Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
47/03.5IDSTR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
PAGAMENTO
PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA
JUROS
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS (2.º JUÍZO CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 105.º, N.º 4, AL. B), DO RGIT (LEI N.º 15/2001, DE 05-06, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N.º 53-A/2006, DE 29-12)
Sumário: Encontrando-se pagas as quantias relativas à prestação tributária e juros respectivos, a notificação a que se reporta a al. b) do n.º 4 do art.105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 05-06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, de 29-12) deve conter o valor concreto da coima aplicável.
Decisão Texto Integral:       
Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

No processo supra referido, foram acusados e pronunciados, A...; B...; C... e a sociedade D..., Lda., todos melhor identificados nos autos, pela prática, na forma consumada e em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, e 24.º, n.ºs 1, 2 e 5, do R.J.I.F.N.A. (actualmente previsto e punido pelos artigos 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, do R.G.I.T.).

Procedeu-se a julgamento com inteira observância do formalismo legal, findo o qual se veio a decidir:

a) Absolver C... da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, e 24.º, n.ºs 1, 2 e 5, do R.J.I.F.N.A. (actualmente previsto e punido pelos artigos 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, do R.G.I.T);

b) Condenar A... pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, do R.G.I.T, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros);

c) Condenar B...pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, do R.G.I.T, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia de € 2.100,00 (dois mil e cem euros);

d) Condenar D..., Ld.ª, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2 e 5, do R.G.I.T, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à razão diária de € 5,00 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros);

*

Inconformados com o assim decidido, vieram os arguidos A... e B..., recorrer extraindo da respectiva motivação as seguintes

*

Conclusões:

A) Os elementos fornecidos pelo processo impõem claramente decisão diversa daquela que foi proferida nos autos uma vez que em sede de audiência de julgamento não foi produzida prova bastante da prática dos crimes de que os arguidos vinham acusado.

B) A sentença recorrida padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, sendo que a prova produzida em audiência impunha decisão diversa quanto a alguns factos.

C) Nomeadamente existem elementos bastantes que permitem concluir que os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em causa não se encontram preenchidos, o que impunha a absolvição dos arguido quanto à pratica dos crimes de que vinha acusado.

D) Decidindo como decidiu, o douto tribunal a quo não fel uma correcta interpretação dos fados.

E) Para além do exposto o Tribunal a quo violou a lei 151-A/2013 ao não aplicar a mesma ao caso concreto, violando por via disso o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido

F) A sentença recorrida viola ainda o art. 40º, 70º, 71º do Código Penal.

G) No ponto 24 dos factos dados como provados na sentença foi dado como provado que "Por despacho proferido em 1 de Julho de 2009 e transitado em julgado determinou-se o pagamento da coima aplicável pela D... S.A.”, contudo desde já se impugna tal facto porquanto o que deveria constar no mesmo era que por despacho datado de 02 de Julho de 2009 de fls. dos autos com a ref. 1341555 notificado aos arguidos em 06/01/2009 e transitado em julgado determinou o tribunal a quo o pagamento da coima aplicável nos termos do artigo 105 nº4 el, b) do RGIT apenas pela sociedade arguida, porque é isso que o mencionado despacho refere.

H) Ou seja, o despacho acima referido determina o pagamento da coima só pela sociedade arguida, pelo que a contrario iliba os arguidos do pagamento da coima.

I)Tendo este despacho sido notificado aos arguidos e transitado em julgado não se entende como depois se lhes pode exigir o pagamento da coima e ainda condena-los pelo crime de que vinham acusados.

J) O tribunal a quo deveria ter absolvido os arguidos ora recorrentes porquanto para além dos arguidos terem pago a totalidade do imposto e dos juros (ponto 21) 14 de Dezembro de 2007 (antes de qualquer notificação para o efeito feita ao abrigo 105º n. 4, alínea a), do R.G.l.T., na redacção introduzida pela lei n.53-A/2006, de 29/12), pese embora os mesmos não tenham pago a coima tal não procede de culpa sua, porquanto foi o próprio Tribunal que os ilibou de tal pagamento no despacho de 06/01/2009.

