Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
428/10.8TBCDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
OBRAS
DANOS
IMÓVEL
PRÉDIO VIZINHO
REPARAÇÃO DO PREJUÍZO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1347.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O artigo 1347.º do Código Civil constitui uma restrição sobre imóveis derivada das relações de vizinhança e condiciona o direito de propriedade sobre imóveis, nos casos nele previstos, com vista a solucionar os conflitos que as situações ou relações de vizinhança podem originar.
2. O proprietário de um imóvel têm direito a que os defeitos de que a sua casa ficou a padecer, em consequência das obras levadas a cabo no prédio vizinho, sejam reparados à custa do proprietário desse prédio. Tais obras constituem, ainda, o infrator na obrigação de indemnizar o proprietário do prédio vizinho.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... e marido, B... , residentes na (...) , em Condeixa-a-Nova, intentaram a presente acção declarativa de condenação, contra C... e marido, D... , com domicílio na (...) , Condeixa-a-Nova.

Por via da presente ação declarativa, pretendem os AA. sejam os RR. condenados a proceder às reparações necessárias na sua habitação a fim de criarem sustentabilidade ao prédio; a suportarem as custas da consolidação da estrutura da habitação dos AA. e a suportarem a reparação dos danos causados no interior da habitação, em valor a apurar em liquidação posterior; a suportarem o valor de renda de imóvel de que os AA. terão de se socorrer durante o período de reparação e, bem assim, da remoção e guarda dos móveis dos AA.; a pagarem € 5.000,00, de indemnização por danos não patrimoniais.

Para tanto alegaram serem com os RR. comproprietários de um prédio urbano que foi pelos respetivos antepassados dividido em duas casas de habitação distintas, através da edificação de uma parede que separou duas partes do primitivo imóvel.

Recentemente, os RR. fizeram obras na sua parte, não curando do fato de se tratar estruturalmente de um único imóvel, com o que causaram abatimentos, abertura de fendas e outros danos na habitação dos AA., colocando em perigo a segurança do imóvel.

Mais alegam que, em virtude da situação criadas pelos RR., os AA. tiveram medos e tensão nervosa, prejuízos pelos quais também pretendem obter compensação.

Consideram que com as obras de reparação cuja execução peticionam dos RR., terão os AA. de habitar outro local com custos inerentes a suportar por aqueles.

Contestando, admitem os RR. ter tido necessidade de substituir os pisos em madeira por pisos constituídos por vigotes de pré-esforçado e tijoleira ligada com lâmina de compressão de betão e, após, dividir o interior de cada piso com paredes de tijolo rebocadas e estucadas, não tendo conseguir obter o licenciamento das obras atenta a situação de compropriedade e a falta de colaboração dos AA. Mais alegam ter executado obras em obediência aos procedimentos de segurança devidos, não tendo causado quaisquer danos na casa dos AA., embora admitam as deficiências alegadas no art. 25.º als. e), f) e g) da pi, que não debelaram atento o embargo camarário oposto às obras. Aludem à idade do imóvel e à situação pré-existente como causa de eventuais deficiências verificadas na casa dos AA.

Com dispensa de audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida, do que reclamaram os autores, reclamação, esta, que veio a ser parcialmente deferida, cf. despacho de fl.s 123 e v.º.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, conforme consta das respectivas actas.

Após o que foi proferida sentença de fl.s 308 a 312 v.º, em que se fixou a matéria dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, julga-se a ação procedente e, consequência, condenam-se os RR. a proceder às reparações necessárias na sua habitação de modo a criar condições para que não se verifiquem os defeitos enunciados supra de 6 a 12.

Mais se condenam os RR. a suportar os custos da reparação dos defeitos referidos supra de 6, 7, 8, 9 e 12, em valor em liquidar em execução posterior.

Condenam-se, ainda, os RR. a suportar os custo de habitação dos AA. durante o tempo de execução das obras, bem como de deslocações dos respetivos bens, em valor a liquidar posteriormente.

Condenam-se os RR. a pagar aos AA. compensação por danos não patrimoniais, no montante de € 2.500, 00, a cada um dos demandantes.

Custas pelos RR.”.

Inconformados com a sentença proferida, dela interpuseram recurso os réus C... e marido, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 366), rematando as respectivas motivações, com o que apelidam de conclusões (14 páginas), que não se transcrevem por não respeitarem o disposto no artigo ….. do NCPC (SINTÈTICAS), sem prejuízo de, no local próprio, se referirem quais as questões a analisar.

Contra-alegando, os autores, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em a prova ter sido correctamente apreciada, não sendo, por isso, de alterar a factualidade nela dada como provada e não provada e aplicada a lei em conformidade.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo passar a considerar-se como não a factualidade descrita nos itens 6.º a 12.º dos factos considerados como provados;

B. Se existe contradição entre o facto constante do item 7.º, dos factos provados e o 1.º dos não provados;

C. Se a presente acção deve improceder, relativamente a todos os pedidos formulados pelos autores, por os alegados danos que os fundamentam, não serem da responsabilidade dos réus e;

D. Se assim não sendo, se é excessiva a indemnização atribuída aos autores, a título de danos morais, a qual, por isso, deve ser reduzida.

 

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

Já Assente

1 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Condeixa-A-Nova, sob o n.º 13 (...) /20070718, o prédio urbano, sito na (...) freguesia de Condeixa-A-Nova, com uma área de superfície coberta de 104 m2 e de superfície descoberta de 90 m2, composto de casa de habitação e pátio, com uma dependência, a confrontar a norte com (...) , a nascente com (...) , a sul com (...) e a poente com rua, o qual se encontra inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 2 (...) .º.

2 - O prédio identificado em 1) encontra-se inscrito ½ a favor de C... , casada com D... , ora réus, pela Ap. 4 de 2007- 07-18, por sucessão hereditária, e a outra ½ a favor de A... e marido B... , ora autores, pela Ap. 5 de 2008-03-18, por doação.

