Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2988/12.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E TRABALHO
SUBROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
PENSÃO
Data do Acordão: 06/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 498, 592 CC, DL Nº 503/99 DE 20/11
Sumário: 1. Com o regime jurídico previsto nos art. 592º e segs. do CC, a sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição do respectivo direito só começa com esse cumprimento, como, de resto, decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC.

2. O art. 46º, nº 3, do DL 503/99, de 20.11, define um regime específico de execução prática da responsabilidade última pela indemnização, em caso de acidente simultaneamente de trabalho e de viação, que não pressupõe o pagamento prévio pela entidade que abonar a pensão por IPP do servidor do estado; assim, a Caixa Geral de Aposentações pode exigir judicialmente a entrega imediata do capital necessário para suportar o encargo do pagamento da pensão, determinado por cálculo actuarial;

3.Tendo tomado a decisão de fixação da pensão anual vitalícia a favor do servidor do estado em 20.6.2012 é a partir desta data que se conta o prazo de prescrição legal de 3 anos em relação à sua demanda judicial contra a seguradora do lesante.

4. Em caso de demanda judicial pela CGA contra seguradora, com base em acidente de viação e de serviço, para reembolso da quantia fixada a título de pensão vitalícia ao sinistrado/servidor do estado fundada num determinado grau de IPP, fixado no procedimento administrativo interno pela CGA, deve recorrer-se à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais para apurar tal grau de IPP e não à Tabela de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. Caixa Geral de Aposentações, I.P., com sede em Lisboa, intentou a presente acção declarativa segue a forma de processo ordinário, contra A..., S.A., com sede no Porto, pedindo:

a) condenação da ré na reparação dos danos decorrentes do acidente causado pelo seu segurado, isto é, no pagamento à Caixa Geral de Aposentações da importância global de 37.207,58 € correspondente ao capital de remição pago pela CGA ao subscritor nº (...) J (..), na reparação do acidente sofrido em 18.1.2008;

b) a condenação da ré no pagamento de juros de mora que se vierem a vencer entre a data em que ocorra a citação até efectivo e integral pagamento;

ou caso o Tribunal conclua que não assiste à CGA o direito a pedir a condenação da ré no pagamento necessário para pagar as pensões que a CGA vai ter que suportar no futuro, determinado por cálculo actuarial, requer:

c) a condenação da ré a reembolsar no futuro a CGA de todas as importâncias que esta venha a comprovar ter pago ao sinistrado pela reparação do acidente em causa nos autos, no prazo máximo de 30 dias a contar de cada interpelação.

Alegou, em síntese que no dia 18 de Janeiro de 2008 na Estrada Nacional 229, Km 83,1 Mundão, Viseu, ocorreu um acidente que envolveu um veículo da GNR de matrícula (...) AE e um veículo de matricula (...) ND propriedade de AR (...) . Que o acidente se ficou a dever a uma manobra de mudança de direcção para a esquerda efectuada pelo condutor do veículo ND, manobra essa efectuada sem sinalização e sem respeito pelo sinal Stop existente no local. Em consequência do acidente J (...) , cabo da GNR que seguia no interior do AE, sofreu fractura do 1/3 distal do úmero direito e parésia do nervo radial. Que o condutor do ND tinha a responsabilidade decorrente da circulação terrestre do veículo transferida para a ré. O sinistrado J (...) intentou acção contra a ré que correu termos no tribunal, com o nº 3860/09.6TBVIS, no qual acordaram pôr termo ao litígio mediante indemnização da ré ao sinistrado no montante de 120.000 € para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais. O referido acidente foi por si qualificado como tendo ocorrido em serviço, tendo sido atribuído ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 41,5% e sido fixado uma pensão anual vitalícia por acidente de serviço de 5.926,68 € (a que corresponde a pensão mensal de 423,33 €, paga 14 vezes ao ano). Em 20.6.2012 homologou o parecer da junta médica e aplicando o disposto no nº 5 do artigo 46º do DL 503/99, de 20.11, considerou que dois terços da indemnização que foi fixada foram atribuídos para ressarcir o sinistrado por danos patrimoniais futuros correspondente a um montante de 80.000 €, só sendo de atribuir a pensão por si fixada quando se esgotarem esses 2/3 da indemnização paga pela seguradora. Em 6.7.2012 procedeu ao cálculo do capital necessário para suportar os encargos com a pensão vitalícia a pagar ao sinistrado que se cifra em 37.207,58 € após a dedução do referido valor de 80.000 €, correspondente aos danos patrimoniais futuros pagos pela ré ao lesado (117.207,58 € - 80.000 € = 37.207,58 €), tendo interpelado a ré para tal pagamento. 

