Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
32/17.0T8SEI-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - SEIA - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTS.248, 249 CPC
Sumário: 1. Nos termos dos art.ºs 248º e 249º do CPC, presume-se, até prova em contrário, que a notificação se efectua no terceiro dia posterior ao do registo no correio (ou da elaboração da notificação), ou seja, provado o facto base da presunção - a expedição da carta sob registo no correio dirigida a determinada pessoa ou a data da elaboração da notificação -, fica assente o facto desconhecido de a carta lhe ter sido entregue (ou da realização da notificação) no terceiro dia posterior ao do registo (ou da elaboração) ou no primeiro dia útil seguinte (art.ºs 349º e 350º do CC).

2. Em relação ao momento em que deve ser feita a prova em contrário, tem-se entendido, pacificamente, que o onerado com essa presunção para que possa tentar ilidi-la, necessita de fazê-lo no momento em que pratica o acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida, sendo que, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia.

3. Assim, para ilidir a presunção quanto à data da notificação da sentença de que se recorre, importará invocar, no requerimento de interposição do recurso, e provar, que a notificação da sentença ocorreu em data posterior à que resulta da presunção.

Decisão Texto Integral:  



          
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                         

            I. Declarada a insolvência de M (…)[1] por sentença de 08.02.2017 e tendo a Mm.ª Juíza a quo indeferido, por intempestivo/extemporâneo, o requerimento de interposição de recurso daquela decisão apresentado pela devedora, esta reclamou nos termos do disposto no art.º 643º do Código de Processo Civil (CPC)[2], pugnando pela subida do dito recurso, alegando para o efeito, em síntese:

            - O presente processo de insolvência é decorrência de um PER cujo Plano de Revitalização não foi aprovado pelos credores;

            - Tendo a Mm.ª Juíza a quo vindo a proferir sentença de declaração de insolvência, sem previamente citar a Reclamante para deduzir oposição;

            - Foi notificada através de carta registada da Sentença de declaração de insolvência por notificação de 09.02.2017, recebida, pela Reclamante, no dia 21.02.2017 (Doc. 1 que se junta), tendo, nos termos legais, 15 dias para interpor Recurso da Sentença, cujo prazo terminaria no dia 08.3.2017;

            - O Recurso da Sentença foi interposto em 07.3.2017;

            - A notificação da sentença à Reclamante deveria ter-se efectuada nos termos previstos para a citação, nos termos do art.º 37º, n.º 2 do CIRE, porquanto a devedora ainda não tinha sido citada pessoalmente para os termos do processo de insolvência;

            - No limite, omitida a citação da devedora que foi substituída por notificação, o prazo para esta interpor o Recurso iniciou-se na data em que teve conhecimento da Sentença;

            - A não se entender assim, a notificação da mesma da Sentença é nula, por ter sido preterida a formalidade essencial da citação.

            O M.º Público respondeu concluindo pelo indeferimento da reclamação, porquanto, por um lado, “a reclamante não ilidiu a presunção de que a notificação postal se efectuou no terceiro dia posterior ao do registo no momento em que praticou o acto fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida”, e, por outro, “a apresentação extemporânea do recurso onde se invoca a nulidade da citação, e a não elisão daquela presunção atempadamente, implica a sanação de quaisquer eventuais nulidades da citação realizada”.

            Por despacho do relator de 16.5.2017 foi decidido manter o despacho reclamado (art.º 643º, n.º 4).

            Veio então a reclamante, nos termos dos art.ºs 643º, n.º 4 e 652º, n.º 3, requerer que, sobre a matéria da decisão singular do relator recaia um acórdão, “limitando a questão processual àquela sobre que incidiu a reclamação e despacho que a indeferiu”.

            A parte contrária não se pronunciou.

            Cumpre agora decidir, em conferência, se o despacho de indeferimento do recurso interposto, com o fundamento no facto de o mesmo ter sido extemporaneamente apresentado, deve ou não ser mantido, relevando para a resposta, principalmente, a definição/clarificação do momento em que deve ser satisfeito o ónus de ilidir a presunção de notificação.


*

            II. 1. Para a decisão da reclamação releva o mencionado em I., supra, e ainda o seguinte[3]:

            a) A sentença objecto de recurso foi notificada ao Exmo. Mandatário da devedora/recorrente, electronicamente, e à devedora por carta registada, expedidas no dia 09.02.2017.

            b) O requerimento de interposição do recurso foi apresentado no dia 07.3.2017.

            c) Nas alegações de recurso, sem se pronunciar sobre a forma como havia sido notificada da sentença e a tempestividade do recurso, a devedora rematou a fundamentação dizendo que “tendo sido declarada a insolvência da devedora, sem que esta tivesse tido a oportunidade de se pronunciar sobre a mesma, materializou-se a violação do princípio do contraditório”.

            Formulou as seguintes “conclusões”: 1ª - No Processo Especial de Revitalização que se encontra apenso a este processo de insolvência, a Administradora Judicial Provisória emitiu parecer ao abrigo do art.º 17º-G, n.º 4 do CIRE, onde ele entendia que a devedora se encontrava em situação de insolvência; porém, como se verifica naqueles autos e no referido parecer, a devedora ao ser ouvida entendeu que não considerava em situação de insolvência.//2ª - Na hipótese de a devedora se tivesse considerado em situação de insolvência, o próprio PER convolar-se-ia em processo de insolvência e, assim, sem mais, seguiria os trâmites como insolvência.//3ª - Porém, no caso vertente, tal não ocorreu, e, por isso, com base em certidão emanada daquele processo, sem que tenha sido ouvida em contraditório a ora recorrente, foi instaurado um novo processo - o ora em causa de insolvência - após distribuição.//4ª - A ser assim, como de facto foi, impunha-se a citação da Ré, ora recorrente, para contestar se assim o entendesse, a sua situação de insolvência.//5ª - Mas tal não ocorreu, sendo de imediato proferida sentença a decretar a insolvência sem se respeitar o princípio do contraditório, sem que a Ré fosse citada para contestar, querendo, em clara violação dos seus direitos de defesa.//6ª - Como tal, a sentença proferida enferma de patente nulidade com manifesto interesse para a decisão da causa.//7ª - A sentença proferida, sem que tenha sido ouvida a Ré, não se encontra minimamente fundamentada, quanto ao porquê da situação de insolvência da Ré.//8ª - A Mm.ª Juíza a quo ao decidir como decidiu na Sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 17-G, n.º 3 e 4 e 29 do CIRE, 3º e 154º do CPC e 9º e 20º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

            d) O despacho reclamado (de 11.3.2017) foi assim fundamentado: «Por requerimento entrado em juízo em 07.3.2017, veio a devedora interpor recurso da sentença que declarou a sua insolvência.//(…)//Prevê o n.º 1 do artigo 638º do CPC que “O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644º e no artigo 677º”//Por sua vez, o n.º 1 do artigo 9º do CIRE estatui que “O processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal”.//Assim, o prazo para interposição de recurso da sentença de declaração de insolvência é de 15 dias.//Ora, à devedora foi dado conhecimento da sentença por notificação postal registada de 09/02/2017, tendo em igual data sido notificado electronicamente o seu Ilustre Mandatário, presumindo-se efectuadas as notificações no dia 13/02/2017 (cf. artigos 248º e 249º, do CPC).//Assim sendo, o aludido prazo de 15 dias para a devedora interpor recurso da sentença terminava a 28/02/2017. Correspondendo, no entanto, esse último dia à terça-feira de Carnaval, dia em que foi concedida tolerância de ponto, o seu termo transferiu-se para o dia 01/3/2017 (cf. artigo 138º, n.º 2 e 3 do CPC), a que acresceriam os três dias úteis previstos no artigo 139º do CPC, transferindo esse termo para o dia 06/03/2017.//Deste modo, à data da apresentação do requerimento de recurso pela devedora, em 07/3/2017, já se encontrava esgotado o prazo para o poder fazer.»

            2. Estes os factos considerados no despacho do relator, antecedendo a seguinte fundamentação:

            «Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Relativamente às notificações da secretaria, prevê a lei processual civil, nomeadamente:

            - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (art.º 247º, n.º 1, do CPC). Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência (n.º 2).

            - Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3º dia posterior ao da elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art.º 248º do CPC).

            - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art.º 249º, n.º 1 do CPC). A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior (n.º 2). As decisões finais são sempre notificadas desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo (n.º 5).

            3. No caso em análise não se questiona que o Exmo. Mandatário da recorrente foi devidamente notificado por via electrónica, questionando-se sim, e apenas, que a devedora/recorrente se deva considerar notificada na data presumida (13.02.2017) ou na data em que a mesma diz ter recebido a carta da notificação (21.02.2017).

            Importa apreciar, tão-somente, se o despacho de indeferimento do recurso interposto, com o fundamento no facto de o mesmo ter sido extemporaneamente apresentado, deve ou não ser mantido, não estando em causa nesta sede a apreciação do mérito (da decisão recorrida e/ou do recurso).

            4. Decorre dos mencionados normativos, bem como dos que por eles foram substituídos do CPC de 1961 (últimas redacções), que a lei considerou normal, por isso presumiu, até prova em contrário, que a notificação se efectua no terceiro dia posterior ao do registo no correio, ou seja, provado o facto base da presunção, a expedição da carta sob registo no correio dirigida a determinada pessoa, fica assente o facto desconhecido de a carta lhe ter sido entregue no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte (art.ºs 349º e 350º do Código Civil).[4]

            A prova em contrário visa demonstrar que a carta de notificação não foi entregue ao notificando ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis e é ao notificando que incumbe demonstrar em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do acto processual por ele pretendido, que a notificação ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.