3 - Antes do ano de 1950, o referido prédio foi dividido em duas partes distintas através de uma parede interna, gozando cada uma dessas partes de independência funcional em relação à outra.

4 - Os autores residem na sua referida parte, e os RR. têm vindo a arrendar a sua parte do imóvel, cada um cuidando em exclusivo da respetiva parcela.

5 - Em 2007/2008, os réus efetuaram obras na parte do prédio onde residem.

6 - A cobertura que os réus construíram nas traseiras do prédio é superior à parte do imóvel que ficou a caber aos autores, não tendo sido feito um remate que impeça, no futuro, as infiltrações.

Matéria apurada após julgamento

7 – Junto às aberturas sitas no R/C, nomeadamente portão dos AA. e futuro portão dos RR., existem pequenas fissuras, observando-se uma descolagem em cerca de metade da guarnição/sanca em madeira pintada que se encontra por cima do portão, com, uma fissura até 2 mm, roçando no pavimento o portão quando se tenta abrir, sendo que este arrastamento ocorreu depois das obras realizadas pelos RR.

8 – As paredes interiores e tetos apresentam fissurações/rachas várias, de dimensões diferentes, com maior incidência na parede meeira e contígua a essa, o que sucedeu após as obras efetuadas pelos RR.

9 – Como consequência das obras efetuadas pelos RR., resultaram também diferenças de nível nos pavimentos do interior da habitação, com inclinação para a parede meeira.

10 – Os fatos descritos supra devem-se à circunstância de os RR. não terem utilizado uma nova estrutura de suporte para reforçar a existente tendo em conta as novas cargas colocadas e terem procedido ao corte das vigas que se apoiavam nas paredes laterais, o que causou oscilações ao nível do pavimento dos vários pisos de habitação dos AA., não tendo os RR. feito preceder as obras de qualquer projeto, nomeadamente de estabilidade, nem obtido licenciamento camarário das obras, as quais foram objeto de embargo administrativo em 12.2.08.

11 – Os RR. apoiaram a cobertura referida em 6 numa parede meeira, sem alicerces ou estrutura de betão para suporte da cobertura.

12 – A cobertura está aparentemente acabada, mas os remates não estão convenientemente efetuados, pois visualiza-se infiltração, tanto na parte dos RR. como nos AA.

13 – No logradouro, existem fissuras nas paredes de encosto e na parede do muro que divide as duas partes do imóvel e o pavimento revestido a mosaico está rachado.

14 – Toda a situação trouxe aos AA. noites mal dormidas, nervosismo, angústia e medo relativamente às condições de segurança do imóvel.

15 – Para reparação do imóvel dos AA. será aconselhável que aquele fique devoluto de pessoas e bens, necessitando os AA., nesse caso, de uma habitação de tipologia T3, equivalente à sua casa

Matéria de Fato Não Apurada

De relevante para a decisão final não logrou apurar-se qualquer outra factualidade.

Designadamente, não se apurou o seguinte:

As obras referidas em 5 provocaram um abatimento da parede da frente do prédio que se refletiu num abaixamento da entrada da garagem dos autores.

A situação tem vindo a agravar-se, existindo possibilidades de a estrutura do prédio colapsar, com a consequente derrocada do edifício.

O fato descrito em 6 só não se encontra corrigido por a obra se encontrar parada.

Existe um regadio público que passa nas traseiras do prédio que foi cheio de entulho pelos RR., com mais de 60 cms, pelo que a água irá causar inundações na parte dos AA.

Os fatos descritos em 13 resultaram de uma queima de detritos efetuada no prédio dos RR. aquando das obras.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo passar a considerar-se como não a factualidade descrita nos itens 6.º a 12.º dos factos considerados como provados.

Alegam os réus que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao não dar como provados os factos descritos nos itens em referência, devendo, na sua óptica, os mesmos serem considerados como não provados, estribando-se, para tal, nos depoimentos prestados pelas testemunhas J... , L... e M... , bem como do teor dos relatórios e perícias realizadas e fotografias que os acompanha e que discrimina, relativamente a cada um dos pontos de facto em apreço.

Por seu lado, os autores, por referência aos depoimentos das testemunhas E... , F... , G... , H... e perito I... , defendem que a prova foi bem apreciada e, por consequência, pugnam pela imutabilidade da decisão de facto em apreço.

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está, da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do NCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a supra referida factualidade posta em causa pela ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo passar a considerar-se como não a factualidade descrita nos itens 6.º a 12.º dos factos considerados como provados.

Os itens em causa têm o seguinte teor:

“6 - A cobertura que os réus construíram nas traseiras do prédio é superior à parte do imóvel que ficou a caber aos autores, não tendo sido feito um remate que impeça, no futuro, as infiltrações.

Matéria apurada após julgamento

7 – Junto às aberturas sitas no R/C, nomeadamente portão dos AA. e futuro portão dos RR., existem pequenas fissuras, observando-se uma descolagem em cerca de metade da guarnição/sanca em madeira pintada que se encontra por cima do portão, com, uma fissura até 2 mm, roçando no pavimento o portão quando se tenta abrir, sendo que este arrastamento ocorreu depois das obras realizadas pelos RR.

8 – As paredes interiores e tetos apresentam fissurações/rachas várias, de dimensões diferentes, com maior incidência na parede meeira e contígua a essa, o que sucedeu após as obras efetuadas pelos RR.

9 – Como consequência das obras efetuadas pelos RR., resultaram também diferenças de nível nos pavimentos do interior da habitação, com inclinação para a parede meeira.