A ré contestou, invocando a excepção de prescrição, dizendo que entre a data do sinistro (18.1.2008) e a data da citação para contestar (12.2.2014) já mediaram mais de 3 anos. Invocou também a inexigibilidade do pedido, porquanto o direito de regresso/sub-rogação da autora não pode existir relativamente a prestações futuras, sendo que, no caso ainda não foram pagas pela autora quaisquer quantias relativamente às quais possa agora exercer o invocado direito. Impugna ainda a percentagem de IPP fixada, que é apenas de 17%, bem como outros factos alegados na petição, pedindo a sua absolvição.

A autora replicou, alegando, além do mais, que a sua obrigação não está prescrita, tanto mais que nos termos do nº 3 do referido artigo 46º do DL 503/99 é a partir da decisão definitiva que a autora tem direito de regresso contra o terceiro responsável, incluindo seguradoras.

Foi determinada a junção aos autos de certidão da acção declarativa nº 3860/09.6TBVIS.

*

Após, foi proferido saneador-sentença, que julgou improcedente a excepção de prescrição e condenou a ré a pagar à autora a quantia de 37.207,58 €, dos respectivos juros de mora, contados desde o dia 12.2.2014 até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano.

*

2. A R. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

II – Factos Provados

1 – No dia 18 de Janeiro de 2008, na Estrada Nacional 229, Km 83,1 Mundão, concelho de Viseu, ocorreu um acidente de viação que envolveu o veículo da GNR de matrícula (...) AE e o veículo de matrícula (...) ND, propriedade de Ar (...) .

2- Nas circunstâncias aludidas em 1) no interior do veículo (...) AE, encontravam-se o soldado J (…) que o conduzia e o Cabo J (…), no banco do passageiro da frente e o soldado J (…) no banco de passageiros da retaguarda.

3 – Em consequência directa do referido acidente J (…)sofreu fractura do 1/3 distal do úmero direito e parésia do nervo radial – conforme documento de fls. 21 e seguintes dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4 – O proprietário do veículo (...) ND, causador do acidente, tinha transferido para a ré a responsabilidade decorrente da circulação terrestre do seu veículo, através da apólice n º 004580158727.

5 – O Comando Geral da GNR considerou o acidente como tendo ocorrido em serviço e por motivo do mesmo, nos termos constantes do documento de fls. 14/15 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6 – J (…) intentou acção declarativa com forma de processo ordinário contra a ré a qual correu termos pelo 1º Juízo deste Tribunal com o n º 3860/09.6TBVIS no âmbito da qual peticionou a condenação da ré a pagar ao ali autor a quantia de € 314.819,15 a titulo de danos patrimoniais e a quantia de € 70.000 a titulo de danos não patrimoniais, conforme certidão de fls. 234 e seguintes dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, quantias essas devidas a titulo de reparação dos danos tidos em virtude do acidente aludido no ponto 1), sendo que a ré assumiu ali a responsabilidade pelo acidente (artigo 1º da contestação apresentada no âmbito da referida acção – fls. 248 dos autos).

