Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98/10.3GTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
ERROS MÁXIMOS ADMISSÍVEIS
CONFISSÃO DO ARGUIDO
PENA ACESSÓRIA DE PROBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO COM MOTOR
Data do Acordão: 11/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 69º, 292ºDO CP 344º DO CPP,153º DO CE
Sumário: 1 Uma vez feito o controlo ou aferição, o alcoolímetro está apto a ser utilizado como instrumento de medição, sem que se tenha de aplicar qualquer margem de erro (EMA).
2.No crime de condução de veículo em estado de embriaguez é admissível a confissão integral e sem reservas entre outros factos, a taxa de álccol no sangue (TAS)
3.A proibição de conduzir veículos com motor a que se refere o artigo 69º do CP necessariamente engloba todas as categorias daqueles veículos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
R, motorista internacional, filho de A e de M casado, nascido em 06-…-1976 na freguesia …de Coimbra, com Bilhete de Identidade – 110… com residência na Rua …, Coimbra.
Sendo decidido:
- condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de € 8 (oito euros), o que perfaz a quantia de € 320,00 (trezentos e vinte euros);
- condenar o arguido, ao abrigo do disposto no art. 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 (três) meses.
- Devendo o arguido entregar a sua carta de condução no Tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença.
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Da sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto:
1° Em Audiência de Discussão e Julgamento foi dado como provado que o recorrente conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com uma taxa de álcool no sangue de 1.35g/l.
2° O recorrente confessou apenas e somente o facto de ter ingerido bebidas alcoólicas ao jantar e não o facto de possuir uma taxa de álcool no sangue de 1.35g/l.
3° O recorrente não podia confessar que circulava com uma determinada taxa de álcool no sangue, pois, falta-lhe para o efeito, razão de ciência
4° A concreta taxa de álcool no sangue não pode ser provada por confissão ou depoimento, pois, nos termos legais, só pode ser feito através de teste no ar expirado ou por meio de análise ao sangue.
5° O recorrente confessou que, no momento em que fez o teste de alcoolemia, atenta à quantidade de bebida ingerida, ficou surpreendido com a taxa apresentada, nunca pensou que seria elevada.
6° O recorrente ingeriu bebidas alcoólicas porque não tinha intenção de conduzir quaisquer veículos a motor, uma vez que estava à boleia de um amigo.
Por outro lado, só conduziu o veículo, à data em que foi detido, desde a casa desse amigo situada a 6 (seis) quilómetros da sua, uma vez que, já era tarde e por ficar assim em caminho.
7° Só se prontificou a conduzir o veículo por que não tinha ingerido qualquer bebida alcoólica desde o jantar, bem como tinha ingerido muito pouco.
8° Embora o recorrente soubesse que tinha ingerido bebidas alcoólicas, nunca pensou que àquela hora e atendendo à quantidade ingerida, estivesse alcoolizado e, por isso, a cometer qualquer crime
9° O arguido não cometeu o crime pelo que vem acusado de forma livre e consciente.
10° A colheita de ar expirado, para efeitos de determinação da presença de álcool no sangue, mais não é do que um exame, levado a cabo por um meio técnico adequado, mas susceptível de erro, controlados pela Organização Internacional de Metrologia Legal
11° As instruções da DGV, em directiva emitida em 10/07/2006, com o nº 14811, reconhecem a possibilidade da existência de margens de erro máximas nos alcoolímetros, apesar de estarem, aprovados e verificados periodicamente e, quantificam as mesmas numa tabela dizendo em seguida que deduzida a margem de erro máximo à T.A.S registada pelo alcoolímetro, pode concluir-se que o condutor era portador de, pelo menos, a T.A.S que resulta da subtracção desses valores.
11° (Repetida) Face aos últimos estudos científicos admite-se a existência de um erro máximo em relação ao valor registado no aparelho e desse erro máximo admissível deverá beneficiar o infractor, desde logo ao abrigo do princípio constitucional in dubio pró reo.