K) Ao exigir posteriormente o pagamento da coima o tribunal para alem de se contradizer a si próprio, viola o princípio do caso julgado. O despacho acima mencionado transitou em julgado, logo transitada em julgado uma decisão, não pode o órgão jurisdicional que a proferiu ou aquele para o qual foi interposto recurso, designadamente a Relação ou o Supremo Tribunal de Justiça, substituí-Ia ou modificá-Ia.

L) O caso julgado visa garantir fundamentalmente, o valor da segurança jurídica fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido, pelo que jamais poderia o Tribunal a quo vir na sentença condenar os arguidos pela pratica do crime de abuso de confiança fiscal se, estando pago o imposto e os juros como consta dos factos provados, apenas faltando liquidar a coima existe um despacho no processo que os iliba desse pagamento.

M) Ainda que assim não fosse, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá o seguinte: No ponto 21 dos factos dados como provados consta o seguinte "O valor da prestação tributária de €60.856;84 (sessenta mil oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) e dos respectivos juros foi regularizado em 14 de Dezembro de 2007 no âmbito do processo de execução fiscal com o nº 211920020115176 do Serviço de Finanças de Torres Novas.", Contudo entendem os recorrentes que de tal ponto deveria ainda constar a quantia que foi liquidada pelos arguidos a titulo de juros de mora que se cifra em 19.908,16 €, e ainda o valor pago a titulo de taxas de justiça e acrescidos que se cifra em 828,01 €, cifrando-se o montante total liquidado pelos arguidos, incluindo imposto, juros de mora e acrescidos em 81.598,66 €, porquanto tal está devidamente comprovado com o documento de fls, junto aos autos com o requerimento de 21 de Janeiro de 2013.

N) Salvo o devido respeito que é muito deveria também o Tribunal a quo ter dado como provados outros factos que constam dos autos, e que se encontram devidamente provados por documento, mormente por despachos do próprio Tribunal, e que têm todo o interesse para a boa decisão da causa.

Nomeadamente os seguintes factos:

Por despacho de 10/09/2010 de fls., dos autos, foi o serviço de finanças de Torres Novas notificado para comprovar nos autos o pagamento da coima pela empresa arguida ou caso a mesma não tenha sido paga para notificarem a empresa para o pagamento, conforme notificação de fls., dos autos com a ref.1618548

Como o Tribunal não logrou obter resposta do Serviço de finanças de Torres Novas ao seu despacho de 10/09/2010, em 01-02-2011 insistiu pelo cumprimento do mesmo, conforme notificação de fls. dos autos com a ref. 1193362

Em 31-10-2011, como o Serviço de Finanças de Torres Novas mais uma vez não respondeu ao Tribunal este novamente oficia o Serviço de Finanças de Torres Novas para no prazo de 10 dias juntar aos autos cópia da notificação efectuada à sociedade arguida e responsável pelo pagamento da coima, onde conste a data limite de pagamento da mesma, conforme notificação de fls. dos autos com a ref., 2000331

Em 05-03-2012 tendo em conta que o serviço de finanças continuou sem responder ao douto Tribunal, foi novamente o Serviço notificado para "informar os autos do valor em concreto da coima aplicada à pessoa colectiva e o silêncio terá como consequência a fixação da coima pelo Tribunal pelo mínimo" conforme despacho de fls. dos autos com a ref. 2081950 transitado em julgado e notificação do mesmo de fls, dos autos com a ref, 2099955,.

