Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
204/13.6GAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INJUNÇÃO
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
DESCONTO
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INST. LOCAL CRIMINAL DE ALCOBAÇA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 281.º DO CPP; ARTIGO 69.º DO CP
Sumário: I - A inibição de condução de veículos a motor fixada, a título de injunção, no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser descontada na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados imposta, a final, na sentença condenatória, caso o processo, por incumprimento de injunção de diferente natureza, venha a prosseguir para julgamento.

II - Só o tempo correspondente à inibição de condução pode ser objecto de desconto na referida pena acessória, e não todo o mais que mediou entre os termos de entrega e de recebimento do título de condução, porquanto o período temporal situado para além do prazo fixado como inibição não tem origem na injunção imposta, antes se devendo propriamente a actos processuais praticados conducentes à “revogação” da suspensão provisória do processo.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 204/13.6GAACB da Comarca de Leiria, Alcobaça – Inst. Local – Secção Criminal – J1, mediante acusação pública, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1 e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 07.04.2014 [depositada na mesma data], o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

«Pelo exposto, julgo procedente, por provada, a acusação e decido:

A – condenar o arguido A..., pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) o que perfaz a quantia de € 330, devendo, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 2 do CP ser descontado um dia por ter estado detido, o que perfaz a pena de multa de 59 (cinquenta e nove) dias no montante global de € 324,50 (trezentos e vinte e quatro euros e cinquenta cêntimos);

B – condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a do Código Penal, pelo período de quatro meses e quinze dias (…)».

3. Inconformado com a decisão recorre o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. O arguido foi condenado pelo crime de condução em estado de embriaguez, tendo-lhe sido determinada a pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5,50, num total de € 330 e inibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 4 meses e 15 dias;

2. O presente recurso é limitado à sanção acessória que foi aplicada ao arguido.

3. O presente processo foi objecto de suspensão provisória, tendo sido determinado ao arguido a inibição de conduzir pelo período de 3 meses e a realização de 45 horas de trabalho comunitário.

4. O arguido procedeu à entrega da carta em 26/08/2013.

5. Em virtude de não ter cumprido o trabalho comunitário, foi deduzida acusação e seguiu o processo para julgamento.

6. Apenas em 08/01/2014 foi ordenada a entrega da carta ao arguido, que a levantou em 15/01/2014.

7. Assim, o arguido esteve efectivamente inibido de conduzir 4 meses e 20 dias, ou seja, cumpriu os 3 meses ordenados, acrescidos de 1 mês e 20 dias.

8. Ora, tendo o arguido cumprido a obrigação de entregar a sua carta de condução e de se abster de conduzir veículos motorizados que se verificou num período de 4 meses e 20 dias, no âmbito da suspensão, deve ser considerada cumprida a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 4 meses e 15 dias em que veio a ser condenado, na sequência da revogação da suspensão provisória do processo.

9. Quer a condenação, quer a injunção cumprida tiveram em vista um facto – condução de veículo em estado de embriaguez no dia 15/06/2013.

10. E foi cumprida da mesmíssima forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenado, razão pela qual não há diferença em que se considere efectuado o cumprimento.

11. Actualmente, o n.º 3 do art.º 281º do CPP exige que, neste tipo de crime, tenha de ser aplicada uma injunção de proibição de conduzir veículos com motor, pelo que não há qualquer acto voluntário por parte do arguido, pois tal é uma imposição legal.

12. Acresce que, condenado o arguido em pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizado, a função preventiva adjuvante da pena principal já se mostra cumprida.

13. Não se descontando o período de inibição já cumprido, o arguido cumprirá efectivamente tal pena pelo período de 9 meses e 5 dias, o que é manifestamente irrazoável.

14. Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Évora, por unanimidade, no âmbito do processo número 108/11.7PTSTB.E1, in www.dgsi.pt: “A injunção de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser objecto de desconto na pena acessória de proibição de veículos motorizados, aplicada em sentença proferida na sequência da revogação daquela suspensão”.

15. A douta sentença ora recorrida ao não considerar cumprida a sanção acessória, dado que o aqui recorrente já havia procedido à entrega da sua carta e permanecido 4 meses e 20 dias sem conduzir, preconiza uma visão estritamente formal do direito penal.

16. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor mostra-se extinta, pelo cumprimento, ocorrido entre 26/08/2013 e a data em que o arguido procedeu ao levantamento da carta, ou seja, 15/01/2014.

Termos em que deverá considerar-se que o arguido já cumpriu a pena acessória em que foi condenado, fazendo V. Exas a costumada Justiça!

4. Por despacho de 24.06.2014 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

5. Ao recurso respondeu a Digna Procuradora-Adjunta, concluindo:

1. A injunção de proibição de conduzir veículos a motor imposta ao arguido em sede de suspensão provisória do processo tem uma natureza e um regime suficientemente diversos dos da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, o que impossibilita que o tempo de cumprimento daquela possa ser descontada no cumprimento desta, não se bastando o cumprimento da pena acessória com o prévio cumprimento da injunção de não conduzir.

2. Pelo exposto, entende-se que não pode proceder o recurso interposto, devendo a sentença ser confirmada e mantida nos seus precisos termos.

Assim, negando provimento ao recurso, far-se-á Justiça!

6. Remetidos os autos ao Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 113/114, no qual, após proceder ao enquadramento da questão, evidenciando, ainda, as diferentes sensibilidades que a propósito se fazem sentir no seio da jurisprudência, consigna: «Ora, atenta esta nova configuração e perante esta idêntica finalidade, não se justifica, e viola o princípio da proporcionalidade que preside à aplicação das penas, a não consideração, no cumprimento da pena de proibição de conduzir, do período que o infractor já satisfez, visando o mesmo desiderato, no decurso da suspensão, já que o fim almejado pela lei na imposição de tal pena, se encontra satisfeito e as penas não existem a se, mas perseguem um determinado objectivo, sendo, neste caso e relativamente à proibição, o mesmo, acima assinalado, que, repete-se, foi cumprido. Em suma, encontrando-se satisfeita total ou parcialmente, em virtude de imposição legal, a finalidade que preside à proibição, não tem fundamento a sua duplicação.

Pelo que sou de parecer que o recurso merece provimento, devendo, porém, ser descontado, no período de proibição aplicado na sentença, o constante da suspensão, que já foi cumprido, e não o período que o recorrente pretende e que não tem origem na injunção imposta».

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o recorrente não reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

      De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso presente a questão que urge responder traduz-se em saber se a pena acessória de proibição de conduzir aplicada ao arguido deve ser, considerando o cumprimento da injunção de proibição de conduzir a que ficou sujeita a suspensão provisória do processo – entretanto «revogada» -, declarada extinta pelo cumprimento.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

A) Factos provados

1. No dia 15 de Junho de 2013, cerca das 02,23 horas, o arguido tripulava o ciclomotor de matrícula JS..., pela Rua Nossa Senhora da Graça, em Póvoa, Cós, Alcobaça.

2. O arguido veio a ser submetido a pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, através do aparelho Drager, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, n.º ARAA – 0058 e apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,33 g/l.

3. O arguido sabia que tinha ingerido álcool antes de iniciar a condução e, mesmo assim, não se absteve de o fazer, admitindo como possível a verificação daquela taxa de alcoolémia e, conformando-se com tal possibilidade, ainda assim quis conduzir.

4. O arguido agiu livre e conscientemente e sabia que a sua conduta era proibida por lei.

5. O arguido está desempregado há cerca de dois anos, faz biscates em trabalhos agrícolas e mecânicos, recebendo em média entre €300 a €400 mensais, vive com a mãe, em casa desta, e tem o 4.º ano de escolaridade.

6. O arguido foi condenado:

6.1. Por sentença proferida em 08.06.2012, transitada em julgado no dia 10.07.2012, no processo comum singular do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, pela prática no dia 28.01.2010 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 5, declarada extinta em 4.11.2013;

6.2. Por sentença proferida em 27.09.2013, transitada em julgado no mesmo dia, no processo sumaríssimo n.º 11/09.0GANZR do Tribunal Judicial da Nazaré, pela prática em 14.07.2008, de um crime de falsificação de boletins, atas ou documentos, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5.

B) Factos não provados

Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos não provados.

C) Motivação da matéria de facto

Quanto aos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito, o tribunal fundou a sua convicção com base nas declarações do arguido, que confessou, integralmente e sem reservas, os factos de que vem acusado.

Tiveram-se, ainda, em conta o auto de notícia junto aos autos a fls. 2 e o relatório de análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue de fls. 9.