12° No que diz respeito ao aparelho com que foi efectuado o teste de álcool ao recorrente não se encontra aquele devidamente verificado nem validado, não podendo com toda a certeza o tribunal a quo, considerar como válida a taxa de álcool que o mesmo apresentou, até porque essa incerteza resulta da própria directiva da Direcção Geral de Viação.
13° É muito provável que a taxa de álcool no sangue que o recorrente tinha na altura em que ocorreram os factos seja bastante inferior àquela que acusou no teste.
14° Face à directiva da Direcção Geral de Viação e, com base em "margens de erro admissível nos alcoolímetros", o tribunal a quo deveria, no caso concreto, ter efectuado o desconto de 7% na taxa de 1.35g/l.
15° O princípio in dúbio pró reo impõe a dedução do erro máximo admissível ao valor registado no talão emitido pelo alcoolímetro
16° O vertente caso encerra o vício plasmado no artigo 410°, nº2, al. a) do Código Penal.
17° Ao não ficar apurado em concreto qual a taxa de álcool que tinha no sangue se os elementos naquela data, fica o recorrente sem saber se os elementos do tipo de crime de que saiu condenado estavam ou não preenchidos ou se eventualmente poderíamos estar na presença apenas de uma contra-ordenação.
18° Do certificado do registo criminal do recorrente e bem assim do seu registo individual de condutor, nada consta, pelo que pode concluir-se que se trata de um condutor exemplar que nunca praticou qualquer crime rodoviário nem qualquer contra-ordenação rodoviária ou qualquer outro tipo de crime.
19° Acresce que o grau de ilicitude da conduta do recorrente também é diminuto, uma vez que a taxa de álcool apresentada por aquele, diminuindo-lhe a margem de erro prevista pela DGV, será pouco superior ao limite estabelecido legalmente para ser considerado crime, podendo mesmo ser inferior àquele.
20° No caso em apreço não foram tidas em conta as circunstâncias que de algum modo atenuam o comportamento do arguido, mostrando-se a pena aplicada exagerada.
21° A condução de veículos pesados de mercadorias é essencial para a sobrevivência do agregado familiar do recorrente bem como a única forma de manter o emprego.
22° Sendo motorista de profissão, a inibição de conduzir impede o recorrente de exercer a sua profissão e única função e actividade desempenhada na empresa empregadora, logo, como se encontra a contrato a termo, será imediatamente despedido.
23° O recorrente tem ao seu encargo, para além das despesas diárias, todas as inerentes a uma criança de 10 anos bem como os encargos com o empréstimo à habitação, na quantia mensal de €500,00 (quinhentos euros)
23° (Repetida) Atendendo à crise económica e financeira que o nosso país atravessa, bem como às dificuldades de arranjar trabalho, o recorrente ao ficar desempregado, corre o risco de ficar sem a casa, uma vez que não tem meios económicos para fazer face às despesas e a sua esposa apenas aufere o salário mínimo nacional.
24° Entende o recorrente que o tribunal a quo, salvo melhor opinião, não interpretou convenientemente a norma do nº 2 do artigo 69° do Código Penal.
25° O artigo 69°, nº 2 dispõe que "a proibição produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria", sublinhado nosso
26° O tribunal a quo entendeu que esta norma impõe obrigatoriamente a proibição de conduzir todos os veículos a motor, quer sejam pesados, ligeiros ou motociclos, ou seja, que a referida norma não permite a restrição da proibição de conduzir a uma categoria determinada de veículos a motor.
27° Salvo melhor opinião, não entende o recorrente da mesma forma, uma vez que, a redacção do artigo, permite concluir que não é imperativo aplicar a proibição de conduzir a todos os veículos com motor, podendo ser aplicada apenas a alguns.
28° Até porque diz a norma que "pode abranger" e não deve abranger todos os veículos com motor de qualquer categoria.
29° Subentende-se que o legislador não quis impedir que a inibição de conduzir fosse aplicada a algumas categorias de veículos com motor, mas sim deixar em aberto essa possibilidade.
