ao das suas duas outras colegas. E se é certo que se não provou expressamente que essa diferença de remuneração fosse destinada pela Ré a cobrir o pagamento mensal das quotas para a Ordem dos Advogados (actualmente 37,50€ / mês) e da contribuição mensal para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, não o é menos que tal diferença cobre largamente os montantes desses pagamentos, sendo legítimo intuir, como o faz a sentença, até pelo recurso a presunção judicial, que a diferença remuneratória estipulada entre Autora e as suas duas colegas serve também para cobrir tais despesas / encargos de quotização  obrigatória para o exercício da profissão de advogado.

                        Em reforço desse entendimento temos o conteúdo dos factos provados 29, 30 e 31:

                        O coordenador do Gabinete Jurídico e de Contencioso do Réu aufere um vencimento menor ao da Autora, o que, convenhamos, está longe de ser uma situação comum.

                        Por outro lado, se  o início da carreira dos Técnicos Superiores (sem contar o período de estágio) é remunerado pela 2.ª posição remuneratória, nível 15, no valor de 1.201,48 €, verifica-se que a Autora ingressou logo na 4.ª posição remuneratória, a que corresponde o nível 23 da tabela única, no valor de 1.613,42 €.

                        Não se verifica, assim, qualquer prática discriminatória.
                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                        Custas pela apelante.

                                                                       Coimbra, 27/10/2016

                                              

                                                                      (Ramalho Pinto)

                                                          

                                              

                                                                     (Azevedo Mendes)

                                  

                                                             (Joaquim José Felizardo Paiva)