O) No ponto 20 dos factos provados foi dado como provado que "por despacho proferido em 13 de Dezembro de 2007, foi ordenada a notificação da Administração Tributária para dar novamente cumprimento ao disposto no artigo 105º nº 4 alínea a) do R.G.lT.1 na redacção introduzida pela lei n.53-A/20061 de 29/12, devendo a notificação conter o valor da prestação tributária em falta, o valor dos juros de mora já vencidos e da coima (sublinhado e negrito nosso), ou seja o Tribunal ordenou que à A.T. que efectuasse a notificação dizendo-lhe que aquela deveria conter o valor da prestação tributária em falta dos juros de mora já vencidos e da coima.

P) Dos factos provados verifica-se que esta notificação contendo os valores acima mencionados nunca foi feita pela A.T., o que foi feito em 21 de Abril de 2008 (facto 22) foi uma notificação aos arguidos para procederem ao pagamento da coima cuja moldura se situava entre o mínimo de 12.171,31 e o máximo de 30.000,00 €, não contendo por isso a notificação o valor concreto da coima como ordenava o despacho de 13 de Dezembro de 2001, mas apenas a moldura abstracta da coima, pelo que os arguidos não tinham conhecimento de qual o valor a liquidar.

Q) Como resulta das diversas notificações efectuadas pelo Tribunal à Administração Tributária que esta nunca respondeu ao próprio Tribunal, nem fez o que este lhe ordenou, tanto assim é que o Tribunal chega ao ponto de afirmar que se a AT não fixar a coima ele próprio a fixará, pelo mínimo (o que também não fez).

R) Nem se diga como o faz o Tribunal a quo que caso o contribuinte fosse ao serviço de Finanças para pagar a coima que a liquidação da mesma era efectuada imediatamente porque se tal fosse verdade obviamente que o serviço de finanças teria feito a liquidação da coima aquando das insistências do Tribunal para o efeito. Ora se não o fel a pedido do Tribunal muito menos o faria a pedido dos arguidos.

S) O Tribunal a quo faz impender sobre os arguidos a responsabilidade de ir ao serviço de Finanças pedir para pagar a coima, contudo a lei clara quando no artigo 105º nº 4 ai. b) do RGIT afirma que é a AT que tem de notificar o contribuinte para pagar e que este tem o prazo de 30 dias para o fazer após esse notificação.

T) Ora como se vê dos autos a notificação não foi feita até hoje, se o tivesse sido não existiriam tantas notificações do Tribunal para o serviço de finanças para que aquele fixasse a coima ou comprovasse que tinha efectuado a notificação para pagamento da mesma, exposto isto não era exigível que os arguidos agissem de outra forma senão aquela que agiram.

U) Assim se conclui que os arguidos não cometeram o crime de abuso de confiança pelo qual foram condenados, tendo o tribunal a quo violado o artiga 105.º, n.º4,  al. b), do RGIT.

V) Em 31 de Outubro de 2013 foi publicado o Dec-Lei 151-A 2013 o qual criou uma derradeira oportunidade para os contribuintes regularizarem a sua situação tributária e contributiva criando um regime excepcional de regularização de dividas à administração fiscal e segurança social,

W)Tal lei dispõe no seu artigo 2º que o pagamento por iniciativa do contribuinte do capital em divida até 20 de Dezembro de 2013 determina na parte correspondente a dispensa dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal, sendo que o pagamento por Iniciativa do contribuinte da totalidade do capital da dívida até 20 Dezembro de 2012 determina a atenuação do pagamento das coimas associadas ao incumprimento do dever de pagamento dos impostos.

X) Mais determina este Decreto-lei que o pagamento integral da dívida efectuado nos termos do mesmo é enquadrável na alínea b) do nº 1 do artigo 22º do RGIT aprovado pela lei 15/2001 de 5 de Junho nomeadamente para a dispensa de pena nos crimes ai previstos.

Y) No caso concreto, em 14 de Dezembro de 2001 foi efectuado o pagamento da totalidade da prestação tributária em falta dos juros de mora e das custas do processo de execução.

Z) Datando a sentença de que agora se recorre de 11 de Novembro de 2013, quando a mesma foi proferida já o D.L 151-A 2013 tinha sido publicado e entrado em vigor, devendo em consequência o mesmo ter sido aplicado ao caso dos autos, o que não aconteceu.

