Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
195/02.9 GBTMR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
IN DÚBIO PRO REO
Data do Acordão: 02/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º DA CRP, 127º, 374º,Nº2 ,379º, 410º, 412º,428º DO CPP
Sumário: 1. O Exame crítico das provas que suportaram a convicção do Tribunal radica no facto de permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, e das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal, bem como assegurando a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.

2.No caso presente, analisando-se a motivação probatória da decisão de facto, se verifica que a mesma indicou os meios de prova (thema probandum) com exame crítico das provas, a razão da credibilidade dos diversos meios de prova, o que permite deduzir, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, qual o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal os tivesse valorado no sentido em que o fez, daí se extraindo de uma forma lógica e objectiva, qual o raciocínio que levou o Tribunal recorrido a dar como provados os factos que deu como assentes, segundo o princípio da livre apreciação da prova, e as ditas regras da experiência comum.

3.Não se verificando, como se não verifica, em ponto algum da decisão recorrida que o Tribunal a quo tenha ficado com dúvidas sobre a verificação de alguma da factualidade objecto dos autos e haja decidido desfavoravelmente ao arguido, não se pode falar em violação do princípio do in dúbio pro reo.

4.Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no citado artigo 127.º, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. Após pronúncia respectiva, o arguido PA já com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento porquanto agente de factualidade consubstanciadora, entendeu-se, da autoria material consumada de um crime de ameaças, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

Findo o contraditório, por intermédio da sentença então prolatada, viu-se condenado enquanto praticante do ilícito assacado na pena de 120 dias de multa, á taxa diária de € 10,00, ou seja, na multa global de € 1.200,00.

1.2. Porque discordante com tal veredicto, interpôs o recurso presente, sendo que da motivação apresentada extraiu a formulação das conclusões seguintes:

1.2.1. Nos termos do artigo 374.º, n.ºs 1, alínea d) e 2, do Código de Processo Penal, o relatório da sentença deve conter a indicação sumária das conclusões contidas na contestação e na fundamentação da mesma deve constar a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão.

1.2.2. Ora, a decisão recorrida não cumpriu com tal normativo, uma vez que a M.ma Juiz a quo se limitou a referir que o arguido contestou e arrolou testemunhas, não se tendo pronunciado sobre todos os factos levados à contestação do arguido e por si aí alegados, os quais não deu como provados nem não provados.

1.2.3. O cumprimento do requisito expresso no mencionado artigo 374.º, impõe que o Tribunal se pronuncie expressamente sobre todos os factos levados à acusação mas também à contestação, dando-os como provados ou não provados, não sendo suficiente que se infira da mesma que os factos de interesse para a decisão que não figuram na enumeração dos provados e dos não provados devam considerar-se como não provados.

1.2.4. Integrando o seu incumprimento adequado a nulidade da decisão proferida, ex vi do subsequente artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), vício que o recorrente aqui e desde já argúi.

1.2.5. A interpretação normativa efectuada na sentença proferida do disposto no citado artigo 374.º, n.º 2, no sentido de que a fundamentação se basta com a apreciação e indicação dos factos vertidos na acusação ou no despacho de pronúncia, considerando-os provados ou não provados, e ainda no sentido de que a indicação dos factos provados ou de que os factos com interesse para a decisão que não figuram na enumeração dos provados e dos não provados devam considerar-se como não provados, é inconstitucional por violação do dever de fundamentação das decisões, consagrado no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como, ainda, por preterição das garantias de defesa do arguido em processo penal, com arrimo no artigo 32.º, n.º 2 da Lei Fundamental.

1.2.6. Devendo antes ser interpretado de acordo com tais ditames constitucionais, aquele normativo legal ser interpretado, no sentido de que o julgador a quo está obrigado a apreciar e a pronunciar-se expressa e individualizadamente sobre cada um dos factos na contestação, dando-os como provados ou não provados, o que deve ser declarado.

1.2.7. Acresce que não obstante se afirmar na fundamentação que a convicção do Tribunal assentou na prova documental existente nos autos, não resulta do texto da decisão recorrida qual a prova documental neles existente que foi tomada em consideração e valorada pela M.ma Juiz a quo na decisão proferida, o que se impunha, face à abundância da mesma e à exigência de exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos que fundamentam a decisão e que permitiram ao Tribunal formar a sua convicção, tal como imposto pelo indicado artigo 374.º, n.º 2.

1.2.8. Requisito este cujo cumprimento tem subjacente a necessidade de compreensão do raciocínio lógico dedutivo seguido pelo julgador na formação da sua convicção e consequente possibilidade de apreciação crítica do mesmo, de forma a que seja possível aferir se na formação da convicção do julgador foram consideradas provas admitidas por lei e cuja valoração não estava vedada ao julgador e se as provas tidas em consideração sustentam, de acordo com a lei e as regras da experiência comum, a convicção em que assentou a decisão proferida, só assim se permitindo uma efectiva sindicância da mesma pelos sujeitos processuais por elas atingidos e pelo Tribunal ad quem, no que se inclui, no que respeita ao arguido, a efectiva salvaguarda das suas garantias de defesa, maxime do direito ao recurso.

1.2.9. Este incumprimento igualmente fulmina a decisão proferida com o vício de nulidade, de acordo com o estatuído no referido artigo 379.º, n.º 1, agora sua alínea a), o que aqui se argúi e como tal deve ser declarada.

1.2.10. A interpretação normativa conjugada do disposto nos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, efectuada na sentença proferida, no sentido de que o cumprimento da exigência de fundamentação da decisão se basta com uma afirmação genérica de que “… a convicção do tribunal assentou por um lado na prova documental existente nos autos…”, sem indicação concreta de qual da vasta prova documental junta aos autos foi considerada pelo julgador bem como do sentido em que foi valorada, é inconstitucional por violação do dever de fundamentação, bem como das garantias do processo criminal (maxime do direito ao recurso) constitucionalmente consagradas, respectivamente, nos supra indicados artigos 205.º, n.º 1 e 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental.

1.2.11. A interpretação normativa conjugada dos apontados artigos 127.º e 374.º, n.º 2, conforme com a imposição constitucional consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República, impõe que na fundamentação da decisão proferida se especifique a concreta prova documental que, junta aos autos, foi efectivamente tida em consideração pelo julgador na formação da sua convicção e o sentido, ainda que de forma concisa, em que a mesma integrou aquele processo formativo da convicção e consequente decisão, o que deve ser declarado.

1.2.12. A convicção do Tribunal a quo, assentou, na parte referente à factualidade vertida no despacho de pronúncia, em prova documental que não se refere qual seja, mas ainda na prova por declarações da ofendida/assistente e da prova testemunhal arrolada pela acusação, à qual conferiu credibilidade.

1.2.13. Da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida quantos à factualidade da pronúncia, verifica-se que o Tribunal a quo não considerou credíveis e como tal valorizou positivamente as declarações prestadas pelo arguido quanto aos factos que lhe são imputados – negando-os –, e tão pouco os depoimentos das testemunhas de defesa cujos factos relatados, ao darem conhecimento ao Tribunal da presença do arguido, no momento temporal que é indicado na pronúncia, em locais completamente diversos do referido na acusação, infirmam por completo as declarações da assistentes e testemunhas de acusação e corroboram a negação da prática dos factos afirmada pelo recorrente.

1.2.14. E que o juízo de não credibilidade assim formulado assentou no facto de as testemunhas serem repetitivas e insistentes ao justificarem a presença do arguido junto deles em locais muito distantes do da pronúncia, não havendo, no entender do Tribunal a quo, razões para o arguido não estar no local da casa da assistente uma vez que, tendo casa na zona, era suposto lá estar em períodos de repouso, tanto mais que estaria de férias e ainda pelo facto de as testemunhas de defesa serem amigos do arguido e não terem sido os seus depoimentos confirmados por terceiros externos a tais relações.

1.2.15. Ora, no que respeita à sua qualificação como “repetitivas e insistentes”, a mesma é contrariada pela audição dos respectivos depoimentos e pelas transcrições efectuadas, e no que concerne ao facto de o arguido ter casa na zona motivo por que não haveria razão para lá estar em período de férias e de fim-de-semana e, por consequência, ter praticado os factos, a mesma é insustentável, sendo até infirmada pela prova produzida a qual dá conta que o arguido poucas vezes ali deslocava, não esteve sequer de férias naquele mês de Março 2002 e esteve em fins-de-semana noutros locais, aliás distantes.

1.2.16. Este juízo por parte do Tribunal a quo, e que justifica a desconsideração do depoimento das várias testemunhas de defesa e das próprias declarações do arguido, é manifestamente ilógico, arbitrário e mesmo absurdo, contrariando frontalmente as regras da experiência comum.

1.2.17. Por outro lado, o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal a quo no sentido de não valorar e credibilizar os depoimentos das testemunhas de defesa por serem amigos do arguido e as suas declarações não terem sido confirmadas por terceiros externos a tais relações é, também nesta parte, no mínimo desconcertante, sobretudo tendo em consideração que não foi aplicado e seguido tal critério de aferição de credibilidade e corroboração de depoimentos prestados em relação às testemunhas de acusação.

1.2.18. Com efeito, o juízo assim formulado em relação às testemunhas de defesa, no sentido de que o facto de serem amigos do arguido é factor bastante para afectar e comprometer a sua credibilidade é por si só falacioso, sendo certo ainda que a necessidade de corroboração sucessiva de depoimentos é uma exigência e um critério que não encontra reciprocidade no que respeita à aferição da credibilidade das declarações da assistente e do depoimento das testemunhas de acusação.

1.2.19. O que sempre seria de exigir, no caso concreto, tendo em consideração as relações de amizade e familiares da assistente com as testemunhas de acusação, bem como as más relações e mesmo de franca animosidade quer da assistente, quer daquelas, com o arguido, desde momento muito anterior aos factos alegados na pronúncia e posteriores àqueles e até ao presente, num caso e noutro resultantes das quebra das relações profissionais e afectivas impostas pelo arguido contra a vontade daquelas, o que tudo vem sobejamente espelhado na vasta documentação junta aos autos, designadamente, nos documentos de fls. 1645 e seguintes, bem como das declarações e depoimentos que prestaram.

1.2.20. Não obstante, relativamente a estas o Tribunal a quo esqueceu que as mesmas são familiares e amigas da assistente, bem como que a por elas afirmada deslocação do arguido a casa da assistente num Domingo do mês de Março de 2002 e “encontro” com a mesma e aquelas testemunhas, não foram confirmados por ninguém externo a tais relações.