30° No caso em concreto, temos uma situação que assume um carácter especial, uma vez que, sendo aplicada a inibição de conduzir veículos pesados de mercadorias, o recorrente não pode exercer a sua profissão, o que o conduz ao desemprego, atendendo que a sua única actividade desempenhada na entidade empregadora é a de motorista de veículos pesados de mercadorias a nível internacional.
31° Entende o recorrente que o tribunal a quo ao decidir como decidiu violou a norma do nº 2 do artigo 69° do Código Penal
32° Aplicação da pena de multa bem como a proibição de conduzir todos os veículos a motor, com excepção dos pesados de mercadorias, é medida suficiente para inibir o recorrente de praticar crimes desta ou de outra natureza.
33° O recorrente pretende, a final, que a decisão seja alterada de forma a que possa conduzir veículos pesados de mercadorias para trabalhar e, assim, manter o seu emprego, para poder cumprir com todas as obrigações pecuniárias a que se encontra adstrito ou que, no caso de proceder a inibição de conduzir por um período de 3 (três) meses quaisquer tipos de veículos a motor, seja permitido que o mesmo cumpra a sanção apenas aos fins-de-semana, para que o mesmo possa exercer a sua profissão e, assim, manter o seu emprego.
Devem as presentes conclusões proceder e por via disso, deve o recurso obter provimento e ser alterada a decisão recorrida com as legais consequências.
Foi apresentada resposta, pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui:
1. Ponderando o prova produzida em audiência de julgamento, não temos dúvidas em afirmar que bem decidiu a M.ma Juiz em matéria de facto, não sendo, por isso, merecedora de qualquer juízo de censura a douta sentença recorrida, que se apresenta justa, equilibrada e merecedora de total confirmação.
2. Na audiência do julgamento o arguido fez uma “confissão integral e sem reservas” dos factos que lhe eram imputados na acusação, razão pela qual foi, inclusivamente, dispensada a produção de mais prova na audiência, designadamente, o depoimento do agente autuante.
3. Com efeito, de acorda com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 344 do CPP, a confissão integral e sem reservas implica a renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados. Significa isto que depois de ter confessado “integralmente e sem reservas” a prática dos factos imputados, estes ficam automaticamente assentes, não podendo, por isso, vir a ser questionados, mesmo em sede de recurso.
4. Por outro lado, no que concerne à questão da taxa de álcool no sangue, aferida pelos alcoolímetros (aparelhos quantitativos), trata-se de um assunto já pacificamente resolvido pelos tribunais superiores, no sentido de que a citada margem de erro é tida em conta no momento da verificação, avaliação e calibração do aparelho quantitativo;
5. No que diz respeito à questão da proibição da condução de quaisquer veiculas motorizados, e não de uma determinada categoria de veículos, convém salientar que o entendimento largamente maioritário vai no sentido da primeira interpretação e não da última.
6. Aliás, é este o sentido literal do próprio artigo 69 n.º 1, do Código Penal, ao utilizar a expressão “proibição de conduzir veiculas com motor”. Cfr., neste sentido, inequivocamente, as anotações 8 e 9 ao citado artigo 69, in “Comentário do Código Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque, pg.226, bem como a jurisprudência aí indicada.
7. Termos em que deverá, por conseguinte, negar-se provimento ao recurso.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA, em parecer fundamentado, sustenta a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como apurados, e motivação dos mesmos:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1.No dia 12 de Junho de 2010 pelas 4 horas e 46 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, matrícula ----NT, na Rotunda da Geria em Coimbra, área desta comarca.
2.Nessa altura, ao ser submetido ao teste de despistagem de álcool no sangue através do aparelho Drager 7110 n.º de série ARPN 0075, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,42 g/l.
3.Realizada contraprova no aparelho Drager 7710 n.º de série ARPN 0076, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l.
4. Da forma descrita, o arguido agiu livre e conscientemente, conduzindo o veículo a motor na via pública, bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas.
5.Não se absteve de tal conduta mesmo sabendo que se tratava de facto proibido e punido por lei.
6.O arguido é motorista internacional, auferindo rendimentos mensais de cerca de € 1000,00.
7.É casado e reside com a esposa e com uma filha de 10 anos.
8.A esposa é esteticista, auferindo mensalmente o ordenado mínimo.
9.É titular de carta de condução desde há cerca de 15 anos.
10.Tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade incompleto.
11.O arguido está a construir uma casa, pagando ao banco de amortização do empréstimo contraído para o efeito cerca de € 500,00 mensais.
12.O arguido confessou os factos por si praticados e revelou arrependimento.
13.Do C.R.C. do arguido nada consta.
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Não se provaram outros factos com relevância para a causa.
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A convicção do tribunal alicerçou-se nas declarações do arguido, que confessou os factos que lhe eram imputados, de forma livre, integral e sem reservas (art. 344.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal) e prestou declarações relevantes acerca da sua situação sócio-económica.
Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, o Tribunal ancorou a sua convicção no C.R.C. junto aos autos a fls. 10.
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O direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso.
Sendo que se realça, como pontos a analisar:
- Matéria de facto;
- Não aplicação da margem de erro - EMA;
- Não verificação nem validade do aparelho;
- Pena acessória exagerada, devendo ser limitada a inibição a determinada categoria de veículos ou a determinado período temporal, fins de semana.
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Matéria de facto:
O recorrente pretende colocar em crise a matéria de facto, nomeadamente, no que concerne à taxa de álcool no sangue.
Diz que a confissão não abrange a taxa em concreto.
Desde já se dirá que melhor seria que o julgador na fundamentação da matéria de facto (motivação) lançasse mão dos documentos, talões de fls. 6 extraídos dos aparelhos com que efectuaram os testes (prova e contra-prova), tal como o fez com o doc. de fls. 10 para fundamentar a ausência de antecedentes criminais.
No entanto, tal não que dizer que não resulte provada a taxa de alcoolemia.
O arguido confessando que conduzia veículo automóvel na via pública e bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas, perante a taxa de alcoolemia que lhe foi apresentada, com ela concordou e confessou-a em audiência. Assim como não concordou com a taxa dada pelo aparelho da primeira análise ( e não teste de despistagem como referido nos factos provados) e requereu a contra-prova.
Não poderia confessar a taxa em concreto se não tivesse havido aparelho a efectuar a medição. Mas, depois de medida pode o arguido aceitar e confessar a taxa do aparelho.
Só neste sentido se pode entender o preceituado no art. 344 nº 2 do CPP – confissão integral e sem reservas -, o que implica aceitação/confissão de todos os factos imputados, com renuncia à produção de prova e passagem à fase das alegações orais.
Por outro lado, pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto deveria dar cabal cumprimento ao estatuído no nº 3 do art. 412 do CPP.
Ainda que se entenda que os factos que tem como incorrectamente julgados respeitam à concreta taxa de alcoolemia, não indica provas que impõem decisão diversa. Sendo que a única prova são os resultados dos testes (docs. de fls. 6) efectuados com os valores indicados na matéria de facto provada.
Aparelhos que e, contrariamente ao alegado pelo recorrente se encontram aprovados, verificados e validados.
Basta atentar a fls. 4 (auto de notícia) e relativamente ao aparelho com o qual foi efectuado o teste de contra-prova, que embora sem preenchimento da quadricula correspondente se encontra preenchido com os dizeres: “o teste foi realizado no alcoolímetro nº ARPN-0076, modelo DRAGER, aprovado pela DGV/ANSR em 27/Agosto/2009 e pelo IPQ através do Despª. de Aprovação de Modelo nº 211.06.07.3.06, de 06/Junho/2007, verificado pelo IPQ em 23/11/2009".
E em relação ao aparelho de teste da prova (primeiro teste) veja-se fls. 5, em notificação assinada pelo arguido.
Assim como se não entende que havendo confissão integral e sem reservas dos factos imputados na acusação, se venha posteriormente invocar margens de erro dos alcoolímetros.
Mas, ainda assim sem razão, conforme tem sido decidido nesta Relação.
Prova e meios de prova:
O juiz pode convencer-se com a prova que tenha como coerente e convincente.
Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei –art. 125 do CPP.
E, a prova através de aparelho aprovado, de medição de álcool no sangue através do ar expirado, é admissível e válida.