AA) Encontrando-se pago o imposto, os juros e custas deveria o tribunal a quo ter ponderado a dispensa de pena aos arguidos ao abrigo do nº4 do artigo 2º do D.L 151-A/2013, o qual dispõe que “considera-se que o pagamento integral da dívida, efectuado nos termos do presente decreto lei, é enquadrável na alíneas b) do nº1 do artigo 22º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, nomeadamente para a dispensa de pena nos crimes aí previstos.”

BB) O artigo 22 º do RGIT prevê a dispensa e atenuação especial da pena se o agente repuser a verdade sobre a situação tributária e o crime for punível com pena de prisão igualou inferior a três anos, a pena pode ser dispensada, pelo que deveria o Tribunal a quo no mínimo ter dispensado os arguidos de pena, não o fazendo cometeu uma ilegalidade violando o D.L 151- A 2013

CC) O DL 151-A 2013 prevê um regime claramente mais favorável aos arguidos do que o regime em vigor à data dos factos e dispõe o nº 4 do artigo 2 do C.P que quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores é sempre aplicado o regime que se mostrar concretamente mais favorável ao agente.

DD) No caso, aquela norma não foi aplicada de acordo com a nossa lei criminal, pelo que foi violado o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido.

Terminam pedindo a revogação da decisão recorrida.

*

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso defendendo a manutenção da decisão recorrida.

*

Já neste tribunal foram os autos continuados ao Ex.mo Procurador Geral Adjunto, que se limitou a apor-lhes “Visto”.

*

II – Apreciação do recurso

 I – A sentença recorrida julgou os seguintes

Factos provados

1) E..., S.A., que posteriormente alterou a sua denominação para D..., S.A., é uma sociedade comercial anónima, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Torres Novas sob o n.º (...)e tendo-lhe sido atribuído o NUIPC (...).

2) O objecto social da D..., S.A., consiste no comércio e fabrico de máquinas industriais e agrícolas, reparação das mesmas e todos os trabalhos concernentes a oficinas de serralharia mecânica e civil, fundições de ferro e outros metais, caldeiraria e carpintaria mecânica.

3) O capital social inicial da D..., S.A., era no valor de 60.000.000$00 (que equivale a €29.278,74) e foi dividido em acções nominais de 1.000$00 (que equivale a €5,00), cada uma.

4) Correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas o Processo de Recuperação de Empresas com o n.º 208/1996, no âmbito do qual foi aprovada uma medida de gestão controlada da D..., S.A., então denominada E..., S,A, pelo prazo de 1 (um) ano.

5) No âmbito de tal processo, A..., B... e C... foram nomeados administradores da então E..., S.A., por decisão de 23 de Outubro de 2001, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 7 de Dezembro de 1999.

6) O termo do período de gestão controlada estava previsto para finais do ano 2000, mas foi prorrogado por mais um ano, terminando consequentemente em Dezembro de 2001.

7) Pela actividade que desenvolveu durante o referido período, D..., S.A., era sujeito passivo de imposto sobre o valor acrescentado (I.V.A.), estando enquadrada no regime normal com periodicidade mensal.

8) Com referência ao mês de Dezembro de 2001, A... e B..., enquanto administradores da D..., S.A., remeteram aos Serviços de Cobrança do I.V.A., a respectiva declaração periódica em Fevereiro de 2002, mas não a fizeram acompanhar do respectivo meio de pagamento.

9) A... e B... liquidaram e receberam dos respectivos clientes o imposto sobre o valor acrescentado (I.V.A.) relativo às transacções da D..., S.A., por si realizadas no aludido período de Dezembro de 2001, antes de expirar o prazo de entrega do imposto.

10) O imposto sobre valor acrescentado recebido e não entregue nos cofres do Estado, resultante do diferencial entre o imposto liquidado e recebido de clientes e o imposto suportado e facturado por terceiros e dedutível pela D..., S.A., ascendeu no aludido período temporal a €75.856,84 (setenta e cinco mil oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos).

