Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
560/09.0TAVNF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
CHEQUE

COMUNICAÇÃO
BANCO
EXTRAVIO
Data do Acordão: 04/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 256º Nº 1 D) CP
Sumário: O arguido que comunica ao banco sacado o extravio de cheque pré-datado, que entregou a terceiro para pagamento de mercadorias que lhe forneceu, sabendo que tal declaração não correspondia à verdade, pratica o crime de falsificação de documento, p. p. pelo artº 256° nº 1 d) CP.
Decisão Texto Integral: A assistente ”A...” não se conformando com o despacho de não pronúncia do arguido B..., vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
1ª Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls .... , que não pronunciou o arguido B... pelo crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256° n.º 1 alínea d) do Código Penal que lhe foi imputado pela assistente, aqui recorrente.
2ª No douto despacho recorrido não se faz qualquer indicação dos factos que o tribunal entendeu julgar provados e não provados ainda que sinteticamente, ficando-se sem saber quais os factos alegados pelo assistente nos art°s 21 ° a 30° do seu requerimento de abertura da instrução que o Tribunal considerou como indiciariamente provados ou não provados.
3ª Tal omissão de pronuncia consubstancia a nulidade prevista nos artigos 308° nº 1 e 2 com referência ao art° 283° nº 2 e 3 al. b) do Código de Processo Penal, ou quando assim não se entenda, a nulidade prevista no art° 379° nº 1 al. a) com referência do art.º 374° n.º 2 do Código de Processo Penal, este no que respeita à enumeração dos factos provados e não provados, ou sem prescindir, configuraria um caso de insuficiência para a decisão da matéria de facto, nos termos da alínea a) do n. ° 2 do art. ° 410° do Código de Processo Penal.
4ª Por outro lado, no despacho recorrido não se fez qualquer exame crítico das provas, pelo que desse despacho não se consegue extrair qualquer relação entre os factos constantes do requerimento de abertura da instrução e submetidos à sindicância do julgador, os depoimentos das testemunhas e os documentos juntos aos autos sendo que a omissão do exame crítico da prova determina a nulidade da mesma nos termos do disposto nos art.º 374° n.º 2 e art.º 379° nº 1 al. a) do Código de Processo Penal.
5ª Ainda que não se entenda que a omissão na decisão recorrida dos factos provados e não provados e a omissão do exame critico da prova, não constituem nulidade do despacho de não pronúncia por violação dos arts. 308° n.º 1 e 2, 283° n° 3 b), 374° nº 2 e 379° nº 1 a) do Código de Processo Penal, sempre a descrita omissão constituiria irregularidade cognoscível oficiosamente em recurso, nos termos do art. 123° n° 1 e 2 do Código de Processo Penal.
6ª A interpretação que se extraia do vertido nos arts. 308° n.º 1 e 2, 283° nº 2 e 3 b), 123° nº1, 97° nºs, 374° nº 2 e 379° nº 1 a) do Código de Processo Penal, no sentido de que a omissão dos factos indiciariamente provados e não provados e do exame crítico das provas produzidas no despacho de não pronúncia subsequente a um despacho de arquivamento do Ministério Público não constitui nulidade ou irregularidade arguível em recurso dessa decisão, é inconstitucional por violação dos princípios do Acesso ao Direito, da Tutela Jurisdicional Efectiva e da fundamentação das decisões judiciais nos termos dos arts. 20° nº 1 e 4 e 205° nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
7ª Deve ser pronunciado pela prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256° n.º 1 alínea d) do Código Penal o arguido, titular de uma conta bancária, que falsamente declara ao banco o extravio de um cheque sacado sobre esse conta, com a intenção de, posteriormente, oferecer esse cheque para garantia de pagamento causando com essa conduta prejuízo patrimonial a terceiro, dado que entendimento diferente contraria nitidamente o pensamento do legislador, limite inultrapassável pelo intérprete.