No que respeita às condições pessoais e sócio – económicas do arguido, consideraram-se as declarações por este prestadas, que mereceram a credibilidade do tribunal.

A existência de antecedentes criminais resulta da análise do certificado de registo criminal de fls. 76 a 79.

3. Apreciação

Vem o recurso unicamente dirigido ao decidido em sede de pena acessória de proibição de conduzir, defendendo o recorrente que, tendo permanecido a sua carta de condução à «ordem» dos autos desde 26.08.2013 até 15.01.2014 [datas em que procedeu à sua entrega e levantamento, respectivamente], deveria o tribunal ter julgado extinta, pelo cumprimento, a pena acessória, dado que o tempo de proibição de conduzir cumprido, a título de injunção, imposta como condição da suspensão provisória do processo, ultrapassaria mesmo os 4 [quatro] meses e 15 [quinze] dias aplicados na sentença condenatória.

Significa, pois, que não sendo, embora, a única questão que o recurso suscita o aspecto que primeiramente exige resposta se traduz em saber se a injunção aplicada ao arguido/recorrente por ocasião da suspensão provisória de processo, concretamente a inibição de conduzir veículos a motor pelo período de três meses, caso o processo, por incumprimento de injunção de diferente natureza, venha a prosseguir para julgamento, deve ser descontada na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados imposta, a final, na sentença condenatória.

Vejamos, então, o que resulta dos autos.

No âmbito da fase de inquérito - após ter entendido resultar suficientemente indiciada a prática pelo arguido de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal - considerou o respectivo titular mostrarem-se verificados os pressupostos enunciados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 281.º do CPP, propondo, assim, a suspensão provisória do processo mediante a imposição de injunções, entre as quais a inibição «de conduzir veículos a motor na via pública durante o período de três meses (com início a partir do momento em que for notificado do despacho de concordância com a suspensão provisória do processo), entregando a sua carta de condução» - [cf. fls. 17 a 21], proposta, essa, que, em toda a sua extensão – maxime quanto às injunções - mereceu a concordância do juiz, conforme decorre do despacho de 03.07.2013 [cf. fls. 34/36].

Para cumprimento da injunção de proibição de conduzir, o arguido/recorrente entregou nos autos a sua carta de condução em 26.08.2013, a qual veio a ser levantada em 15.01.2014 [cf., respectivamente, o termo de entrega e recebimento de fls. 41 e 55].

Em consequência do incumprimento de uma outra injunção que lhe veio a ser imposta, os autos prosseguiram para julgamento, sob a forma de processo comum, sendo, então, imputada ao arguido a prática do já identificado crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Finda a audiência de discussão e julgamento proferiu o tribunal a decisão acima transcrita.

Feita esta breve resenha, retomando a questão acima delineada, diremos que não se trata de matéria virgem; pelo contrário já foi objecto de apreciação por parte dos tribunais superiores, contudo, com resultado nem sempre convergente.

Assim, no sentido de que o «tempo» de proibição de conduzir, determinado a título de injunção aquando da suspensão provisória do processo e que veio a ser objecto de cumprimento, não pode, em caso de revogação desta, ser objecto de desconto na pena acessória de proibição de conduzir pronunciou-se o acórdão do TRL de 06.03.2012 [proferido no âmbito do processo n.º 282/09.2SILSB.L1 – 5], do qual se respiga:

 «As penas acessórias cumprem (…) uma função preventiva adjuvante da pena principal.

Por outro lado a injunção a que o recorrente se obrigou, não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. De facto, o recorrente quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou (…) e que visava a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281º do Cód. Proc. Penal.

Ora de acordo com o n.º 4, alínea a) do art. 282º do Cód. Proc. Penal, se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas.

E por prestações, nos termos deste normativo, devem entender-se não apenas as dádivas ou doações pecuniárias mas também outras prestações, como a de abster-se de certas actividades (como a de conduzir) ou mesmo as de efectuar serviço de interesse público ….

 (…)

Ora, no caso, o despacho de suspensão provisória do processo não envolve qualquer julgamento sobre o mérito da questão. Trata-se de um despacho proferido numa fase inicial do inquérito e necessita da concordância, além do mais, do arguido. Acresce que (e sobretudo) é, como o nome indica, uma decisão provisória, que não põe fim ao processo (…).

Desta forma, não pode entender-se que a condenação, em julgamento, em pena acessória de inibição de conduzir, depois de ter sido cumprida a injunção de abstenção de conduzir, em suspensão provisória do processo, configura uma violação do princípio “ne bis in idem”.

Na mesma linha, com idêntica fundamentação, decidiu o acórdão do TRP de 28.05.2014, proferido no proc. n.º 427/11.2PDPRT.P1.

Em sentido contrário, depois de, com fundamentos idênticos aos do aresto acima citado, afastar, no caso, a violação do ne bis in idem, sem questionar a diferente natureza da injunção fixada por ocasião da suspensão provisória do processo e da pena acessória de proibição de conduzir a que se reporta o artigo 69.º do C. Penal, conclui o acórdão do TRG de 06.01.2014 [proferido no âmbito do processo n.º 99/12.7GAVNC.G1]:

«Esta condenação teve em vista um facto – condução de veículo em estado de embriaguez no dia (…)

A injunção cumprida pelo arguido teve em vista o mesmíssimo facto.

E foi cumprida da mesma forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenado.

Argumenta-se que a entrega da carta nas duas situações é diversa em virtude de na injunção esta ser feita de forma voluntária e na outra não. Pensamos que tal argumento não colhe pois que assistimos inclusive a situações em que os próprios arguidos quando tomam conhecimento das decisões e delas não pretendem recorrer, antecipam-se na entrega da carta na data do depósito sem aguardarem o respectivo trânsito, fazendo-o, pois, também nesta situação, de forma voluntária.

De qualquer modo, sendo certo que estamos perante natureza jurídica diferente da injunção e da pena acessória, atualmente nem sequer é possível esgrimir com a pretensa voluntariedade na adesão do arguido à injunção relativa à proibição de conduzir veículos motorizados uma vez que querendo beneficiar da suspensão provisória do processo, tem mesmo que a aceitar, pois que resulta de imposição legal.

(…)

A injunção de proibição de conduzir veículos com motor que consta, agora, do elenco das aplicáveis é, exatamente, aquela que foi aplicada ao recorrente, no âmbito da suspensão provisória do processo.

Que ele cumpriu.

E que (…) mais não é do que a sanção acessória de proibição de conduzir, aplicada no âmbito desse “desvio processual” que é a suspensão provisória do processo: a mesma finalidade, a mesma justificação, o mesmo modo de execução.

Aliás, no nosso ordenamento encontramos situação idêntica com a prisão preventiva e cumprimento de pena efetiva, que de igual modo têm natureza jurídica diferente e no entanto, quando o arguido passa a cumprimento de pena a prisão preventiva é objeto de desconto na pena de prisão, sem que para o efeito seja atribuído qualquer obstáculo.

(…)

A questão não se coloca ao nível da condenação, antes relativamente ao cumprimento da pena (acessória).

Sendo a nosso ver impróprio que alguém possa ser obrigado a cumprir a mesma pena duas vezes, a pretensão do recorrente há-de proceder. Com efeito, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor mostra-se extinta, pelo cumprimento (…).

(…)».

Idêntica posição já havia sido sufragada pelo acórdão do TRE de 11.07.2013 [proferido no âmbito do processo n.º 108/11.7PTSTB.E1], donde se extracta:

«Em termos materiais, substantivos, no fundo, os efeitos decorrentes de uma e outra medida são rigorosamente os mesmos: o arguido entrega a sua licença de condução e abstém-se de conduzir veículos motorizados. A distinta natureza jurídica das duas figuras tem, seguramente, um interesse doutrinário relevante mas não afasta a questão de fundo: caso uma e outra sejam cumpridas, são-no da mesma forma, exigindo do arguido a mesma conduta.

(…)

É bem certo que se dispõe no art.º 282º, nº 4 do CPP que em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta “o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas”.

(…)

A “repetição da prestação” há-de, aqui, ser entendida com o mesmo sentido que lhe é dado em direito civil, isto é, “tal não quer significar que haja lugar a repetir a prestação no sentido de a realizar outra vez. O que existe é o direito de reaver aquilo que foi satisfeito. Isto é: a proibição da repetição das prestações tem o mesmo sentido e alcance da impossibilidade de “restituição de prestações” efectuadas, em caso de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, constante do nº 2 do artº 56º do Cód. Penal.