10 – Os fatos descritos supra devem-se à circunstância de os RR. não terem utilizado uma nova estrutura de suporte para reforçar a existente tendo em conta as novas cargas colocadas e terem procedido ao corte das vigas que se apoiavam nas paredes laterais, o que causou oscilações ao nível do pavimento dos vários pisos de habitação dos AA., não tendo os RR. feito preceder as obras de qualquer projeto, nomeadamente de estabilidade, nem obtido licenciamento camarário das obras, as quais foram objeto de embargo administrativo em 12.2.08.

11 – Os RR. apoiaram a cobertura referida em 6 numa parede meeira, sem alicerces ou estrutura de betão para suporte da cobertura.

12 – A cobertura está aparentemente acabada, mas os remates não estão convenientemente efetuados, pois visualiza-se infiltração, tanto na parte dos RR. como nos AA.”.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 309 e 310):

“7 – Junto às aberturas sitas no R/C, nomeadamente portão dos AA. e futuro portão dos RR., existem pequenas fissuras, observando-se uma descolagem em cerca de metade da guarnição/sanca em madeira pintada que se encontra por cima do portão, com, uma fissura até 2 mm, roçando no pavimento o portão quando se tenta abrir, sendo que este arrastamento ocorreu depois das obras realizadas pelos RR.

[A descrição dos defeitos que se verificam resulta expressa no relatório pericial de fls. 187/188/231/232, não se estabelecendo aí qualquer relação de causa-efeito entre as obras e o seu surgimento. Em todo o caso, depondo de forma objetiva, não obstante a ligação familiar, os filhos dos AA. ( B... e F... ), o primeiro deles, engenheiro civil, foram claros em afirmar, de forma credível, ter o portão em apreço passado a arrastar após essas obras, de tal modo que a A. não consegue hoje abri-lo porque é necessário levantá-lo para tanto. Mais referiram, no que foram secundados pelos testemunhos de G... e H... , não se verificar essa situação - nem as demais elencadas pelos AA. como defeitos nesta ação - até à execução das obras pelos RR, posto que, uns anos antes das obras efetuadas pelos RR., a habitação dos AA. foi objeto de reparação ampla por ocasião do casamento do mais velho dos filhos. Já o primeiro perito, a fls. 139, considerava que o protão arrastava, podendo ter havido “um pequeno abatimento da fachada”. Assim, sendo possível que este e outros defeitos também resultem da idade do imóvel – cerca de 10 anos, como se observa a fls. 231 – a ausência de manifestação visível dos mesmos antes das obras efetuadas pelos RR. e o seu aparecimento após estas tornam objetivamente possível estabelecer aquela relação de causalidade, embora se admita que a idade do imóvel também possa ter facilitado a precipitação dos defeitos atualmente existentes.]

8 – As paredes interiores e tetos apresentam fissurações/rachas várias, de dimensões diferentes, com maior incidência na parede meeira e contígua a essa, o que sucedeu após as obras efetuadas pelos RR.

[Também aqui as deficiências em causa se encontram evidenciadas pericialmente, a fls. 188, com esclarecimento a fls. 233, salientando-se aí que este tipo de fissuração poderá ocorrer em habitações deste tipo, mas “não na proporção que se encontra na habitação dos AA.” (e é visível, por exemplo, a fls. 43 a 49, 61 a 64, 200 a 202). De modo que, atendendo aos depoimentos dos filhos dos AA., que se nos afiguraram claros e objetivos e das duas testemunhas também já supra mencionadas, considerou-se que a fissuração em causa, na dimensão que se evidencia, resultou nas obras efetuadas pelos RR., obras essas, como explicitado em audiência, sem precedência de projetos, mormente de estabilidade, o que determinou o seu embargo administrativo (cfr. fls. 273 v.º e depoimento N... fiscal Municipal de Condeixa-a-Nova que foi quem lavrou o embargo camarário e confirmou a ausência de projeto algum de estabilidade. Sobre a ausência de tal projeto falou também a testemunha J... , engenheiro civil que era suposto ser o autor de tal projeto, mas que se deparou no local com o fato consumado, obra já iniciada, considerando, todavia, que tudo quanto foi feito pelos RR. no local corresponde às leges artis na matéria, nomeadamente quanto a segurança e estabilidade. Este depoimento, contudo, neste tocante, considerou-se comprometido com a versão dos RR., posto que contrariado pela própria perícia colegial, e pelas indicações constantes do relatório de fls. 29 e ss., subscrito pela engenheira civil indicada pelos AA., onde se refere o tipo de obras efetuadas – em concordância com as indicadas pelos trabalhadores que as executaram (as testemunhas M... e L... ) – fazendo notar que “na reconstrução da outra metade do imóvel não se verificou a utilização de uma nova estrutura de suporte que reforçasse as novas cargas que se colocaram, novos pisos foram aplicados na reconstrução da outra metade da habitação constituídos por vigotas de pré esforçado e tijoleira, tudo ligado com uma lâmina de compressão de betão. Esta estrutura foi basicamente apoiada na estrutura das paredes existentes, quer isto dizer que as sapatas, pilares e vigas são quase inexistentes” (fls. 35).

9 – Como consequência das obras efetuadas pelos RR., resultaram também diferenças de nível nos pavimentos do interior da habitação, com inclinação para a parede meeira.

[Fato, igualmente, constatado na perícia, a fls. 188, e visível nas fotografias de fls. 50, 51 e 202, e bem descrito pelo filho dos AA., a testemunha F... , sendo que a sua relação com as obras efetuadas pelos RR. surge dos testemunhos prestados pelos filhos dos AA. e pelos de G... e H... , referindo a este respeito os Srs. Peritos que do fato de ter sido removido um dos apoios do vigamento em madeira que percorria todo o imóvel, de um lado ao outro (sendo que os RR. cortaram a parte do vigamento correspondente ao seu lado) “permite que haja um assentamento de parede e oscilação dos pisos maior o que indica uma anomalia acima do normal” – fls. 233.)