8ª Em primeiro lugar, atente-se que o acórdão fixação de jurisprudência n.º 9/2008 publicado no Diário da República, I Série, n.º 208 de 27 de Outubro que fixou jurisprudência apenas nos diz que: "Verificados que sejam todos os restantes elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo do ilícito, integra o crime de emissão de cheque sem provisão previsto na alínea b) do n.º 1 o artigo 11º do Decreto-lei n.º 459/91 de 28 de Dezembro na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 316/97 de 19 de Novembro, a conduta de um sacador de um cheque que, após a emissão deste, falsamente comunica ao banco sacado que o cheque se extraviou, assim o determinando a recusar o seu pagamento com esse fundamento "
9ª Assim, desde já resulta que caso não estejam verificados todos os restantes elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo do ilícito, (como é o caso dos autos dado que o cheque a que se alude é pós datado e foi entregue como garantia de pagamento), não se pode aplicar esta jurisprudência, ou pelo menos ter-se a mesma como obrigatória.
10ª Em segundo lugar, cumpre a analisar o Decreto-lei n.º 459/91 de 28 de Dezembro na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 316/97 de 19 de Novembro, redacção esta que excluiu a punição do crime de cheque sem provisão em diversas situações.
11ª Justificou o legislador tal opção no preâmbulo do Decreto-lei n.º 316/97 de 19 de Novembro dizendo que: "O âmbito da incriminação (artigo 11) é restringido por uma parte e ampliado por outra. Restringido na medida em que deixa de ser tutelado penalmente o cheque que não se destine ao pagamento
imediato de quantia superior a 12 500$ - actualizando-se assim o valor constante do artigo 8 - ou porque mero instrumento de garantia ou porque emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador. Pretende-se excluir da tutela penal os denominados cheques de garantia, os pós datados e todos os que não se destinem ao pagamento imediato de uma obrigação subjacente." ­
12ª Resulta assim que o legislador expressamente diz ao interprete que exclui da punição no âmbito do regime jurídico do cheque sem provisão os casos em que:
1 ° O cheque seja de montante inferior a 12 500$;
2° O cheque tenha sido entregue como garantia de pagamento;
3° O cheque seja pós-datado.
13ª Ora, os termos claros em que o legislador se exprimiu não podem ser denegridos e torneados pelo intérprete, pelo que se o cheque tiver sido entregue como garantia de pagamento, (como se deve ter como provado nestes autos e foi confessado pelo arguido), foi o próprio legislador que exclui, à priori, a sua punição ao abrigo do regime jurídico do cheque sem provisão na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 316/97 de 19 de Novembro.
14ª Assim, torna-se desde logo desnecessário falar da integração da falsa declaração de extravio na prática do crime de cheque sem provisão, nos casos em que este foi entregue como meio de garantia, seja este pós-datado, ou não
15ª Em terceiro lugar, e assente que está que o cheque entregue como garantia de pagamento nunca poderá ser criminalizado ao abrigo do regime jurídico do cheque sem provisão, subsiste e autonomiza-se o crime meio, ou seja, a falsificação de documento pelo qual se obstou ao pagamento do cheque.
16ª É verdade que a autonomia deste crime meio deixa de existir caso o meio e resultado estejam já previstos numa única norma punitiva, tal como é o caso da punição pelo crime de cheque sem provisão, uma vez que as diversas situações típicas incluídas na alínea b) do artigo 11º do regime jurídico do cheque sem provisão prevêem os casos em que alguém, tendo entregue um cheque para pagamento imediato de uma obrigação subjacente à emissão do cheque, obstou ao pagamento deste por qualquer uma das formas aí previstas.
17ª Nesta situação, o legislador optou por criminalizar toda a conduta num único preceito legal, dado que todas as condutas advirão, no máximo, em apenas um prejuízo para o lesado, (o não pagamento da quantia titulada pelo cheque) independentemente do meio utilizado para obstar ao pagamento do cheque.
18ª Questão diferente prende-se quando alguém entrega um cheque para garantia de pagamento, (o que desde logo exclui a condenação pela da prática do crime de emissão de cheque sem provisão), mas consegue obstar ao pagamento desse cheque através de uma falsa declaração de extravio, dado que, assim, o crime meio, ou seja, a falsificação do documento, foi a forma pela qual se conseguiu obstar ao pagamento do cheque, ou seja, a forma pela qual se perpetrou o prejuízo na esfera patrimonial de alguém.