E assim vistas as coisas, obviamente que a “prestação” em causa nestes autos não é repetível (…).

A questão é outra e consiste em saber se tendo a arguida cumprido a obrigação de entregar a sua carta de condução e de se abster de conduzir veículos motorizados por 3 meses, deve ser considerada cumprida a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses em que veio a ser condenada, na sequência da revogação da suspensão provisória do processo.

Esta condenação teve em vista um facto – condução de veículo em estado de embriaguez no dia (…).

A injunção cumprida pela arguida teve em vista o mesmíssimo facto.

E foi cumprida da mesmíssima forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenada.

Que diferença existe, então, a impedir que se considere efectuado o cumprimento?

Não vemos que faça a diferença: inúmeras são as situações em que os arguidos cumprem voluntariamente a obrigação de entrega da sua carta de condução, em cumprimento da pena acessória em que foram condenados, concordando com tal decisão (de que não recorrem), por vezes mesmo antecipando-se ao trânsito em julgado da decisão (e várias vezes, mesmo ao depósito da sentença …)

Será, então, em função da diferente natureza jurídica da injunção e da pena acessória?

É verdade (…) que “a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena criminal, seja detentiva ou não detentiva, tem fins próprios de prevenção especial e geral”. Como é verdade aquilo que se afirma no Ac. RL de 6/3/2012: as penas acessórias cumprem “uma função preventiva adjuvante da pena principal”.

Mais uma vez, porém, isso não resolve o problema: condenada a arguida em pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizado, a função preventiva adjuvante da pena principal não se mostra já cumprida (esgotada) com o cumprimento dessa proibição, efectuada no âmbito da suspensão provisória do processo?

Repare-se, aliás, que o art.º 281º do CPP foi recentemente alterado pela Lei 20/2013, de 21/2 …

(…)

Quer dizer: actualmente nem sequer é possível esgrimir com a pretensa voluntariedade na adesão do arguido à injunção relativa à proibição de veúculos motorizados: querendo beneficiar da suspensão provisória do processo, tem que aceitar, pois que resulta de imposição legal.

Não deixa de ser curioso que não fosse essa a intenção primeira do legislador.

Como é sabido, na Proposta de Lei nº 77/XII (que está na génese da Lei 20/2013, de 21/2) pugnava-se, com a alteração da redacção do artº 281.º, n.º 1, al. e) do CPP, pela impossibilidade de suspender provisoriamente o processo em caso “de crime doloso para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor”. E isto porque, como consta da respectiva exposição de motivos, “a pena acessória de inibição de condução encontra fundamento material na grave censura que merece o exercício da condução em certas condições, cumprindo um importante papel relativamente às necessidades, quer de prevenção especial, quer de prevenção geral de intimidação, o que contribui, em medida significativa, para a consciência cívica dos condutores. A possibilidade legal de suspensão provisória do processo relativamente a este tipo de ilícitos tem esvaziado de conteúdo útil a função da pena acessória de inibição de conduzir e determina disfuncionalidades em face do regime legal aplicável aos casos em que a condução sob o efeito do álcool é sancionada como contraordenação.

Importava, assim, alterar o regime vigente, determinando que não pode ter lugar a suspensão provisória do processo relativamente a crimes dolosos para o qual esteja legalmente prevista a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor».

(…)

Ainda no mesmo sentido foi o parecer dos docentes da Faculdade de Direito de Lisboa … no âmbito da consulta que lhes foi feita pelo Parlamento: «Em princípio, a cominação legal de penas acessórias, mesmo no caso de inibição de condução de veículo a motor, é totalmente compatível com a suspensão provisória do processo e, se esta for a medida adequada, o julgamento apenas agravará a situação. É bom recordar que a suspensão provisória do processo é uma medida de diversão processual que apenas constitui um desvio à tramitação normal que conduziria ao julgamento. O que se evita com a suspensão provisória do processo é o julgamento, mas não a sanção acessória quando esta possa equivaler, materialmente, à imposição de uma injunção ou regra de conduta.

Em tese, a inibição de condução, enquanto sanção acessória, também pode consistir numa injunção aplicada através de suspensão provisória do processo, aliás tornada efectiva mais prontamente do que se fosse aplicada como resultado de uma condenação transitada em julgado». [todos estes documentos, relativos ao processo legislativo em causa, podem ser consultados no site da Assembleia da República, masi concretamente neste link: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37090.