10 – Os fatos descritos supra devem-se à circunstância de os RR. não terem utilizado uma nova estrutura de suporte para reforçar a existente tendo em conta as novas cargas colocadas e terem procedido ao corte das vigas que se apoiavam nas paredes laterais, o que causou oscilações ao nível do pavimento dos vários pisos de habitação dos AA., não tendo os RR. feito preceder as obras de qualquer projeto, nomeadamente de estabilidade, nem obtido licenciamento camarário das obras, as quais foram objeto de embargo administrativo em 12.2.08.

[Os Srs. Peritos, a fls. 188, 189, referem de forma clara que “analisando a estrutura que se encontra visível na casa dos RR,”, a sua opinião é de que ”a pouca estrutura construída é visivelmente diminuta pois unicamente se visualizou, a cerca de 2, 60 m do portão de entrada, um pilar encastrado na parede meeira e que se prolonga pelo 1.º andar, conjuntamente com uma viga laje apoiada neste e que apoia diretamente na parede contrária recentemente construída, bem como, a cerca de 3 m para tardoz, uma viga laje em toda a largura do espaço, apoiada nas duas paredes antigas opostas, uma em pedra e outra em tijolo de burro, e que suporta a escada de acesso ao 1.º andar ao nível do seu patamar. Não existe estrutura reticulada (de betão e aço) na parte posterior da habitação nem na ampliação construída na parte posterior da habitação original. Deste modo, tendo em conta as novas cargas colocadas, a estrutura que se visualiza apresenta-se deficiente, sendo provavelmente causadora de alguns danos existentes na casa dos AA.”, acrescentado, depois, que “ao se proceder ao corte das vigas, poderá ter-se criado um desequilíbrio nas cargas a que estariam sujeitos e nos respetivos apoios, causando ou incrementando as oscilações nos pisos”. Quanto ao embargo, cfr. fls. 273 v.º e ss.]

11 – Os RR. apoiaram a cobertura referida em 6 numa parede meeira, sem alicerces ou estrutura de betão para suporte da cobertura.

[Matéria referida pelos Srs. Peritos a fls. 189.]

12 – A cobertura está aparentemente acabada, mas os remates não estão convenientemente efetuados, pois visualiza-se infiltração, tanto na parte dos RR. como nos AA.

[Cfr. relatório pericial, a fls. 189.]”.

Vejamos, então, se dos depoimentos prestados pelas indicadas testemunhas e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a matéria em causa seja modificada no sentido propugnado pelos recorrentes.

E... , engenheiro civil, filho dos autores, referiu que após as obras efectuadas pelos réus, na casa de seus pais apareceram “paredes fissuradas, principalmente na parede meeira, infiltrações de água e maior vibração no pavimento”.

Nos pavimentos, existe inclinação no sentido da parede meeira, referindo que esta está mais baixa e provoca essa inclinação.

Mais disse que “o corte das vigas provocou oscilação no pavimento das divisões e a falta de remate na cobertura provoca infiltrações”, bem como que “o portão assenta mais e as fissuras têm vindo a acentuar-se” e que, antes das obras “o soalho não estava inclinado e o portão não arrastava”.

Acrescentou que para serem realizadas as obras que é necessário fazer em casa dos pais “eles não podem estar lá”.

F... , filho dos autores, disse que após as obras dos réus o portão da garagem “começou a arrastar” e apareceram fissuras nas paredes internas da casa e que o pavimento ficou com “um ligeiro decréscimo, inclinação, no sentido da parede meeira, tendo que calçar os móveis.

No logradouro, diz que existem fissuras junto à churrasqueira, na parede, no muro e no chão e que “as rachas têm vindo a aumentar e a aparecer mais” e que a parede da fachada “tem rachas e estuque a cair”.

O perito I... , nada referiu de relevante, esclarecendo que algumas das respostas que deu na perícia que elaborou (a 1.ª, singular) se baseiam no conhecimento pessoal que já tinha, por conhecer o prédio em questão, desde 1969.

A testemunha N... , fiscal na Câmara de Condeixa, disse que as obras foram embargadas por falta de licença e estão paradas e que mais tarde foi junto um processo de licenciamento de obras, que não teve seguimento nem análise de viabilidade por a requerente não ser a única proprietária do prédio.

G... , amigo dos autores, há já muitos anos e que frequenta a casa destes, referiu que o portão da garagem começou a arrastar com as obras, marcando os azulejos, no chão, mais do lado da parede meeira.

Bem como que, em 2009/2010, na parede meeira “se começou a acentuar o desnível” e há infiltrações de água no interior da casa dos autores e fissuras “que se vão detectando cada vez com mais frequência, principalmente no último andar e no logradouro, no chão, os mosaicos estão quebrados”.

H... , amiga dos autores, desde longa data e frequenta a casa destes, disse que “há muitas fissuras e a casa abana toda e isso não acontecia antes”.

J... , engenheiro civil que foi contactado pelos réus para fazer o projecto de estabilidade das obras em causa, quando estas já tinham sido começadas, após o embargo decretado pela Câmara, disse que quando foi ao local parte das obras já estavam feitas e “era para validar o que já estava feito, em projecto, em termos de estabilidade”.

Que já havia vigas que trabalhavam na parede meeira, que apoiavam num lintel e também na parede frontal e que as outras vigas apoiavam numa estrutura feita para isso. “Subscrevia o que já estava feito”.

Relativamente ao portão da garagem, referiu que “deve ter descaído e por isso é que arrasta”.

Pensa que os danos na casa dos autores não resultam dos trabalhos dos réus, não são sua causa directa e desconhece o que lá estava antes.

Acrescentou que “antes da parede meeira a casa tinha uma flecha maior do que a que tem agora e que com o corte das vigas antes existentes, deixa de haver vibrações no outro lado, mas aumenta a flecha do outro lado”.

Referiu ainda que “inclinação para o meio é impossível porque a parede não mexe”, do que conclui que “já havia inclinação para o meio antes de construir a parede meeira, podia era aumentar a flecha a meio e não junto à parede meeira.

M... , pedreiro, reformado, que trabalhou como pedreiro na obra dos réus, disse que substituíram as vigas de madeira por vigas de cimento, assentes em pilares e fizeram uma viga-laje assente nos pilares. Só quatro vigas é que assentavam na parede meeira e depois “fizeram ao contrário, transversalmente, na parede da frente e na de trás, no sentido do comprimento” e que “a parede meeira ficou sem peso nenhum, com menos pressão”.

Mais referiu que a obra foi feita sem acompanhamento de um técnico (engenheiro, arquitecto).

L... , pedreiro, reformado, irmão da anterior testemunha, tendo andado, com ele, a trabalhar na obra dos réus, descreveu as obras efectuadas, em consonância com o referido pelo irmão e que, no essencial, consistiram na substituição do soalho e vigas de madeira, por vigas de cimento apoiadas em pilares e piso em laje.

Manifestou a ideia de que a parede meeira “ficou com menos peso”, tendo apoiado nessa parede 9/10 vigas, na zona da cozinha.

“No início, fizeram as obras sem responsável. Só quando meteram o projecto é que havia o Eng.º J... ” e “quem decidiu onde se colocavam os pilares foi ele e o irmão”.

De ter, também, em conta os Relatórios Periciais elaborados.

Assim, na Perícia singular (fl.s 139 a 143, 150 a 152 e 166/167), refere-se, em resumo, que o abatimento da parede do prédio, não foi provocado pelas obras, mas sim pelo facto de tanto os autores como os réus, nela terem aberto um vão, podendo ter “havido um pequeno abatimento da fachada”; que existem fissuras nas paredes da casa dos autores, que se podem ter agravado por vibrações “mas o pior é por velhice”; que a inclinação dos pisos já estava aquando da construção da parede meeira, não havendo vestígios de esta ter cedido; não se considerando necessário para as obras dos réus que se tenha de utilizar uma estrutura de suporte; que o corte das vigas antes existentes, se podem provocar oscilações; que não foi rematado o telhado, mas o Perito em causa não vislumbrou vestígios de humidade; o portão da garagem abre com dificuldade, atribuindo isso a obras efectuadas na rua, com cilindros de grande vibração e alteração da estrutura do prédio; que ao cortar as vigas de madeira, falta o contrabalanço da outra parte e acentuarem-se as fissuras; que para fazer obras no interior da casa dos autores, terão que sair os habitantes e os bens.

Na Perícia colegial (fl.s 185 a 203 e 229 a 235), conclui-se, em resumo, que não se constata abatimento da frente do prédio e que junto ao portão dos autores e local da abertura feita pelos réus, se verificam pequenas fissuras, normais para este tipo de construção e que se desconhece quando surgiram.

Na entrada da garagem dos autores, há uma descolagem em cerca de metade da guarnição/sanca que se encontra por cima do portão, com uma fissura até 2 mm.

O portão arrasta.

As paredes interiores e tectos apresentam fissurações/rachas, de diferentes dimensões, com maior incidência na parede meeira e contíguas a essa; existe diferença de nível nos pavimentos com inclinação para a parede meeira, desconhecendo se já assim sucedia antes das obras.

De salientar que quanto à existência dos apontados “problemas”, os peritos, com excepção da indicada pelos autores, desconhecem se já assim era antes das obras, afirmando esta que não, por conhecer a casa já anteriormente.

Os Peritos são de opinião (resposta ao quesito 6.º dos autores, fl.s 188 e 189 e 1.º dos réus, fl.s 192) que a estrutura visível na casa dos réus é diminuta, por escassez de pilares e vigas, não existindo estrutura reticulada de betão e aço na parte posterior da habitação nem na ampliação na parte posterior, pelo que “tendo em conta as novas cargas colocadas, a estrutura que se visualiza apresenta-se deficiente, sendo provavelmente causadora de alguns danos existentes na casa dos AA, (fotos anexas n.ºs 11 a 19)”.

Acrescentando que ao proceder-se ao corte das vigas antes existentes “poderá ter-se criado um desequilíbrio nas cargas a que estariam sujeitas e nos respectivos apoios, causando ou incrementando as oscilações nos pisos, o que os peritos puderam sentir aquando da diligência (fotos 11 e 12)”.

Relativamente à cobertura referida em F) não se visualiza qualquer alicerce ou estrutura de betão armado, para o respectivo suporte e a cobertura está acabada mas os remates não estão convenientemente executados, verificando-se infiltração em ambas as casas, exemplificando-se com as fotos n.º 1 a 9.

Há fissuras nas paredes de encosto e muro do logradouro, fotos 24 e 25 e o mosaico está rachado, cf. foto 26, desconhecendo-se as suas causas e quando surgiram.

Para proceder a obras de reparação no imóvel dos autores, tendo em conta as obras de reforço à estrutura existente para equilibrar os esforços e estabilizar as fissurações, poderá ser aconselhável que a habitação esteja livre de pessoas e bens

Reiteram, a fl.s 192 e 193, a deficiência técnica da estrutura construída pelos réus, estando a maioria das cargas apoiadas em parede de tijolo simples ou de burro (maciço), não se tendo garantido a sustentabilidade da reabilitação interior da casa dos réus e respectiva distribuição de cargas.

Reiteram, a fl.s 193, últimos parágrafos, que o tipo de obras como as feitas pelos réus, podem causar danos nas paredes geminadas, não se podendo afirmar que são a única causa.

Em sede de esclarecimentos (fl.s 231 e seg.s), referem que é pouco provável que as fissuras que se vêm na fachada frontal tenham como causa a abertura dos vãos, atenta as respectivas dimensões e que o arrastar do portão se poderia dever a “alterações de comportamento, mas com razoabilidade, numa escala menor”.