1.2.21. No processo de formação da sua convicção o Tribunal a quo adoptou critérios distintos para aferir realidades idênticas, porquanto, no que respeita à análise de crítica da prova produzida pela acusação e consubstanciada nas declarações da assistente e nos depoimentos do seu marido e da sua amiga, entendeu desconsiderar ou não valorar da mesma forma e de acordo com o mesmo raciocínio e critério as relações familiares e de amizade que as ligam, o facto de qualquer um deles ter má relação com o arguido e, finalmente, o facto de mais ninguém externo a tais testemunhas ter corroborado as suas afirmações.

1.2.22. O Tribunal a quo fez uso, relativamente a situações idênticas, de critérios absolutamente diferentes, sem justificação bastante e coerente, bem pelo contrário, e em prejuízo manifesto da posição do arguido, contrariando um princípio fundamental na apreciação da prova, o princípio in dúbio pro reo.

1.2.23. Da leitura da motivação da decisão recorrida evidencia-se antes de mais que a mesma assenta na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova (consubstanciada nas versão apresentada pela assistente e pelas testemunhas GL e JP) em detrimento de outra (consubstanciada na versão apresentada pelo arguido e demais 8 testemunhas de defesa), tendo por base juízos contraditórios, ilógicos e manifestamente contrários às regras da experiência comum, o que não pode ser sufragado.

1.2.24. O que tudo resulta desde logo do texto da decisão, sendo como tal susceptível de imediata apreensibilidade pelo cidadão comum ou homem médio, traduzindo-se, pois, em conclusões ilógicas e inaceitáveis à luz das regras da experiência comum aquelas a que o Tribunal a quo chegou.

1.2.25. O princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, exige ao julgador que, ao apreciar e decidir sobre um determinado facto ou um conjunto de factos, dando-os como provados ou não provados, justifique o processo de decisão mediante uma apreciação crítica e racional das provas que serviram para formar a sua convicção, tendo sempre por base um juízo objectivável, racional e razoável para a generalidade das pessoas e não arbitrário ou meramente pessoal.

1.2.26. Tal princípio não foi cumprido como resulta, desde logo, da simples leitura do texto da decisão recorrida mas ainda da prova documental junta aos autos e da prova por declarações e testemunhal, produzida e gravada em audiência final.

1.2.27. Face ao exposto, manifesto é que a sentença recorrida, ao incorrer em tão clamorosos desvios de raciocínio na apreciação das provas e bem assim da formulação de juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, os quais afrontam de forma manifesta as regras da experiência comum, padece dos vícios referidos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, os quais deverão ser declarados pelo Tribunal de apelo, com a consequente revogação do decidido em 1.ª instância e subsequente absolvição do recorrente, ou, concedendo-se, com reenvio do processo para novo julgamento.

1.2.28. Acresce que, ao Tribunal a quo, confrontado que foi com duas versões antagónicas sobre os factos objecto do julgamento e estando todos os que sobre o evento se pronunciaram (com excepção do arguido) vinculados ao dever de veracidade, sob cominação de responsabilização criminal, impunha-se a aceitação e valoração probatória dos depoimentos prestados salvo se se lhe apresentasse indiciariamente falseada a realidade por eles retratada, caso em que se lhe exigia que procedesse em conformidade, accionando os necessários mecanismos jurídicos tendentes à respectiva responsabilização pessoal pela autoria comissiva das correspondentes infracções criminais de falsidade de testemunho, de natureza pública, em conformidade com o imperativamente estatuído no artigo 242.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o que não aconteceu.

1.2.29. Ao não actuar em conformidade, o Tribunal a quo comprometeu o conhecimento do facto objecto do processo e a consequente realização do direito material o que impõe a revogação da decisão recorrida com a consequente absolvição do arguido ou, caso assim se não entenda, a anulação do julgamento e o reenvio dos autos para novo julgamento sobre a totalidade do objecto do processo, a realizar por tribunal diverso do que proferiu essa decisão.

1.2.30. Caso assim se não entenda, terá de ser considerada a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base na apreciação da prova produzida em audiência e da qual ressaltam os vícios supra apontados.

1.2.31. O Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos que deu como provados nos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 10 da factualidade considerada assente na decisão recorrida, a qual não tem suporte na prova produzida em audiência que o Tribunal a quo – na fundamentação daquela decisão – reputou determinante para a formação da sua convicção.

1.2.32. O Tribunal a quo devia ter considerado assentes factos que se afiguram de extrema importância para a boa solução da causa, mas que, ao invés, foram simplesmente ignorados ou considerados sem interesse para a decisão da causa e que são os seguintes:

- O arguido é pessoa educada, respeitadora e respeitado por todos que com ele privam e se relacionam pessoal, social e profissionalmente.

- O arguido foi sempre uma pessoa generosa para com os seus funcionários, pacientes, amigos e familiares.

- E com uma total disponibilidade para ajudar e apoiar todos os que com ele privam e dele necessitam.

- Tal postura perante os outros pautou sempre a sua vida.

- Sendo absolutamente incompatível com os factos constantes do despacho de pronúncia.

1.2.33. Os factos supra indicados, resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente pelas declarações prestadas pelo próprio arguido e pelas testemunhas AV; MR; MM; F; JV; L, pelo que, não os tendo considerado assentes, o Tribunal a quo revelou uma errada apreciação da prova produzida.

1.2.34. Para cumprimento do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, indicam-se como provas que impõem decisão diversa da recorrida as seguintes:

- Declarações do arguido, PA, ouvido na audiência de julgamento de 25/../2008 e de 07/../2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio respectivamente desde as 11:49:17 às 12:09:24 e desde as 11:25:15 às 11:33:01 e das 12:21:21 às 12:25:12.

- Declarações da assistente, MG ouvida na audiência de julgamento de 25/../2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio desde as 12: 10:33 às 13:04:45.

- Depoimentos das testemunhas de acusação, JP, ouvido da audiência de julgamento de 25….2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio, e GL ouvida na audiência de julgamento de 25…..2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio desde as 14:57:56 às 15:59:27.

- Depoimentos das testemunhas de defesa, F. ouvida na audiência de julgamento de 25/…/2008, inquirido por videoconferência através do programa Skype e cujo depoimento se encontra gravado numa fita magnética; AV, ouvida na audiência de julgamento de 25….2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio desde as 17:37:51 às 17:44:59; MR, ouvido na audiência de julgamento de 25…..2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio desde as 17:45:53 às 17:57:20; MM, ouvido em audiência de julgamento de 25….2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio desde as 17:58:17 às 18:29:06; JV, ouvido na audiência de julgamento de 25….2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio desde as 18:31:32 às 19:11:24; L, ouvida na audiência de julgamento de 07...2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio desde as 10:38:05 às 10:45:56; C., ouvido na audiência de julgamento de 07….2008, estando as suas declarações gravadas no sistema Habilus Media Studio desde as 10:47:02 às 11:03:21.

- Prova documental junta aos autos, a saber, a queixa apresentada pela assistente em 17…..2002, no Serviços do Ministério Público, a fls. 26 e ss e na GNR a fls. 32 a 37; a queixa apresentada pelo arguido contra a assistente em 02….2002, na GNR, que deu origem ao NUIPC …/02.GB TMR, a fls. 3, as fotografias juntas como docs. 1 a 6, a fls. 233 a 236; os docs. 1 a 9 juntos na sessão da audiência de julgamento de 31 … de 2006, a fls. 505 e ss., em particular do doc. 2, certidão do Tribunal de Trabalho de Tomar relativa ao Proc…./2001; a certidão junta a fls. 1645 e ss; e os docs. 1 e 2 juntos a fls. 1692 a 1695.

1.2.35. Analisada conjugada e criteriosamente a prova produzida e supra indicada, não podia o Tribunal a quo ter dado como provada a factualidade que levou aos artigos 1 a 7 dos factos provados, antes se impondo que, face à prova produzida em audiência de julgamento, tivesse dado tal factualidade como não provada.

1.2.36. Conforme decorre das passagens concretas do depoimento do arguido indicadas na motivação para as quais se remete, o arguido PA, negou integralmente a prática dos factos que lhe foram imputados, referindo que a situação descrita não se passou, nem nessa data, nem noutra, não havendo justificação para uma ocorrência dessas na relação entre as pessoas, sendo uma situação inverosímil.

1.2.37. Tendo ainda o arguido esclarecido que a assistente foi sua empregada numa casa que tem em Castelo… e que em … de 2001 prescindiu dos seus serviços, na sequência de desconfianças relativamente ao comportamento da mesma com a sua ex-companheira GL tendo, após o despedimento da assistente recebido convocatória no âmbito de processo por ela contra si no Tribunal do Trabalho de Tomar, no âmbito do qual acabou por chegar a acordo com a assistente, bem como que desde que conhece a assistente só se deslocou a sua casa em duas ocasiões e que desde que a despediu viu-a numa ou outra ocasião, junto de sua casa, tendo mesmo necessidade de pedir a intervenção da GNR, num fim-de-semana em que a assistente entrou na sua propriedade, desceu uma escadaria de acesso ao rio e foi pescar para a plataforma, tendo nessa altura a assistente sido identificada pela autoridade policial num momento em que ainda se encontrava no local.

1.2.38. Por sua vez, ouvido novamente em 07….2008, já após o depoimento da assistente e das testemunhas JP e GL e, na sequência de um alegado incidente no dia 20 de … de 2008 e por aqueles relatado, em que o arguido, continuava a perseguir e ameaçar a assistente teria perseguido a assistente e o marido desta – a testemunha J P – numa sua viatura A..ou P, o arguido negou que o tivesse efectuado, tendo apresentado comprovativo justificativo de que, nessa data e à hora às 17:00 horas se encontrava em S… e que às 15:00 horas estava em Belas, documentos esses que o Tribunal julgou irrelevantes, por não serem objecto de julgamento nos presentes autos e não quis fossem juntos aos autos.

1.2.39. As declarações da assistente, MG, ouvida na audiência de julgamento do dia 25….2008 e os depoimentos das testemunhas JP e GL para cujas passagens concretas indicadas na motivação se remete, de per si, mas sobretudo quando conjugados com os documentos juntos aos autos ­nomeadamente a certidão do Tribunal do Trabalho junta aos autos como doc. 2, em 31….2006, a fls. 508 e ss, da própria queixa apresentada pela assistente em 17….2002, junta a fls. 26 a 29 e 33 e ss., a queixa apresentada pelo arguido a 02….2002, junta a fls. 2, os doc.s de fls. 1645 e ss., mas também com o depoimento das testemunhas de defesa ouvidas em audiência não permitiam que o Tribunal a quo viesse a dar como assente a factualidade que levou aos arts. 1.º a 7.º dos factos que considerou provados na sentença recorrida.

1.2.40. As referidas declarações e depoimentos, muito embora o esforço notável de compatibilização entre si dos prestados no decurso do primeiro julgamento (anulado) para este último, com histórias e justificações absolutamente novas e diversas, apresentam contradições notáveis não só entre si como com a demais prova documental junta aos autos.