19ª A diferença reside então na análise de um cheque atendendo à sua função garantia em contraponto com a função pagamento.
20ª Na verdade, a função garantia de um cheque não pode ser superior, em termos penais, às demais garantias de pagamento previstas e reguladas na lei civil, razão pela qual, não pode ser condenado o sujeito que não consegue proceder ao bom pagamento das quantias devidas através das garantias por si anteriormente prestadas.
21ª Exemplificativamente, atente-se que o credor hipotecário pode não ser ressarcido, total ou parcialmente, pela hipoteca que garantia o seu crédito, mas nem por isso se fala ou discuta a sua punição a título penal, tudo se passando e se resolvendo no reino civilístico.
22ª Questão diferente é se o credor hipotecário não foi ressarcido, total ou parcialmente, por força da falsificação, pelo devedor, de uma declaração de distrate de hipoteca, questão que doutrina e jurisprudência não têm qualquer dúvida em condenar criminalmente e precisamente pela prática de um crime de falsificação de documento.
23ª Revertendo novamente para o regime jurídico do cheque sem provisão, não é punido criminalmente aquele que apesar de ter emitido um cheque pós datado para garantia de pagamento, não conseguiu na data do seu vencimento ter os fundos suficientes ao pagamento do mesmo sendo precisamente a função garantia que iliba o sacado de qualquer conduta criminal, nomeadamente no âmbito do regime jurídico) do cheque sem provisão.
24ª No entanto, deve ser punida a conduta daquele que, dolosamente, emite um documento falso como meio de obstar ao pagamento de uma quantia titulada por um cheque dado em garantia.
25ª Mas como o cheque dado em garantia não encontra previsão no regime jurídico do cheque sem provisão, somente resta e renasce o crime meio, o crime de falsificação de documentos o crime pelo qual, aliás, se perpetrou o prejuízo patrimonial na esfera de terceiro.
26ª E não se diga que tal entendimento é afastado pelos acórdãos deste Tribunal da Relação de Coimbra e pelo acórdão de fixação de jurisprudência citados na decisão recorrida.
27a Antes de mais deve sublinhar-se que o documento arguido de falso é o documento de fls. 46 e não o cheque em causa nos autos.
28a Ora, a configuração do crime de emissão de cheque sem provisão que emerge da descrição típica realizada no acórdão uniformizador n.º 9/2008, assume claramente o prejuízo patrimonial como elemento do tipo. Trata-se, por isso, de um crime de resultado ou de dano - neste sentido o supra referido acórdão de fixação de jurisprudência - o que quer dizer que para que se encontre preenchido o tipo legal do crime de emissão de cheque sem provisão, necessário se toma que exista um prejuízo efectivo para o ofendido.
29a Já quanto ao crime de falsificação de documento assim não acontece uma vez que o bem jurídico protegido com a incriminação é a verdade intrínseca do documento enquanto tal ou o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório. Trata-se de um crime de perigo abstracto, formal e de mera actividade, bastando para a consumação do crime de falsificação de documentos que o agente pretenda com a falsificação obter um benefício patrimonial ou provocar de um prejuízo de carácter patrimonial, ou seja, não é elemento típico do crime a consumação do prejuízo patrimonial, basta a mera intenção de o provocar.
30ª Ora, é aqui que reside a verdadeira destrinça entre o crime de emissão de cheque sem provisão, previsto no art° 11° n° 1 al. b) do DL 454/91 e o crime de falsificação de documento previsto no art° 256° nº 1 al. d) do Código Penal, quando cometido através de falsa declaração de extravio.
31ª É que, o preenchimento do tipo legal do primeiro crime não prescinde da consumação do prejuízo patrimonial; ao passo que para o preenchimento do tipo legal do segundo crime, a consumação do prejuízo patrimonial é indiferente, podendo, apenas, quando esta se der ser factor agravativo da pena.
32ª Assim, se o emitente do cheque declarar falsamente o seu extravio e o banco pagar na mesma o seu valor ao sacador não se encontra preenchido o tipo de crime de emissão de cheque sem provisão porque não há prejuízo patrimonial. 33a No entanto, o agente fez constar falsamente de documento facto juridicamente relevante com intenção de prejudicar patrimonialmente terceiro, o que apenas não aconteceu por circunstâncias alheias à sua vontade, pelo que este comete, neste caso concreto - como no caso dos autos -, o crime de falsificação de documento.