11) Desta quantia, A... e B... pagaram em 8 de Fevereiro de 2002 o montante de €15,000,00 (quinze mil euros).

12) A... e B..., agindo no nome e no interesse da E..., S.A., não procederam à liquidação da referida quantia no prazo de 90 (noventa) dias contados da data do término do prazo de pagamento de tal imposto apesar de disporem das quantias necessárias para realizarem tal pagamento.

13) A... e B..., actuando em nome e no interesse da D..., S.A., sabiam que a quantia global de €60.856,84 (sessenta mil oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) pertencia ao Estado e decidiram não entregá-la no prazo legal, não obstante saberem que estavam obrigados a fazê-lo.

14) A... e B... agiram com o propósito concretizado de se apropriar, em proveito da D..., S.A., de vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito e que agiam sem autorização e contra a vontade do Estado, diminuindo-lhe as receitas tributárias em valor equivalente.

15) A... e B... agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

16) No mencionado circunstancialismo temporal, D..., S.A., Ld.ª, dispunha de meios financeiros para cumprir as suas obrigações contributivas perante a Administração Fiscal, mas, perante a crise económica instalada na mesma, A... e B... empenharam-se em manter a sociedade a laborar, tentando pagar a fornecedores, aos trabalhadores, como forma de manter a laboração da empresa que de outra forma não conseguiriam.

17) A... e B... utilizaram a quantia devida à Administração Fiscal para satisfação daquelas despesas, sempre no esforço de manter a empresa em laboração e para pagar os salários aos trabalhadores.

18) Por carta datada de 28 de Fevereiro de 2007, que foi recebida, A..., B... e C... e D..., S.A., foram notificados para proceder ao pagamento, no prazo de trinta dias, do aludido imposto sobre o valor acrescentado, dos respectivos juros e da coima aplicável que se mostre devida.

19) No dia 7 de Dezembro de 2007, A..., C... e B... vieram juntar aos autos um requerimento em que invocam o desconhecimento das aludidas notificações, por terem sido recepcionadas por funcionário que não lhes transmitiu o conteúdo das mesmas, e dos valores a pagar a título de juros e coima aplicável, que não constavam expressamente da notificação.

20) Por despacho proferido em 13 de Dezembro de 2007, foi ordenada a notificação da Administração Tributária para dar novamente cumprimento ao disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea a), do R.G.I.T., na redacção introduzida pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29/12, devendo a notificação conter o valor da prestação tributária em falta, o valor dos juros de mora já vencidos e da coima.

21) O valor da prestação tributária de €60.856,84 (sessenta mil oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) e dos respectivos juros foi regularizado em 14 de Dezembro de 2007 no âmbito do processo de execução fiscal com o n.º 211920020115176 do Serviço de Finanças de Torres Novas.

22) Por carta datada de 21 de Abril de 2008, que foi recebida, A..., B... e C... e E..., S.A., foram notificados para, face ao pagamento da prestação tributária e dos juros, proceder somente ao pagamento, no prazo de trinta dias, da coima, cuja moldura se situa entre o mínimo de €12.171,37 (doze mil cento e setenta e um euros e trinta e sete cêntimos) e o máximo de €30.000,00 (trinta mil euros), acrescido de custas processuais no valor de €48,00 (quarenta e oito euros), nada tendo os mesmos pago.

23) No dia 19 de Maio de 2008, B... veio juntar aos autos um requerimento em que invoca a prescrição do procedimento contraordenacional e a consequente inexigibilidade do pagamento da coima.

24) Por despacho, proferido em 2 de Julho de 2009 e transitado em julgado, determinou-se o pagamento da coima aplicável pela D..., S.A.

25) D..., S.A., foi declarada insolvente por sentença proferida em 28 de Setembro de 2011 no processo com o n.º 47/11.1TYLSB, que corre seus termos no 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa.