7 – No âmbito do processo aludido em 6) as partes chegaram ao seguinte acordo: “1- O autor reduz o pedido para a quantia de € 120.000; 2- A ré obriga-se a pagar esta quantia no prazo de 20 dias por meio de cheque a remeter para o escritório do Ilustre mandatário do autor, contra recibo de quitação; 3 – Com o recebimento desta quantia o autor, dá-se por integralmente ressarcido de todos os danos decorrentes do acidente (…)”, conforme certidão de 262 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8 – O acordo aludido em 7) foi homologado por sentença proferida em 15/03/2012, transitada em julgado conforme certidão de fls. 234 e seguintes dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9 – Em 24/08/2010 foi pela secção de recursos humanos da GNR elaborado oficio, cuja cópia consta de fls. 41 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo qual dá conta da pendência do processo aludido em 5).

10 – Em 16/09/2010 a autora oficiou à ré para que esta esclarecesse “se já foi paga ao sinistrado alguma indemnização, ou pensão anual, referente ao acidente sofrido em 18/01/2008, e em caso afirmativo, qual o montante (…)” conforme documento de fls. 42 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11 – Em 10/05/2012 a autora voltou a oficiar à ré para que esclarecesse “(…) qual o valor pago a titulo indemnizatório ao sinistrado, referente ao acidente sofrido em 18/01/2008, uma vez que o mesmo já informou esta Caixa que o processo judicial que corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, com o n º 3860/09.6TBVIS, já foi concluído por ter havido entendimento entre as partes envolvidas e consequente ressarcimento do nosso subscritor”, conforme documento de fls. 44 dos autos, cujo teor aqui se dá pro integralmente reproduzido.

12 – A ré comunicou em 31-05-2012 à autora que a acção judicial n º 3860/09.6TBVIS terminou “ (…) por transacção judicial em que a A(...) se comprometeu a liquidar a quantia global de € 120.000 para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do sinistro em questão (…)”, conforme documento de fls. 45 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13 – Em 20/06/2012 a autora remeteu ao sinistrado a comunicação cuja cópia consta de fls. 48/49 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta além do mais que “ Comunico a V.ª Exª que, por decisão de 20/06/2012, da Direcção Geral de Aposentações lhe foi fixada, uma pensão anual vitalícia de € 5.926,68 a que corresponde uma pensão mensal de € 423,33, (devida 14 vezes por ano) em consequência do acidente em serviço de que foi vitima. Do referido acidente em serviço resulta uma incapacidade permanente parcial, com desvalorização de 41,5% conforme parecer da Junta Médica desta Caixa, homologado por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 21/06/2010 (…) No acidente de que foi vitima, houve responsabilidade de terceiro, tendo sido fixada uma indemnização paga numa única prestação, no valor de € 120.000, onde o montante de € 80.000 é deduzido na pensão, pelo que este valor não será abonado até se esgotar a importância de € 80.000 (…)”.

14 – A comunicação aludida em 13) teve por base a decisão da direcção da autora que consta de fls. 46/47 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, bem como o despacho de homologação do parecer da Junta Médica, cuja cópia consta de fls. 39 dos autos e cujo teor aqui se dá pro integralmente reproduzido.

15 – A autora efectuou o cálculo inscrito no documento cuja cópia consta de fls. 50 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16 – Em 06/07/2012 a ré foi interpelada pela autora para proceder ao pagamento da quantia de € 37.207,58, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 51/52 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

17 – Em 28-08-2012 a ré declinou o pagamento da quantia aludida em 15, conforme documento de fls. 53 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

IV – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Prescrição.

- Ausência de factos integradores de responsabilidade civil.

- Tabela de avaliação da incapacidade do lesado.

2. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“Dispõe o art. 498.º, n.º 1, do Código Civil que, “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”, e o n º 2 que “Prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”.

(…)

No caso a autora faz derivar o seu direito de crédito do facto de se tratar de um acidente que ocorreu em serviço, sendo a autora responsável pelo pagamento das pensões a que tenha direito nos termos do DL 503/99 de 20/11, o qual no seu artigo 46º estabelece que, “1 - Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas. 2 - O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho. 3 - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial. 4 - Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável. 5 - Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída.

(…)

Diz o já citado art. 498.º, n.º 2, que o prazo começa a correr a partir do cumprimento.

No caso, atento o disposto no artigo 46º, n º3 do DL 503/99 de 20/11 diremos que o referido prazo se conta a partir da decisão definitiva.

