Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
43/08.6GBSVV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: MEDIDA DE SEGURANÇA
INTERNAMENTO DE INIMPUTÁVEL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Data do Acordão: 12/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO BAIXO VOUGA – SEVER DO VOUGA – JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: NULIDADE DO ACÓRDÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 98º CP E 379º Nº 1 C) CPP
Sumário: A omissão de pronúncia sobre a questão da suspensão da execução da medida de segurança de internamento e tratamento em estabelecimento adequado imposta a arguido inimputável e perigoso, constitui nulidade que deve ser suprida pelo tribunal “ a quo”.
Decisão Texto Integral: I. Relatório.

1. No Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Sever do Vouga, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido:
- A..., residente no …,

imputando-lhe a prática de factos consubstanciadores dos tipos de crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, nº 1, alínea a), do Código Penal e de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86°, nº 1, alínea d) da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, requerendo ainda a sua declaração como inimputável e a aplicação de medida de segurança nos termos do artigos 91 ° e seguintes do Código Penal.

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2. Por sentença de 25 de Fevereiro de 2011, o tribunal decidiu nos seguintes termos:
a) Julgar provada a prática, pelo arguido A..., dos factos objectivamente integradores de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, nº1, al. a) e nº 2 do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1 al. d) da Lei nº 5/2006, de 23/2.
b) Considerar o arguido A... inimputável, em razão de anomalia psíquica, e perigoso, ficando o mesmo sujeito a medida de segurança de internamento e tratamento em estabelecimento adequado, com a duração máxima de 5 (cinco) anos, cuja execução será avaliada nos termos legais (artigos 92° a 96º do Código Penal).
c) Condenar o arguido, nas custas do processo.
d) Determinar o perdimento a favor do Estado, das munições e restantes objectos apreendidos.
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4. Inconformado, o arguido veio interpor recurso da sentença, formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

“1ª) Ao contrário do que vem vertido no Acórdão posto em crise, o Arguido apresentou contestação nos Autos (em 23/12/2010 e em 13/01/2011), todavia o tribunal "a quo" não conheceu a matéria vertida na mesma, logo deixou de se pronunciar sobre uma questão que podia e devia apreciar e, como talo Acórdão é nulo, nos termos do art. 379° n°. 1 alínea c) do Código de Processo Penal.
2ª- Existe contradição insanável, nos termos e para os efeitos previstos no art. 410° n°. 2 Alínea b) do Código de Processo Penal, entre a prova da inimputabilidade do Arguido A...(pontos 26 e 28 dos factos dados como provados) e a prova constante nos pontos 22 e 25 da matéria dada como provada.
3ª- Ao Arguido A...foi aplicada a medida de segurança de internamento e tratamento, contudo não podemos concordar dado que deveria ter sido determinada a suspensão da medida de internamento, nos termos do art. 98° do Código Penal, com a aplicação de regras de conduta convenientes ao presente caso, nomeadamente, apoio médico psiquiátrico, tomada de psicofármacos controladores da sua doença mental e tratamento ao álcool (art. 98° nº. 3 do Código Penal).
4ª-O arguido A...conforme decorre do Acórdão posto em crise tem uma habitação (ponto 32)), é ajudado pelos pais com os quais mantém contactos diários (ponto 33)); ele próprio responsabiliza-se pelo pagamento de empréstimo bancário e pelo pagamento dos medicamentos que consome (ponto 33)), logo sujeitar o mesmo a um internamento efectivo afastando da sua casa, dos seus pais, dos seus compromissos terá uma carga muito negativa em vez de positiva, podendo gerar no mesmo impulsos de violência e estados de ansiedade que prejudicam a recuperação desejada.
5ª-O Arguido vivendo em liberdade, embora condicionada, com uma vigilância e controlo de quem de direito poderá viver em sociedade sem causar distúrbios e a simples ameaça da efectivação do internamento é por si só susceptível de afastar o Arguido A...de comportamentos anti-sociais.
6ª- Assim, é razoável esperar que com a suspensão da medida de internamento se possa alcançar a finalidade da mesma, ou seja, evitar a prática de factos da mesma espécie por parte do Arguido A...e ao ser a mesma suspensa não existirá qualquer incompatibilidade com a defesa da ordem jurídica e da paz social, ao decidir de forma diferente, o Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 98° do Código Penal.
\NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, revogando o Acórdão sob recurso em conformidade com as precedentes conclusões Vªs. Exªs. farão, corno sempre, a habitual
JUSTIÇA ”
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5. Cumprido que foi o disposto no artigo 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o Ministério Publico, veio (fls. 505/515) defender a improcedência do recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1ª - O recorrente invoca nulidade do acórdão, porquanto, ao afirmar que não foi apresentada contestação, não conheceu da matéria da mesma, em violação do disposto no artigo 379 – nº1 - al. c) CPP.
2ª - Refere ainda haver contradição insanável entre a matéria de facto julgada como provada nos pontos 26 e 28 e a provada sob os nº22 e 25.
E, acaba por pedir que a medida de segurança de internamento, seja suspensa nos termos do artigo 98 do CP.
3ª - A questão que o recorrente coloca, em primeiro lugar tem a ver com o não conhecimento da matéria de facto vertida na contestação, pois no Acórdão recorrido escreveu-se que não foi apresentada contestação.
Efectivamente foi apresentada contestação, mas os factos nela vertidos foram objecto de apreciação indirecta pelo Tribunal, quando nos factos dados como provados sob os 30 a 41 se apreciou a personalidade do arguido.