26) Por despacho, proferido em 22 de Outubro de 2012 e transitado em julgado, determinou-se a notificação dos arguidos, sendo a arguida D..., S.A.” na pessoa da Sr.ª Administradora de Insolvência, para, no prazo de 30 (trinta) dias, procederem ao pagamento da prestação comunicada à Administração Tributária nos moldes melhor descritos no despacho de pronúncia, acrescida dos juros respectivos e da coima aplicável, efectuando o correspondente pagamento directamente à Administração Tributária e nos moldes oportunamente liquidados pela mesma; e, no prazo de 10 (dez) dias a contar do termo do anteriormente fixado, juntarem aos autos documento comprovativo do pagamento da mencionada prestação tributária, dos respectivos juros e da coima aplicável ou, caso subsistissem dúvidas quanto à liquidação da coima aplicável, documento comprovativo do pagamento da prestação tributária e dos respectivos juros e a indicação do fundamento da divergência quanto à liquidação oportunamente realizada pela Administração Fiscal; tendo a correspondente correspondência, que foi devidamente recebida, sido expedida em 3 de Dezembro de 2012, via postal registada.

27) Por requerimento de 18 de Janeiro de 2013, H..., administradora de insolvência da D..., S.A., veio informar que não foi apreendido para a massa insolvente qualquer bem, pelo que não dispõe de liquidez para efectuar qualquer pagamento.

28) Por requerimento de 21 de Janeiro de 2013, A..., B... e C... juntaram aos autos documento comprovativo do pagamento 14 de Dezembro de 2007 da prestação tributária e dos juros e vieram invocar novamente a prescrição do procedimento contraordenacional, bem como a consequente inexigibilidade do pagamento da coima.

29) Por despacho, proferido em 22 de Fevereiro de 2013 e transitado em julgado, julgou-se improcedente o pedido de extinção do procedimento penal e contra-ordenacional por prescrição, bem como o pedido de extinção do procedimento penal pelo pagamento da prestação tributária e respectivos juros de mora, determinando a prossecução dos autos com a realização da audiência de julgamento, nada tendo A..., B..., C... e D..., S.A., respondido ou dito.

30) A..., B..., C... e D..., S.A., não procederam, até ao presente, ao pagamento de qualquer quantia a título da mencionada coima aplicável.

31) B... e C... não têm antecedentes criminais.

32) Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular com o n.º 8266/04.0TDLSB, que correu seus termos no 5.º Juízo Criminal, 3.ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, A... foi condenado pela prática, em 7 de Dezembro de 1999, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4, do R.G.I.T., na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, que se transmutou em admoestação.

33) Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular com o n.º 8266/04.0TDLSB, que correu seus termos no 5.º Juízo Criminal, 3.ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Sociedade D..., S.A., foi condenado pela prática, em 7 de Dezembro de 1999, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4, do R.G.I.T., na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, que se transmutou em admoestação.

      34) B... vive em Tomar há cerca de 11 anos, residindo num apartamento bem inserido na estrutura sócio-espacial envolvente.

       35) B... vive com a cônjuge e duas filhas, ambas estudantes.

       36) B... é o responsável pela logística da sociedade F..., Ld.ª, auferindo um rendimento anual de cerca de €23.000,00 (vinte e três mil euros).

       37) A... vive sozinho em Torres Novas, deslocando-se com frequência a Madrid, cidade onde cresceu e onde residem os pais e amigos.

      38) A... é gerente da sociedade F..., Ld.ª, e administrador da G..., S.A., auferindo cerca de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) mensais e não tem encargos com a habitação, nem com o automóvel, que são propriedade de uma sociedade comercial.

        Factos não provados

        Nenhuns outros factos se provaram com interesse para a boa decisão da causa, designadamente, e no essencial, que:

                   I) C... assumiu qualquer responsabilidade de facto pela gestão ou administração da D..., S.A. no aludido período temporal.