34ª Mais, ainda que assim não fosse de entender, e se considerasse, como se considera na decisão recorrida que os factos narrados no requerimento de abertura da instrução consubstanciam "em abstracto" um crime de emissão de cheque sem provisão, sempre teria de se dizer, subscrevendo aqui o que se diz no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/9/11, relatado por Jorge Jacob, publicado in www.dgsi.pt, que A alteração introduzida pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, no corpo do n° 1, do art. 256º do Código Penal, aponta para a punição autónoma do crime de falsificação quando cometido como instrumental de outro crime.
35ª É que, no caso previsto na al. b) do n° 1 do art° 11 ° do DL 454/91 o acto de declarar falsamente o extravio de um cheque é, em si, um acto de execução do crime, nos termos previstos no art° 22° nº 2 al. a) ou c) do Código Penal, que se consuma com a produção do dano ou resultado, ou seja, o prejuízo patrimonial.
36ª Assim, no caso supra referido em que o agente declara falsamente ao banco que o cheque se extraviou, mas o banco, apesar disso, paga o cheque, o agente incorreria no crime de emissão de cheque sem provisão na forma tentada que só seria punível, nos termos conjugados do art° 11° nº 1 e 2 do DL 454/91 e 23° nº 1 do Código Penal, se o valor do cheque fosse elevado e, como tal, o crime de emissão de cheque sem provisão fosse punido com pena até 5 anos de prisão efectiva.
37a Neste caso, o que o agente pretende é cometer o crime de emissão de cheque sem provisão e, portanto, causar o prejuízo patrimonial (que não se consuma), no entanto, este não deixa de cometer com dolo necessário, o crime de falsificação de documento, uma vez que, para que atinja o seu objectivo - o prejuízo patrimonial - este tem que, necessariamente, falsificar o documento.
38a Assim, ainda que se siga a tese propugnada pela decisão recorrida, sempre se havia de concluir pelo cometimento, por parte do arguido, ainda que ao nível indiciário, do crime de falsificação de documento previsto e punido pelo art° 256° nº1 al. d) do Código Penal.
39a O acórdão recorrido violou ou fez errada interpretação do disposto nos artigos 308° n.º 1 e 2, 283° n° 2 e 3 b), 123° nº 1, 97° nº 5, 374° nº 2 e 379° nº 1 a) do Código de Processo Penal, dos artigo 20° nº 1 e 4 e 205° nº 1 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 256° n.º 1 alínea d) do Código Penal e no artigo 11 ° n.º 1 alínea a) e b) do Decreto-lei n.º 454/91 de 28 de Dezembro na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 316/97 de 19 de Novembro não podendo, pois, manter-se.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente de acordo com o supra alegado, por só assim se fazer JUSTIÇA!

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A assistente “A...”, apresentou queixa contra B... e “W…, S. A.” por factos que, em seu entender, são susceptíveis de integrarem a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão (o 1º denunciado), um crime de falsificação de documento (a 2ª denunciada).
Na fase de inquérito o Mº Pº ao abrigo do disposto no artº 277º nº 2 do CPP determinou o arquivamento dos autos.
O assistente requereu a abertura da instrução sustentando que o arguido, B..., constitui-se autor material de um crime de falsificação de documento previsto no artº 256º nº 1 al d) do CPenal.
O Mmo Juiz e por entender que não existem nos autos indícios suficientes que permitam concluir pela prática pelo denunciado do crime de falsificação decidiu não pronunciar o arguido.
Será que dos autos resultam os elementos constitutivos de tal crime?

Sustenta o recorrente que o despacho recorrido não faz a menção dos factos provados e não provados, o que consubstancia a nulidade prevista no artº 308º nº 1 e 2 com referência ao artº 283º nº 2 e 3 al b) do CPP. Por outro lado, não faz qualquer exame crítico das provas o que determina a nulidade da mesma nos termos do artº 374º nº 2 e artº 379º nº 1 al. a) do CPP.
Não tem razão a recorrente.