Relativamente à possibilidade do surgimento de fissuras neste tipo de habitações, referem os Peritos, a fl.s 233 que “a mesma poderá ocorrer, mas não na proporção que se encontra na habitação dos autores e (…) a maior incidência de fissuras são na parede meeira, ou próximos dela, e contíguas à habitação dos RR”.

Referindo, ainda, que “existe a possibilidade de arqueamento e/ou inclinação dos pavimentos caso se mantivesse o vigamento original mas, com a remoção de um dos apoios permite que haja um assentamento de parede e oscilação dos pisos maior o que indica uma anomalia acima do normal” e que “os pavimentos da habitação dos AA têm oscilações/vibrações acentuadas”.

Ora, analisados estes depoimentos e demais elementos probatórios ora referidos, na nossa opinião, tem de se concluir que os mesmos não são de molde a postergar a conclusão a que se chegou na 1.ª instância e vertida na decisão ora em reapreciação, relativamente aos factos vertidos nos mencionados itens da matéria de facto dada como provada e questionados nesta sede.

As testemunhas arroladas pelos autores (os seus filhos e amigos que frequentam a casa) confirmam o que aqueles haviam alegado na petição inicial, nos termos acima referidos, atribuindo as “mazelas” que a casa dos autores vem sofrendo e que, segundo os mesmos, se vêm agudizando, às obras feitas pelos réus e designadamente, à falta de segurança com que foram iniciadas (principalmente, a testemunha E... ).

As indicadas pelos réus, o Eng.º J... , que foi incumbido de “validar” a situação criada pelo facto de os réus terem iniciado as obras sem licença e sem projecto, a fim de “legalizar” a situação perante a Câmara Municipal respectiva, defendeu que, no essencial, as obras estavam feitas em termos de segurança tal que não são causa directa dos problemas surgidos na casa dos autores, ficando a dever-se à sua idade e degradação natural dos prédios e os irmão L... e M... , que as efectuaram, segundo os mesmos, guiados pela sua experiência, tendo decidido a forma como as mesmas foram executadas “os sítios onde colocar os pilares, defendem que as obras estão “bem feitas” e seguras, pelo que não provocaram os danos que se verificam na casa dos autores.

Neste tipo de questões, é indesmentível, cremos nós, ser de dar relevância primordial ás diligências levadas a cabo pelos Peritos, dada a sua qualificação técnica especializada.

No caso, houve uma primeira perícia, levada a cabo por um único Perito, a qual, salvo o devido respeito, não pode merecer grande destaque, uma vez que, conforme o referiu o próprio subscritor, se guiou mais por critérios pessoais “já conhecia o prédio desde 1969 e já, nessa altura, tinha estado no seu interior” do que por observância directa e com base na perícia efectuada.

Os Peritos que intervieram na (2.ª perícia efectuada), a designada Perícia Colegial, como consta do respectivo Relatório e Esclarecimentos prestados, permitem concluir que não pode proceder o presente recurso, no que respeita à determinação da matéria de facto dada como provada e não provada.

No que concerne ao item 6.º, não pode deixar de se realçar que se trata de facto admitido por acordo e que, por isso, foi, logo após os articulados, dado como assente e tal corroborado por ambas as perícias e todas as testemunhas acima identificadas.

E, quanto à restante factualidade, também, a mesma é de manter.

Efectivamente, como já acima, resumidamente se deu nota, a mesma encontra-se fundamentada pelo Relatório Pericial Colegial e Esclarecimentos que se lhe seguiram.

Se é certo que, numa primeira análise se poderá concluir que inexiste uma relação de causa e efeito entre as obras feitas pelos réus e os problemas surgidos em casa dos autores, uma leitura mais atenta de tais Relatórios aponta para o contrário.

Designadamente, como já assinalado, tenha-se em atenção que as fissurações existentes em casa dos autores, apresentam maior incidência na parede meeira e contiguas a essa; que existe diferença de nível nos pavimentos, com inclinação para a parede meeira, bem como que a estrutura visível edificada na obra dos réus tem falta de pilares e ausência de uma estrutura reticulada de betão e aço, do que resulta que com a implementação de novas cargas, a estrutura existente se apresenta deficiente, “sendo provavelmente causadora de alguns danos existentes em casa dos autores”. E tal deficiência acarreta que “não se tenha garantido a sustentabilidade da reabilitação interior da casa dos réus e respectiva distribuição de cargas”.

Acrescentando-se que em resultado do corte das vigas que antes existiam na casa (que iam de um lado ao outro da habitação, antes única, no sentido de não dividida nas actuais duas partes) e poderá ter criado um desequilíbrio nas cargas e nos respectivos apoios “causando ou incrementando oscilações nos pisos, o que os peritos puderam sentir aquando da diligência”.

Ainda relativamente às fissuras da fachada frontal da casa dos autores, referem que atenta a respectiva extensão, não serão de atribuir à “abertura de vãos”, só a isto se podendo atribuir “numa escala menor”.

Quanto às fissuras no interior da casa dos autores, reiteram que podem surgir e surgem em habitações deste tipo mas “não na proporção que se encontra na habitação dos autores, com maior incidência na parede meeira ou próximos dela, e contíguas à habitação dos réus”.

Relativamente à inclinação dos pisos, referem que a mesma poderia existir se se mantivesse o vigamento original, mas com a remoção de um dos apoios “permite que haja um assentamento de parede e oscilação dos pisos maior o que indica uma anomalia acima do normal”, concluindo, como já acima referido que, “os pavimentos da habitação dos AA têm oscilações/vibrações acentuadas”.

Ou seja, os Peritos, atribuem a existência dos assinalados “problemas” surgidos em casa dos autores, às obras edificadas pelos réus, resultantes do corte das vigas antes existentes e pelo facto de não ter sido feita uma estrutura, na reabilitação levada a cabo pelos réus, que garantisse a respectiva sustentabilidade e nova/diferente colocação das cargas sobre a parede meeira.