1.2.41. A assistente MG, começou por referir que, quando estava por debaixo de um telheiro à porta de casa, na companhia da testemunha GL e do marido, passa o arguido “para baixo e para cima umas poucas vezes a buzinar e nisto, puxa uma pistola e disse que me havia de estoirar os miolos a mim e à minha família”, sendo que aquele caminho nem dava acesso à casa do arguido, referindo depois que, afinal, quando o arguido passou por si pela primeira vez, se encontrava apenas com o marido e não já com a testemunha GL, bem como que, afinal aquele caminho dava acesso à casa do arguido e, já a pedidos de esclarecimento solicitados pela M.ma Juiz, a assistente viria a referir que afinal o arguido só passou uma vez para baixo e outra para cima.

1.2.42. Apesar de a instâncias do Ministério Público a assistente ter afirmado peremptoriamente e por diversas vezes ter visionado na mão do arguido uma pistola, a instâncias do seu Mandatário acabou por referir que afinal, não tinha a certeza de ter visto uma pistola apontada para si nas mãos do arguido.

1.2.43. A assistente MG afirmou considerar que toda esta situação se mostra relacionada com o facto de ter proposto acção contra o arguido no Tribunal de Trabalho, já que antes, não houve qualquer situação que o justificasse e que já antes de Março de 2002 havia sido ameaçada uma primeira vez pelo arguido no Tribunal do Trabalho na data em que chegou a acordo com este no âmbito daquele processo, tendo o arguido afirmado já nessa altura que lhe havia de cortar o pescoço e que lhe havia de estoirar os miolos também, mas quando instada pela Defensora do arguido, referiu que afinal, nesse dia o arguido apenas lhe havia dito que lhe havia de torcer o pescoço, mais nada, sendo que, a ameaça relativamente à sua família e de que lhe havia de estoirar os miolos havia sido feita por este anteriormente, depoimento que é contrariado pelo depoimento da testemunha J V que relativamente ao sucedido no Tribunal do Trabalho, declarou ter estado presente no dia em que se deslocaram ao Tribunal do Trabalho, não se tendo, em momento algum o pai dirigido à assistente MG, de qualquer forma, muito menos ameaçando-a, verbalmente ou por gestos, e sendo certo que o pai também não ficou nada chateado por ter de pagar 300 contos à assistente, o que até achou divertido.

1.2.44. Apesar de ter começado por dizer considerar que toda a situação dos presentes autos se mostra relacionada com o facto de ter proposto acção contra o arguido no Tribunal de Trabalho, já que antes, não houve qualquer situação que o justificasse, a assistente ao mesmo tempo diz que, entre o momento em que foram prescindidos os seus serviços – em … de 2001 – e o encontro no Tribunal do Trabalho – em 5 de …de 2002 – não teve mais contacto com o arguido, bem como ainda os factos se passaram depois do acordo do tribunal de trabalho.

1.2.45. Também a testemunha JP, marido da assistente, ouvido na audiência de julgamento do dia 25….2008, afirmou e revelou estar de mal com o arguido e disse que os factos em discussão nos presentes autos ocorreram depois e por causa do acordo e indemnização que o arguido pagou no Tribunal de Trabalho.

1.2.46. Relativamente aos factos ocorridos em 30…2002 – dois meses após a alegada prática pelo arguido dos factos em discussão – e que determinaram que a assistente e o marido tivessem sido identificados pela GNR por alegadamente terem entrado na propriedade do arguido, descido uma escadaria de acesso ao rio e ido pescar numa plataforma daquele, ambos, confirmaram efectivamente ter estado no local, tendo a assistente quando confrontada com as fotografias de fls. 234 e seguintes, que retratam a casa do arguido, reconhecido as escadas por onde desceu para ir pescar.

1.2.47. A simples análise da prova documental junta aos autos abala o depoimento da assistente e da testemunha JP, desde logo porque da certidão junta aos presentes autos e extraída do litígio laboral que envolveu arguido e assistente resulta que as partes chegaram a acordo e o arguido lhe pagou os direitos no dia 5 de …de 2002, ou seja em momento posterior àquele em que afirma que o arguido a ameaçou na sua casa.

1.2.48. Não se podendo pois aceitar como verdadeiras as declarações prestadas pela assistente e pela testemunha JP designadamente quando referem que já antes de Março de 2002, muito antes, havia sido ameaçada pelo arguido no Tribunal do Trabalho de Tomar, no dia em que as partes chegaram a acordo e isto porque a assistente só chegou a acordo com o arguido no âmbito dos referidos autos em Abril desse ano, sendo completamente impossível que quer a assistente quer a testemunha JP se tenham confundido sobre se tais ameaças que referem terem ocorrido no Tribunal do Trabalho aconteceram antes ou depois dos factos em discussão nos presentes autos e sendo certo que ambos afirmaram repetidas vezes que o acordo, o pagamento dos seus direitos no Tribunal do Trabalho ocorreram antes das ameaças objecto dos presentes autos e constituiu o motivo para as mesmas.

1.2.49. E desse modo cai igualmente por terra uma das explicações apresentadas quer pela assistente quer pela testemunha JP para o comportamento do arguido – o facto de este ter sido anteriormente e no âmbito do litígio laboral que os envolvia, condenado ou obrigado a pagar-lhe 300.000$00. E isto porque, na data em que a assistente refere terem ocorrido os factos aqui imputados ao arguido – Março de 2002 –, não tinha sequer sido determinado o pagamento de tal quantia, o que só veio a suceder em 05.04.02, o que decorre claramente da certidão que se mostra junta aos autos e já referida.

1.2.50. Bem como cai por terra a explicação de que a assistente passou a ter medo do arguido a partir do momento em que foi ameaçada no Tribunal do Trabalho, no dia do acordo – 05….02 – porque tal ameaça, ainda que se admitisse que tivesse ocorrido – no que em absoluto não se concede ­sempre teria sido posterior aos factos que imputa ao arguido nos presentes autos.

1.2.51. Apesar de a assistente referir no seu depoimento (cujas passagens concretas foram indicadas na motivação para onde se remete) que apresentou queixa contra o arguido cerca de dois meses após a alegada prática dos factos, se atentarmos na queixa apresentada pela assistente nos presentes autos – a fls. 26 e ss. e a fls. 33 e ss. -, fácilmente constatamos que a mesma apenas apresentou queixa contra o arguido em 17 de … de 2002, ou seja, cerca de quatro meses após o mês de Março de 2002, a qual veio a ser incorporada no processo com o NUIPC n.º ../02.9 GBTMR, aberto na sequência da queixa formalizada pelo arguido em 02...2002, contra MG e seu marido, J P por naquele data os ter surpreendido na sua propriedade para irem ali pescar, tendo chamado a GNR ao local, conforme referido em audiência de julgamento (episódio da pesca no rio) (cfr. fls. 3), tendo, na sequência desta queixa, a assistente e seu marido, JP, sido constituídos arguidos e nessa qualidade prestaram declarações (cfr. fls. 4 e ss.) e, 6 (seis) dias depois, em 17….02, a assistente apresentou a queixa que deu origem ao NUIPC n.º…/02.09 GBTMR, na qual referia, para além do mais, que num Domingo de Março de 2002 o arguido PA, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar que ali refere proferiu as ameaças, facto que foi objecto do julgamento agora realizado.

1.2.52. Por outro lado ainda, se atentarmos na descrição dos factos participados na referida queixa ­cujo teor a assistente em audiência de julgamento confirmou corresponder ao efectivamente ocorrido, constatamos que na mesma ali refere que as ameaças que o arguido lhe proferiu em Março de 2002, à porta de sua casa e pelas quais foi aqui condenado, ocorreram após o acordo do Tribunal de Trabalho e por causa dele, bem como que o filho assistiu às mesmas, facto que em audiência veio, tal como as testemunhas de acusação a negar, mas ressalta ainda, com grande expressividade a estreita relação com a ex-companheira do arguido e testemunha de acusação, de quem na queixa a assistente toma as suas dores.

1.2.53. Na queixa apresentada pela assistente contra o arguido em 17 de … de 2002, a mesma imputa-lhe os factos objecto do julgamento nestes autos e que teriam ocorrido em Março de 2002, e uma outra situação que ali se situa no dia 13 de Julho de 2002 em que o arguido lhe teria atirado pedras, paus e chamado de puta, ladra e vigarista (relativamente a esta foi considerada a inveracidade do alegado), mas nenhuma referência faz á feita pela assistente relativamente às ameaças que em audiência diz que o arguido lhe fez no Tribunal de Trabalho no sentido de que lhe ia torcer o pescoço e ainda que lhe havia de estoirar os miolos a si e à sua família, pelo que estando perfeitamente situada a data em que assistente e arguido estiveram no Tribunal de Trabalho – 5 de… de 2002 –, e as ameaças aí alega lhe terem sido efectuadas pelo arguido causado grande receio, não se compreende por que é que na queixa que apresentou em 17…..02, refere factos que diz terem ocorrido em momento anterior – Março de 2002 – e em momento posterior – 13 de Julho de 2002 – mas não refere os que diz terem tido lugar entre uns e outros e que pela gravidade e reiteração lhe causaram grande receio!

1.2.54. Por outro lado ainda, a assistente, no seu depoimento e também a testemunha JP, referiram que, após os factos ocorridos em Março de 2002, aquela nunca mais foi trabalhar sozinha por ter medo, indo sempre acompanhada, actualmente do pai que está reformado (mas à data não estava) ou de uma nora de 15 anos, e chegando mesmo até a referir a companhia do neto, depoimento que é claramente contrariado pelo depoimento da testemunha C., cuja passagem se transcreveu na motivação, o qual não só demonstrou conhecer melhor os horários da assistente do que o marido desta como, referiu que a assistente quer aos dias de semana quer ao fim de semana nunca foi trabalhar acompanhada, indo sempre sozinha e isto quer no período em que trabalhava para o arguido quer posteriormente, nunca a tendo visto acompanhada de ninguém, senão um neto pequenito de cerca de 6/7 anos!, sendo absurdo sequer conceber que alguém que diz que foi ameaçada e teme pela sua vida razão por que não voltou a ir ao local sem ser acompanhada, se faça acompanhar para o efeito de um neto com 7 anos de idade, ou da nora de 15 anos de idade.

1.2.55. Do mesmo modo que não é concebível que alguém que na sequência das ameaças que diz ter sofrido no mês de Março de 2002 passou a temer pela sua vida e por isso deixou de andar sozinha nos locais onde ia trabalhar próximos da casa do arguido, logo em 30 de … de 2002, ou seja, cerca de dois meses depois daquele facto tão traumático da sua vida, entre na propriedade daquele que teme e se sirva das escadas deste de acesso a uma plataforma para pescar, sujeitando-se a ser surpreendido pelo arguido numas escadas que, independentemente de constituírem servidão de passagem ou não, estão dentro da propriedade deste, o que é ainda mais inconcebível quanto é facto que até então nunca fora pescar para aquela zona.