A questão que aqui se levanta é essencialmente de direito e, como tal, o tribunal teve em consideração todos os factos necessários para a decisão da mesma. Por outro lado, estamos perante um despacho de pronúncia que não obedece ao formalismo rígido de uma sentença ou de um acórdão. Basta que se tenha em consideração as razões de direito ou de facto que levaram que a decisão fosse num sentido e não em outro sentido.
No caso vertente, só se houvesse lugar a despacho de pronúncia é que caberia ao Tribunal enumerar todos os factos essenciais de acordo com o disposto no artº 308 nº 1 (1ª Parte do CPP).
O Tribunal pronunciou-se sobre a questão aqui em análise e teve em atenção os factos essenciais. Não houve, pois, omissão de pronúncia.

Sustenta a recorrente que a conduta do arguido ao comunicar ao banco sacado a revogação com base em falta ou vicio na formação da vontade, do cheque que tinha entregue à assistente para pagamento de mercadorias que lhe forneceu, configura o crime de falsificação de documento.
O Tribunal entendeu que a conduta aqui em causa era subsumível ao crime de emissão de cheque sem provisão na medida em que a revogação de um cheque, com fundamento em falso extravio, enquadra-se na al b) do artº 11, nº 1 do DL 454/91 de 28/12, de acordo com o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 9/2008 (DR 27/10/2008, 1ª série A), não pronunciando por isso, o arguido, porque o cheque era pós-datado.
Ora, a assistente não imputou ao arguido um crime de cheque sem provisão mas sim um crime de falsificação. Assim, a verificarem-se todos os elementos de tal tipo de crime de emissão de cheque sem provisão, a conduta do arguido, consubstanciada no facto de emitir uma declaração cujo conteúdo ele sabia perfeitamente não corresponder à verdade, conteúdo este com efeitos juridicamente relevantes, passava a integrar, também ela, a prática daquele crime, por força do disposto no art 11º nº 1 al b) do Dl 454/91. Este normativo não afasta a verificação do crime de falsificação, podendo quando muito, justificar apenas a não punição da falsificação, por estarmos perante um concurso aparente de crimes (consumpção).
Quando não se verificam todos os elementos do tipo do crime de emissão de emissão de cheque sem provisão, a conduta do arguido que se consubstancia no facto de emitir declaração cujo conteúdo sabia não corresponder à verdade, conteúdo este com efeitos juridicamente relevantes, preenche o tipo legal do crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º do Penal.
O arguido ao emitir tal declaração ao banco actuou com dolo, dolo específico que preside a tal incriminação – falsificação – a qual se traduz na “intenção de causar prejuízos a outra pessoa ou ao Estado ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”.
Portanto, temos que a questão do concurso aparente de normas (consumpção) aqui não se coloca, uma vez que, a primeira delas – o art 11º do Dl 454/91, de 28/12 na redacção conferida pelo Dl 316/97, de 19/11 que prevê e pune o crime de emissão de cheques sem provisão, não se encontra preenchida, por os cheques terem sido emitidos com data posterior à sua entrega à tomadora. Há pois, apenas que subsumir os factos imputados ao arguido, à norma que prevê e pune o crime de falsificação de documento, neste caso, o artº 256, nº 1 al d) do CPenal.
O arguido emitiu declarações falsas de extravio do cheque, aptas a inviabilizar o pagamento do cheque pelo banco sacado. Tratando-se de cheque pré-datado, não é susceptível de integrar a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão. No entanto, continua a ser um título cambiário, meio de pagamento imediato.
As declarações emitidas não provam a efectiva verificação do extravio e, neste caso elas eram falsa, no entanto, eram idóneas a inviabilizarem ao pagamento imediato do cheque.
O facto juridicamente relevante é, pois, o de esse pagamento imediato ser inviabilizado pelas falsas declarações emitidas.
Neste sentido temos os Ac da RPorto de 16/3/2011 e 14/7/2010 relatados por José Manuel Araújo Barros e José Piedade em www.dgsi.pt.

Do exposto julga-se procedente o recurso e, em consequência revoga-se a decisão recorrida e ordena-se a sua substituição por outra que pronuncie o arguido.

Sem custas.



Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade