Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
467/09.1TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
DENÚNCIA
OPOSIÇÃO
SUBSISTÊNCIA ECONÓMICA
Data do Acordão: 05/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO T.J. DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.19 DL Nº 385/88 DE 25/10 ( LAR ), ARTS.216, 473, 1273 CC
Sumário: 1.- Em termos de oposição à denúncia [cf. art. 19º, nº1 do DL nº385/88 de 25 de Outubro (L.A.R.)] para se poder concluir que a subsistência económica de uma pessoa é posta em risco pela cessação do arrendamento não basta a demonstração de que tal cessação importa uma qualquer perda de rendimentos; é necessário provar que a perda do locado, só por si, coloca o arrendatário na impossibilidade de satisfazer as necessidades primárias da existência, degradando significativamente o seu trem de vida.

2.- Quanto às benfeitorias úteis feitas pelo arrendatário, tem de aplicar-se o regime geral (resultante do art. 1273º do C.Civil), com a modificação que resulta do art. 14º do DL nº385/88 de 25 de Outubro (L.A.R.)

3.- Pois que o dito DL nº385/88 de 25 de Outubro (L.A.R.) não contempla as benfeitorias nos casos de cessação por denúncia no termo do contrato e de resolução por iniciativa do arrendatário: nestes dois últimos casos, não há lugar a indemnização, pois, não sendo consentidas as benfeitorias são ilícitas.

4.- E em matéria de indemnização por benfeitorias só tem cabimento pretensão com base em enriquecimento sem causa relativamente a benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa (cf. art. 1273º, nº1 do C.Civil), obviamente desde que se trate de benfeitorias consentidas ou feitas de acordo com o plano, pois que, caso contrário, nenhuma indemnização pode ser exigida pelo arrendatário, porque as não podia ter efectuado.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

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            1 – RELATÓRIO

M (…) intentou a presente acção, sob a forma de processo sumário, contra A (…), alegando em síntese que:

- A. e R. celebraram a 1 de Outubro de 1985, na qualidade de arrendatário e senhorio, respectivamente, um contrato de arrendamento rural do prédio rústico denominado y (...) , pelo prazo de seis anos renováveis, pela renda anual de 150.000$00, actualizada nos termos da clausula 4.ª do mesmo contrato, sendo actualmente de € 2.825,00;

- O A. utiliza no exercício da actividade agrícola permanente e exclusivamente pessoal contratado, tendo actualmente um empregado a tempo integral;

- A exploração é gerida pelo A. e está instalada no prédio arrendado e num prédio contíguo denominado x (...) , dedicando-se designadamente, à criação de gado ovino;

- O R. através de carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Janeiro de 2009, procedeu à denúncia do contrato de arrendamento, solicitando a entrega do prédio até ao dia 13 de Março de 2012;

- Porém o A. exerce a profissão de agricultor, desde há cerca de 30 anos; sendo proprietário da referida exploração com cerca 1000 ovinos. A exploração nunca seria viável sem o prédio arrendado, sendo que o despejo do A. do prédio arrendado põe em causa a viabilidade económica da exploração;

- Esta é a única actividade que o A tem vindo a exercer de forma constante e da qual retira o seu rendimento, do qual depende;

- Com o despejo o A. ficaria impedido de manter a sua exploração, perdendo a fonte dos seus rendimentos, por isso o decretamento do despejo do A. do prédio arrendado colocaria este e a sua mulher numa situação económica absolutamente insustentável;

- À cautela, mais aduz que em Dezembro de 2007, o A procedeu à vedação de todo o perímetro do prédio arrendado com rede ovelheira, criando ainda três parqueamentos no seu interior mediante vedação também com rede ovelheira, sendo que esta rede foi apoiada em estacas de madeira tratada, inseridas no solo, a qual tem arame farpado no seu topo, sendo certo que a vedação e a criação de parqueamentos era necessária a uma gestão eficiente da exploração do A. e não podem ser retiradas do local sem a sua destruição e consequente detrimento do prédio.

Face ao alegado, requer o A. que o R. seja condenado a reconhecer que o despejo do prédio que lhe está arrendado, põe em risco a sua subsistência económica e do seu agregado familiar, o que obsta à efectivação da denúncia e, consequentemente, ao decretar do despejo, pelo que deve o contrato de arrendamento rural manter-se em vigor; Subsidiariamente, deve o R. ser condenado a pagar ao A. a quantia de €19.102,51, a titulo de benfeitorias realizadas pelo A. no prédio arrendado, ou se assim não se admitir no todo ou em parte, a titulo de enriquecimento sem causa do R. e empobrecimento do A., montante acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

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Citado o R. veio contestar, alegando que:

- Não se verificam as circunstâncias que o A. invoca para se opor à denúncia do

contrato de arrendamento;

- O despejo projectado não põe em risco a subsistência económica do demandante, e muito menos do seu agregado familiar, pois que estes obtêm outros rendimentos que são a principal fonte de financiamento das suas economias familiares;

- A exploração do prédio arrendado não é essencial à manutenção da sua actividade agrícola, na medida em que além deste, o A. procede à exploração de outro prédio, o qual é suficiente para a exploração a que se dedica, pois permite a manutenção dos animais que hoje detém e das candidaturas em curso;

- Não tem também direito às benfeitorias reclamadas, aliás o artigo 5.º do contrato outorgado, afasta a possibilidade da realização das invocadas benfeitorias, sendo que não foi sequer prestada autorização para a sua realização;

- A indemnização peticionada não faz sentido se as benfeitorias forem consideradas úteis, como se extrai do art.º 15, n.º 3 do Regime Jurídico do Arrendamento Rural.

Nestes termos, conclui que a acção deve ser julgada improcedente, por não provada, e o R. absolvido do pedido.

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Foi elaborado despacho saneador nos termos dos arts. 508º-B, nº2 e 511º do C. P.Civil, no qual foi afirmada tabelarmente a verificação dos pressupostos processuais.

E no mesmo acto foram condensadas as alegações factuais das partes, com consignação de Matéria Assente e elaboração de Base Instrutória relativamente ao que não foi apresentada qualquer reclamação.

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Realizou-se na sequência audiência de discussão e julgamento da causa, seguida da resposta à matéria de facto controvertida, também sem reclamações, após o que foi prolatada sentença através da qual, em síntese, se considerou que não podia proceder a oposição à denúncia do arrendamento, por o A. não haver logrado provar o risco sério que o despejo criaria para a sua subsistência económica e da sua família, sendo que, no respeitante às benfeitorias, as mesmas tinham que ser consideradas “úteis”, mas porque não autorizada a sua realização, eram “ilícitas”, donde impedia a lei o exercício do direito de reclamar qualquer indemnização, ademais o levantamento das mesmas não causaria qualquer danificação ao prédio, e bem assim que também não podia ter lugar a condenação do R. no valor das mesmas, a título de enriquecimento sem causa, por não estarem verificados os requisitos deste instituto jurídico, assim se vindo a concluir pela absolvição do R. de todos os pedidos formulados pelo A. na p.i..

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Inconformado com essa sentença, apresentou o A. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

                                                                       *

            Por sua vez, apresentou o R. contra-alegações a fls. 393, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«(…)

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil

            - incorrecta valoração da prova produzida, que levou ao incorrecto julgamento dos quesitos 13º, 15º (parte final), 17º (em parte), 18º, 20º, 26º (parte final) e 27º (parte final) que deviam ter tido resposta de “provado” em vez da que lhes foi dada, de “não provado”?;

            - ampliação da matéria de facto com factos complementares ou concretizadores que resultaram da instrução e discussão da causa?;

- erro de julgamento, particularmente do disposto no art. 19º, nº1 da L.A.R., devendo obstar-se à efectivação da denúncia por ter resultado provado pelo Autor que o despejo põe em risco sério a sua subsistência económica e do seu agregado familiar?;

- “abuso do direito” pelo Autor ao invocar resultar-lhe uma situação dificultosa a concretizar-se a devolução ao IFAP de subsídios vultuosos que deste recebeu, na medida em que assumiu compromissos perante esta entidade quando já sabia da pretensão de denúncia do contrato de arrendamento rural por parte do Réu?;

- subsidiariamente, indemnização ao Autor pelo valor das benfeitorias que realizou, por deverem ser qualificadas como “necessárias”, ou, no limite e em último caso, a título de “enriquecimento sem causa”?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, o que naturalmente contempla a conjugação da condensação dos factos assentes com os decorrentes das respostas dadas aos quesitos da base instrutória elaborada, obviamente sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade. 

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados na 1ª instância:

A. – A. e R. celebraram a 1 de Outubro de 1985, na qualidade de arrendatário e  senhorio, respectivamente, o acordo de fls. 16 e 17, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, que denominaram “contrato de arrendamento rural” sobre o prédio rústico denominado y (...) , com a área de 345,900 ha. [al.A) dos Factos Assentes];

B. – Tal acordo foi celebrado “pelo prazo de seis anos, renováveis nos termos da lei de

arrendamento rural” (cláusula 2ª do contrato). [al.B) dos Factos Assentes];

C. – Consta da cláusula 3.ª do referido acordo:

“As partes contratantes estabelecem no montante de Esc. 150.000$00 (cento e cinquenta mil), cerca de 12.000 kgs. de lenha (doze mil) retirada do Monte, objecto do contrato e 300 (trezentos) litros de azeite de 0,8º, o preço da renda anual a que o presente contrato se reporta, os quais serão pagos pelo segundo outorgante, no domicílio em Castelo Branco do primeiro, ou do seu respectivo representante, nomeado para o efeito (…)”[al.C) dos Factos Assentes];

D. – Consta da cláusula 4.ª do referido acordo:

“Decorridos que sejam 04 (quatro) anos sobre a data do início do presente contrato, obrigam-se as partes a proceder, na eventualidade de alterações da conjuntura económica, a uma revisão do preço da renda referida no artigo anterior, sendo a actualização feita de comum acordo entre os outorgantes; no caso de falta de acordo, com recurso a uma arbitragem dos Serviços Regionais da Agricultura.” [al.D) dos Factos Assentes];

E. – Consta da cláusula 5.ª do referido acordo:

“Fica expressamente proibida ao arrendatário (…) al. c) realizar no mesmo prédio rústico quaisquer benfeitorias por lei não permitidas.” [al.E) dos Factos Assentes];

F. – A 14 de Março de 1996 o R. declarou “que para todos os efeitos legais, prorroga o arrendamento do dito monte a Mário Dias Lopes...pelo prazo de mais 6 (seis) anos, mantendo-se as condições do arrendamento inicial”. [al.F) dos Factos Assentes];

G. – Entendendo as partes que o prazo de prorrogação se referia à data da declaração. [al.G) dos Factos Assentes];

H. – Não houve qualquer denúncia até essa data, e não foi convencionado qualquer prazo de renovação. [al.H) dos Factos Assentes];

I. – Através de carta registada, datada de 18/1/2006, o aqui R. declarou proceder à denúncia do contrato de arrendamento para o final do contrato, solicitando que o arrendado fosse deixado “livre de pessoas e bens, até ao próximo dia 13 de Março de 2007”. [al.I) dos Factos Assentes];

J. – Sucede que tal denúncia foi julgada intempestiva e, por isso, inválida, por sentença proferida no processo nº 500/06.9 TBCTB, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco – cf. documento de fls. 26 a 43, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. [al.J) dos Factos Assentes];

L. – O R., através de carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Janeiro de 2009 declarou proceder à denúncia do contrato de arrendamento “atento o disposto no artigo 18º, nº 1, al. b) do Regime do Arrendamento Urbano, solicitando que o prédio fosse deixado “livre de pessoas e bens até ao próximo dia 13 de Março de 2012” – cf. carta de fls. 22 a 24, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. [al.L) dos Factos Assentes];

M. – A renda actual ascende a € 2.825,00. [resposta ao quesito 1º da Base Instrutória];

N. – O A. utiliza no exercício da actividade agrícola permanente e exclusivamente pessoal contratado. [resposta ao quesito 2º da Base Instrutória];

O. – Tendo actualmente a trabalhar para si um empregado a tempo integral na exploração instalada no prédio arrendado e num prédio contíguo denominado “ x (...) ”, exploração onde se dedica, designadamente, à criação de gado ovino. [resposta ao quesito 3º da Base Instrutória];

P. – Sendo que esse empregado efectua todos os trabalhos necessários ao funcionamento da exploração, designadamente, assegurando a alimentação, condução e ordenha do gado ovino, bem como a preparação da terra, lavra e sementeira. [resposta ao quesito 4º da Base Instrutória];

Q. – O A. limita-se a gerir essa exploração, providenciando a contratação de pessoal, efectuando a compra e venda de ovinos, a compra de rações, a venda dos borregos e leite produto da sua exploração; decidindo e efectuando os investimentos necessários à sua melhoria. [resposta ao quesito 5º da Base Instrutória];

R. – Sempre que necessário, o A. contrata ainda os serviços de outros trabalhadores para trabalhos específicos como a apanha de azeitona, a limpeza do olival, a limpeza das azinheiras ou a tiragem de estrume dos barracões. [resposta ao quesito 6º da Base Instrutória];

S. – O A. exerce a profissão de agricultor, desde há cerca de 30 anos. [resposta ao quesito 7º da Base Instrutória];

T. – Dedicando-se designadamente, à criação de gado ovino, sendo proprietário de uma exploração com cerca de 730 ovinos que funciona no prédio arrendado em conjunto com um prédio designado por “ x (...) ”. [resposta ao quesito 8º da Base Instrutória];

U. – O prédio arrendado, juntamente com o prédio denominado por “ x (...) ”, são os únicos prédios de que o A. dispõe para efectuar a sua exploração. [resposta ao quesito 9º da Base Instrutória];

V. – Exploração que funciona em ambos os prédios, com características diferentes e funções complementares. [resposta ao quesito 10º da Base Instrutória];

W. – O prédio contíguo tem 256 ha. [resposta ao quesito 11º da Base Instrutória];

X. – No prédio contíguo, denominado “ x (...) ”, encontram-se as infra-estruturas (casa de pessoal, ordenha e barracões) imprescindíveis à exploração. [resposta ao quesito 12º da Base Instrutória];

Y. – O prédio arrendado está povoado de sobreiros, tem bolota, necessária à alimentação do gado, sobretudo durante o Outono e Inverno, quando as pastagens começam a escassear. [resposta ao quesito 14º da Base Instrutória];

Z. – A exploração tem custos fixos de manutenção, designadamente com pessoal e infra-estruturas. [resposta ao quesito 15º da Base Instrutória];

AA. – A área do prédio contíguo é insuficiente para a exploração de cerca de 1.000 cabeças de gado ovino. [resposta ao quesito 16º da Base Instrutória];

AB. – O A. tem vindo a exercer de forma constante a sobredita actividade, não exercendo qualquer outra actividade remunerada por conta própria ou de outrem. [resposta ao quesito 17º da Base Instrutória];

AC. – Não é viável proceder ao transporte do gado. [resposta ao quesito 19º da Base Instrutória];

AD. – O A. recebe, em média, anualmente, de ajudas à actividade que pratica (subsídios de gado e de culturas e às medidas agro-ambientais), aproximadamente € 55.792,91. [resposta ao quesito 21º da Base Instrutória];

AE. – Designadamente, recebe ajuda ao rendimento, sob o título de Regime de Pagamento Único (RPU), de acordo com o seu histórico de exploração de terras, retirada de terras, olival e ovinos, cerca de € 31.000,00 anuais. [resposta ao quesito 22º da Base Instrutória];

AF. – O A. recebe ao abrigo do Programa Proder, Medidas Agro-ambientais, Protecção

Integrada cerca de € 15.000,00. [resposta ao quesito 23º da Base Instrutória];

AG. – E recebe ajudas a título de Medidas de Zonas Desfavorecidas (MZD´s), anteriormente denominadas indemnizações compensatórias (IC´s), destinadas a compensar as explorações em zonas desfavorecidas, de cerca de € 2.800,00 anuais. [resposta ao quesito 24º da Base Instrutória];

AH. – Os subsídios que advêm do RPU, do PRODER (com excepção do RQL) e o das MZD´s, dependem do cumprimento dos requisitos de atribuição (manutenção da exploração nos termos indicados na candidatura) durante todo o período da candidatura. [resposta ao quesito 26º da Base Instrutória];

AI. – O incumprimento dos requisitos legais, quanto aos subsídios PRODER (ASA) e Medidas de Zonas Desfavorecidas, obriga o A. a reembolsar o IFAP, IP. [resposta ao quesito 27º da Base Instrutória];

AJ. – Em Dezembro de 2007, o A. procedeu à vedação de todo o perímetro do prédio arrendado com rede ovelheira, criando ainda três parqueamentos no seu interior mediante vedação também com rede ovelheira. [resposta ao quesito 28º da Base Instrutória];

AL. – Tendo sido instalado no prédio arrendado o total de 7176 metros de rede ovelheira, com o qual o A. despendeu a quantia de € 19.102,51. [resposta ao quesito 29º da Base Instrutória];

AM. – Vedação de rede ovelheira essa que foi instalada apoiada em estacas de madeira tratada, inseridas no solo, a qual tem também arame farpado no seu topo. [resposta ao quesito 30º da Base Instrutória];

AN. – A vedação da propriedade arrendada bem como a referida criação de parqueamentos internos era necessária a uma gestão eficiente da exploração do A., permitindo ao A. dispensar mão-de-obra na exploração, concretamente, no pastoreio dos animais. [resposta ao quesito 31º da Base Instrutória];

AO. – A vedação e construção dos parqueamentos garantiu a constrição dos animais àquele espaço, permitindo um mais fácil pastoreio dos mesmos, sem recurso a mão-de-obra permanente. [resposta ao quesito 32º da Base Instrutória];

AP. – A maior parte da vedação delimita os limites do prédio e garante a integridade do

próprio prédio, impedindo a entrada de pessoas e animais alheios e protegendo todos os bens aí existentes. [resposta ao quesito 33º da Base Instrutória];

AR. – A vedação não pode ser retirada do local sem a sua destruição e detrimento do prédio. [resposta ao quesito 34º da Base Instrutória];

AS. – Consta da cláusula 6.ª do referido acordo:

“ Mais acordam os outorgantes deste instrumento que as oliveiras, terras e outros frutos pertencentes da propriedade serão fruídos em exclusivo pelo arrendatário, pertencendo a cortiça ao senhorio.” [acordo de fls. 16 e 17, referenciado no ponto A. supra].

                                                                       *

3.2 – O Autor/recorrente sustenta ter ocorrido incorrecta valoração da prova produzida, que levou ao incorrecto julgamento dos quesitos 13º, 15º (parte final), 17º (em parte), 18º, 20º, 26º (parte final) e 27º (parte final), que deviam ter tido resposta de “provado” em vez da que lhes foi dada, de “não provado”:

(…)

Deste modo, acolhendo-se nesta precisa medida a pretensão do Autor/recorrente, isto é, em termos de resposta positiva restritiva ao dito quesito 13º, decide-se alterar a resposta dada ao mesmo – em decorrência do que passará a constar dos factos alinhados na sentença um novo facto, que se numera como “X1” com a correspondente redacção – isto é, pela seguinte forma:

X1 – Pela área total e condições naturais do prédio arrendado referidas no quesito 14º, o pastoreio e alimentação do número de ovinos referido na resposta ao quesito 8º encontra-se normalmente assegurado. [nova resposta ao quesito 13º da Base Instrutória]”.

                                                           *

(…)

Em todo o caso, por fidelidade ao que está positivamente apurado nos autos, entende-se reformular a resposta a este quesito 15º, em decorrência do que o facto “Z.” passará a ter um novo teor, a saber:

Z. – A exploração tem custos fixos de manutenção, designadamente com pessoal e infra-estruturas, sendo rentável pelo menos com o número de ovinos referido na resposta ao quesito 8º. [nova resposta ao quesito 15º da Base Instrutória]”.                                                   *

(…)

Deste modo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo, mormente o documento/“informação” junta aos autos pelo Ministério da Agricultura/IFAP de fls. 131 a 146 (com respectivas listagens de pagamentos), e porque se entende que da sua conjugação e devida ponderação se impõe a revaloração correspondente, para além da clarificação do sentido das respostas (cf. art. 712º, nº1, als. a) e b) e nº2 do C.P.Civil), entende-se corrigir a resposta dada a estes quesitos – com alteração correspondente do factos “AH.” e “AI.” supra alinhados – os quais passarão a ter o seguinte teor:

AH. – Os subsídios que advêm do RPU, do PRODER (com excepção do RQL) e o das MZD´s, dependem do cumprimento dos requisitos de atribuição (manutenção da exploração nos termos indicados na candidatura) durante todo o período da candidatura, o qual é variável consoante cada um dos subsídios, sendo que o RPU é de candidatura anual e o A. candidatou-se pela última vez em 2011; do PRODER, o A. apresentou candidatura às medidas agro-ambientais (ASA) por um período obrigatório de 5 anos, com início de 2008 a 2012, mas tendo-o em 2010 aumentado até 2014; quanto às MZD’s, sendo o período de candidatura obrigatório de 5 anos, o A. apresentou a sua com início em 2008 e até 2012. [(nova) resposta ao quesito 26º da Base Instrutória];

AI. – O incumprimento dos requisitos legais, quanto aos subsídios PRODER (ASA) e Medidas de Zonas Desfavorecidas, obriga o A. a reembolsar o IFAP, IP., sendo que consoante foi feita a candidatura, no que respeita aos primeiros devolve desde 2010, e no que respeita aos segundos devolve desde 2008. [(nova) resposta ao quesito 27º da Base Instrutória].

            Nesta parte procedeu, então, nos precisos termos vindos de explicitar, a impugnação do Autor/recorrente.

                                                                       *

(…)

Assim, por se mostrar excessiva a decisão do quesito 34º quanto à parte em que o mesmo contém matéria de direito, ao abrigo do disposto no art. 646º, nº4 do C.P.Civil, decide-se rectificar a resposta dada ao mesmo, considerando como não escrito o dito segmento final dessa resposta, em decorrência do que passará o facto “AR.” dos factos alinhados na sentença a ter a correspondente nova redacção, a saber, pela seguinte forma:

AR. – A vedação não pode ser retirada do local sem a sua destruição. [(nova) resposta ao quesito 34º da Base Instrutória].”

                                                                       *

3.3 – O Autor/recorrente pugna igualmente pela ampliação da matéria de facto com factos complementares ou concretizadores que resultaram da instrução e discussão da causa:

Entendemos que – e releve-se o juízo antecipativo! – o faz com total desacerto.

É que muito expressa e claramente resulta do disposto no art. 264º nº3 do C.P.Civil que para tanto é necessário que, durante a instrução e decisão da causa, “a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”

Tal significa, obviamente e desde logo, que não é possível ao Autor/recorrente, que se manteve silente na audiência de julgamento, vir agora em sede de recurso colocar uma tal questão…  

Isto independentemente de quanto a nós ser até questionável que os referidos pelo Autor/Recorrente constituam factos “complementares” ou “concretizadores” a esta luz…

Antes o que resulta é que com o primeiro dos “factos” cujo aditamento reclama, o mesmo pretendia uma nova oportunidade para provar aquilo que já constava da Base Instrutória elaborada sob designadamente o quesito 13º (ao qual tendo sido dada resposta integralmente negativa, foi por nós determinado supra uma reformulação da resposta!), isto sem embargo de a nova redacção proposta (“A perda do prédio arrendado impedirá o A. de exercer a sua actividade de agricultor?”) corresponder a um juízo basicamente “conclusivo, donde e só por isso dever tal ser recusado.

Já quanto aos dois demais “factos” cujo aditamento reclama (“Qual o impacto da afectação que a redução de rendimentos pela perda do locado lhe provocará”; “Qual o concreto prejuízo do A. que acarretaria a perda do prédio arrendado”), estaríamos perante a formulação de juízos hipotéticos ou especulativos, tendo em vista em qualquer caso “conclusões” a retirar de outros singulares factos concretos, donde por isso dever tal ser recusado.

Termos em que improcede também este fundamento recursório aduzido pelo Autor/recorrente como fundamento para a procedência do recurso.

                                                           *         

            4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1– Cumpre agora entrar na apreciação da questão igualmente supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido erro de julgamento, particularmente do disposto no art. 19º, nº1 da L.A.R., devendo obstar-se à efectivação da denúncia por ter resultado provado pelo Autor que o despejo põe em risco sério a sua subsistência económica e do seu agregado familiar:

Cremos que a resposta a esta questão se constitui como linear e inabalável.

É que tendo sido no essencial improcedente a impugnação da matéria de facto pretendida pelo Autor/recorrente que se encontrava relacionada com o invocado à luz deste normativo, não vemos como possa dar-se acolhimento ao recurso do mesmo em termos de fundamentação de direito da sentença recorrida.

De facto, competia-lhe a ele a prova dos fundamentos de procedência da acção (cf. art. 342º, nº1 do C.Civil), sendo que não tendo o mesmo logrado a correspondente prova – e desde logo que a “subsistência económica” do casal formado pelo mesmo e mulher dependesse do rendimento da exploração agro-pecuária ajuizada! – soçobra fatalmente a pretensão que deduziu.

Antes e ao invés, resultou provado o inverso – já supra aludido – a saber, que o casal formado pelo Autor/recorrente e mulher dispunha igualmente de rendimentos de pensões e rendas prediais (sendo que estas eram até superiores ao “lucro” apurado da ajuizada exploração agro-pecuária!), asserção esta que aqui e agora cumpre sublinhar.

Acresce até que – como bem se enfatiza nas contra-alegações – ao dispor o casal formado pelo Autor/recorrente e mulher, só por via dos rendimentos prediais e pensões, de um rendimento mensal de cerca de € 1.400,00, obviamente que a “subsistência económica” dos mesmos nunca se poderia considerar dependente do que fosse auferido da exploração agro-pecuária.[1]

Ora, tem sido entendimento jurisprudencial pacífico o de que “O risco da subsistência económica do arrendatário rural, como fundamento de oposição à denúncia do arrendamento, verifica-se quando, por efeito da denúncia, diminuirem sensivelmente os proventos do arrendatário e essa diminuíção não puder ser compensada com novo arrendamento a terceiros ou com recurso a actividade remunerada.[2]

Sem embargo, já foi igualmente sustentado que “Em termos de oposição à denúncia, para se poder concluir que a subsistência económica de uma pessoa é posta em risco pela cessação do arrendamento não basta a demonstração de que tal cessação importa uma qualquer perda de rendimentos. É necessário provar que a perda do locado, só por si, coloca o arrendatário na impossibilidade de satisfazer as necessidades primárias da existência, degradando significativamente o seu trem de vida.[3]   

E nem se argumente que da nova resposta ao quesito 13º determinada nesta sede, a saber, “Pela área total e condições naturais do prédio arrendado referidas no quesito 14º, o pastoreio e alimentação do número de ovinos referido na resposta ao quesito 8º encontra-se normalmente assegurado”, deriva uma conclusão de sinal contrário.

É que o que resulta deste facto é a relevância actual do prédio arrendado para a exploração tal como estruturada pelo Autor/recorrente no presente, não que a “subsistência económica” do casal formado pelo mesmo e mulher dependa do rendimento da exploração agro-pecuária ajuizada, ou que esta última fique inviabilizada “ipso facto” e “tout court” sem o prédio arrendado!

Enfim, tudo para dizer que nem com a alteração das respostas aos quesitos que o Autor/recorrente impetrou nesta sede recursória, lograria o mesmo tutela para a sua pretensão de oposição à denúncia do arrendamento que o Réu operou.

Assim improcede sem necessidade de maiores considerações este concreto ponto das alegações recursórias do Autor/recorrente.

                                                           *

 4.2– Cumpre agora proceder ao outro ponto dessas alegações interligado com este, qual seja, o de que lhe resultaria uma situação dificultosa (leia-se a sua “subsistência económica”) a concretizar-se a devolução ao IFAP de subsídios vultuosos que deste recebeu:

Acontece que em primeiro lugar temos desde logo que, face à factualidade apurada, os subsídios efectivamente a devolver não são nem do número nem da ordem de grandeza que o mesmo invocou: à data da prolação da sentença de 1ª instância[4], nada há a considerar em termos de RPU, pois que este é de candidatura anual e o A. candidatou-se pela última vez em 2011; em termos de subsídios do PRODER, na medida em que o A. apresentou candidatura às medidas agro-ambientais (ASA) por um período obrigatório de 5 anos, com início de 2008 a 2012, mas tendo-o em 2010 aumentado até 2014, apenas estaria em causa um eventual incumprimento quanto aos anos de 2010 a 2014, sendo certo que o montante em causa é sempre inferior a € 15.000,00; quanto às MZD’s, também nada há a considerar, pois que sendo o período de candidatura obrigatório de 5 anos, o A. apresentou a sua com início em 2008 e perdurou até 2012. (cf. factos “AF.”, “AH.” e “AI.”)

Também quanto a nós, ao não ter alegado o Autor/recorrente nem resultar provado o nível das sua capacidades económico-financeiras (designadamente que não dispunha de quaisquer poupanças/economias, que não tinha capacidade de contrair um empréstimo para fazer face à invocada devolução, etc.), não vemos como possa ser sustentado que derivava um risco para a sua “subsistência económica” com ter que devolver um montante nunca superior a € 15.000,00!

Depois, quanto a nós esta via de argumentação sempre configuraria um “abuso do direito” pelo Autor, na medida em que assumiu compromissos perante esta entidade quando já sabia da pretensão de denúncia do contrato de arrendamento rural por parte do Réu.

Na verdade, o Réu intentou uma 1ª denúncia em 2006 e a ora ajuizada foi comunicada em Janeiro de 2009 (cf. factos “I.” e “L.”), pelo que o Autor/recorrente estando ciente da probabilidade de procedência dessa denúncia, devia ter ponderado o risco que corria de, vendo-se constrangido à devolução dos subsídios a que entendeu candidatar-se, se as suas condições económico-financeiras lhe permitiriam tal…, sendo que se não as tinha devia naturalmente ter-se abstido de tais candidaturas.

Tal linha de entendimento corresponde, no fundo, à tutela que importa dar à boa fé como regra de conduta, o que tem plena aplicação nos casos de “actuação de posições jurídicas indevidamente obtidas”, a saber, impõe-se “que quem tenha firmado um direito, formalmente correcto, numa situação jusmaterial que não corresponda à querida pela ordem jurídica não possa, em consequência disso, exercer a sua posição de modo incólume.[5]

Contudo, no caso vertente, o Autor/recorrente nem logrou provar que ficaria em risco sério a sua “subsistência económica”, isto é, que se encontraria numa posição real e efectiva de tal, a concretizar-se a devolução de subsídios ao IFAP, IP.

Improcede, assim, sem necessidade de maiores considerações, também este argumento recursivo.

                                                           *

4.3– Importa finalmente apreciar o sustentado em via subsidiária na alegações recursórias do Autor/recorrente, a saber, o direito de indemnização pelo valor das benfeitorias que realizou, por deverem ser qualificadas como “necessárias”, ou, no limite e em último caso, a título de “enriquecimento sem causa”:

Entendeu-se na sentença recorrida que as despesas realizadas pelo Autor/recorrente (vedação de todo o perímetro do prédio arrendado com rede ovelheira, criando ainda 3 parqueamentos no seu interior, instalando assim um total de 7176 metros, no que despendeu a quantia de € 19.102,51 – cf. factos  “AJ.” e “AL.”), deviam ser qualificadas como [benfeitorias] “úteis”, mas como não haviam sido autorizadas (consentimento escrito por parte do senhorio) nem existiu um processo administrativo para suprir essa falta de autorização, à luz do art. 14º, nº1 da L.A.R. não podia ser reclamado o seu valor, ademais, porque não podia o ora Autor/recorrente ter feito tais benfeitorias, as mesmas eram “ilícitas”, impedindo a lei (L.A.R.) ao mesmo o exercício do direito de reclamar qualquer indemnização, acrescendo ainda que o Autor/recorrente não havia provado que não pudesse levantar a benfeitoria em virtude desse levantamento causar prejuízo ao prédio  (cf. art. 1273º, nº1, “in fine” do C.Civil).