            E em relação ao momento em que deve ser feita a prova em contrário, tem-se entendido, pacificamente, que o onerado com essa presunção para que possa tentar ilidi-la, necessita de fazê-lo no momento em que pratica o acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida, sendo que, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia.[5]

            5. Perante o referido enquadramento fáctico, normativo e interpretativo, concluiu-se que a reclamante para ilidir a presunção de notificação da sentença de que recorre teria de provar, no momento em que interpôs o recurso (no requerimento de interposição do recurso), que foi notificada da sentença em data posterior à que resulta da presunção.

            Não o tendo feito, nada tendo sido alegado pela devedora/recorrente no sentido de ilidir a presunção em análise, ficou assim precludido o seu correspondente (eventual) direito.[6]

            Assim, e independentemente de outras considerações quanto às circunstâncias adjectivas dos autos, nada será de objectar ao despacho que rejeitou o recurso por extemporaneidade - aplicando-se a referida presunção legal e nenhuma dúvida existindo quanto à realidade descrita no despacho sob censura, é evidente a intempestividade do recurso apresentado, com os efeitos legais daí decorrentes [cf., nomeadamente, II. 1. a), b) e d), supra e os art.ºs 638º, n.º 1 e 641º, n.º 2, a) do CPC e 9º, n.º 1 do CIRE].

            6. Sem prejuízo do referido em II. 3., supra, dir-se-á, por último, que a reclamante só agora veio arguir a pretensa “nulidade” da notificação da sentença, a qual, ainda que verificada, sempre teria de se considerar sanada [cf. os pontos I. e II. c), supra e, v. g., os art.ºs 191º, 196º, 199º e 200º do CPC].» (fim de citação)

            3. Não se vê razão para modificar a descrita fundamentação (de facto e de direito) e o decidido, sendo que a reclamante nada mais aduziu em abono da sua pretensão adjectiva.

            Na verdade, considerando-se que a dilação actualmente prevista nos art.ºs 248º e 249º foi estabelecida em favor do notificado, dúvidas não restam de que a reclamante/notificada não logrou ilidir a presunção legal de recepção da notificação no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse quando o não seja, ónus que sobre ela recaía nos termos do art.º 350º, n.º 2, do Código Civil, de acordo com o qual as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário.

            Ademais, no cumprimento de tal desiderato, sempre importaria observar os supra referidos requisitos adjectivos e de oportunidade e tempestividade [cf., sobretudo, II. 1. d), supra], o que não sucedeu no caso em análise.

            Resta, pois, reafirmar o despacho do relator de fls. 60, que confirmou o despacho reclamado proferido pela Mm.ª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda (Juízo de Competência Genérica de Seia).


*

            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a reclamação e confirmar, em conferência, o despacho de indeferimento do recurso, por extemporaneidade.
           
Custas pela reclamante.         

*

12.7.2017


           

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Vítor Amaral

http://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gif


[1] A devedora requereu Processo Especial de Revitalização ao abrigo do disposto nos art.ºs 17º-A e seguintes do CIRE; o Administrador Judicial Provisório emitiu parecer no sentido da declaração de insolvência da devedora; a Mm.ª Juíza a quo veio a concluir estar «reconhecida a situação de insolvência da devedora, que avulta do volume do seu passivo vencido, que ascende a 733 683,59€ (fls. 149 (verso), quando confrontado com o seu património - que é constituído apenas por um prédio urbano, com o valor patrimonial tributário de 74 788,71€ e uma quota no valor nominal de 5 000€ na sociedade E (...) , Unipessoal, Lda., e os seus rendimentos (de cerca de 487€ por mês)».
[2] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[3] Cf., principalmente, os documentos de fls. 21, 28 e 33. 

[4] Presume-se, até prova em contrário, que a notificação se efectua no terceiro dia posterior ao do registo no correio (ou da elaboração da notificação), ou seja, provado o facto base da presunção, a expedição da carta sob registo no correio dirigida a determinada pessoa ou a data da elaboração da notificação, fica assente o facto desconhecido de a carta lhe ter sido entregue (ou da realização da notificação) no terceiro dia posterior ao do registo (ou da elaboração) ou no primeiro dia útil seguinte.

[5] Cf., neste sentido, de entre vários, os acórdãos do STJ de 21.02.2006-processo 05B4290, da RL de 09.6.2014-processo 2085/13.3TBBRR-A.L1-6 e da RE de 22.9.2016-processo 571/11.6TBSSB-C.E1, publicados no “site” da dgsi.
[6] Cf., ainda, o acórdão da RC de 24.01.2013-processo 26/12.1TTGRD-A.C1, publicado no “site” da dgsi.


http://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gifhttp://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gifhttp://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gifhttp://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gif