1.2.56. Por fim, a justificação apresentada pela assistente e pela testemunha JP, marido desta (cuja passagem se mostra concretamente identificada na motivação), para o facto de a expressão alegadamente proferida pelo arguido ter sido dirigida à assistente e não a qualquer um dos outros presentes, designadamente a testemunha GL, no sentido de que o arguido não saberia que ela lá estava, apesar de estar à frente dele, a cerca de 4 metros das 3 pessoas presentes, é tão desajustada que dispensa quaisquer comentários.

1.2.57. E, finalmente, muito embora a assistente e a testemunha JP, tenham afirmado terem sido perseguidos pelo arguido no passado dia 20 de Abril de 2008, pelas 17:00 horas, conforme se constata da documentação agora junta sob docs. 1 e 2, no dia 20 de Abril de 2008, o arguido, pelas 15:18 minutos pagou um almoço no valor de € 28,50 no restaurante T… Adega Típica Restaurante, Lda., em B…, concelho de S.. e, pelas, 16:52 minutos, efectuou um pagamento no valor de € 60,00 com o cartão Millennium Prestige de Débito na Tapada das Mercês, resultando assim, uma vez mais, que quer a assistente quer a testemunha JP mentem, não dizem a verdade, antes se conjugando entre si e com a testemunha GL para prejudicarem o arguido sobre factos que sabem que o mesmo não praticou e que não correspondem à verdade.

1.2.58. Das passagens do depoimento da testemunha GL, ex companheira do arguido e incompatibilizada com este desde 2000, ouvida na sessão da audiência de julgamento do dia 25…..2007, não só é patente a profunda inimizade e animosidade da testemunha para com o arguido, um ódio visceral mesmo, como, à semelhança do que já anteriormente sucedera com o depoimento da assistente, vem dizer que num Domingo do mês de Março de 2002, viu o arguido empunhar uma arma na direcção da assistente – uma arma sua conhecida –, junto da casa desta, a distância inferior à largura de um carro e dizendo-lhe que lhe ia rebentar os miolos a ela e à família, tendo a referida testemunha apresentado – numa inovadora versão neste segundo julgamento – como justificação para o comportamento do arguido, a saber, o facto de o arguido ter indicado a assistente como testemunha num processo crime contra si – testemunha – bem como o facto de a assistente ter proposto contra o arguido uma acção no Tribunal do Trabalho.

1.2.59. Referindo ainda que já antes aos factos dos presentes autos o arguido, no Tribunal do Trabalho, ameaçara a assistente – não dizendo que lhe torcia o pescoço, como disse a assistente, mas fazendo gestos com a mão abaixo do pescoço – o que é claramente contrariado quer pelo depoimento da testemunha JV quer pela certidão junta aos autos que atesta a data em que as partes, já em sede de julgamento, chegaram a acordo no Tribunal do Trabalho de Tomar, o dia 5 de…de 2002, ou seja, em momento posterior aos factos relatados.

1.2.60. Tendo ainda a testemunha referido que a assistente, após ter sido alegadamente ameaçada pelo arguido em Março de 2002, se fazia acompanhar do netinho, o tal que sabemos pela testemunha C, ter cerca de 7 anitos, para se sentir mais protegida! bem como ter sido a seu conselho que a assistente, primeiramente, não apresentou queixa contra o arguido por pretender evitar conflitos, muito embora tenha sido ela quem, posteriormente, lhe arranjou um advogado.

1.2.61. E, contrariamente ao referido pela própria assistente, fez questão de frisar que, de onde o arguido vinha, não tem passagem para a casa dele, referindo mesmo que isso é que ela pode garantir!

1.2.62. Resulta assaz manifesto de todo o depoimento prestado por esta testemunha que a mesma não só tem uma profunda inimizade para com o arguido, como apresenta óbvio e manifesto interesse no desfecho da causa, pelo que, salvo o devido respeito, razão nenhuma havia para que o Tribunal a quo tivesse considerado o depoimento desta testemunha, como efectivamente parece ter considerado na sentença recorrida.

1.2.63. Inimizade e interesse directo e manifesto no desfecho dos presentes autos que resultam também da certidão junta aos autos em audiência de julgamento de 25….2008 e que se mostra a fls. 1645 e ss, resultando da mesma que a testemunha GL Deste se mostra acusada da prática de 24 crimes de injúria ao aqui arguido, 18 dos quais alvo de despacho de acompanhamento por parte do Ministério Público.

1.2.64. Sendo patente nas mensagens enviadas por esta ao aqui arguido e ali referidas e alvo de gravação e transcrição em auto, nas quais demonstra e se vangloria pelo perfeito conhecimento das decisões judiciais que envolvem o assistente e no momento em que são proferidas, o que traduz o seu interesse em todo e qualquer processo que envolva o aqui arguido, bem como apelidando-o de nomes como “merdas”, “bandalho”, “que dorme com o pessoal”, “atrasado mental”, “pateta” e “pobrecito”, “charlatão de feir”, que vive com uma “maluquinha”, “uma atrasada mental”, “que se dá com sopeiras”, “rafeiro”, “chéché”, “cobarde de merda”, “vigarista”, “ladrão”, “monte de esterco”.

1.2.65. E referindo-se inclusivamente, em mensagem que em 14 de… de 2007 gravou no telemóvel do aqui arguido, aos presentes autos e, concretamente à data que primeiramente esteve designada, 27 de … de 2007, dizendo “dia 27 vai ser enxovalhado porque é o que você merece!”.

1.2.66. A prova resultante dos depoimentos das testemunhas de defesa contraria frontalmente os factos vertidos na acusação e descritos pela assistente e testemunhas de acusação.

1.2.67. Do depoimento das testemunhas AV;MR MM; JV; L e C. – cujos excertos se mostram transcritos na motivação e aqui se dão por reproduzidos –, resulta que, a situação imputada nos autos nada tem que ver com a personalidade do arguido, nunca ninguém o tendo visto em termos de querer ir agredir, de provocar ou de querer ir ameaçar alguém face a qualquer contrariedade, sendo uma pessoa tranquila, bem educada e com uma boa relação quer com os colegas quer com os subordinados e demais pessoas de uma forma geral, sendo incapazes sequer de conceber que o mesmo tivesse uma atitude como a que lhe é imputada nos presentes autos.

1.2.68. Bem como resulta igualmente do depoimento das testemunha AV; MR;MM e F. – para cujos excertos transcritos na motivação se remete – que o arguido não esteve em nenhum fim-de-semana do mês de Março de 2002 na zona de Tomar, conforme alegado pela assistente, seu marido e ex-companheira do arguido, porquanto, em 10 de.. de 2002 (Domingo) esteve com a testemunha AV num almoço que durou toda a tarde por ocasião do aniversário da filha desta; em 17 de… de 2002 esteve em …, junto a Seia, com a testemunha MR, por ocasião do aniversário de casamento deste; no fim de semana seguinte também, numa garagem do arguido em Caxias, de volta de um automóvel antigo deste que não funcionava, e, em 3 de Março de 2002 almoçou com a testemunha MM em Tróia no Hotel Tróia Mar (hoje Tróia Resort), com o qual passou também o fim-de­-semana do Domingo de Páscoa, 31 de … de 2002, na companhia da família, em casa do arguido na Galé e na companhia dos pais e do filho deste de nome F. depoimento este confirmado pela testemunha F. com quem o arguido passou não só o Domingo de Páscoa como o primeiro fim-de-semana – 3 de Março, numa casa que o arguido tem na Galé.

1.2.69. O que de certa maneira está em consonância com o que resulta do depoimento das testemunhas L., empregada doméstica do arguido a partir de 2001 e C., que efectua limpezas na mata do arguido – cujos excertos se mostram transcritos na motivação e se dão por reproduzidos –, os quais afirmaram que o arguido se desloca com muito pouca frequência à casa que tem na …, na zona de Tomar, passando-se meses sem lá ir, referindo a primeira que os trabalhos que efectua têm carácter irregular já que o arguido se desloca com pouca frequência à casa e o segundo que o arguido frequenta pouco a casa, indo lá de dois em dois meses, de três em três meses.

1.2.70. Resulta inequivocamente do depoimento do arguido PA que negou que tivesse praticado os factos que lhe são imputados, bem como ainda dos depoimentos transcritos na motivação para a qual se remete das testemunhas AV; MR; MM e F, que o arguido não podia ter praticado os factos que lhe são imputados, porquanto, no mês de Março de 2002 nem sequer esteve na casa que tem em Castelo … e tão pouco se deslocou à … ou a … num Domingo, sendo assim manifesto que a prova produzida em audiência de julgamento não permitia que o Tribunal a quo desse como assente desde logo que “Em dia não concretamente apurado do mês de Março de 2002, o arguido conduzindo o seu veículo automóvel, passou junto da residência da ofendida MG sita em …, área desta comarca e apercebendo-se que a mesma se encontrava sob um telheiro que a dita casa possui, afirmou dirigindo-se àquela, de viva voz e em tom crespo, sério e intimidatório “vou rebentar os teus miolos e os da tua família” (facto n.º 1) e, consequentemente, a factualidade levada aos art.ºs 2 a 7 dos factos provados.

1.2.71. Sendo ilógica e sem qualquer base de sustentação a afirmação efectuada na decisão recorrida pelo Tribunal a quo, no sentido de afastar a credibilidade das referidas testemunhas quer pelo facto de serem amigos do arguido quer por não se compreender como é que, tendo o arguido uma casa em castelo .., que frequenta normalmente ao fim de semana, não tenha num período férias e de repouso dos seus afazeres profissionais estado na sua casa de Castelo de Bode, ou não pudesse estar a passar pela zona da serra.

1.2.72. Aliás, a M.ma Juiz a quo faz expressa referência ao período de férias em que no mês de Março de 2002 o arguido se encontrava, facto que não tem qualquer correspondência com a verdade, pois não gozou férias nesse mês, nem sequer tal resulta da prova produzida, bem pelo contrário.

1.2.73. E como se, todo aquele que possui uma casa em Castelo … tenha porventura a obrigação de ali se deslocar nas férias ou num um determinado número de fins-de-semana por mês.

1.2.74. Tanto mais que, do depoimento das testemunhas L. e C., decorre expressamente que o arguido não se desloca a Castelo… nem todos os fins-de-semana, nem sequer todos os meses, passando-se por vezes meses sem que o arguido ali se desloque. Sendo certo ainda que do depoimento das restantes testemunhas de defesa decorre inequivocamente que o arguido à data dos factos que lhe são imputados residia em …, tinha já então uma casa na G… Alentejo, onde se deslocava com frequência e que tinha um convívio permanente com os seus amigos, em suas casas ou a locais que visitassem em conjunto.