Foi no seguimento destas objecções que os grupos parlamentares do PSD e do CDS-PP apresentaram uma proposta de alteração à Proposta de Lei 77/XII, suprimindo a alteração à al. e) do n.º 1 do art.º 281º do CPP e alterando o n.º 3 do mesmo artigo, proposta que foi aprovada, dando origem à actual redacção daquele artigo.

A injunção de proibição de conduzir veículos com motor que consta, agora, do elenco das aplicáveis é, exactamente, aquela que foi aplicada à recorrente, no âmbito da suspensão provisória do processo.

Que ela cumpriu.

 (…)

Daí que a decisão recorrida não possa subsistir.

Não por violação do princípio ne bis in idem (…)

Na verdade, posto que revogada a suspensão provisória do processo, sempre o julgamento teria que ter lugar. E sempre, aliás, teria a arguida que ser condenada na pena acessória prevista no art.º69º, n.º 1, al. a) do Cod. Penal, verificados os respectivos pressupostos. Como, aliás, teria que ser efectuada a comunicação a que alude o n.º 4 do mesmo preceito.

A questão não se coloca ao nível da condenação, antes relativamente ao cumprimento da pena (acessória)

(…) a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados mostra-se extinta, pelo cumprimento (…)».

Entendimento perfilhado v.g. nos acórdãos do TRC de 10.12.2014, proferido no âmbito do proc. n.º 23/13.0GCPBL.C1 [prolatado pela ora relatora e adjunta], de 14.01.2015 [proc. n.º 648/12.0GASEI – B.C1] e no acórdão do TRG de 22.09.2014 [proc. 7/13.8PTBRG.G1].

Uma vez aqui chegados, reproduzindo o que deixámos escrito no acórdão de 10.12.2014, o qual temos vindo a seguir de perto, diremos:

«Desenhados que estão os argumentos nos dois sentidos, sem que necessário se torne voltar a equacioná-los, perfilhamos sem qualquer reserva a posição que, privilegiando a substância - não negando, embora, a diferente natureza que, numa perspectiva dogmática, subjaz à injunção, por um lado, e à pena acessória de proibição de conduzir, por outro lado [tal como sucede quanto à medida de coacção de prisão preventiva no confronto com a pena de prisão efectiva, não sendo, por via disso, que aquela deixa de ser objecto de «desconto» nesta] -, não deixando de convocar a redacção do preceito introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21.02 [donde resulta não constituir a inibição de conduzir, para quem pretenda beneficiar da suspensão provisória do processo, um acto voluntário] e, não menos relevante, os elementos «legislativos» e «doutrinários» que precederam tal alteração [cf. artigo 281.º, n.º 3 do CPP], destaca a identidade da finalidade, da justificação e do modo de execução da injunção da inibição de conduzir e da pena acessória prevista no artigo 69.º do C. Penal», concluímos, pese embora a ausência de previsão legal expressa neste sentido, pelo bem fundado da pretensão do recorrente enquanto defende ser de descontar no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir aplicada na sentença o período de inibição de conduzir determinado e cumprido por ocasião da suspensão provisória do processo.

Já não assim relativamente à pretensão de querer ver descontado na pena acessória de 4 [quatro] meses e 15 [quinze] dias todo o tempo que mediou entre os termos de entrega e de recebimento do título de condução, porquanto, como bem evidencia o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o «tempo» que vai para além dos três meses de proibição de conduzir não tem origem na injunção imposta, antes no desenvolvimento processual que veio a culminar na «revogação» da suspensão provisória do processo com o prosseguimento dos autos, sendo, assim, de descontar na pena acessória de proibição de conduzir, tão só, o período de três meses, correspondente à injunção cumprida.

III. Decisão

Termos em que, acordam os juízes que integram este tribunal em conceder parcial provimento ao recurso introduzindo no dispositivo, concretamente em «B -» da sentença recorrida: «condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, pelo período de quatro meses e quinze dias, descontando-se neste os três meses, oportunamente, impostos - e cumpridos - a título de injunção no âmbito da suspensão provisória do processo …».

Não são devidas custas.

Coimbra, 11 de Fevereiro de 2015

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)