Ora, no caso a decisão definitiva terá ocorrido em 20/06/2012, sendo que, o prazo de prescrição ainda não decorreu.

Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada a invocada excepção de prescrição”.

Concorda-se na essencialidade com a argumentação jurídica exposta, mas importa introduzir precisões e clarificar certos pontos.

A decisão recorrida considerou, face ao texto expresso da lei, que estamos perante um direito de regresso. No corpo das alegações a recorrente defende que não se está perante um direito de regresso da CGA, e que portanto não será aplicável o art. 498º, nº 2, do CC, mas não avança que direito será então esse que a CGA pretende exercer ? (embora no mesmo parágrafo conclua que se trata de um direito de regresso !!). Pretenderá a recorrente defender que se trata de uma sub-rogação legal da A. ?

Na verdade, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 5/97, de 14.1, em DR, I Série -A, de 27.3.1997 pôs-se a paralela questão de saber se o Estado tem ou não direito a ser reembolsado do que despendeu em remuneração com o seu funcionário ou agente que, sem contrapartida laboral, se encontra ausente do serviço por causa de doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço da responsabilidade de terceiro. E o STJ, interpretando diversa legislação então relevante, entendeu que o Estado tinha direito a reaver o que houvesse pago, fixando jurisprudência no sentido de que “O Estado tem o direito de ser reembolsado, por via de sub-rogação legal, do total despendido em vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado de prestação da contrapartida laboral por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro”. Conclusão que se podia perfeitamente tirar no caso de pagamento de pensão vitalícia pela CGA ao servidor do estado por incapacidade permanente parcial.  

A ser sub-rogação legal a verdade é que não há sub-rogação sem satisfação efectiva da prestação; o pagamento, como pressuposto daquela, é condição e medida do sub-rogado. Esta doutrina resulta, aliás, do disposto no art. 593º nº 1 do CC. Ou seja, o direito do sub-rogado funda-se no acto do cumprimento, aferindo-se esse direito, pelo direito do primitivo credor. O sub-rogado poderá exigir do devedor o cumprimento de uma obrigação idêntica ou equivalente àquela que tiver satisfeito o interesse do credor. Por outras palavras, os poderes do sub-rogado medem-se e têm por condição a satisfação dada aos direitos do credor.

Desta sorte, o início da contagem da prescrição do seu direito é marcado pela data em que satisfaz o primitivo credor.

Ora, apesar de nos termos do art. 498º, nº 2, do CC, aí se prever apenas o direito de regresso o prazo legal de prescrição de 3 anos aplica-se à sub-rogação. Na realidade, após alguma hesitação inicial a jurisprudência estabilizou neste entendimento que hoje é pacífico (vide Acds. do Supremo Tribunal de Justiça de 21.1.2003, Proc.02A4110 e da Relação de Coimbra de 27.5.2014, Proc.1953/08.6TBPBL, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.).

Apesar de constituírem realidades jurídicas distintas, tanto a sub-rogação como o direito de regresso pressupõem o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição dos direitos só começa com esse cumprimento, como mais atrás se disse, e de resto decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC. Isto é, considerando-se um instituto ou outro, ambos estão dependentes desse cumprimento prévio de uma obrigação (vide, além dos acórdãos citados, adicionalmente os Acds. do STJ, de 21.1.2003, CJ, T. I, pág.39, de 24.6.2004, C.J., T. II, pág. 112, de 4.10.04, C.J., T. III, pág. 39, de 17.11.2005, Proc.05B3061, e de 9.3.2010, Proc.2270/04.6TBVNG, e desta Relação de Coimbra de 31.10.2006, Proc.1208/05.8TBTMR, de 3.7.2007, Proc.33/04.8TBFVN, e de 17.3.2009, Proc.3625/07.0TJCBR, todos estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt).

Assim, seja direito de regresso seja sub-rogação legal, temos que o prazo inicial da contagem de prescrição se iniciaria com o pagamento, data em que a A. passou a ter direito de regresso ou a ficar sub-rogada, que no caso só poderia ser a referida data de 20.6.2012, data em que a CGA tomou a decisão, de acordo com o referido e transcrito art. 46º, nº 3, do DL 503/99.

Mas nem sequer é preciso ir por este caminho dados os termos claros da lei.
Repare-se que respeitante ao aludido AUJ não estava em causa nenhuma disposição semelhante à que consta do referido art. 46º, nº 1 ou 3. Embora a questão subjacente seja a mesma – a responsabilidade última pela indemnização recai sobre quem responde pelo acidente, enquanto acidente de viação –, este preceito define um sistema específico de execução prática desta responsabilidade última, que não pressupõe o pagamento prévio pela entidade que abonar a pensão. Efectivamente no dito nº 3, permite-se que aquela entidade possa exigir judicialmente a entrega imediata do capital necessário para suportar o encargo do pagamento da pensão, determinado por cálculo actuarial.
Ou seja, ao explicitar que se recorre ao cálculo actuarial para a determinação desse capital, a lei pensa no capital que, num dado momento, corresponde a encargos futuros: esta solução é manifestamente inconciliável com a interpretação preconizada pela recorrente, segundo a qual só depois de pagar é que a autora veria nascer o direito que fosse (de regresso ou sub-rogação).

O nº 3 do citado art. 46º permite, pois, à CGA pedir a condenação no pagamento do capital necessário para pagar as pensões que vai ter que suportar, determinado por cálculo actuarial (vide neste sentido o Ac. do STJ de 19.5.2011, Proc.1029/06.0TBTNV, em www.dgsi.pt, citado pela recorrida logo na sua p.i.).

E a partir da data da sua decisão, não da data do acidente como a recorrente singelamente pretende. No caso decisão de 20.6.2012 (facto 13.). Portanto, na data da citação da R. (Fevereiro de 2014) não estava prescrito o direito da A. por não ter ainda decorrido o mencionado prazo de 3 anos.

Improcede esta parte do recurso.

3. A decisão recorrida condenou a recorrente no pedido logo no saneador, com o discurso de que a R. aceitou a responsabilidade pelo acidente no âmbito do processo 3860/09, aludido nos factos provados 6. a 8. O que a recorrente não aceita (vide conclusões de recurso 2ª, 3ª e 7ª). E com toda a razão do seu lado.

Desde logo se torna necessário que para que o pedido da CGA proceda é preciso alegar e provar os factos geradores da responsabilidade civil.

A CGA alegou-os nos arts. 3º e 4º da p.i., mas os mesmos foram impugnados no art. 14º da contestação. Assim, tal matéria é controvertida.

Como se disse a R. foi condenada desde logo por a decisão se ter estribado apenas no reconhecimento pela R. da responsabilidade do acidente, reconhecimento feito no âmbito do processo 3860/09.

Acontece que essa acção correu apenas entre o lesado J (...) e a ora R.

Ora, a ora apelante nunca reconheceu perante a A. a responsabilidade pelo acidente, pelo que é irrelevante o reconhecimento feito perante terceira pessoa, o lesado, noutro processo.

Desta maneira, não pode conjecturar-se facto admitido por acordo no âmbito do presente processo (art. 574º, nº 2, do NCPC). 

Nem tal facto pode valer neste processo a coberto de caso julgado, nos termos do art. 619º, nº 1, do NCPC, pois o mesmo não cobre os factos provados noutra acção, mas tão-só a decisão - e eventualmente as questões necessárias que pressupõem esta decisão.

Nem pode a transacção operada nesse processo entre o lesado e a ora recorrente ter também valor de caso julgado, pois a A./recorrida não foi parte no mesmo processo, não podendo valer-se de tal transacção com valor inculpante absoluto/exclusivo contra a ora recorrente.

Como assim, há que apurar os factos controvertidos susceptíveis de integrar a ilicitude e culpa próprias da responsabilidade civil extracontratual.

Assim, ao contrário do afirmado na 1ª instância, o estado do processo não permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido deduzido pela A. (art. 595º, nº 1, b), do NCPC), devendo os autos prosseguir para tal fim.      

4.1. Na decisão recorrida considerou-se desde já que o grau de IPP do sinistrado/servidor do estado é de 41,5%, porque face ao preceituado pelos arts. 4º, nº 4, b), e 5º, nº 3, do DL 503/99, ocorrido um acidente simultaneamente de viação e de serviço, imputável a terceiro, que vitimou um trabalhador subscritor da Caixa Geral de Aposentações, é a esta entidade que compete fixar o grau de incapacidade permanente e efectivar a reparação em dinheiro, designadamente através de pensão vitalícia.

A apelante insurge-se contra este entendimento, por entender que o lesado só tem um grau de incapacidade de 17% sendo a tabela a considerar para o efeito de avaliar a incapacidade do lesado a Tabela de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, Anexo II do DL 352/2007, de 23.10, pois é esta tabela e não outra que avalia legalmente as incapacidades dos lesados e é com base na incapacidade calculada de acordo com tal Tabela que os responsáveis civis são obrigados a indemnizar.

Já a recorrida entende que a perícia médica a quem legalmente foi incumbida a tarefa de graduar a incapacidade permanente resultante de acidente em serviço deve efectuá-la, segundo o art. 38º, nº 5, do dito DL 503/99, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Anexo I ao mesmo DL 352/2007.

Ambos os preceitos citados na decisão recorrida – 4º, nº 4, b), e 5º, nº 3 - correspondem efectivamente ao regime jurídico, no seu traço geral, afirmado nessa decisão, reforçado, aliás, pelo cotejo dos arts. 20º, nº 5, 21º e 22º, 34º, nº 1 e 4, 38º, nº 1 e 3 e 39º. E o preceito invocado pela recorrida - 38º, nº 5 -também corresponde ao por esta afirmado.

Por sua vez, o art. 1º do DL 352/2007 dispõe que: “São aprovadas a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, constantes respectivamente dos anexos I e II ao presente decreto-lei e que dele fazem parte integrante.”. Enquanto o art. 2º, nº 1, do mesmo diploma estatui que: “1 — A incapacidade do sinistrado ou doente no âmbito do direito do trabalho e a incapacidade permanente do lesado no domínio do direito civil são calculadas respectivamente em conformidade com as duas tabelas referidas no artigo anterior, observando -se as instruções gerais e específicas delas constantes”.

Cada uma das Tabelas funciona, de acordo com a sua própria lógica, dentro do quadro legal pressuposto, e com fins específicos. Não pode, todavia, olvidar-se que estamos perante um caso que é acidente de serviço mas também acidente de viação.

Ora, neste campo resulta há que ter em conta forçosamente o DL 291/2007, de 21.8 (regime jurídico do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel). E do respectivo art. 26º com a epígrafe “acidentes de viação e de trabalho”, concretamente do seu nº 2, resulta com toda a evidência que em caso de acidente de serviço se aplica o regime do citado DL 503/99.

Sendo assim, como é, é perfeitamente legítimo e compreensível que o legislador mande aplicar a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Anexo I, às avaliações respeitantes exclusivamente a acidentes de serviço, dentro da própria lógica interna da CGA referente a um processo/relacionamento entre tal entidade/autoridade e o sinistrado/servidor do estado, beneficiário da pensão, como resulta do mencionado art. 38º, nº 5, do DL 503/99. Não pode, pois, haver sombra de dúvida neste ponto, arredando-se, por isso, a aplicabilidade da Tabela de Incapacidades Permanentes em Direito Civil como a recorrente pretende (de cuja aplicação resultou um grau de desvalorização de 17% apurado de acordo com tal tabela no indicado processo 3860/09 em que se discutia o acidente de viação e os danos sofridos apenas pelo lesado J. (…)).

Não havendo por conseguinte qualquer ofensa do princípio da igualdade por se tratar de situações diferentes – acidente de viação versus acidente de serviço e viação – com previsões diferentes expressa e intencionalmente queridas pelo legislador.  

Não procede, portanto, o recurso nesta parte.

4.2. Já não se tratando de uma verdadeira questão a decidir ora em recurso, cabe acrescentar algo mais na forma de alerta. Trata-se de ponto que terá que ser equacionado na sequência do prosseguimento dos autos, que acima referimos e que irá ser decidida a final, que é o de saber se a Caixa Geral de Aposentações pode impor uma IPP, por si fixada, unilateralmente e sem possibilidade de contraditório a entidade terceira eventual responsável, sim, mas não participante nesse procedimento interno da CGA e em que apenas participou o sinistrado/servidor do estado. E, sem qualquer contraditório, repete-se, se queira valer do grau de incapacidade fixado (e do correspondente valor monetário apurado) para o impor a terceiro.

Imagine-se que por qualquer fraude se obtinha um grau de incapacidade elevado desfasado da realidade e com base nele se apurava o montante pecuniário da pensão vitalícia querendo depois impor ambos a terceiro, no caso a seguradora do lesante. Impressiona que assim possa ser.  

E nem se diga, como se faz na decisão recorrida, e a apelante justamente salienta, que a fixação da incapacidade em 41,5% é uma decisão administrativa, só passível de ser posta em causa, na jurisdição administrativa, pois, na verdade, a recorrente não tem qualquer legitimidade para instaurar qualquer processo no tribunal administrativo para pôr em questão tal incapacidade que só ao sinistrado/servidor do estado diz respeito e pode afectar, já que tal avaliação decorre num procedimento administrativo interno que corre, se relaciona, entre a CGA e o referido sinistrado/servidor do estado. Este, evidentemente, sendo o único que poderá recorrer ao tribunal administrativo para impugnar a avaliação fixada.

Aliás, o processo exibe um claro desfasamento do grau de desvalorização do sinistrado. A A. fixou de IPP 41,5 %. Quando o sinistrado/servidor do estado J (...) demandou a recorrente, no aludido processo 3860/09, afirmou na p.i. que tinha um grau de incapacidade de 45%. Mas no desenvolvimento do processo realizada perícia médico-legal no INML apurou-se uma IPP de 17%. As diferenças falam por si. 

Por outro lado, a ora recorrente na contestação (seu art. 14º) impugnou o grau de desvalorização de 41.5% afirmado pela A. (no art. 14º da p.i.).

De qualquer sorte, este ponto controvertido terá de ser considerado e apreciado no desenvolvimento processual que se irá seguir, aqui se deixando a respectiva dúvida.   

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Com o regime jurídico previsto nos art. 592º e segs. do CC, a sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação por parte do respectivo titular, e a prescrição do respectivo direito só começa com esse cumprimento, como, de resto, decorre do art. 306º, nº 1, 1ª parte, do CC;

ii) O art. 46º, nº 3, do DL 503/99, de 20.11, define um regime específico de execução prática da responsabilidade última pela indemnização, em caso de acidente simultaneamente de trabalho e de viação, que não pressupõe o pagamento prévio pela entidade que abonar a pensão por IPP do servidor do estado; assim, a Caixa Geral de Aposentações pode exigir judicialmente a entrega imediata do capital necessário para suportar o encargo do pagamento da pensão, determinado por cálculo actuarial;

iii) Tendo tomado a decisão de fixação da pensão anual vitalícia a favor do servidor do estado em 20.6.2012 é a partir desta data que se conta o prazo de prescrição legal de 3 anos em relação à sua demanda judicial contra a seguradora do lesante;

iv) Em caso de demanda judicial pela CGA contra seguradora, com base em acidente de viação e de serviço, para reembolso da quantia fixada a título de pensão vitalícia ao sinistrado/servidor do estado fundada num determinado grau de IPP, fixado no procedimento administrativo interno pela CGA, deve recorrer-se à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais para apurar tal grau de IPP e não à Tabela de Incapacidades Permanentes em Direito Civil


IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, e, em consequência:

a) julga-se improcedente a excepção de prescrição invocada pela R./recorrente;

b) ordena-se o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido formulado pela A.      

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Custas pela recorrente/R. na proporção de 2/3.

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                                                                               Coimbra, 23.6.2015

                                                                               Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                               Fonte Ramos

                                                                               Maria João Areias