4ª - Na contestação alega-se que o recorrente é pessoa calma, cordata, pacífica, integrada socialmente, de modesta condição social e que nunca esteve preso. Ora, sendo todos estes factos muito genéricos, estão bem concretizados na matéria de facto dada como provada sob o nº 30 a 41.
5ª - E, só há lugar a nulidade da sentença se os factos em falta forem considerados indispensáveis e necessários para a boa decisão da causa - neste sentido Acórdão do TRC de 24/10/90 - CJ XV - tomo 5 - pago 72.
6ª - No caso em apreço, parece-nos ser irrelevante para a boa decisão da causa afirmar, em termos vagos e conclusivos, se o arguido é pessoa calma, cordata ou pacífica.
O que importa, e definir a sua personalidade em concreto e não em termos abstractos, e quanto a isso, o Colectivo pronunciou-se.
7ª - A eventual contradição entre os factos provados sob o nº 22 e 25 e os do nº 26 e 28: ou seja, contradição entre a consciência da ilicitude ou uma actuação dolosa e o facto do Tribunal concluir pela inimputabilidade do recorrente. Segundo a matéria de facto dada como provada, o recorrente sabia que ofendia a honra da sua mulher e que o seu comportamento provocava nela medo e inquietação.
Ora, o agente, que no momento da prática do facto, tiver capacidade para avaliar a ilicitude do mesmo, mas sofrer duma anomalia psíquica grave, cujos efeitos não domina, pode ser declarado inimputável - cfr artigo 20 – nº2 do CP.
É isso que se passa com o recorrente.
8ª - Pugna o recorrente pela suspensão da execução da medida do internamento.
Parece-nos, contudo, que lhe não assiste razão.
O recorrente continua a viver com a vítima, que é para ele a causa de todos os conflitos, na sequência de problemas relacionados com a dissolução dos vínculos conjugal e patrimonial.
Tem hábitos de excessivo consumo de álcool.
Tem já pendentes condenações por condução sob influência do álcool e detenção ilegal de armas.
9ª- A factualidade integradora do crime de violência doméstica é de tal modo grave, que não permite acreditar que o recorrente se trate voluntariamente, e que não cometa factos da mesma espécie, nomeadamente de violência doméstica, pois inclusive continua a viver na mesma casa da vítima.
10ª - Só o internamento efectivo, permitirá alcançar a finalidade que o mesmo visa, ou seja: a de que o recorrente se trate e evite cometer factos ilícitos da mesma espécie.
Nestes termos, improcedendo totalmente o recurso, será feita JUSTIÇA”.
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6. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, no douto parecer que emitiu, manifestou-se no sentido da improcedência do recurso do arguido.
Foram colhidos os vistos legais.
Realizou-se a conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Delimitação do objecto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no artº 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, o recurso pode versar simultaneamente matéria de facto e de direito, o que decorre das disposições conjugadas dos arts. 364.º, 412.º, 428.º e 431.º, todos do Código de Processo Penal.

No caso sub judice, as questões postas à consideração deste tribunal ad quem pelo recorrente, são:
a) Da nulidade do acórdão, porquanto, ao afirmar que não foi apresentada contestação, não conheceu da matéria da mesma, em violação do disposto no artigo 379 – nº1 - al. c) CPP.
b) Da contradição insanável entre a matéria de facto julgada como provada nos pontos 26 e 28 e a provada sob os nº22 e 25.
c) Saber se a medida de segurança de internamento aplicada ao arguido deve se suspensa, ou não.
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2. Na sentença recorrida foram dados como provados e não os seguintes factos, com base na fundamentação referida (transcrição):

A) FACTOS PROVADOS
Produzidas as provas e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) O arguido A... e a ofendida B... contraíram casamento em … e, pouco tempo após essa data, passaram a residir no lugar de … , área deste Concelho e Comarca.
2) Com o casal residem … , mãe da ofendida B..., e os dois filhos de ambos, … , já maiores de idade.
3) Desde o início do casamento, o arguido começou a usar de violência psicológica e a proferir expressões injuriosas e expressões ameaçadoras para com a ofendida B... quer no interior quer no exterior da residência de ambos, muitas vezes na presença dos dois filhos e da sogra, dizendo-lhe nomeadamente "que a mesma tem amantes, que tem vários cavaleiros", " vou buscar a arma que tenho no cofre e liquido-te" " não te hei-de dar descanso por um minuto, de uma maneira ou de outra hei-de te matar", assumindo o arguido comportamentos agressivos e pouco tolerantes.
4) Ao longo do tempo a ofendida foi suportando as injúrias e ameaças, por medo e como forma de manter o casamento com o arguido.
5) O arguido sofre de problemas de alcoolismo e quando está embriagado, em datas não concretamente apuradas e frequentemente durante o período nocturno, toma-se agressivo, deambula pelo interior da residência do casal, batendo portas, simulando conservas telefónicas, mexendo em loiça, falando alto, dizendo para além do mais, "só tenho putas e vacas aqui em casa", não permitindo, desse modo, o descanso da ofendida e de todos os demais que aí residem.
6) Em dia não concretamente apurado do mês de Setembro ou Novembro de 2007, que apenas se sabe ter sido a um Domingo, a meio da tarde, o arguido munido do que parecia ser uma arma, de pequenas dimensões, e de características não determinadas, apontou a mesma à ofendida dizendo-lhe "para que esta abandonasse a casa, senão que a mataria", ao que a ofendida, em face disso, se ausentou da residência de imediato, dizendo-lhe que iria pedir ajuda.