As provas são apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador –art. 127 do CPP.
O julgador apenas podia concluir pela existência da taxa de alcoolemia no quantitativo acusado no aparelho, sendo que essa era a taxa correspondente à taxa de álcool no sangue do arguido (já que nenhuma outra foi provada).
A medida da taxa de álcool no sangue é efectuada por aparelho igual ou semelhante ao utilizado no caso em análise, ou através da análise directa do sangue, caso seja requerido.
Podendo a contra prova ser efectuada com outro aparelho de teste de expiração de ar, sem necessidade de análise ao sangue, devendo ser outro aparelho e não o mesmo, “a contraprova destinada a infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado não pode ser efectuada pelo mesmo alcoolímetro, aquele que fez o primitivo exame” – Ac. desta Relação de 10-03-2010, proc. 7/09.8GBTCS.C1.
Assim, a taxa de álcool no sangue do arguido era a indicada no aparelho utilizado para a medição (contra prova), o qual estava devidamente homologado e aferido, ou seja, a taxa de álcool no sangue da arguida era de 1,35 g/l (quantitativo mais favorável ao arguido).
Como refere o Ac. da Rel. de Guimarães de 26-02-07, “no nosso sistema processual penal –art. 125 – são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, e não é proibida a prova obtida através da utilização de aparelho de medição quantitativa de álcool no sangue, desde que devidamente aprovado, como estava o que foi utilizado no caso concreto.
Assim que se tenha como válida a prova do quantitativo de álcool no sangue apresentado pelo arguido e detectada por aparelho devidamente aprovado, porque apenas detectados “erros inferiores aos erros máximos admissíveis”.
Um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais.
E, daqui logo resulta que a margem de erro admissível se deve observar quando da aprovação do aparelho (ou nas aferições posteriores, ordinárias ou em extraordinária) e não em cada uma das utilizações em concreto.
Na sentença e matéria de facto, deu-se como provada a TAS de 1,35 g/l, a marcada no aparelho alcoolímetro, o que se fez de forma correcta.
Como se vem entendendo nesta Relação (pelo menos maioritariamente) e é nosso entendimento em vários acórdãos relatados, os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra – Cfr. Maria do Céu Ferreira e António Cruz, in “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade”.
É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento –Cfr. www.spmet.pt/cominicacoes_2_encontro/Alcoolimetros_MCFerreira.pdf.
É por isso, que em domínios de medição com vários níveis de exigência metrológica se definem classes de exactidão em que os EMA são diferenciados de classe para classe. No caso dos alcoolímetros não existem classes de exactidão diferenciadas, mas existem dois tipos de alcoolímetros: uns designados de “qualitativos”, outros de “quantitativos”. Apenas este últimos têm características metrológicas susceptíveis de ser utilizados para medir a alcoolémia, para fins legais, dentro dos EMA definidos na lei. Os designados de qualitativos apenas servem para despistar ou confirmar situações de alcoolémia mais ou menos evidente, exigindo depois, se for caso disso, uma medição rigorosa com um alcoolímetro quantitativo legal. Por isso referimos que é errada a indicação na matéria de facto de que o aparelho utilizado na prova era de “despistagem” de álcool no sangue.
Os EMA constituem simples factores de correcção considerados no momento de Aprovação de Modelo [AP]; de Primeira Verificação [PV] e de Verificação Periódica [VP].
Qualquer alcoolímetro que os respeite é aprovado e torna-se a partir de então um instrumento válido e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos EMA.
Por isso é que com periocidade regular os aparelhos de medição do teor de álcool no sangue têm de ser submetidos a controlo, verificação periódica, assim como outros instrumentos de medição têm de ser submetidos a aferição.
Uma vez feito o controlo ou aferição, tais instrumentos estão aptos a serem utilizados como instrumentos de medição, sem que novamente se tenha de aplicar a margem de erro. O aparelho que no controlo faça a medição em obediência às margens de erro, está apto a ser utilizado, e uma vez utilizado são válidos os valores observados.