1.2.75. Nem se vê, de resto em que é que o facto de as referidas testemunhas – aquelas que estiveram com ele nos vários fins-de-semana do mês de Março e não têm qualquer relação com a assistente e sequer a conhecem de parte alguma – serem amigos do arguido se possa traduzir num qualquer interesse na decisão da causa, o que manifestamente já não sucederia com as testemunhas JP, marido da assistente e GL, ex-companheira do arguido e com este incompatibilizada há vários anos.

1.2.76. As declarações prestadas pelas testemunhas AV; L.;  F.MM; e JV, que descreveram com conhecimento de causa a personalidade do arguido e a sua forma de estar na vida e de se relacionar com os outros e cujas passagens dos respectivos depoimentos foram supra identificadas, impunham que o Tribunal a quo tivesse dado como provado que o arguido é pessoa educada, respeitador e respeitado por todos que com ele privam e se relacionam pessoal, social e profissionalmente, tendo sido sempre uma pessoa generosa para com os seus funcionários, pacientes, amigos e familiares e com uma total disponibilidade para ajudar e apoiar todos os que com ele privam e dele necessitam, postura que sempre pautou a sua vida, sendo, também por essa razão absolutamente incompatível com os factos constantes do despacho de pronúncia.

1.2.77. Acresce que, na sentença recorrida, o Tribunal a quo deu por assente que o arguido tem uma clínica onde exerce medicina privada juntamente com outros colegas (facto n.º 10), o que é falso já que o arguido não exerce medicina privada com outros colegas mas sozinho, não resultando da prova documental existente nos autos, nem o arguido nem qualquer das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento o afirmou, desconhecendo-se em absoluto onde terá a M.ma Juiz formado uma tal convicção, pelo que, a ausência total de prova produzida nos autos relativamente a tal facto, não permitia que o Tribunal a quo tivesse dado o mesmo como assente.

1.2.78. Em suma, não só a prova documental junta aos autos e supra convocada, como a globalidade das declarações referidas e nos trechos supra transcritos, produzidas em audiência de julgamento, demonstram claramente que o Tribunal a quo não só não tinha qualquer suporte probatório para dar como provados os factos supra impugnados, como exigiam que tivesse dado como assentes os factos cuja inserção na matéria de facto provada supra se solicita, tudo acarretando o reexame da matéria de facto e, com ele, a subsequente absolvição do arguido pela prática dos factos por que foi acusado.

1.2.79. De resto, e sempre sem conceder, mesmo que subsistam quaisquer dúvidas relativamente à alegada prática dos factos pelo arguido, face à manifesta incompatibilidade das versões em confronto apresentadas em audiência de julgamento por um lado pela assistente e pelas testemunhas GL e JP e por outro pelo arguido e pelas testemunhas F; AV; MR ; MM; JV; L e C., como decorrência do princípio da presunção de inocência consagrado pelo artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República, impõe-se igualmente a absolvição do recorrente.

Terminou pedindo em conformidade com o assim expendido.

1.3. Notificados ao efeito os demais sujeitos processuais, responderam ambos, sufragando o improvimento da impugnação.

Proferido despacho da sua admissão, foram os autos remetidos a esta instância.   

1.4. Aqui, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.

Cumprido que foi o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo penal, seguiu-se réplica do arguido, reafirmando tudo o que antes já expendera na petição de recurso.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do último inciso indicado, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, determinou-se o prosseguimento do recurso com recolha dos vistos devidos, o que se logrou, bem como submissão à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. Após discussão da causa, a sentença recorrida teve por provados os factos seguintes:

1. Em dia não concretamente apurado do mês de… de 2002, o arguido conduzindo o seu veículo automóvel, passou junto da residência da ofendida MG, sita em .., área da comarca de Tomar, e, apercebendo-se que a mesma se encontrava sob um telheiro que a dita casa possui, afirmou dirigindo-se àquela, de viva voz e em tom crespo, sério e intimidatório: “vou rebentar os teus miolos e os da tua família”.

2. Ao ter conhecimento das palavras proferidas pelo arguido, a ofendida acreditou que aquele podia concretizar o que tinha afirmado nelas, passando a viver diariamente com esse temor.

3. O arguido actuou com a intenção de assustar e causar receio e intranquilidade à ofendida e a perturbá-la no seu sentimento de segurança.

4. De forma a restringir-lhe os movimentos e liberdade, o que conseguiu.

5. As palavras que o arguido proferiu, dirigindo-se à queixosa, pelo seu teor e pelo tom sério e altivo com que foram proferidas foram um meio adequado a provocar receio naquela.

6. O arguido agiu em todos os momentos, com vontade livre e consciente.

7. Bem sabendo que os seus comportamentos eram e são proibidos e punidos pela lei penal.

8. O arguido é divorciado, tendo dois filhos, ambos maiores e independentes economicamente.
9. Está reformado e de pensão recebe mensalmente a quantia de € 1.900,00.

10. Possui uma clínica médica, onde exerce medicina privada juntamente com outros colegas de profissão.

11. Nunca respondeu em tribunal, nem esteve preso.

12. Como habilitações literárias possui a licenciatura em medicina e a especialidade de medicina física e de reabilitação.

2.2. Já no que concerne a factos não provados, consignou-se na mencionada decisão:

“Resultou não provado que a ofendida se encontrasse numa varanda de sua casa, dado que a mesma não a possui, isto com relevância para a decisão da causa.”

2.3. Por fim, a motivação probatória inserta na mesma decisão precisa como segue:

“Fazendo a análise crítica das provas produzidas, a convicção do Tribunal assentou por um lado na prova documental existente nos autos, bem como nas declarações prestadas pelo arguido, pela ofendida/assistente e demais testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.

O arguido no uso do seu direito legal de prestar declarações fê-lo mas estas não se revelaram credíveis designadamente no tocante às expressões ameaçadoras e quanto às suas condições de vida pessoais e profissionais, bem como à dignidade da sua vida, o tribunal acreditou nas mesmas.

Assim, começou por negar todas as expressões de ameaça que lhe foram imputadas na pronúncia, afirmando que nas relações entre as pessoas as mesmas não poderiam ser proferidas; que efectivamente conhece a MG assistente, a qual desempenhava para si funções como empregada rural/externa cuidando no fundo do jardim e espaços exteriores da casa que possui junto à barragem de .., ao mesmo tempo que tinha outra empregada interna; que as relações sempre decorreram com normalidade até por volta de Junho de 2000; no entanto vem a separar-se duma união de facto que já mantinha há mais de 8 anos com GL e a partir daí começaram a suceder factos insólitos tais como objectos que desapareciam de casa; actos de vandalismo e começou a suspeitar que a assistente estivesse envolvida nisto porque por um lado ela tinha a chave de casa e por outro lado, era amiga da antiga companheira, pelo que por volta de … de 2001, acabou em definitivo a relação de trabalho da MG que ainda em 2002, houve um processo no tribunal de trabalho em que a autora foi a assistente, o que acabou por ser resolvido por acordo e desde aí viu-a muito poucas vezes ou nenhumas, sobretudo fora do tribunal.

Quanto à assistente MG, confirmou tudo o que consta da pronúncia, demonstrando sinceridade ao invocar que se sentiu perturbada e com medo de que o arguido concretizasse as ameaças que lhe dirigiu a si e à sua família, tendo o tribunal considerado o seu depoimento credível.

Não obstante a sua modesta condição social e cultural e os factos terem ocorrido em 2002 (há 6 anos), a verdade é que ressaltou ainda agora, que a mesma tem medo/receio que o arguido concretize a ameaça que lhe dirigiu, pois que parecia estar a reviver a expressão daquele de tamanha raiva quando ela se encontrava na sua vida num Domingo de Março desse ano, por acaso sob um telheiro à conversa com o marido e a testemunha GL (que tinha acabado de chegar) e quando passava com o seu jipe em frente da casa puxou duma pistola e apontou para si (e não para o seu marido que não tinha nada com ele e muito menos com aGL, pois que ele não sabia que ela lá estava) dizendo “vou-te estoirar os miolos a ti e à tua família”; que sentiu medo e que ele já a tinha despedido antes, além de que antes de dizer estas palavras ele achava que ela andava a roubar-lhe coisas lá de casa e disse-lhe isso mesmo, ao que negou, pois que nunca o tinha feito em cerca de 3 anos que lá trabalhou para ele.

Que ficou de tal modo perturbada que já não fez o almoço, nesse dia e quando mais tarde arranjou outra casa ali perto da do Sr. Dr. e foi para lá trabalhar, evitava de ir sozinha, indo sempre acompanhada quer pelo seu marido, quer pela sua nora e às vezes pelo neto, porque sente medo acaso se encontre sozinha com o arguido do que ele lhe possa fazer; que a GL passou nessa data a frequentar a sua casa por causa dumas cadelas que ela lhas foi entregar para que cuidasse delas; que a indemnização paga no tribunal de trabalho foi de cerca de 300 contos na altura.

De seguida falou a testemunha GL, ex-companheira do arguido tendo a mesma confirmado como resulta da acta da audiência de julgamento que efectivamente viveu em união de facto com o arguido de 1991 a 2000 e que após a separação até à presente data têm ambos tido várias acções judiciais e queixas-crime recíprocas, sendo elevado o clima de conflitualidade mantido entre ambos.

Ao que acresce que a ilustre mandatária do arguido, juntou mais documentos como forma do tribunal se pronunciar sobre a credibilidade do seu depoimento, como sejam a certidão duma acusação em que é arguida a GL e queixoso o ora arguido pelo crime de injúrias, bem como dois anexos de mensagens enviadas pela GL ao telemóvel do arguido, tudo como consta de fls. 1645 e ss.

Ora, dispõe o artigo 131/2 do CPP que a autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo.

O que efectivamente sucedeu, sendo certo que já a fls. 1703 nos pronunciámos sobre o aspecto das queixas judiciais que quer arguido, quer a testemunha mantêm entre si há vários anos e que agora mantemos analisados convenientemente os documentos supra referidos, portanto concluindo que o facto de estarem de mal um com ou outro, conduzirá o tribunal a relevar tal situação, mas tal não nos conduz à decisão de considerar não credível as declarações desta testemunha, nos termos do normativo supra exposto.

Afinal, o que a mesma vem dizer no essencial é que ouviu dizer porque estava presente (isso ninguém o nega), ao arguido com tamanho ódio para a MG “que lhe ia rebentar os miolos dela e da família”, o que fez com convicção.

Mas ainda que o tribunal não tome muito em relevância este depoimento atento o mau clima relacional existente entre a testemunha e o arguido, a verdade é que também se ouviu o marido da assistente o JP e, tendo-se considerado que este falou com sinceridade, confirmando o que a mulher disse porque estava presente e que viu a pistola nas mãos do Doutor dizendo para a MG “que ia rebentar os seus miolos e os da família”; que a sua mulher ficou traumatizada e que não vai a … sem ser acompanhada porque tem medo.
Por sua vez as testemunhas da defesa AV, MR, MM e os filhos do arguido JV, são no essencial testemunhas que vêm apresentar justificações para todos os domingos do mês de Março de 2002, o arguido não ter estado na zona da … próximo de Castelo…. e junto da casa da assistente de forma a que lhe pudesse dirigir as palavras ameaçadoras que lhe foram imputadas, assim a primeira veio dizer que 10 de Março o arguido esteve consigo numa festa de anos da sua filha; o segundo porque esteve em 17 de Março, numa sexta-feira e ficando todo o fim-de-semana em Seia numa casa que possui porque recebeu os amigos por causa do aniversário do seu casamento, o terceiro porque o arguido esteve consigo em Tróia aquando da realização dos jogos médicos nacionais isto em 3 de Março e os dois filhos porque afirmaram que o pai esteve 2 domingos com eles na casa da G… e que foi em 1 de Março e no próprio domingo de Páscoa.

A verdade é que estas justificações para que aos domingos do mês de Março do tal ano de 2002, o arguido não pudesse estar na Serra são tão insistentes e repetitivas, que se coloca a questão: então tendo o arguido uma casa em Castelo… que ainda por cima frequenta normalmente ao fim-de-semana como o próprio assume, há algum razão especial para que o arguido numas férias/num dado período de repouso dos seus afazeres profissionais não pudesse estar em sua casa de Castelo …, ou não pudesse estar a passar pela zona da …?

Para concluir que, que face ao acabado de expor não nos mereceu muita credibilidade todas estas insistentes justificações, em como o arguido não esteve num dado domingo do mês de Março do ano de 2002 na Serra.

Por outro lado, o tribunal não esquece que todas estas testemunhas são amigos do arguido e que os ditos “encontros” não foram confirmados por ninguém externo a tais relações.

Agora o tribunal ficou convencido do seguinte: das qualidades de personalidade do arguido; que é um bom pai, bom profissional, bom amigo, não é uma pessoa que faça alarde da sua posição social, cultural e económica superior à de muitos portugueses, respeitador.

Também o tribunal conclui que, o arguido desde o terminus da relação com a dita Sra. Glória Eunice até ao presente, tem mantido um clima de constante conflito, irritação, zanga e que também se encontrava desconfiado e zangado à data dos factos com a própria ofendida, para a acusar de que ela seria uma “ladra” das suas coisas e causadora de actos de vandalismo.

As testemunhas L. e C. são actualmente os empregados do arguido, falando muito bem daquele.”


*

III – Fundamentação de Direito.

3.1. Sabe-se ser definido o âmbito dos recursos através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), mas isto sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios elencados nas diversas alíneas do artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, bem como das nulidades insanáveis como tal taxadas no seu n.º 3, tudo conforme entendimento decorrente do sufragado no Acórdão n.º 7/95, do Supremo Tribunal de Justiça, em interpretação obrigatória.

In casu, mostrando-se facultado a este Tribunal conhecer de facto e de direito, nos termos do disposto no artigo 428.º, do Código de Processo Penal, lendo-se as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, e uma vez que se nos afigura não existirem vícios e/ou nulidades determinantes da mencionada intervenção oficiosa, resulta que o thema decidendum se mostra integrado pelas questões seguintes:

- A decisão recorrida padece do (s) vício (s) de nulidade por preterição ao disposto, respectivamente, no artigo 374.º, n.ºs 1, alínea d) [omissão sobre os factos por si alegados na contestação, os quais não foram totalmente tidos por provados ou não provados naquela peça processual] e 2 [omissão de menção expressa sobre a prova documental considerada pelo Tribunal a quo na respectiva motivação probatória], do Código de Processo Penal?

- Igualmente nela se descortinam os vícios mencionados no artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) [de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão] e c) [de erro notório na apreciação da prova], do Código de Processo Penal, a imporem o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objecto, conforme artigo 426.º, n.º 1, do mesmo diploma?

- Por fim, e à míngua da procedência das antecedentes questões, sempre a prova produzida em audiência se mostra apreciada com arrepio às regras exigíveis, devendo, pelo contrário, ser ponderada de forma a acarretar a absolvição do recorrente?

Vejamos de todas elas, salvo eventual prejudicialidade de alguma (s) relativamente à (s) subsequente (s).

3.2. Se a decisão recorrida padece do (s) vício (s) de nulidade por preterição ao disposto, respectivamente, no artigo 374.º, n.ºs 1, alínea d) [omissão sobre os factos por si alegados na contestação, os quais não foram totalmente tidos por provados ou não provados naquela peça processual] e 2 [omissão de menção expressa sobre a prova documental considerada pelo Tribunal a quo na respectiva motivação probatória], do Código de Processo Penal?

Convocando argumentos no sentido de fundamentar o primeiro segmento deste dissídio [preterição ao consignado pelo artigo 374.º, n.º 1, alínea d) citado], começa o recorrente por invocar que a M.ma Juiz sob censura se limitou a referir na decisão recorrida: “o arguido contestou e arrolou testemunhas” e, após enunciar os factos que considerou provados, relativamente aos não provados se limitou a consignar “resultou não provado que a ofendida se encontrasse numa varanda de sua casa, dado que a mesma não a possui, isto com relevância para a decisão da causa”, quando se comprova nos autos que ele ofertou contestação, na qual para além de negar a factualidade que lhe era imputada, alegou diversos factos, designadamente, que é pessoa educada e respeitadora, que sempre foi pessoa generosa para com terceiros e com total disponibilidade para ajudar todos os que com ele privam, sendo a sua postura absolutamente incompatível com os factos constantes do despacho de pronúncia.

Sucede que analisando-se os factos dados como provados e os dados como não provados na decisão recorrida se conclui que a mesma se não pronunciou sobre todos os factos assim alegados em sede de contestação, os quais não deu nem como provados, nem como não provados.

Ora, rematou, ao não fazer constar na enumeração dos factos provados e não provados a matéria alegada na contestação por si apresentada, o Tribunal sindicado não se pronunciou sobre matéria que deveria ter apreciado e, como tal, incorreu no invocado vício de nulidade, a dever decretar-se.

Preceitua o apontado artigo 374.º (epigrafado Requisitos da sentença):

“1. A sentença começa por um relatório que contém:

(…)

d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.”

Para exacta dilucidação desta primeira questão mister ainda uma referência ao que consigna o n.º 2 do mesmo normativo [Ao relatório, segue­-se a fundamentarão, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal]. Na verdade, integrando a obrigatoriedade da mencionada “indicação sumária” um dos requisitos gerais das sentenças penais (tal como os demais especificados no citado artigo 374.º, aliás), certo é que apenas se mostra concebível enquanto essencial à determinação sobre se o Tribunal esgotou ou não o dever de apreciação da totalidade do objecto do processo (delimitado, sabemos, pela acusação ou pronúncia, havendo-a, e sem prejuízo do que consta também quer do artigo 358.º, quer do artigo 359.º, ambos da lei adjectiva penal, e, pela defesa que, eventualmente, lhe haja sido oposta), bem como também do processo lógico seguido para formação da sua convicção.

Este entendimento mostra-se exemplificativamente consagrado em dois arestos que passamos a citar:

“I – A mera indicação na sentença de que houve contestação constitui irregularidade que terá de ser arguida, sob pena de sanação. II – Se da análise da contestação se verificar que esta nada apontou – como no caso de apenas oferecer o merecimento dos autos – ou se da comparação entre ela e a enunciação da matéria de facto provada e não provada se concluir que toda a alegada na contestação foi concretamente examinada, a nulidade que possa existir não tem qualquer relevo. (…).” (Acórdão do STJ, de 29 de Junho de 1995, in Colectânea de Jurisprudência, Acs. STJ, III, tomo 2, pág. 245)

“A indicação sumária das conclusões da contestação (artigo 374.º, n.º 1, do CPP) pode não transmitir toda a extensão da versão da defesa. Porém, disso não decorre qualquer prejuízo para a defesa, se o tribunal apreciar em toda a extensão a matéria da contestação.” (Acórdão do STJ, de 18 de Dezembro de 1997, in BMJ, 477, 185)

No caso vertente, cotejando-se a contestação apresentada e a decisão recorrida resulta, com efeito, que os além articulados não integraram nem o elenco dos factos provados, nem o dos não provados da segunda.

Tanto não basta, porém, vimos, à emergência da invocada nulidade.

Critério aferidor mostra-se o que começámos por elencar e, assim, que caiba cuidar tão-somente se a matéria da contestação foi ou não apreciada em toda a sua extensão.

A resposta será afirmativa.

Tudo porquanto se a totalidade da matéria constante da pronúncia foi tida como provada (à excepção de que a ofendida se encontrasse numa varanda de sua casa, dado que a mesma não a possui), conclusão admissível se mostra a de que (ao menos implicitamente), nenhum de tais factos foi considerado como provado.

Acresce que se seguirmos o restante do texto da decisão recorrida, dele sobressai que a matéria alegada acabou por ser considerada em dois momentos: em sede de motivação probatória, onde se exarou, relembramos, que o Tribunal ficou convencido “das qualidades de personalidade do arguido: que é bom pai, bom profissional, bom amigo, não é uma pessoa que faça alarde da sua posição social, cultural e económica superior á de muitos portugueses e respeitador.”, e após, aquando da determinação da medida da sanção, pois que aí se explicitou, mormente, que “Considerando, a natureza do crime em questão e as suas consequências em concreto, (…), estar socialmente integrado e ser reputado por aquela como pessoa correcta e íntegra, (…)”, ou seja, manifestamente que o Tribunal a quo atentou aos factos alegados pelo arguido em sede de contestação e respeitantes à sua personalidade.

Por fim, de não olvidarmos também que se tem entendido não emergir a nulidade invocada quando nem todos os factos constantes da acusação/pronúncia e da contestação não tenham sido enumerados como provados ou não provados. É que só os factos essenciais para a decisão da causa têm de constar da enumeração imposta no citado artigo 374.º (cfr. Acórdão do STJ, de 11 de Fevereiro de 1998, BMJ, 474,151).

Tudo para concluirmos, como dito, pela improcedência desta primeira nulidade invocada e, como assim, da inconstitucionalidade aí vislumbrada.

Segunda nulidade oposta pelo recorrente à decisão recorrida, a decorrente da inobservância do dever de fundamentação da prova em que concretamente assentou a formação da convicção do Tribunal em 1.ª instância. Isto porque da leitura do texto da decisão recorrida não resulta qual a prova documental tomada em consideração e valorada pela M.ma Juiz a quo, o que se impunha, face à abundante prova documental junta aos autos e à exigência de exposição tanto quanto completa dos motivos de facto que fundamentam a decisão e que permitiram ao tribunal formar a sua convicção. O que não colhe com a simples menção genérica feita segundo a qual “a convicção do tribunal assentou por um lado na prova documental existente nos autos”.