7) No dia 21 de Janeiro de 2008, pelas 20h00m, na residência de ambos, o arguido, ao ver estacionado à sua porta um veiculo automóvel que havia sido emprestado à ofendida, porquanto o seu veiculo tinha avariado, facto que o arguido conhecia, este iniciou uma discussão com aquela, dizendo-lhe nomeadamente: "que era uma puta, uma vaca, que trazia para a porta de casa o carro do amante. "
8) Nesse mesmo dia, após essa discussão, encontrando-se a ofendida ausente de casa, o arguido, que se encontrava no interior da residência, fechou a porta de entrada trancando-a por dentro, impedindo, dessa forma, que a ofendida e entrasse em casa.
9) Ao constatar que a porta de entrada se encontrava trancada e que o arguido não lhe abria a porta de casa, a ofendida chamou ao local uma patrulha da GNR, que aí compareceu alguns minutos mais tarde.
10) Só com a presença da GNR no local é que o arguido abriu a porta de entrada à ofendida, permitindo que a mesma entrasse em casa.
11) No momento em que abriu a porta, e perante os militares da GNR, o arguido disse "que não deixou entrar a ofendida para não lhe espetar uma faca na barriga" e, dirigindo-se directamente à ofendida, disse-lhe: "tens 24 horas para sair daqui para fora. E melhor assim do que espetar-te duas facadas no bucho ".
12) No dia 28 de Maio de 2009, pelas 21 horas, no interior da residência de ambos, encontrando-se a ofendida e o arguido na cozinha, o arguido, falando ao telemóvel, disse: "vais dizer em tribunal que a montaste" e, após, dirigindo-se à ofendida, disse-lhe "para ela avisar o seu advogado que os seus cavaleiros iriam comprovar em tribunal que a andavam a montar".
13) De imediato a ofendida saiu para o exterior da residência, tendo o arguido, nesse momento, erguido uma cadeira, em gesto de ameaça, dizendo: "sai desta casa senão mato-te, a tua vida está na ponta de uma arma, sua puta, sua vaca".
14) A ofendida, após ouvir tais expressões dirigiu-se para o seu quarto, onde se fechou.
15) A hora não concretamente apurada, na noite de 17 para 18 de Maio de 2010, o arguido abriu um bico do fogão de gás na cozinha, ficando este toda a noite aberto a perder gás, até que pela manhã a ofendida se apercebeu do intenso odor a gás e foi de imediato fechar o referido bico.
16) No dia 19 de Maio de 2010, pelas 22 horas, quando a ofendida regressou à sua residência após ter feito uma caminhada, encontrou as luzes todas apagadas e as portas da residência todas trancadas.
17) A ofendida tocou à campainha e pediu ao arguido, que se encontrava no interior, para abrir a porta, o que este não fez.
18) Nessa ocasião compareceu no local, a pedido da ofendida, uma patrulha da GNR que, ao tentar falar com o arguido, este proferiu de imediato as seguintes expressões: "não abro a porta, porque ela vem da beira do cavaleiro, ela anda a prostituir-se, ela é uma puta. "
19) Perante esta atitude do arguido, a ofendida chamou a sua mãe, que também se encontrava no interior da residência, e pediu-lhe que abrisse a porta.
20) Contudo, … constatou que as portas tinham sido todas trancadas e nenhuma tinha a respectiva chave por dentro, pelo que só através de uma janela que abriu e com auxílio de três cadeiras foi possível a entrada da ofendida para o interior da residência.
21) Em consequência de tais condutas do arguido, receando pela sua integridade física e pela sua vida, a ofendida passou a dormir trancada no quarto a fim de evitar que o arguido entre, enquanto dorme e descansa.
22) O arguido ao proferir todas as expressões acima descritas, de viva voz, quer em privado quer publicamente, sabia que as mesmas eram adequadas e idóneas a ofender, como ofenderam a sua mulher B... na sua honra e consideração, e a humilhar, como humilharam a mesma perante familiares, amigos e vizinhos, e bem assim sabia que os actos e expressões utilizados eram idóneos a provocar na ofendida, como provocaram, medo e inquietação, limitando a liberdade de determinação da mesma.
23) Em 09 de Maio de 2008, das 11h00m às 11h50m, foi efectuada pelos militares da GNR …, uma busca domiciliária à residência do arguido, tendo sido encontrado e apreendido, no quarto de dormir do mesmo, dentro de um cofre, duas caixas de munições de marca SPEER contendo numa vinte munições calibre 6.35mm, e noutra trinta munições do mesmo calibre e marca, e, um estojo preto contendo no seu interior um escovilhão para limpeza de arma de fogo; em cima do guarda-roupa, foi encontrado e apreendido um cinturão com capacidade para trinta munições calibre 12, com vinte e cinco cartuchos de marca Rotary.
24) O arguido não é titular de licença de uso e porte de arma de fogo nem de licença de detenção de arma de fogo no domicílio.
25) O arguido sabia que detinha as supra identificadas munições em seu poder e na sua disponibilidade, sem que fosse titular de licença de uso e porte de arma de fogo nem de licença de detenção de arma de fogo no domicílio.
26) O arguido sofre de deficiência mental ligeira, problemas de alcoolismo e padecia então e padece ainda de perturbação psiquiátrica denominada perturbação paranoide (Paranóia) que lhe provoca descompensação.
27) O arguido esteve internado no Serviço de Psiquiatria dos HUC de 27 de Maio de 1999 a 23-06-1999 por adição e consumo elevadíssimo de ansioliticos, num contexto de doença de Crohn, com alterações das provas hepáticas de provável etiologia tóxica e queixas somáticas múltiplas, tendo sido realizado desabituação durante o internamento.
28) Em situações de conflito com a esposa ou com outras pessoas de que ele guarde ressentimento ou atribua intenções maldosas há um prejuízo total das condições normais da determinação dos seus actos, o que lhe confere inimputabilidade.
29) Em virtude da anomalia psíquica de que padece e da natureza e da gravidade dos factos praticados, existe uma probabilidade de o arguido vir a praticar outros factos ilícitos típicos da mesma espécie dos supra descritos, ou até de outros, denotando perigosidade criminal e perigosidade social.

MAIS SE PROVOU QUE:
30) O arguido esteve emigrado na Suíça, após contrair matrimónio, tendo aí exercido a profissão de operador de máquinas, encontrando-se aposentado e auferindo uma reforma de cerca de 600 euros.
3 1) Antes, fora operário na … .
32) Habita no rés-do-chão da casa do casal, sendo o primeiro andar ocupado pela ofendida, pela sogra, e pelos filhos.
33) É ajudado por seus pais, com os quais mantém contactos praticamente diários, tendo despesas de pagamento das prestações de empréstimo bancário e medicamentos.
34) Consome álcool em excesso com frequência.
35) Manifesta-se inconformado, denotando ansiedade, e associa insistentemente o mesmo à conflitualidade na relação com a esposa, a quem imputa, tal como à sogra, a responsabilidade dos desentendimentos.
36) Tem sido acompanhado pela DGRS no âmbito de suspensão de pena de prisão, tendo denotado sempre dificuldade relativamente à interiorização das medidas aplicadas, não mostrando motivação para o seu cumprimento.
37) Por decisão de 13-4-2004, transitada em julgado em 29-4-2004, foi condenado pela prática, em 25-11-2002, de um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153°, nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 3 euros, tendo a pena sido declarada extinta pelo cumprimento.
38) Pela prática, em 28-5-2005, de um crime de condução sob a influência do álcool, p. e p. pelo artigo 292°, n° 1, do Código Penal, foi condenado, por decisão de 11-10-2007, transitada em julgado em 30-6-2008, na pena de 95 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento.
39) Por decisão de 20-12-2007, transitada em julgado em 24-1-2008, foi condenado pela prática, em 6-1-2006 e 16-1-2006, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6°, nº 1, da Lei 22/97, de 27/6, e de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181 ° do Código Penal, na pena única de 190 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, tendo a mesma sido declarada extinta pelo cumprimento.
40) Por decisão de 21-4-2008, transitada em julgado em 9-6-2008, foi condenado pela prática, em 8-9-2006, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6°, n° 1, da Lei 22/97, de 27/6, e de um crime de condução sob a influência do álcool, p. e p. pelo artigo 292°, nº 1, do Código Penal, na pena de 290 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento.
41) Por decisão de 2-6-2010, transitada em julgado em 7-7-2010, foi condenado pela prática, em 30-4-2010, de um crime de condução sob a influência do álcool, p. e p. pelo artigo 292°, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a condição de se sujeitar a tratamento médico ou cura em instituição adequada quanto à dependência alcoólica, com acompanhamento dos Serviços de Reinserção Social.

B)FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou, quanto ao facto 6), que fosse mesmo de uma arma que o arguido estava munido, e que tal tenha ocorrido pelas 19h00.

C) MOTIVAÇÃO
A prova dos factos teve a sua base na conjugação dos documentos constantes dos autos com a prova testemunhal produzida em audiência.
Ao nível documental foram relevantes o relatório de busca e apreensão de fls. 84/89, o auto de apreensão de fls. 90 e o auto de exame de fls. 252, no que concerne à detenção de munições e objectos com elas relacionados. No que concerne ao estado mental do arguido relevaram a certificação de internamento dos HUC de fls. 163 e o relatório às faculdades mentais do arguido de fls. 205/211.
Quanto à idade da vítima, e filhos, as certidões de nascimento de fls. 172, 321 e 326, bem como, quanto ao casamento, a certidão de fls. 331.
Foram ainda relevantes o CRC de fls. 435/442 e o Relatório Social de fls. 448/452.
Ao nível pessoal, foram relevantes o depoimento da vítima B..., que, de forma segura, rigorosa e isenta relatou os factos ocorridos por forma a confirmá-los na sua quase totalidade, apenas com excepção de se tratar efectivamente de uma arma o objecto com que o arguido ameaçou a mesma em Setembro ou Novembro de 2007, já que esta afirmou ter-lhe parecido uma arma e situou este facto a meio da tarde.
Também a testemunha mãe da vítima, confirmou a totalidade dos factos, por residir na mesma casa, referindo em concreto as injúrias e ameaças proferidas, bem como o encerramento das portas e janelas por pelo menos duas vezes por parte do arguido, para impedir a entrada da vítima, a abertura do gás do bico do fogão e o episódio em que referiu, após um dos encerramentos das portas e janelas, e na presença da GNR, que era melhor fechar-lhe a porta do que "espetar-lhe uma faca no bucho".
