Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
327/14.4TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Data do Acordão: 11/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 1º
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 15ª, Nº 3 DA LEI Nº 107/2009, DE 14/09; 186º-K A 186º-R DO CPT. LEI Nº 63/2013, DE 27/08.
Sumário: I – Os prazos de propositura de acções são, em regra mas não em todos os casos, prazos sujeitos a caducidade e, logo, qualificados como prazos substantivos, sujeitos à disciplina do artº 279º do C. Civil.

II – A acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho prevista nos artºs 186º-K a 186º-R do CPT é uma acção oficiosa, instaurada na sequência da intervenção da ACT – nº 1 do artº 186º-K – ou por conhecimento e iniciativa do MºPº - nº 2 -, que dispensa a intervenção do próprio trabalhador – artº 168º-L, nº 4.

III – O prazo a que se refere o artº 186º-K do CPT não é um prazo de caducidade, mas sim um mero prazo aceleratório (prazo meramente ordenador).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

O Ministério público veio instaurar, no Tribunal do Trabalho de Leiria, a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 26º, nº 1, al i), e 186º-K, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, ambos com as alterações introduzidas pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, contra A..., CRL, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e a trabalhadora B..., fixando-se a data do seu início desde, pelo menos, 1/10/1994.
Contestou a Ré, pugnando, para além de doutra defesa, pela caducidade do direito de acção por parte do Ministério Público.
O MºPº respondeu, considerando a não verificação de tal caducidade.
Foi, então, proferido o seguinte despacho:
“Da caducidade do direito de o Ministério Público interpor a ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho prevista nos arts 186º-K a 186º-R do CPT:
Cabe apreciar a exceção e caducidade suscitada pela requerida:
Conforme resulta dos autos a tramitação dos mesmos sofreu as seguintes vicissitudes:
- em 16.04.2014 a ACT remeteu a participação referida no art 15º-A nº 3 da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, ao MºPº do Tribunal do Trabalho de Leiria, a qual aí deu entrada a 21.04.2014.
- em 23.04.2014 o Digno Magistrado do MºPº remeteu a participação recebida nesses serviços novamente para a ACT por se considerar incompetente territorialmente quanto aos factos relativos a trabalhadores residentes fora da área de jurisdição do Tribunal do Trabalho de
Leiria;
- no seguimento do douto despacho, a ACT efetuou nova participação ao Tribunal de Leiria em 29.04.2014 tendo em conta a trabalhadora B..., a qual foi enviada à distribuição em 30-04-2014 (cfr fls 1 dos autos)
- conforme fls 25 e ss dos autos, o MºPº apenas deu entrada da p.i. relativa à a presente ação em 15 de Maio de 2014, isto é 25 dias após a entrada da 1ª e competente participação.
Refere o art 186º-K do CPT: “Após a receção da participação prevista no nº 3 do art 15º-A da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para intentar tentar a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.”.
Ora, sendo nosso entendimento que a participação a que se refere este preceito legal sempre terá que ser a que 1º deu entrada nos serviços do MºPº, uma vez que é a partir daí que este toma efetivo conhecimento da situação relatada pela ACT, caducou o direito de propor a ação, não existindo qualquer margem de discricionariedade temporal que possa ser concedida ao MºPº neste caso de processo especial e de natureza urgente.
Pelo exposto, declaro procedente a exceção de caducidade do direito de intentar a ação pelo que absolvo a requerida do pedido – art 579º com referência ao art 576º nº 3 do CPC e 328º, 329º, 331º nº 1 e 333º nº 1 do Código Civil.
Sem custas atendendo à isenção de que o MºPº beneficia.
Valor da ação: € 30.000,01”.
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Inconformado, veio o MºPº interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
[…]
A Ré apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado.
Foram colhidos os vistos legais.
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Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos como questões a apreciar:
- se se verifica a caducidade do direito do MºPº de intentar a presente acção especial de reconhecimento do contrato de trabalho.
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Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.
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O direito:
No despacho recorrido descreveram-se as circunstâncias que rodearam a apresentação, em 21/4/2014, de uma primeira participação da ACT e posterior correcção ordenada pelo MºPº, que deu lugar a segunda participação, em 29/4/2014, sendo que a acção deu entrada em 15 de Maio de 2014. Entendeu a mesma decisão que o prazo de 20 dias previsto no artº 186º-K, nº 1, do CPT se contava desde a data daquela primeira participação.
Vejamos se é assim, desde já se adiantando que a consideração da natureza de tal prazo, de que se tratará de imediato, torna irrelevante que o mesmo se conte da primeira, ou, ao invés, da segunda participação.
Importa transcrever aqui, para melhor compreensão do que se irá expor, o artº 15º-A, nº 3, da Lei 107/2009, de 14/9, e os artºs 186º- K a 186-O do CPT, todos aditados pela Lei nº 63/2013, de 27/8:
“Artigo 15.º -A
Procedimento a adotar em caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviços
1 — Caso o inspetor do trabalho verifique a existência de indícios de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho, nos termos descritos no artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.
2 — O procedimento é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral.
3 — Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público da área de residência do trabalhador, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
4 — A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada.
Artigo 186.º -K
Início do processo
1 — Após a receção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º -A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para intentar ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
2 — Caso o Ministério Público tenha conhecimento, por qualquer meio, da existência de uma situação análoga à referida no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, comunica -a à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), no prazo de 20 dias, para instauração do procedimento previsto no artigo 15.º -A daquela lei.
Artigo 186.º -L
Petição inicial e contestação
1 — Na petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respetivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento.
2 — O empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias.
3 — A petição inicial e a contestação não carecem de forma articulada, devendo ser apresentados em duplicado, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
4 — O duplicado da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.
Artigo 186.º -M
Falta de contestação
Se o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.
Artigo 186.º -N
Termos posteriores aos articulados
1 — Se a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa.
2 — A audiência de julgamento realiza -se dentro de 30 dias, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 151.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
3 — As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas.
Artigo 186.º -O
Audiência de partes e julgamento
1 — Se o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los.
2 — Frustrando -se a conciliação, inicia -se imediatamente o julgamento, produzindo -se as provas que ao caso couberem.
3 — Não é motivo de adiamento a falta, ainda que justificada, de qualquer das partes ou dos seus mandatários.
4 — Quando as partes não tenham constituído mandatário judicial ou este não comparecer, a inquirição das testemunhas é efetuada pelo juiz.
5 — Se ao juiz parecer indispensável, para boa decisão da causa, que se proceda a alguma diligência suspende a audiência na altura que reputar mais conveniente conveniente e marca logo dia para a sua continuação, devendo o julgamento concluir -se dentro de 30 dias.
6 — Finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral.
7 — A sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a ata.
8 — A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.
9 — A decisão proferida pelo tribunal é comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I. P.
A caducidade é um instituto cujo fundamento específico é o da necessidade de certeza jurídica. Escreveu o Prof. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra 1972, II, pág. 464: "Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo".
Os prazos de propositura de acção são, em regra mas não em todos os casos, prazos sujeitos a caducidade e, logo, qualificados como prazos substantivos, sujeitos à disciplina do artº 279º do Cod. Civil.
Como regra, o legislador define e estabelece as consequências para a inobservância de determinado prazo, como sucede, por exemplo, com a inobservância de prazos peremptórios, de caducidade, ou de prescrição.
Sobre a acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho de acção tivemos já oportunidade de nos pronunciar no recente Ac. de 26/9/2014, com o mesmo relator e adjuntos, disponível in www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
São duas as novidades trazidas pela Lei 63/2013:
- a criação de um procedimento próprio para utilização pela ACT, quando esta considere estar na presença de “falsos” contratos de prestação de serviço;
- a instituição de um novo tipo de processo judicial com natureza urgente, denominado acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Esta nova acção especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho surgiu com o objectivo de instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços. Trata-se de uma acção com natureza urgente e oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador, bastando, para o efeito, uma participação da Autoridade para as Condições do Trabalho, que a desencadeia. Institui-se um regime de celeridade e oficiosidade, a petição inicial e a contestação não têm de revestir forma articulada e a realização da audiência de julgamento não fica dependente do acordo das partes, nem pode ser adiada devido à falta destas, e dos respectivos mandatários, mesmo que justificada.
A Lei nº 63/2103, que expressa e significativamente veio consagrar a “Instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”- artº 1º, contém normas de interesse e ordem pública, designada, mas não exclusivamente, no que respeita à introdução da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, aditando os artºs 186.º -K a 186.º -R ao CPT.
Teve-se em vista combater uma realidade que se vem prolongando ao longo do tempo, de verdadeiros contratos de trabalho subordinado encobertos sob a designação de contratos de prestação de serviços, ou, para usar uma expressão da gíria, os “falsos recibos verdes,” os quais, para além de afectarem o trabalhador subordinado em alguns dos seus direitos, prejudicam, igualmente, interesses do Estado, de natureza fiscal e de segurança social.
O que também foi salientado no Ac. da Rel. de Lisboa de 10/9/2014, citado no Ac. da mesma Relação de 8/10/2014, ambos disponíveis em www.dgsi.pt:
“Analisando o regime legal condensado na Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que veio alterar a Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro e o Cód. Proc. Trab., observamos que o escopo, essencial e exclusivo, intencionalmente querido pelo legislador e por ele explicitado no art.º 1.º foi o de instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado.
Em causa está a sempre atual problemática dos designados “falsos recibos verdes”, isto é, o enquadramento de colaboradores como independentes quando as características da atividade por eles exercida, confrontada com a moldura legal aplicável, impõe antes a sua qualificação como trabalhadores subordinados”.
E porque se trata de um interesse de ordem pública, estamos perante uma acção oficiosa, instaurada na sequência da intervenção da ACT - nº 1 do artº 186-K, ou por conhecimento e por iniciativa do MºPº- nº 2, que dispensa a intervenção do próprio trabalhador em causa, que é meramente facultativa - nº 4 do artº 168º-L. Ou seja, na instauração da acção, dispensa-se, expressamente, a iniciativa e até o consentimento do trabalhador, ao qual é conferida apenas a possibilidade de apresentar articulado próprio e constituir mandatário.
Assim sendo, o julgamento da acção deverá traduzir a realidade e não ficar restrito ao peticionado pelo MºPº ou ao alegado no articulado do trabalhador, se o houver, devendo a sentença, mesmo que tal não seja indicado por qualquer daqueles, “fixar a data do início da relação laboral”- nº 8 do artº 186º-O. Esta norma, tal como todas as outras referidas, apresenta-se como imperativa, estando em causa, como já se aludiu, valores que o legislador considera fundamentais, impondo-se, portanto, à vontade das partes e diminuindo a sua liberdade de estipulação. Funciona aqui o princípio do inquisitório, aparecendo o princípio do dispositivo como claramente mitigado.
Sobre a problemática de estarmos perante normas de interesse e ordem pública se pronunciou, igual e positivamente, o citado Ac. da Rel. de Lisboa de 8/10/2014:
“Afigura-se-nos importante – como aliás faz o Aresto anteriormente transcrito – e antes de cruzarmos as considerações jurídicas que reproduzimos com os factos emergentes da presente ação, definirmos, ainda que de forma sintética, a natureza e principais características da presente ação de reconhecimento do contrato de trabalho que, como ficou antes afirmado, se reconduz a uma ação declarativa de mera apreciação positiva.
Ressalta desde logo do inerente regime legal que a mesma tem uma tramitação não somente especial como particular, com alguns pontos de contacto com as ações emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais (artigos 26.º, n.ºs 1, alínea e), 3 e 4 e 99.º a 155.º do C.P.T.) e de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (artigos 26.º, n.ºs 1, alínea a), e 5 e 98.-B.º a 98.º-P do C.P.T.), dado que estas últimas não só possuem natureza urgente como têm por base uma participação ou um formulário, iniciando-se a sua instância com a apresentação/recebimento dos mesmos.
A diferença entre a fase conciliatória dos autos de acidentes de trabalho e aquela que tem inicialmente lugar, em termos latos e pouco rigorosos, no âmbito desta ação, é que aquela se integra, de pleno direito, na correspondente instância, ao passo que tal não acontece aqui, havendo uma fase prévia que decorre na ACT, que, ao invés do que com aquela fase conciliatória ocorre, não possui cariz judicial, muito embora uma e outra possam esgotar, por si e em si, o objeto do correspondente procedimento (cfr. n.º 2 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14/9 e 109.º, 111.º e 114.º do C.P.T.).
O ato despoletador de um processo como este, à imagem do que se verifica com a ação especial de despedimento, é apenas um e de índole formal, radicando-se, nesta última, num formulário-tipo e naquele na participação da ACT.
Importa referir que a ACT é a única entidade competente para levantar o auto a que alude o número 1 do artigo 15.º-A do RPCOLSS e desenvolver as diligências preliminares igualmente aí elencadas (cfr., muito significativamente, o n.º 2 do artigo 186.º-K do Código do Processo do Trabalho) e que, com a participação ao Ministério Público do Tribunal do Trabalho, se «suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada», ou seja, os autos de contraordenação ou de execução relativos à dita infração (falso trabalho autónomo) ficam parados, a aguardar o julgamento definitivo na ação laboral.
O Ministério Público, por outro lado, recebe no tribunal do trabalho tal participação da ACT e tem o prazo de 20 dias para apresentar a petição inicial, desde que entenda haver elementos suficientes para o efeito, fazendo-o em representação do Estado e para defesa, em primeira linha, dos interesses públicos pelo mesmo prosseguidos (cfr. artigos 1.º, 2.º e 3.º, al. a) do EMP) e não (apenas) do interesse privado “trabalhador” que, convirá dizê-lo, pode nem sequer ter qualquer intervenção nos autos, conforme decorre da falta de contestação do empregador e do disposto no artigo 186.º-M do C.P.T. e nunca é (pode ser) patrocinado pelo Ministério Público mas apenas por advogado nomeado ou constituído.
Tal interesse público acha-se descrito por Pedro Petrucci de Freitas (No texto intitulado «DA ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO: BREVES COMENTÁRIOS», datado de 9/1/2014 e publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73 - Vol. IV - Out./Dez -2013, páginas 1423 e seguintes e que pode ser consultado no sítio da Ordem dos Advogados, em “Publicações”) nos seguintes moldes:
«A Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, instituiu mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado através de um procedimento administrativo da competência da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e de um novo tipo de ação judicial, a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, passando esta última a constar no elenco do art.º 26.º do Código de Processo do Trabalho.
O objetivo indicado no art.º 1.º desta Lei, ou seja, a instituição dos referidos mecanismos, corresponde a uma intervenção marcadamente política de resposta a um grave problema social, e, quanto a nós, a um culminar de anteriores alterações legislativas (com o propósito de se atingir um nível de “decent work”, — tal como propugnado por instâncias internacionais -, e de se eliminar o fenómeno da precariedade laboral.
A utilização indevida da figura do contrato de prestação de serviços em relação de trabalho subordinado não é um fenómeno novo, e conduz, inclusivamente, à concorrência desleal entre empresas. Conforme se refere no relatório elaborado pelo Grupo de Ação Interdepartamental da organização Internacional do Trabalho: “ (...) para a empresa empregadora, a possibilidade de subcontratar tarefas ao trabalhador por conta própria “dependente” constitui uma oportunidade de poupar custos e de -no fundo - partilhar o risco empresarial. A empresa empregadora não se vê obrigada a pagar contribuições para a segurança social, seguros ou direitos relativos a férias e dias feriados; as transações relacionadas com a gestão de recursos humanos estão reduzidas ao mínimo e não há lugar a procedimentos e pagamentos com o fim da relação negocial entre as partes”.
De acordo com este relatório, os trabalhadores por conta própria representam 17,1% do emprego total, dos quais 11,6% são trabalhadores por conta própria como isolados (sem empregados a cargo), sendo que na Eu-27, a percentagem média do trabalho por conta própria relativamente ao emprego total é de 15,8%, sendo 10,2% os trabalhadores por conta própria como isolados ([12]). Por seu turno, uma análise dos dados divulgados pela ACT, no que respeita à ação inspetiva no âmbito do trabalho declarado e do trabalho irregular permite identificar 326 casos de regularização de contratos de trabalho dissimulados em 2009, 436 casos em 2010, 1144 casos em 2011 e 396 casos em 2012, tendo, neste último ano, sido efetuadas 64 advertências e registadas 219 infrações.
Independentemente da leitura que se possa fazer destes dados, não pode naturalmente a ordem jurídica deixar de criar mecanismos de combate e penalização de situações inequivocamente violadoras da lei com efeitos nocivos transversais, e com um impacto mais abrangente do que aquele que se possa identificar à partida, se incluirmos neste raciocínio a problemática da sustentabilidade dos sistemas de pensões em face da entrada tardia dos jovens no mercado de trabalho propriamente dito, e pela menor entrada de contribuições que o trabalho dissimulado (e também o trabalho não declarado) representam.»
Julgamos este excerto doutrinário assaz expressivo dos interesses de cariz não privado ou particular que se visam acautelar através da consagração deste novo tipo de ação (convindo ainda realçar a origem popular desse regime legal) e que moldam inequivocamente a interpretação das correspondentes normas jurídicas e a tramitação adjetiva que delas deriva”.
Assim sendo, facilmente se conclui que o prazo a que se refere o artº 186º-K do CPT nunca poderá ser caracterizado como um prazo de caducidade, mas sim como um mero prazo aceleratório.
Há casos em que o legislador apenas refere ou indica um prazo para determinado procedimento, sem estabelecer qualquer consequência para a respectiva inobservância.
São os chamados prazos meramente ordenadores indicativos ou disciplinares, como é o caso do prazo estabelecido nesse artº 186º-K.
Nestes termos, e mesmo que se entendesse (discussão que aparece como inútil) que o MºP não observou o prazo de 20 dias fixado em tal disposição, sendo que o mesmo se deveria contar da primitiva participação, tal não determina a caducidade do direito / dever de acção, o que mal se compreenderia, atentas a natureza e finalidades deste tipo de acção especial, como descrevemos, e que facilmente se frustrariam pelo decurso de um prazo tão curto de propositura da mesma acção.
Como tal, esse prazo de 20 dias deve ser entendido como sendo meramente indicativo e de carácter aceleratório, visando acelerar o processo, até dada a natureza urgente do mesmo- artº 26º, nº 1, al. h) (introduzida pela Lei 63/2013).
Procede, assim, o recurso.
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Decisão:
Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a normal e subsequente tramitação dos autos.
Custas do recurso pela Ré- apelada.



Coimbra, 13/11/2014



(Ramalho Pinto - Relator)
(Azevedo Mendes)
(Joaquim José Felizardo Paiva)