O que se compreende, também, dada a circunstância de a casa em questão, já antiga, ter sido dividida em duas partes, mediante a construção de uma parede “de cima a baixo”, com o posterior corte da vigas que sustentavam o soalho de uma parede à outra e mediante a distribuição de novas e mais cargas, sem que, em termos de segurança e estabilidade, se precavesse tal situação peculiar, o que “facilitou” o aparecimento das assinaladas anomalias na parte/casa dos autores, dada a “ligação umbilical” existente entre ambas as partes em que a casa, anteriormente, una, foi dividida.

Pelo que, nesta parte, improcede, em conformidade com o que ora se deixou dito, o recurso, em apreço, mantendo-se a matéria de facto considerada como provada e não provada em 1.ª instância.

B. Se existe contradição entre o facto constante do item 7.º, dos factos provados e o 1.º dos não provados.

Alegam os recorrentes que existe contradição entre os factos ora em referência, porque não se tendo dado como provado que as obras provocaram um abatimento da parede da frente do prédio que se reflectiu num abaixamento da entrada da garagem dos autores, também não se pode dar como provado que o arrastamento do portão ocorreu depois das obras.

O teor dos factos em causa é o seguinte:

“7 – Junto às aberturas sitas no R/C, nomeadamente portão dos AA. e futuro portão dos RR., existem pequenas fissuras, observando-se uma descolagem em cerca de metade da guarnição/sanca em madeira pintada que se encontra por cima do portão, com, uma fissura até 2 mm, roçando no pavimento o portão quando se tenta abrir, sendo que este arrastamento ocorreu depois das obras realizadas pelos RR.

As obras referidas em 5 provocaram um abatimento da parede da frente do prédio que se refletiu num abaixamento da entrada da garagem dos autores.”.

Ora, como é bom de ver inexiste qualquer contradição entre os factos ora em causa.

Efectivamente, o que ali consta é que junto ao portão dos autores, existem as descritas anomalias e que o arrastamento ocorreu depois das obras, facto que se baseia no referido pelos Peritos (fl.s 231, como acima assinalado), mas sem que se tenha provado que houve um abatimento da parede dos autores, com abaixamento da entrada da garagem.

Uma coisa não exclui a outra, pois que, precisamente porque não existiu abaixamento do piso é que o portão arrasta.

O portão roça no solo e para tal não seria necessário que a parede sofresse um abaixamento, referindo os Peritos que o arrastar do portão não se deve “a alterações de comportamento”.

Como se refere, entre outros, no Acórdão desta Relação de 22/2/2000, in CJ, ano XXV, tomo 1, a pág. 30 “… só há contradição de factos quando estes sejam absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que uns não possam coexistir com os outros”.

Ora, in casu, os factos constantes em cada uma dos factos em causa não são incompatíveis entre si, não se auto-excluem, pelo que não se verifica a alegada contradição.

Assim, no caso em apreço, porque inexiste a apontada contradição, pelas razões ora apontadas, improcede tal conclusão do recurso, não havendo, em consequência, que decretar a anulação de tais respostas à matéria de facto.

C. Se a presente acção deve improceder, relativamente a todos os pedidos formulados pelos autores, por os alegados danos que os fundamentam, não serem da responsabilidade dos réus.

No que a esta questão concerne, defendem os réus, ora recorrentes, que a acção deve improceder, com o fundamento em que os danos invocados não têm como causa as obras que realizaram.

Como é óbvio, a procedência desta questão do recurso estava na dependência do sucesso que os recorrentes tivessem quanto à parte em que pretendiam a alteração da matéria de facto, o que não lograram, uma vez que permanece inalterada a factualidade a considerar para o desfecho da acção.

Como referido na sentença recorrida, a situação sub judice tem de se resolver através do enquadramento no disposto no artigo 1347.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com o qual:

“O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que tenham sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei”.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 21/11/2006, Processo n.º 06A3711, disponível no respectivo sítio do itij, o preceito em causa “contem uma restrição de natureza preventiva, não exigindo a existência de dano efectivo sobre o prédio vizinho, mas apenas a possibilidade de um dano, que deve ter um mínimo de probabilidade”.

Ensinam P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista E Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a pág.s 180 e 181, que estão em causa a construção ou manutenção, num prédio, de quaisquer obras, instalações ou depósitos, que tenham sobre um prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei, havendo que contar, também, com os efeitos nocivos sobre a segurança, a saúde ou a tranquilidade das pessoas e que o receio a ter em conta tem de ser apreciado objectivamente, não merecendo protecção legal os espíritos demasiadamente temerosos.

Como refere M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumário das Lições ao Curso de 1966-1967, edição policopiada, Coimbra, 1967, a pág. 141 e seg.s, o preceito em causa (como os demais dessa Secção) constituem restrições sobre imóveis derivadas das relações de vizinhança e que condicionam o direito de propriedade sobre imóveis, nos casos neles previstos, com vista a solucionar os conflitos que as situações ou relações de vizinhança podem originar.

Designadamente, no artigo 1347.º, n.º 1, cf. ob. cit., a pág. 145, visa-se impedir a verificação de emissões de carácter nocivo, devendo os proprietários abster-se de praticar os actos que possam originá-las e se tiverem sido feitas quaisquer obras que envolvam os perigos que a lei pretende evitar, deverão ser destruídas.

A existência de quaisquer, destas obras, construções ou emissões, nos termos do seu n.º 3, constitui, ainda, o infractor na obrigação de indemnizar o proprietário do prédio vizinho.

Assim, no caso vertente, dado que as condições em que as obras foram levadas a cabo originaram os efeitos na casa dos autores, já acima descritos, têm estes direito a que os defeitos de que, em consequência dessas obras, a sua casa ficou a padecer, sejam reparados, à custa dos réus, tal como decidido na sentença em recurso, o que se mantém.

Para além disto, formulam os autores o pedido de que os réus procedam a obras na sua habitação, a fim de corrigirem a sustentabilidade de tal habitação, tendo peticionado a condenação dos réus “a proceder às reparações necessárias na sua habitação a fim de criarem sustentabilidade no prédio”.

Pedido este que mereceu acolhimento na decisão recorrida na qual se condenaram os réus “a proceder às reparações necessárias na sua habitação de modo a criar condições para que não se verifiquem os defeitos enunciados supra de 6 a 12”.

Relativamente a este pedido, parece-nos que a acção não poderá proceder.

Efectivamente, como consta do item 10.º dos factos provados, as obras (dos réus) em causa não foram licenciadas (mais concretamente, foram feitas sem projecto nem apreciação da entidade administrativa competente para o efeito) e por via disso, foram sujeitas a embargo administrativo, por parte da Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova, em12 de Fevereiro de 2008.

Como acima exposto os direitos conferidos no artigo 1347.º, n.os 1 e 3, do CC, ao proprietário lesado com obras em prédio vizinho que ali se enquadrem, são os de ver reparados os seus danos; que cesse a situação e a correspondente indemnização.

Para além desta, o que importa é que se reparem os danos que surgiram na casa dos autores e tal já foi ordenado na sentença recorrida e é de manter.

E tais danos ficam ressarcidos sem necessidade de ordenar que os réus procedam às requeridas obras, sendo que, reitera-se é que os autores vejam reparados os danos que surgiram na sua casa, sem prejuízo de, se tal vier a acontecer, por causa do estado em que se encontra a casa dos réus, sobre estes impender a obrigação de suportar os custos da reparação de futuros e eventuais danos que venham a aparecer em casa dos autores.

Mas, neste momento, não se poderão condenar os réus a, sem mais, concluir as obras.

Como acima já referido, as mesmas não estavam, nem estão licenciadas, o que determinou o respectivo embargo administrativo.

Nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 2, al. c), do DL 555/99, de 16/12, as obras em causa estão sujeitas a licença administrativa – que não tinham, nem têm.

Nos termos do seu artigo 3.º, n.º 1 e 2, al.s c), d) e e), é competência dos municípios a aprovação dos regulamentos municipais de urbanização e/ou edificação e disciplinar os aspectos relativos ao projecto, execução e conservação das obras e serviços de urbanização e relativos à segurança e conformidade das obras com as normas em vigor.

Por outro lado, como resulta do seu artigo 5.º, n.º 1, a concessão da licença administrativa para a realização das obras em causa é da competência da câmara municipal, com faculdade de delegação, sendo que nos termos do artigo 4.º do ETAF, quaisquer litígios quer resultem da denegação/concessão desta licença terão de ser dirimidos no foro administrativo.

O procedimento para obtenção de licença administrativa das obras em causa tem de obedecer às regras técnicas e de procedimento, previstas nos artigos 8.º e seg.s do mencionado diploma legal, com indicação, por parte do requerente, da qualidade de titular do direito que confira a faculdade de tal requerer e mediante a apresentação dos necessários e ali referidos projectos e termos de responsabilidade dos autores dos projectos apresentados.

Ora, nada disto se encontra demonstrado e os autores nem sequer peticionam a condenação dos réus a obter o licenciamento das obras mediante a competente Câmara Municipal, mas sim que as obras sejam realizadas.

Uma vez que a competência para tal compete ao município, mediante os pressupostos acima descritos, não pode o Tribunal ordenar a realização de obras que não se encontram licenciadas, sob pena de se sancionar a realização de obras ilegais.

Pelo que, quanto a esta questão, procede, parcialmente, o recurso.

D. Se é excessiva a indemnização atribuída aos autores, a título de danos morais, a qual, por isso, deve ser reduzida.

Como decorre da sentença recorrida, fixou-se a cada um dos autores a quantia de 2.500,00 €, a título dos danos morais de que estes padeceram.

Os réus, sem adiantarem uma cifra em concreto, defendem, que tal indemnização deve ser “drasticamente reduzida”.

Nos termos do disposto no seu artigo 496, n.º 1,“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito.

Por outro lado, como se refere, mais recentemente, no Acórdão do STJ, de 07/06/2011, Processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj, importa verificar se os critérios seguidos na fixação desta indemnização, são passíveis de generalização para casos análogos, muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparadas, nomeadamente, tendo em vista as lesões sofridas, suas consequências e a idade das vítimas.

Ou, como se refere no Acórdão do mesmo Tribunal, de 26/01/2012, Processo n.º 220/2001-7.S1, disponível no mesmo sítio do anterior deve “ser tratado por igual o que merece igual tratamento”, para o que se deve atender aos valores que vêm sendo fixados como compensação pelos danos não patrimoniais e no qual se referem os que como tal foram concedidos em alguns Arestos de tal Tribunal.

Os factos a ter em conta, no que a tal concerne, são os que constam dos itens 14.º e15.º, que aqui se dão por reproduzidos.

Trata-se da casa de habitação dos autores que, como tal deveria constituir um local aconchegador, calmo e tranquilo e que assim não tem sido, desde 2008, devido à conduta dos réus.

Sem esquecer que os autores ainda se vão ver obrigados a abandonar a casa, com os seus pertences, para a realização das necessárias obras.

Pelo que, atenta esta situação e tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis, bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, somos de opinião que a atribuída a este título, até por comparação com outros casos, que as indemnizações atribuídas, se revelam ajustadas, pelo que são de manter.

Assim, no que se refere a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, na parte em que condenou os réus a proceder às reparações na sua habitação; mantendo-a quanto ao mais.

Custas por apelantes e apelados, na proporção de 70% e 30%, respectivamente, em ambas as instâncias.

Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos:

1º - Emidio Francisco Santos
2º - Catarina Gonçalves