Tiveram-se ainda em conta os depoimentos das testemunhas agentes da GNR …, que participaram na busca e a confirmaram e mostraram conhecimento directo, por terem assistido algumas vezes (foram à residência umas 4 ou 5 vezes), e atendido telefonemas do arguido nos quais afirmava, denotando forte embriaguês que a mulher tinha um amante e que havia de lhe dar um tiro.
A testemunha … confirmou ter sido patrão da vítima numa empresa de limpezas e ter emprestado a viatura à mesma, após o que, como resulta dos depoimentos da vítima e de sua mãe, ocorreu um fechar de portas, insultos e ameaças.
Também a testemunha … , prima da vítima, confirmou uma altura ter ido com esta numa caminhada e terem encontrado as portas e janelas encerradas no regresso, tendo sido necessário chamar a GNR, e tendo-se verificado os habituais insultos e ameaças, tendo mesmo sido necessário a entrada por uma janela por parte da vítima, a qual lhe fora aberta pela mãe.
Todas as testemunhas, em especial … e … referiram que a situação deixava a vítima prostrada, com sintomas de depressão, sendo um verdadeiro "inferno" que estava a viver.
Quanto aos factos 30) a 33) relevaram também as declarações do arguido.”

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3. APRECIANDO.
No caso dos autos, o tribunal “a quo” julgou provada a prática, pelo arguido A..., dos factos objectivamente integradores de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, nº1, al. a) e nº 2 do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1 al. d) da Lei nº 5/2006, de 23/2.
Porém, considerou o arguido inimputável, em razão de anomalia psíquica, e perigoso, ficando o mesmo sujeito a medida de segurança de internamento e tratamento em estabelecimento adequado, com a duração máxima de 5 (cinco) anos, cuja execução será avaliada nos termos legais (artigos 92° a 96º do Código Penal).
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Face ao disposto no artigo 428.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
Resulta da análise da motivação que o arguido/recorrente discorda quer da matéria de facto, quer da matéria de direito.
Vejamos então,
3.1. Da eventual nulidade da sentença/acórdão.
O arguido veio defender que ao contrário do que vem vertido no Acórdão posto em crise, o Arguido apresentou contestação nos Autos (em 23/12/2010 e em 13/01/2011), todavia o tribunal "a quo" não conheceu a matéria vertida na mesma, logo deixou de se pronunciar sobre uma questão que podia e devia apreciar e, como talo Acórdão é nulo, nos termos do art. 379° n°1 alínea c) do Código de Processo Penal. Atento os factos que foram dados como provados pelo Douto Tribunal a quo e aqueles que foram dados como não provados, resulta que há factos alegados na acusação relativamente aos quais aquele Douto Tribunal não se pronunciou e que deveria se ter pronunciado por serem relevantes para a decisão.
Termina o recorrente, defendendo que esta omissão constitui fundamento de nulidade da sentença nos termos dos arts. 379°, alínea a) e 374, nº 2, ambos do CPP, o que requer seja declarado.
Vejamos.
Como se sabe, com a revisão constitucional de 1997 o art. 205º da CRP passou a impor a fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, deixando à lei ordinária a regulação da forma e amplitude que a fundamentação assumirá em cada caso.
No que ao processo penal respeita, o art. 97º nº5 do CPP dispõe genericamente sobre os actos decisórios dos juízes e do Ministério Público, determinando que os mesmos devem ser sempre fundamentados, contendo os fundamentos de facto e de direito da decisão.
Para além desta disposição de carácter geral, o Código de Processo Penal estabelece especiais requisitos de forma e conteúdo no artº 194º do CPP (despacho que aplica medida de coacção), no artº 308º (despacho de pronúncia e não pronúncia) e nos artºs 374º e 375º (sentença).
Nos termos do art. 374º nº2 do CPP, a fundamentação da sentença “ … consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão …”.
O art. 375º nº1 CPP estabelece que da sentença condenatória constarão especialmente, “ … os fundamentos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada …”, determinando o nº 3 do art. 71º do C. Penal que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
No que respeita às finalidades da fundamentação dos actos decisórios em geral e também em processo penal pode dizer-se que, independentemente de diferenças de formulação, é consensual a ideia de que são, essencialmente, três, essas finalidades: (1) permitir o controlo da legalidade do acto, (2) convencer os interessados e os cidadãos em geral da correcção e justiça da decisão e (3) obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo. (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo penal II, Verbo-1999, p.2)
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Vejamos então se à luz do quadro geral sumariamente traçado, a decisão sob recurso cumpriu ou não o dever que resulta do artº 374º, nº 2 do C.P.P., cujo não cumprimento levaria á nulidade prevista no artº 379, nº 1 al. a) do mesmo CPP.
Os vícios da sentença (ou de acórdão), que determinam a nulidade da sentença, previstos no art. 379º do Código de Processo Penal, constituem deficiências da própria sentença enquanto acto processual autonomamente considerado, que se traduzem em desconformidade do acto decisório com os pressupostos, exigências, conteúdo necessário, ou modo de construção que a lei determina (acórdãos do TRC de 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 16.11.05, recurso penal 1793/05, em www.dgsi.pt) .
Nos termos das als. a) e c) do nº 1 do art. 379º, é nula a sentença:
“a) Que não contiver as menções referidas no nº2 ….do artigo 374, ou
b) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” .