Normativo a dever ser chamado de novo à colação o encimado artigo 374.º, n.º 2, in fine [com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal].

Breves e esparsas considerações sobre o conteúdo e alcança que o “exame crítico das provas” deve aqui assumir, coadjuvarão a decidir da sorte desta arguição.

Preceitua, com efeito, o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa [CRP], que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”

Em linha com tal mandamento constitucional rege o preceito ordinário do artigo 374.º, como dito, cominando-se a respectiva inobservância com o vício de nulidade [cfr. subsequente artigo 379.º, n.º 1, alínea a)].

Decorre a redacção daquele artigo 374.º, n.º 2 da Revisão do Código de Processo Penal operada em 1998, e por cujo intermédio se visou assegurar um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto atribuída às Relações.

Desiderato prosseguido (para além da antecedente exigência da indicação das provas) com a novel imposição, não tanto o de se exigir um detalhado exame crítico da prova produzida (que a ter lugar é suportado pela documentação da prova e pela sua posterior reapreciação por parte do Tribunal Superior, e não pela intermediação subjectivada pelo tribunal, relatada tão só por um dos seus membros, sobre a forma de «apreciação crítica das provas» e a partir de meras indicações não obrigatórias dada por cada membro do tribunal recorrido), mas antes no exame crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, de forma a (como refere o Tribunal Constitucional no Ac. n.º 680/98) «explicitar (d) o processo de formação da convicção do tribunal».

É que só assim se garante que não se tratou de uma ponderação arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação da convicção do Tribunal.

Com efeito, como refere Marques Ferreira (in Jornadas de Processo Penal, págs. 229/30), a propósito da motivação da decisão, «Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência».

Ou, noutros termos, a ratio do mencionado imperativo legal – mormente no segmento que ora releva de tal “exame crítico” das provas que suportaram a convicção do Tribunal – radica, em suma, no facto de permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, e das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal, bem como assegurando a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.

No caso presente, não há dúvida que analisando-se a motivação probatória da decisão de facto, se verifica que a mesma indicou os meios de prova (thema probandum) com exame crítico das provas, a razão da credibilidade dos diversos meios de prova, o que permite deduzir, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, qual o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal os tivesse valorado no sentido em que o fez, daí se extraindo de uma forma lógica e objectiva, qual o raciocínio que levou o Tribunal recorrido a dar como provados os factos que deu como assentes, segundo o princípio da livre apreciação da prova, e as ditas regras da experiência comum.

Atentando-se no teor da pronúncia e sobremaneira na natureza do ilícito em causa, decorre serem irrelevantes os documentos juntos aos autos (mais votados a demonstrar a animosidade entre arguido, vítima e testemunha Van Dest, em essência), isto no justo ponto em que essencial se mostrou a prova pessoal produzida, traduzida nas declarações do próprio arguido, da assistente e depoimentos das testemunhas. Prova esta analisada individualizada e pormenorizadamente como devido.

Sem que se defina legalmente em que consiste o propalado “exame crítico da prova”, tal exame há-de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

Desiderato logrado na decisão condenatória, traduzindo aspecto distinto a discordância com a solução encontrada como ocorre manifestamente.

Seja, então, a improcedência também desta nulidade arguida pelo recorrente.

3.3. Se a decisão recorrida padece dos vícios mencionados no artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) [de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão] e c) [de erro notório na apreciação da prova], do Código de Processo Penal, a imporem o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objecto, conforme artigo 426.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Pomo seguinte de discórdia do recorrente o de a decisão recorrida haver incorrido nos dois vícios referidos.

A delimitação concreta da estruturação que ambos assumem permitirá decidir facilmente da oposição oferecida.

Assim que o vício previsto naquela primeira alínea b) – de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão –, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas ainda que com recorrência ao contexto da decisão no seu todo ou às regras de experiência comum.

Por outro lado, o segundo prevenido na segunda das ditas alíneas – de erro notório na apreciação da prova –, unicamente é prefigurável quando se depara ter sido usado um processo racional e lógico mas, retirando-se, contudo, de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos.

A violação do princípio do in dúbio pro reo tem sido concebida, exactamente, como integrando esta última previsão (cfr. Acórdão do STJ, de 10 de Março de 1999, processo n.º 162/99-3.ª, in SASTJ, n.º 29, 73).

Traduz-se tal princípio em uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. A sua violação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada quando do texto da decisão decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido (Acórdão do STJ, de 24 de Março de 1999, in Colectânea de Jurisprudência, Acs. do STJ, Tomo I, página 247).

Ambos devem resultar do contexto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos externos, e tem de ser passível de ser descortinado por uma pessoa média.

Pretexta o arguido que a decisão impugnada se mostra assim ferida porquanto incorre em clamorosos desvios de raciocínio na apreciação das provas e formula juízos ilógicos, arbitrários e contraditórios, os quais afrontam de forma manifesta as regras da experiência comum.

Tudo porque, entende, a M.ma Juiz a quo relevou as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas de acusação, Gl e Jp, descurando, pelo contrário, a credibilidade que as declarações do arguido e depoimentos das testemunhas de defesa assumiram.

Esmiuçando, invoca que o Tribunal a quo valorou as declarações da assistente, quando é patente a sua desavença pessoal com o recorrente, bem como os depoimentos das testemunhas (arroladas pela acusação) Gl, igualmente consigo desavinda, com vários processos judiciais entre ambos, e JP, marido daquela, quando, por outro lado, desconsiderou os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa, maxime, na parte em que as mesmas afirmaram terem estado com o recorrente nos diversos Domingos do mês de Março de 2002, na medida em que insistiram repetidamente em tal facto e todas as testemunhas são amigos do recorrente, não tendo sido indicada qualquer testemunha externa às relações de amizade do arguido que confirmasse tal facto. Termina sustentando que, perante situações idênticas, o Tribunal recorrido se socorreu de critérios absolutamente díspares, em manifesto prejuízo do arguido, contrariando o princípio in dúbio pro reo.

Mostra-se patente o infundado desta dupla alegação.

Na verdade, a matéria de facto considerada provada e não provada na sentença recorrida é, a nosso ver, perfeitamente lógica, quer em função da prova produzida, quer à luz das regras da experiência comum, pelo que não se verifica, ressalvando sempre melhor opinião, a invocada contradição entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem tão pouco o invocado erro (e muito menos notório) na apreciação da prova.

Percorrendo o elenco dos factos considerados como provados, a motivação da decisão sobre a matéria de facto e a decisão condenatória proferida, não vislumbramos qualquer facto ou constatação antagónicos, qualquer contradição. Pelo contrário, todo o encadeamento dos factos provados é lógico e conduziu à única decisão possível face a tais factos, a da condenação do aqui recorrente.

De igual modo, não detectamos a existência de qualquer erro, muito menos evidente, na apreciação da prova.

O que sucede, a nosso ver, é que o recorrente se insurge contra a apreciação da prova efectuada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, apreciação essa que, contudo, por força do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º se mostra sindicável em termos outros que ensaia, valha a verdade, como veremos infra.

A circunstância de existirem diferentes versões de uma determinada factualidade e se optar por uma delas como sendo a mais credível e, nessa medida, a que é dada como provada, insere-se no âmbito deste amplo poder do julgador, no que concerne à apreciação da prova.

Tudo, porém, arredio ao texto da decisão recorrida, o que preclude, sem mais, qualquer indagação no âmbito da revista facultada pelo citado artigo 410.º, n.º 2.

Nesta questão e para terminarmos, de mencionar ainda que em ponto algum da decisão recorrida se descortina que o Tribunal a quo tenha ficado com dúvidas sobre a verificação de alguma da factualidade objecto dos autos e haja então decidido desfavoravelmente ao arguido, assim incorrendo em violação ao alegado princípio do in dúbio pro reo.

Pelo contrário, o que antes se nos depara é uma fundamentação exaustiva da decisão recorrida sobre a factualidade provada e não provada e meios de prova que, com obediência aos critérios legais, as determinaram.

Tudo a suportar a conclusão da inverificação de algum dos vícios invocados ou, sequer, de violação ao princípio plasmado no artigo 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental.

3.4. Se à míngua da procedência das antecedentes questões, sempre a prova produzida em audiência se mostra apreciada com arrepio às regras exigíveis, devendo, pelo contrário, ser ponderada de forma a acarretar a absolvição do recorrente?

A sindicância da matéria de facto pode lograr obter-se por intermédio de uma dupla via: com recurso à revista alargada permitida com fundamento no consignado pelas diversas alíneas do aludido artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, ou, através do controlo do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, facultado conforme subsequente artigo 412.º, n.º 3[1].

Relativamente aos contornos a que se reporta a primeira já supra nos reportámos (embora só quanto a dois dos vícios aí concebidos).

Na segunda, ensaia-se que o Tribunal ad quem proceda ao reexame de facto, nos pontos especificados pelo recorrente como indevidamente apreciados, com menção das provas que impunham distinta conclusão e respectiva indicação do suporte técnico, se de prova gravada se tratar (n.º 4 do citado artigo 412.º).

No caso sub judice, depois de se socorrer (sem êxito, vimos) daquela primeira, o arguido lança mão, igualmente, desta segunda.

De acordo com a regra geral contida no já apontado artigo 127.º do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”

Isto é, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, a livre apreciação da prova “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.”[2]

Sendo “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material»”[3] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional –, impõe a lei (cfr. n.º 2 do artigo 374.º, do Código de Processo Penal) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção[4] (indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.

Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção[5] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[6]. É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.º 355.º do C.P.P., pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova[7]. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”[8] No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum[9].

Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.”[10] É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si.”[11] Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas.”[12] A reponderação de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias concretizadas pelo recorrente “já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.”[13]

Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no citado artigo 127.º, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Ademais consabido que, nesta hipótese, a possibilidade de sindicância da matéria de facto quando assente na impugnação da decisão que sobre ela foi proferida depende da observância, por parte do recorrente, dos requisitos formais indicados no n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, em concreto da delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas que, em seu entender, impõem[14] decisão diversa da recorrida, e (quando disso seja o caso) das que devam ser renovadas, especificações estas que hão-de ser feitas de acordo com o estabelecido no n.º 4 do preceito acima referido.

Ónus que se mostram cumpridos pelo recorrente.

O caso presente:

Invoca o mesmo que a totalidade da factualidade constante enquanto provada nos itens n.ºs 1 a 7 e 10 da decisão recorrida não tem suporte na prova produzida em audiência. Isto porquanto nem as suas próprias declarações e sequer da assistente, bem como os depoimentos das testemunhas inquiridas, permitiam assim ajuizasse.