Transpondo tal entendimento para os autos, teremos, então, que na decisão recorrida o M.mª Juiz a quo considerou, e bem, que o arguido conduzia sob a influência de uma TAS de 1,35 g/l, ou seja, a constante do talão inserto a fls. 6 (contra-prova) e sem interferência de um qualquer EMA.
A alterar-se a taxa dada pelo aparelho, por nova aplicação do EMA, é que se verificava a existência do vício de erro notório na apreciação da prova e até poderia verificar-se a contradição entre a matéria de facto provada e a motivação da mesma. Mas nunca o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que o recorrente alega sem concretizar onde se verifica e nós não descortinamos após análise e por a verificação dos vícios ser de conhecimento oficioso.
Assim que nada houvesse a corrigir nem aplicar o EMA, nem resultando qualquer violação do princípio in dúbio pró reo, ou violação do art. 292 do CP, ou art. 8 da Portaria 1556/2007 de 10-12, nem tão pouco a Constituição.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, com base na confissão integral e sem reservas de todos os factos da acusação, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação. Pelo que não se verifica violação do princípio in dúbio pró reo.
Assim que se tem como fixada toda a matéria de facto.
Pena acessória de inibição de conduzir:
Pretende o arguido/recorrente que a inibição se restrinja a determinados veículos, ou seja, que não abranja pesados de mercadorias para poder trabalhar, exercer a sua profissão.
A medida da pena acessória de inibição não pode ter-se como exagerada já que foi fixada no mínimo legal.
Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida da pena, bem como da sanção acessória.
Com a aplicação das penas visa-se a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº40º nº1 do Cód. Penal, sendo que quanto à medida da sanção de inibição deve ter-se em conta a perigosidade do agente.
Sendo que, em caso algum, a pena (sanção) pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena (sanção).
Importa ter em conta que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam uma severa punição, atento o número de sinistros rodoviários em Portugal, onde anualmente são ceifadas número elevado de vidas, muitas vezes causados pelo excesso de álcool (não foi o caso dos autos).
As exigências de prevenção geral assumem incontornável relevo no caso sub judice, na medida em que amiúde se verifica a condução de veículos à total revelia das regras legais inerentes a tal actividade, a que acrescem os índices de sinistralidade rodoviária (também) por essa via verificados.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos e que também visam diminuir o índice de sinistralidade rodoviária, que é elevadíssimo e preocupante, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
Realça-se, a inserção social do arguido e no mundo do trabalho.
Pondera-se o facto de necessitar da carta de condução para exercer a sua actividade profissional (circunstância que o arguido não ponderou antes de ingerir as bebidas alcoólicas).
A pena acessória só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário, e visa essencialmente prevenir a perigosidade do agente – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Como salienta o prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material “a circunstancia de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”, donde que “então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto”, acrescentando, “por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa"
Há que ter em conta todos estes vectores, sem sobrevalorizar, nem minimizar as consequências que a inibição de conduzir possa provocar na vida profissional do arguido. Circunstâncias que deveriam ser provadas em audiência de julgamento e não apenas alegadas em recurso.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei, o que aconteceria no caso de limitação da inibição a determinada categoria de veículos, ou a não abranger uma determinada categoria de veículos.
As penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, e todos os factos que alega na motivação do recurso (nomeadamente ser motorista profissional) deveriam ter sopesado no sentido de o dissuadir de praticar o crime, pois que lhe deveria incutir um especial dever de cuidado, que não teve.
Quanto a transtornos e incómodos que a impossibilidade de conduzir acarretará ao infractor, diremos que, é pelos incómodos e transtornos que causam que as penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções.
De qualquer modo, como já referido a sanção acessória foi aplicada pelo mínimo legal.
Limitação da inibição a categoria determinada de veículos, ou inibição que não abranja uma concreta categoria de veículos:
Do que já ficou dito resulta inequívoco que a inibição deve abranger todas as categorias de veículos com motor.
De outro modo não surtia qualquer efeito.
O recorrente só faz esse pedido por ser titular de licença de condução que abrange mais que uma categoria de veículos.
Se procedesse este pedido formulado no recurso, equivalia à não aplicação da sanção acessória da inibição.
O perigo para a segurança da circulação rodoviária que se pretende acautelar com a incriminação da condução sob o efeito do álcool, assim como a segurança das pessoas, advém exclusiva ou predominantemente da condução em estado de embriaguez e não da categoria de veículo motorizado conduzido.
A interpretação feita pelo recorrente ao art. 69 nº2 do CP, podendo ser uma das possíveis, temos que não será a mais correcta.
Entendemos que a interpretação mais correcta vai no sentido de entender que inexiste categoria de veículos com motor que possa ser excluída da possibilidade de inibição.
Para se entender que a inibição pode ser limitada a categoria determinada de veículos com motor (ou não abranger determinada categoria), não teria o legislador na alteração produzida pela Lei nº 77/01, suprimido a expressão ”ou de uma categoria determinada”.
A não se entender assim ficariam frustrados os fins que se visam atingir com a norma que prevê a proibição de conduzir em consequência da condenação pelo crime de condução em estado de embriaguez, sendo certo que são os “profissionais do volante” – aqueles que exercem a sua profissão conduzindo veículos automóveis - que mais riscos à segurança da circulação trazem e a quem se exige, consequentemente, um especial dever de cuidado no cumprimento das normas que visam salvaguardar a segurança, sua e dos demais cidadãos.
A prevenção especial, necessária in casu só se satisfaz com a inibição de conduzir abrangendo qualquer categoria de veículos motorizados, sem excepção.
Não se verifica um quadro especialmente relevante que permita restringir a proibição de conduzir apenas a alguns veículos motorizados.
Não basta ser-se motorista profissional, para que a inibição não abranja a categoria de veículos normalmente utilizada.
Dito de outra maneira, quem apenas esteja habilitado a conduzir veículos ligeiros, ser-lhe-ia irrelevante que o inibissem apenas de conduzir veículos pesados ou motociclos.
Assim, e como já referimos, propendemos para interpretar o art. 69 nº 2 do CP, no sentido de que a decisão de inibição “pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”, engloba todas as categorias de todos os veículos a motor. Daí a alteração introduzida pela lei 77/01, que alterou a redacção do preceito que era, “pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada”, (sublinhado nosso).
Até porque não faria sentido que no caso de cometimento de crime a inibição de conduzir pudesse ser restrita a determinada categoria de veículos (ou excepcionada certa categoria), e no caso de contra-ordenação fosse extensiva a todas as categorias. O art. 147 do Código da Estrada com a epigrafe “inibição de conduzir” apenas refere que a sanção acessória consiste na inibição de conduzir, nº 1, acrescentando o nº 2 que a inibição “refere-se a todos os veículos a motor”.
Na redacção anterior é que havia a possibilidade de restringir a inibição a categoria determinada de veículos, agora não, já que a orientação foi no sentido de restringir “direitos” dos infractores (para tentar evitar sinistralidade estradal).
E, desta interpretação não resulta qualquer violação de princípios constitucionais.
Violação do princípio constitucional da igualdade haveria no caso de se decidir no sentido do pretendido pelo recorrente. O recorrente pretende ser beneficiado, não inibido, pelo facto de ser motorista profissional, sendo que esse benefício traduziria desigualdade perante todos os condutores alcoolizados mas não motoristas de profissão. O recorrente pretende um tratamento desigual para o que é igual.
O facto de o recorrente não poder exercer a condução de veículos motorizados, não o impede de exercer qualquer outro tipo de actividade. Pelo que inexiste qualquer violação ao direito ao trabalho.
A proporcionalidade há-de verificar-se em função do facto cometido, e não em função da actividade exercida pelo recorrente, fora das circunstâncias em que os factos ocorrerem.
Face ao exposto entendemos ter ficado demonstrada a sem razão do recorrente, e a improcedência de todas as conclusões do recurso e, este não merecer provimento.
Decisão:
Atentos ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em julgar improcedente o recurso do arguido Rui Manuel Pereira dos Santos e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 Ucs.
Coimbra,
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