Ora, entende o recorrente que o tribunal recorrido não se pronunciou, dando-os como provados ou não provados, acerca de todos os factos constantes da acusação e da contestação, reclamando ainda do facto de o tribunal “a quo” ter considerado que não existiu contestação por parte do arguido, quando a mesma foi tempestivamente apresentada.
A razão, porém, não assiste ao recorrente.
Na verdade, compulsados os autos, constatamos que a fls. 298/305 se mostra junta a acusação e a fls. 355/356 se mostra junta a contestação. Lidas tais peças processuais e olhando para a factualidade dada como provada e não provada, não conseguimos perceber o que pretende o recorrente quando diz que o tribunal recorrido, não apreciou todos os factos constantes da acusação ou pronúncia.
Na verdade foi apresentada contestação, contrariamente ao que consta do acórdão recorrido.
Contudo, é manifesto que quando o acórdão recorrido refere que não foi apresentada contestação cai num lapso que certamente se deverá á utilização informática de diversos textos de apoio.
Contudo, ao apreciarmos o conteúdo da contestação, de fls. 355/356, da mesma ressalta que o arguido aí se limitou a oferecer o merecimento dos autos e a referir que o mesmo é “pessoa calma, cordata e pacifica, que não se mete em desacatos” e que “nunca esteve preso”, “é pessoa bem aceite e integrada no meio social em que vive e de modesta condição social”.
Ora, se atentarmos na factualidade dada como provada, nos pontos 26 a 41, concluímos de imediato que todas essas questões aí se mostram respondidas e que não se verifica qualquer omissão de pronúncia.
Ou seja, da factualidade provada resulta manifestamente claro que todos os factos alegados pela acusação e/ou pela defesa, foram apreciados e decididos como provado e/ou não provados pelo tribunal “a quo”.
Além disso sempre acrescentaremos que era ao recorrente a quem incumbia dizer quais os factos que, na sua tese, não foram apreciados pelo tribunal recorrido e isso o recorrente não fez.
Ou seja, o recorrente não é explícito nas razões que, em seu entender, conduziriam a tal conclusão, excepto a genérica afirmação de que “………..todavia o tribunal "a quo" não conheceu a matéria vertida na mesma, logo deixou de se pronunciar sobre uma questão que podia e devia apreciar e, como talo Acórdão é nulo, nos termos do art. 379° n°. 1 alínea c) do Código de Processo Penal.”
Ora o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal ao exigir que ao relatório se siga a fundamentação, apenas exige que desta conste “…..a enumeração dos factos provados e não provados” que tenham sido alegados pela acusação e/ou pela defesa, pretende apenas dizer que se o tribunal deixar de pronunciar-se ou se se pronunciar indevidamente sobre questões suscitadas e não os simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes.
Constituiu hoje entendimento pacífico que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do crime, da culpa ou que relevem para a medida da pena.
Ora, o caso concreto, não temos dúvida em afirmar que a fundamentação, sendo concisa, é completa porque nela é apreendida a razão por que o tribunal deu como provados ou não provados todos os factos objecto de análise e todos aqueles que á causa interessavam.
Não há, pois, nulidade da sentença uma vez que a mesma contém todas as menções exigidas pelo artigo 374 ° n.º 2 do CPP, designadamente a indicação e apreciação crítica das provas relativas aos factos pertinentes e a fixação dos mesmos em provados e não provados, bem como se não verifica qualquer omissão de pronuncia, relativamente á factualidade suscitada pela acusação e pela defesa.
Assim impõe-se concluir que não padece da nulidade a que se refere o artigo 379° nº 1 alíneas a) ou c) do Código de Processo Penal nem outra, pelo que improcederá, nesta parte, o presente recurso.
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3.2 Da contradição insanável entre a matéria de facto julgada como provada nos pontos 26 e 28 e a provada sob os nº22 e 25.
No caso vertente, da sentença recorrida consta a indicação dos factos provados e não provados.
Veio ainda o recorrente alegar que existe contradição insanável, nos termos e para os efeitos previstos no art. 410° n°. 2 Alínea b) do Código de Processo Penal, entre a prova da inimputabilidade do Arguido A...(pontos 26 e 28 dos factos dados como provados) e a prova constante nos pontos 22 e 25 da matéria dada como provada.
Isto é, o recorrente diz que estaremos em presença de factos que são manifestamente contraditórios entre si, a saber o facto dado como provado no parágrafo 7° e 9° dos factos provados. Ou seja o recorrente entende que existe contradição ao dar-se como provado que “26) O arguido sofre de deficiência mental ligeira, problemas de alcoolismo e padecia então e padece ainda de perturbação psiquiátrica denominada perturbação paranoide (Paranóia) que lhe provoca descompensação” e que …………… “28) Em situações de conflito com a esposa ou com outras pessoas de que ele guarde ressentimento ou atribua intenções maldosas há um prejuízo total das condições normais da determinação dos seus actos, o que lhe confere inimputabilidade.”, é contraditório com os factos provados onde se considera que “……….2) O arguido ao proferir todas as expressões acima descritas, de viva voz, quer em privado quer publicamente, sabia que as mesmas eram adequadas e idóneas a ofender, como ofenderam a sua mulher B... na sua honra e consideração, e a humilhar, como humilharam a mesma perante familiares, amigos e vizinhos, e bem assim sabia que os actos e expressões utilizados eram idóneos a provocar na ofendida, como provocaram, medo e inquietação, limitando a liberdade de determinação da mesma.” “25) O arguido sabia que detinha as supra identificadas munições em seu poder e na sua disponibilidade, sem que fosse titular de licença de uso e porte de arma de fogo nem de licença de detenção de arma de fogo no domicílio.
Defende o recorrente, em suma, que existirá contradição entre a consciência da ilicitude e o facto do Tribunal concluir pela inimputabilidade do recorrente.
Porém não tem razão o recorrente.
Na verdade, segundo a matéria de facto dada como provada, o recorrente sabia que ofendia a honra da sua mulher e que o seu comportamento provocava nela medo e inquietação e que o mesmo arguido sofre de deficiência mental ligeira, problemas de alcoolismo e padecia então e padece ainda de perturbação psiquiátrica denominada perturbação paranoide (Paranóia) que lhe provoca descompensação e ainda que em situações de conflito com a esposa ou com outras pessoas de que ele guarde ressentimento ou atribua intenções maldosas há um prejuízo total das condições normais da determinação dos seus actos, o que lhe confere inimputabilidade.
Porém, o agente, que no momento da prática do facto, tiver capacidade para avaliar a ilicitude do mesmo, mas sofrer duma anomalia psíquica grave, cujos efeitos não domina, pode ser declarado inimputável - cfr. artigo 20 – nº2 do CP.
É isso que se passa com o recorrente. O mesmo é inimputável, mas em certos momentos tem capacidade (como teve) para avaliar a ilicitude dos seus actos (como aconteceu e o tribunal a quo deu como provado).
Na verdade, existirá o vício da contradição insanável, quando de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, por contradição insanável entre os factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal.
Ou seja, para se verificar contradição insanável a que se reporta a al. b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado.
Por isso concluímos que não se vê qualquer contradição (e muito menos “patente”), entre os factos dados como provados. Isto é resultou provado que o arguido é inimputável, mas que mesmo assim num determinado momento actuou de forma a ter consciência da ilicitude dos seus actos e querendo praticá-los.
É evidente, pois, que não existe qualquer contradição, também nesta parte, estando-se em face de realidades diversas, improcedendo consequentemente, também nesta parte o recurso.
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3.3 Saber se a medida de segurança de internamento aplicada ao arguido deve se suspensa, ou não.
Finalmente veio ainda o arguido recorrer da decisão pelo facto de a medida de internamento aplicada ao mesmo não ter sido suspensa na sua execução.
Ou seja, o arguido veio dizer que deveria ter sido determinada a suspensão da medida de internamento, nos termos do art. 98° do Código Penal, com a aplicação de regras de conduta convenientes ao presente caso, nomeadamente, apoio médico psiquiátrico, tomada de psicofármacos controladores da sua doença mental e tratamento ao álcool (art. 98° nº. 3 do Código Penal).Isto porque o arguido A...conforme decorre do Acórdão posto em crise tem uma habitação (ponto 32)), é ajudado pelos pais com os quais mantém contactos diários (ponto 33)); ele próprio responsabiliza-se pelo pagamento de empréstimo bancário e pelo pagamento dos medicamentos que consome (ponto 33)), logo sujeitar o mesmo a um internamento efectivo afastando da sua casa, dos seus pais, dos seus compromissos terá uma carga muito negativa em vez de positiva, podendo gerar no mesmo impulsos de violência e estados de ansiedade que prejudicam a recuperação desejada.
Acrescenta o arguido que o mesmo, vivendo em liberdade, embora condicionada, com uma vigilância e controlo de quem de direito, poderá viver em sociedade sem causar distúrbios e a simples ameaça da efectivação do internamento é por si só susceptível de afastar o mesmo de comportamentos anti-sociais.
Consequentemente, termina o recorrente, é razoável esperar que com a suspensão da medida de internamento se possa alcançar a finalidade da mesma, ou seja, evitar a prática de factos da mesma espécie.
Vejamos se a razão lhe assiste.
Como já acima referimos, as decisões judiciais devem ser devidamente fundamentadas, com especial relevância para a sentença.
Assim, o art. 375º nº1 CPP estabelece que da sentença condenatória constarão especialmente, “ … os fundamentos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada …” , determinando o nº 3 do art. 71º do C. Penal que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
No que respeita às finalidades da fundamentação dos actos decisórios em geral e também em processo penal pode dizer-se que, independentemente de diferenças de formulação, é consensual a ideia de que são, essencialmente, três, essas finalidades: (1) permitir o controlo da legalidade do acto, (2) convencer os interessados e os cidadãos em geral da correcção e justiça da decisão e (3) obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo. (cfr Germano Marques da Silva, Curso de Processo penal II, Verbo-1999, p.2)
Assim sendo, tendo-se presente a factualidade provada, será que o tribunal a quo deveria ter ordenado a suspensão da aplicação da medida de internamento?
Sem ir além do necessário para procurar bem atingir a supra aludida finalidade tripla da fundamentação das decisões judiciais, entendemos que a mesma não apreciou uma questão que devia ter apreciado. Ou seja, o acórdão recorrido não apreciou a hipótese de a medida de internamento aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução, como se prevê no artigo 98º do C.Penal, tanto mais que, em casos como o presente, o internamento não constitui - inevitável e automaticamente – a reacção imposta pelo ordenamento jurídico penal, como forma de prevenir o cometimento de futuros crimes.
Pelo contrário, a ideia de que parte o nosso ordenamento jurídico-penal, no contexto mais amplo do movimento internacional de reforma penal, que, como ensina o Prof. F. Dias (Direito Penal Português. Parte Geral II. As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-Editorial Notícias-1993), é penetrado por um património de ideias que radicam num fundo político-criminal comum e procuram retirar dele, em maior ou menor medida, as consequências relevantes para uma reconformação - coada, naturalmente, pelas tradições e idiossincrasias nacionais - da estrutura, da hierarquia, e do campo de aplicação das penas e das medidas de segurança.
Assim, a ideia de que a pena privativa da liberdade é última ratio da política criminal, leva a que a sua substituição por penas não institucionais cominada no actual art. 44º do C. Penal, surja, como uma das formas de realização do princípio político criminal da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade de penas privativas da liberdade, adoptadas pelo Código Penal em vigor desde 1982 e que, no essencial, foi mantido e mesmo reforçado desde então.
Deste modo, o artº 43º do C. Penal pode considerar-se norma emblemática do programa de política criminal acolhido no C. Penal desde 1982 em matéria de reacções criminais, impondo-se fundamentar especificamente a não substituição da pena curta de privação da liberdade, para que possa entender-se racionalmente a decisão à luz do critério legalmente fixado, qual seja, ser a execução de tal “……exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crime”.
No caso presente, o tribunal “a quo” não fundamentou a não aplicação da suspensão da execução da medida de internamento, sendo certo que o artº 98º tal permite a toda a nossa politica criminal a tal aconselha e para tal aponta.
Ora, uma vez que o acórdão recorrido não ponderou a questão da possibilidade de substituição da medida de segurança, de internamento, ocorre uma omissão de pronúncia. Como é sabido, a omissão de pronúncia decorre da violação da lei quanto ao exercício do poder jurisdicional. Trata-se de um vício sobre os limites desse exercício. Há assim omissão de pronúncia quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar.
Nos termos do art. 91º do C. Penal, aplicado na sentença, “1 - Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo
20º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.…”
Por seu turno, o art. 98º do C. Penal estabelece que “1 - O tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida.
……………………………………….
3 - A decisão de suspensão impõe ao agente regras de conduta, em termos correspondentes aos referidos no artigo 52º, necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados.
……………………………………...”.
Destes preceitos resulta, com toda a clareza, a necessidade de o juiz, perante a aplicação de uma medida de segurança de internamento de inimputável, ponderar a possibilidade da sua substituição, nos termos do artº 98º C. Penal.
Está assim imposto ao juiz o dever de indagar e justificar porque opta ou não opta pela suspensão da execução da medida de internamento.
Sucede que nos termos do art. 379º, 1, c) do C. P. Penal é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo que tal nulidade pode ser arguida em recurso da sentença (n.º 2 do mesmo preceito).
Ora, é certo que o tribunal “a quo” não ponderou de todo a possibilidade de substituição da medida de segurança aplicada ao arguido, por suspensão da mesma, ainda que sujeita a certas imposições e controlos, pois que apenas é de manter o internamento no caso de nenhuma alternativa se mostrar viável, que o mesmo é dizer, consentânea com as finalidades da punição nas circunstâncias concretas dos autos.
Ou seja, o tribunal recorrido, deveria ter seguido a ordem de apreciação das várias hipóteses de aplicação da pena, ou seja apreciar se deveria a mesma ser suspensa na sua execução ou não.
Assim, não tendo o tribunal “a quo” emitido pronúncia acerca dessa pena de substituição, cometeu a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP. (Neste sentido, vidé, entre muitos outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23-04-2008, Processo: 0810055, relator: LUÍS TEIXEIRA; Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18-05-2009, Procº nº 318/07.1PBVCT.G1, Relator: FERNANDO MONTERROSO; Proc nº 1301/07.2PBBRG.G1, de 15-06-2009, Relator: CARLOS BARREIRA; Acórdãos TRCoimbra, de 10-12-2008, Processo: 168/07.5GBAGN.C1,Relator: JORGE SIMÕES RAPOSO; Processo: 113/09.3GTCTB.C1, de 10-02-2010, Relator: PAULO GUERRA e Processo: 476/04.7TAPBL.C1, de 01-04-2009, Relator: JORGE GONÇALVES, todos in www.dgsi.pt)
É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime. Este mesmo princípio deve ser aplicado à suspensão da execução das medidas de segurança.
Finalmente acrescentamos que é nosso entendimento que a omissão/nulidade verificada deve ser suprida, neste caso, pelo tribunal de 1ª instância, única forma de salvaguardar ao recorrente a possibilidade de apreciação da questão segundo o duplo grau de jurisdição
Impõe-se, deste modo, declarar a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 379º, n.º 1, alínea c) do CPP).
Isto é, deverá o mesmo tribunal que proferiu a sentença recorrida, proferir nova em que seja suprida a apontada nulidade, decidindo sobre a adequação ao caso concreto da suspensão ou não da medida de internamento, devendo averiguar se o arguido pode beneficiar da suspensão da medida de internamento ordenada, caos se verifiquem as hipóteses do artº 98ºdo C.Penal.
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III – Decisão.
Face ao exposto, os juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em declarar a Nulidade do acórdão recorrido, nos termos acima expostos, o qual deverá ser substituído por outro que, sanando essa nulidade, conheça da questão omitida, ainda que, se necessário, com produção suplementar de prova.
Sem custas.
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Calvário Antunes (Relator)
Vasques Osório