Concordamos inteiramente com tal linha de decisão, tanto mais que, neste último particular, é agora insofismável que o Autor/recorrente pode efectuar o levantamento da vedação sem qualquer detrimento para o prédio.[6]

Sendo, quanto a nós, esta a solução que na circunstância lhe assiste!

Esta mesma linha de entendimento foi sustentada no Acórdão do STJ de 15.01.2002, no proc nº 01A2834[7], cujo sumário se transcreve:

«1. O DL 385/88, de 25 de Outubro, limitou o poder de o arrendatário alterar, segundo o seu juízo, o aproveitamento do solo dos prédios arrendados.

2. Essa alteração só pode ser feita com o consentimento escrito ou a autorização dos serviços, mediante um processo contraditório.

3. As benfeitorias não autorizadas, ainda que úteis, são ilícitas.

4. O DL 385/88 não contempla as benfeitorias nos casos de cessação por denúncia no termo do contrato e de resolução por iniciativa do arrendatário.

5. Nestes dois últimos casos, não há lugar a indemnização, pois, não sendo consentidas as benfeitorias são ilícitas; sendo consentidas, o arrendatário tinha a possibilidade de rentabilizar os investimentos no prazo de vigência do contrato, ou não as devia ter efectuado, se não tivesse tempo previsível para tal rentabilização.»  

De igual forma e no mesmo sentido se pronunciam, em geral, J.ARAGÃO SEIA/MANUEL DA COSTA CALVÃO, no seu “Arrendamento Rural Anotado”[8], em anotação ao art. 15º do citado DL nº 385/88 de 25 de Outubro.

Por outro lado, quanto ao entendimento de que o arrendatário não pode reclamar o valor das benfeitorias porquanto as mesmas, embora sendo úteis, foram realizadas sem o consentimento escrito (ou outro) do senhorio e sem o processo administrativo para suprir essa falta de autorização, cremos que tal corresponde a linha jurisprudencial pacífica.[9]

Porventura por reconhecer o acerto de todo esse entendimento perfilhado na sentença recorrida é que – tanto quanto nos é dado compreender – o Autor/recorrente intenta obter tutela para esta pretensão indemnizatória no quadro da qualificação das benfeitorias em causa como sendo “necessárias”.

Mas com total desacerto o faz!

O art. 216º do C.Civil define o conceito de “benfeitorias” e procede à sua classificação. No nº 1 estabelece que se consideram benfeitorias “todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”. No nº 2 refere que as mesmas podem ser “necessárias, úteis ou voluptuárias”. E no nº 3 classifica-as do seguinte modo: são benfeitorias necessárias “as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa”; são úteisas que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor”; e são voluptuáriasas que não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.

Donde, em sentido jurídico, “benfeitorias” são os melhoramentos feitos em coisas por pessoas a elas ligados por alguma relação jurídica, resultante, por exemplo, de locação, comodato ou posse, só sendo de considerar necessárias as despesas imprescindíveis para a sua conservação à luz de critérios objectivos de normalidade e de razoabilidade[10], ao passo que benfeitorias úteis serão as despesas não imprescindíveis para a sua conservação mas idóneas ao aumento do respectivo valor; as demais são voluptuárias.[11]

Ora se assim é, em que medida é que se pode legitimamente afirmar que a rede ovelheira em causa se configura como indispensável para a conservação do prédio arrendado?

Não vislumbramos que o seja à luz do critério referenciado, nem de qualquer outro…

Concluindo como estamos a concluir, desta forma, pela não ressarcimento das invocadas benfeitorias no quadro dos normativos legais atinentes a esse instituto jurídico, resta apreciar e decidir se esse ressarcimento pode ter lugar no quadro do instituto jurídico do “enriquecimento sem causa”, como no limite e em último recurso reclama o Autor/recorrente.

Também neste particular se entendeu negativamente na sentença recorrida, aduzindo-se para tanto decisivamente a seguinte argumentação:

«Requereu ainda que não se admitindo a condenação pelas benfeitorias realizadas no prédio arrendado, fosse o R. condenado, no valor das mesmas, a título de enriquecimento sem causa.

O enriquecimento sem causa encontra-se regulado nos artºs 473º e ss. do CC e depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a. existência de um enriquecimento;b. que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique – ou porque nunca a houve, ou porque, entretanto, desapareceu; c. que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; d. que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.

Impondo a lei determinados pressupostos para que realizada a benfeitoria útil, quem a fez, tenha direito a ser indemnizado, considera-se não se pode contrariar a disposição legal com o apelo ao instituto do enriquecimento sem causa. Basta considerar que, se a lei nega a restituição, não se pode lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa – art. 474º do CC.

No caso, existiu uma causa para o enriquecimento do R. – a realização das benfeitorias úteis –, estabelecendo-se na lei – v.g., no artº 14º, nº 1 do DL nº 385/88 – os requisitos que conferem o direito de indemnização a quem a realizou. Sucede que o A. não logrou demonstrar estarem reunidos esses requisitos que lhe confeririam o direito a ser indemnizado por essas benfeitorias, pelo que, atento o respectivo carácter subsidiário – art. 474º do CC – não se está perante uma situação em que seja permitida a convocação do instituto do enriquecimento sem causa.»

Não podíamos estar mais de acordo.
Na verdade, também em nosso entender o “punctum saliens” para a dilucidação desta questão está no requisito da falta de causa do pretenso enriquecimento.
É que não basta para o reconhecimento do direito de crédito a prova de factos reveladores de um enriquecimento de um interessado e do correspectivo empobrecimento patrimonial do outro. Necessária é ainda a prova de factos que, como elemento constitutivo do direito, revelem a ausência de causa justificativa para uma tal transferência patrimonial.

Ora, no caso vertente, a lei regulamentou o regime aplicável às “benfeitorias úteis” para um caso como o ajuizado, pelo que, se o aqui Autor/recorrente não logrou provar os pressupostos que a lei estabelece para o efeito – desde logo o de que sendo benfeitorias “lícitas”, havia detrimento para o prédio com o respectivo levantamento – não pode recorrer ao instituto de enriquecimento sem causa, na medida em que este reveste uma natureza “subsidiária”, o que tem o significado de que não constitui um último recurso por frustração das regras do ónus da prova.

Pois que não sofre dúvidas a subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, de tal modo que dele apenas pode ser feito uso se acaso não houver instituto diverso que especificamente regule a situação (art. 474º do C.Civil), sendo que no caso vertente e como decorre das anteriores considerações, o aqui Autor/recorrente encontra no ordenamento jurídico expressa consagração para a sua situação, a saber, pode sempre levantar as benfeitorias úteis que fez, ainda que ilícitas, pois que isso é possível sem detrimento do prédio (cf. art. 1273º, nº1 do C.Civil).

Por esta via e neste enquadramento, a regulação do conflito de interesses encontra-se salvaguardada e tutelada, sem necessidade de recorrer a um instituto de natureza “subsidiária”.

Improcede, assim, fatalmente o recurso do Autor/recorrente. 

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Em termos de oposição à denúncia [cf. art. 19º, nº1 do DL nº385/88 de 25 de Outubro (L.A.R.)] para se poder concluir que a subsistência económica de uma pessoa é posta em risco pela cessação do arrendamento não basta a demonstração de que tal cessação importa uma qualquer perda de rendimentos; é necessário provar que a perda do locado, só por si, coloca o arrendatário na impossibilidade de satisfazer as necessidades primárias da existência, degradando significativamente o seu trem de vida.

II – Quanto às benfeitorias úteis feitas pelo arrendatário, tem de aplicar-se o regime geral (resultante do art. 1273º do C.Civil), com a modificação que resulta do art. 14º do DL nº385/88 de 25 de Outubro (L.A.R.)

III – Pois que o dito DL nº385/88 de 25 de Outubro (L.A.R.) não contempla as benfeitorias nos casos de cessação por denúncia no termo do contrato e de resolução por iniciativa do arrendatário: nestes dois últimos casos, não há lugar a indemnização, pois, não sendo consentidas as benfeitorias são ilícitas.

IV – E em matéria de indemnização por benfeitorias só tem cabimento pretensão com base em enriquecimento sem causa relativamente a benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa (cf. art. 1273º, nº1 do C.Civil), obviamente desde que se trate de benfeitorias consentidas ou feitas de acordo com o plano, pois que, caso contrário, nenhuma indemnização pode ser exigida pelo arrendatário, porque as não podia ter efectuado.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

            Custas em ambas as instâncias pelo Autor/recorrente.

           

                                                 Luís Filipe Cravo ( Relator )

                                                 Maria José Guerra

                                                 Albertina Pedroso


[1] Sobretudo quando é certo não ter sido alegado em concreto o nível de despesas e encargos dos mesmos…
[2] Assim no Ac. do T.R. de Coimbra de 13-03-1997, no proc. nº 9631371, acessível em  www.dgsi.pt/jtrp; idem no Ac. do T.R. de Lisboa de 04-10-2007, no proc. nº 6335/2007-6, acessível em  www.dgsi.pt/jtrl.
[3] Assim no Acs. do T.R.Lisboa de 1-07-1993 (proc. nº0067122), no de 1-04-2008 (proc. nº1103/2008-1), e no de 26-03-2009 (proc. nº 18/04.4TBVPV.L1-6), todos acessíveis em  www.dgsi.pt/jtrl.
[4] Isto é, o final do ano de 2012 (12.12.2012), enquanto sendo o ano do “encerramento da discussão”, cf. o art. 663º, nº1 do C.P.Civil.
[5] Citámos A. MENEZES CORDEIRO, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção TESES, Livª Almedina, 3ª reimpressão, 2007, a págs. 851, no capítulo em que aprofunda a temática do “abuso do direito”, com expressão naquela figura típica que a doutrina tem designado por “tu quoque”!
[6] Estamos agora a reportar-nos à alteração supra efectuada à redacção da resposta ao quesito 34º (cf. facto “AR.”, nova redacção).
[7] Acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[8] Livª Almedina, Coimbra, 1989, a págs. 63-64.
[9] Cf., inter alia, o Ac. do T.R. de Lisboa de 04-10-2007, no proc. nº 6335/2007-6, acessível em  www.dgsi.pt/jtrl, já supra citado na nota [6].
[10] Ou à luz de um critério de normal e cuidada gestão presumida do seu dono na definição também feita pelo Ac. do S.T.J. de 28.05.1986, in BMJ nº 357, a págs. 440. 
[11] cfr. VAZ SERRA, in RLJ 106º-109 e Acs. do STJ de 09.02.2006 e de 06.05.2008, in www.dgsi.pt/jstj.