Concretizando, remete desde logo para as suas declarações, negando a prática dos factos. Depois, alude às declarações da assistente, inverídicas sustenta, atentando-se nas considerações que ela própria teceu relativamente ao processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Tomar (sendo nele partes a própria e o ora arguido nas qualidades respectivas de autora e réu) e à circunstância de a mesma apenas ter apresentado queixa pelos factos imputados ao arguido cerca de dois meses depois da sua pretensa ocorrência. Continuando, apela ao depoimento da testemunha JP, marido da assistente que, aos costumes, mencionou ter mau relacionamento com o arguido, aliás patente na concertação elaborada com a testemunha GLpara o (ao arguido) prejudicarem, referindo-se a factos que sabia não corresponderem à verdade. Testemunha GL a não dever também merecer credibilidade, como feito, pois que igualmente com patente e profunda inimizade e animosidade relativamente ao recorrente, como o comprovam o seu (da testemunha) manifesto interesse no desfecho da causa e o facto de tal testemunha haver sido acusada da prática de 24 crimes de injúria, em que é ofendido o aqui arguido, bem como as diversas mensagens que esta lhe envia, via telemóvel. Por último, o arguido opõe o depoimento das testemunhas AV; MR; MM JVa; F; L. e C. referindo que estas testemunhas não só abonaram a personalidade do arguido, como também demonstraram que no mês de Março de 2002 este nem sequer esteve na casa que tem em Castelo … e tão pouco se deslocou à … num Domingo.

Mostra-se assertiva a defesa apresentada?

Mais uma vez tendemos a responder negativamente.

A resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância, a propósito, mostra-se correcta, donde que a sigamos de perto.

Na verdade:

Lendo-se a decisão impugnada resulta que no que concerne às declarações do arguido se considerou que elas “não se revelaram credíveis designadamente no tocante às expressões ameaçadoras”.

A simples negação dos factos efectuada pelo arguido em audiência não impõe, sem mais, a sua consideração como verídicas. Pode acrescer prova que devidamente submetida ao crivo do contraditório a infirme. Caso dos autos, diga-se, ao menos no entender do Tribunal sindicado e que a simples invocação ora feita em nada pode controverter.

Já no que contende com as declarações da assistente ajuizou a 1.ª instância que a mesma “confirmou tudo o que consta da pronúncia, demonstrando sinceridade ao invocar que se sentiu perturbada e com medo de que o arguido concretizasse as ameaças que lhe dirigiu a si e à sua família, tendo o tribunal considerado o seu depoimento credível.

Não obstante a sua modesta condição social e cultural e os factos terem ocorrido em 2002 (há 6 anos), a verdade é que ressaltou ainda agora, que a mesma tem medo/receio que o arguido concretize a ameaça que lhe dirigiu, pois que parecia estar a reviver a expressão daquele de tamanha raiva quando ela se encontrava na sua vida num Domingo de Março desse ano, por acaso sob um telheiro à conversa com o marido e a testemunha GL (que tinha acabado de chegar) e quando passava com o seu jipe em frente da casa puxou duma pistola e apontou para si (e não para o seu marido que não tinha nada com ele e muito menos com a GL, pois que ele não sabia que ela lá estava) dizendo “vou-te estoirar os miolos a ti e à tua família”; que sentiu medo e que ele já a tinha despedido antes, além de que antes de dizer estas palavras ele achava que ela andava a roubar-lhe coisas lá de casa e disse-lhe isso mesmo, ao que negou, pois que nunca o tinha feito em cerca de 3 anos que lá trabalhou para ele.

Que ficou de tal modo perturbada que já não fez o almoço, nesse dia e quando mais tarde arranjou outra casa ali perto da do Sr. Dr. e foi para lá trabalhar, evitava de ir sozinha, indo sempre acompanhada quer pelo seu marido, quer pela sua nora e às vezes pelo neto, porque sente medo acaso se encontre sozinha com o arguido do que ele lhe possa fazer; que a GL passou nessa data a frequentar a sua casa por causa dumas cadelas que ela lhas foi entregar para que cuidasse delas; que a indemnização paga no tribunal de trabalho foi de cerca de 300 contos na altura.”

Devidamente explicitada a razão para acatamento deste depoimento, se confrontado com as transcrições apresentadas, em ponto algum se vislumbra motivo para a sua desconsideração como pretendido, uma vez que a coberto das regras da experiência comum e não infirmadas por qualquer outro meio de prova adequado.

Ponderando o depoimento da testemunha JP (marido da assistente), anotou a decisão recorrida que a mesma “falou com sinceridade, confirmando o que a mulher disse porque estava presente e que viu a pistola nas mãos do Doutor dizendo para a Maria “que ia rebentar os seus miolos e os da família”; que a sua mulher ficou traumatizada e que não vai a… sem ser acompanhada porque tem medo.”
A circunstância de ser marido da ofendida, só por si, não lhe retira a aura de credibilidade. Antes o que impõe ao julgador é uma ponderação mais criteriosa. Ora, o depoimento prestado, tal como transcrito, mostra-se sem despeito e apenas cingido aos factos que presenciou.

Depoimento subsequentemente questionado aquele prestado pela testemunha GL Testemunha relativamente á qual opõe também o mau relacionamento entre eles existente. Esta foi contudo circunstância logo assumida pela depoente, devidamente tomada em linha de conta pelo Tribunal a quo, é certo, e que se não concebe possa desatender-se, apenas por tal facto. Menção que a M.ma Juiz a quo até anotou na motivação probatória, sobressai.

Na defesa congeminada, o arguido procurou demonstrar que no (pretenso) dia dos factos e, ademais, em todos os Domingos do mês de Março de 2002 não se encontrou na casa que tem em Castelo… e tão pouco se deslocou à… num Domingo. Comprovativos os depoimentos das testemunhas

AV; MR; MM; JV; F; L e C.

Ponderando-os escreveu a M.ma Juiz a quo: “A verdade é que estas justificações para que aos domingos do mês de Março do tal ano de 2002, o arguido não pudesse estar na … são tão insistentes e repetitivas, que se coloca a questão: então tendo o arguido uma casa em Castelo…, que ainda por cima frequenta normalmente ao fim-de-semana como o próprio assume, há algum razão especial para que o arguido numas férias/num dado período de repouso dos seus afazeres profissionais não pudesse estar em sua casa de Castelo …., ou não pudesse estar a passar pela zona da …?

Para concluir que, que face ao acabado de expor não nos mereceu muita credibilidade todas estas insistentes justificações, em como o arguido não esteve num dado domingo do mês de Março do ano de 2002 na --.

Por outro lado, o tribunal não esquece que todas estas testemunhas são amigos do arguido e que os ditos “encontros” não foram confirmados por ninguém externo a tais relações.”

Sustentação perfeitamente lógica, diga-se, e consentânea com as regras da experiência comum, a não determinar qualquer reparo.

Como em tudo o demais, apenas sucedeu que perante duas versões contraditórias, o Tribunal aceitou uma delas alicerçado em meios de prova legalmente admissíveis (artigo 125.º, do Código de Processo Penal), ponderados de acordo com as apontadas regras do artigo 127.º, sendo que a tanto não obsta a convicção de um dos sujeitos processuais em causa.

Controvérsia final do recorrente a de se haver feito constar na sentença prolatada como provado (em 10.) que “Possui uma clínica médica, onde exerce medicina privada juntamente com outros colegas de profissão.”

É que, continua, não tem uma mas duas clínicas, sendo que não exerce medicina privada com outros colegas (facto até sem qualquer sustentação probatória).

Quid iuris?

Nas declarações que prestou, na sessão de julgamento realizada no dia … de Junho de 2008, documentadas através do sistema Habbilus Media Studio, ao ser questionado pela M.ma Juiz a quo acerca da sua situação sócio-económica, o arguido afirmou: “neste momento estou aposentado, tenho a actividade privada, em consultório próprio, sob a forma de uma sociedade limitada da qual não tenho salário (…), não há distribuição de lucros.”

Suportando-se nessa afirmação (tida por verdadeira ut pág. 1.726, 1.º §) entendeu a Julgadora dar como provado, desde logo, que o mesmo possui uma clínica médica, onde exerce medicina privada. O demais terá sido inferido do afirmado pelo próprio recorrente, uma vez que exercendo a sua actividade privada, em consultório sob a forma de sociedade limitada, comum seria que o fizesse a eles associado.

Com o recorrido Ministério Público, cabe dizer que se o rigor da verdade dos factos poderia impor a correcção almejada, sempre no contexto dos demais factos provados se mostra ela irrelevante. Tudo porque a precisão apenas poderia relevar em sede de determinação da medida da sanção que, atentando-se nos factores a considerar em nada cabe alterar.


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IV – Decisão.

São termos em que se nega total provimento ao recurso interposto.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 6 UCs.

Notifique.


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Coimbra, 24 de Fevereiro de 2010



[1] Cfr. Acórdão do STJ, de 17.03.08, subscrito pelo Ex.mo Conselheiro Arménio Sottomayor, in CJ, Acs. STJ, Ano XVI, tomo I, pág. 208.
[2] Cfr. Código de Processo Penal, de Maia Gonçalves, 12.ª edição, pág. 339.
[3] Cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I Volume, pág. 202.
[4] Com interesse, veja-se neste particular, o seguinte trecho retirado do Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24.03.04, in Diário da República, II.ª Série, de 02.06.04: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva. Como ensina Figueiredo Dias (Lições de Processo Penal, págs. 135 e segs.), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte: A recolha de elementos – dados objectivos –, sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção de prova em audiência; Sobre esse dados recai a apreciação – que é livre – artigo 127.º do Código de Processo Penal mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material; A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana; Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis como a intuição. Esta operação intelectual não é uma opção voluntarista sobre a certeza de um facto e contra a dúvida nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) coma certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis). Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do delinquente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio do in dúbio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação, pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.”
[5] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores” – cfr. idem, ibidem. 
[6] “ (…) há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” Ac. RG 20/3/06, proc. n.º 245/06-1.

[7] Como se refere no Ac. STJ de 20/9/2005, www.dgsi.pt, “a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos". Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe”.
[8] Cfr. [Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º Vol., págs. 233-234.
[9] Cfr. Ac. RC de 6/3/02, CJ, ano XXVII, t. II, pág. 44, “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.

[10] Cfr. Acórdão do T.C. 198/2004 de 24/03/04, acima citado.
[11] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 03.10.00, CJ, ano 2000, tomo IV, pág. 28.
[12] Cfr. Acórdão do STJ, de 07.06.06, proc. 06P763.
[13] Cfr. Acórdão do STJ, de 12.06.08, proc. 07P4375.

[14] “Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que se afigura indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” – Acórdão do STJ, de 17.02.05, proc. n.º 04P4324.