        II) A..., B... e D..., S.A., por si e representados por outrem, deslocaram-se a Serviços da Administração Fiscal com vista a proceder ao pagamento da aludida coima aplicável e o este foi-lhes recusado em virtude de se desconhecer o valor líquido da mesma.

*

Delimitação do recurso

É consensual quer na doutrina quer na jurisprudência, que o conhecimento do recurso é balizado pelas conclusões de recurso extraídas pelo recorrente da respectiva motivação sem prejuízo de o tribunal ad quem dever conhecer das questões de conhecimento oficioso ainda que não suscitadas no processo.

Assim;

A – Entendem os recorrentes que a sentença incorreu nos vícios da insuficiência da matéria de facto e em erro notório na apreciação da prova, ao ter dado como cumprida a condição a que se reporta a al. b) do nº4 do artº 105º Regit, intentando na sequência desta alegação que se acrescentem aos factos provados aqueles que relatam as diligências que o tribunal efectuou no sentido de a administração fiscal calcular o montante exacto da coima, tendo depois abandonado esta tese, para se bastar com a notificação dos montantes mínimo e máximo da coima aplicável, e que se considere a dita condição não cumprida, por não ter sido efectuada a notificação com a quantia certa. Conclusões A  O e P a U.

B – Que a sentença devia ter aplicado o DL 151-A/2013 e isenta-los de pena.

*

Conhecimento do recurso

A - Os recorrentes A... e B..., e a sociedade D..., S.A., aqueles como representantes legais desta, em nome de quem actuaram, estavam pronunciados de terem praticado, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de abuso de confiança fiscal qualificada, previsto e punido, à data dos factos, pelo artº 24º nºs 1, 2 e 5 do RJIFNA, aprovado pelo Dec. Lei, nº20 – A/90, de 15 de Janeiro e actualmente pelo artº 105º nº1, 2 ,3 e 5 do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2002 de 22 de Fevereiro, conjugados com os artigos 26º nº1; 28º nº1, alínea c) e 40º nº1, al. a), todos do CIVA.

No caso vertente, apesar de o crime ter sido praticado na vigência do RJFNA, não há dúvida que se lhe aplica o regime posterior do RGIT, quer na sua versão originária quer na versão que lhe foi dada pela Lei 53-A/2006 de 29 de Dezembro, que introduziu ao tipo de crime uma nova condição objectiva de punibilidade.

Com efeito, face às dúvidas levantadas acerca da aplicação desta condição a crimes praticados em data anterior, à sua vigência o acórdão do STJ nº 6/2008 de 09/04/2008 veio fixar jurisprudência nos seguintes termos:

“A exigência prevista na alínea b) do nº4 do artigo 105º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma condição objectiva de punibilidade que, nos termos do artigo 2º nº4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do nº4 do artº 105º do RGIT”.

No caso vertente, dúvidas não existem de que apesar de os factos remontarem ao período de IVA recebido e não entregue à administração legal referente ao mês de Dezembro de 2001, se lhe aplicam ambas as condições de punibilidade, a do nº4 da versão primitiva do REGIT Lei 15/2001 de 5 de Junho (os factos só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação).

E aquela que lhe foi acrescentada pela al. b) já referida, Lei 53-A/2006 “A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito”.

Também não oferece dúvidas de que apesar de a contra-ordenação que esteve na origem do ilícito ser da responsabilidade da sociedade, art.º 7º nº4 do RGIT, estando nós no domínio da responsabilidade criminal em que se transmutou a não entrega das quantias em causa, o pagamento do valor da coima e demais quantia referidas b) do nº4 do artº 105º é da responsabilidade de todos os arguidos, já que a responsabilidade dos legais representantes, os ora recorrentes, deriva da circunstância de terem agido em nome e em representação daquela, artº 6º do RGIT.

A dissensão reside no modo como deve ser feita a notificação para operar a condição objectiva de punibilidade a que se reporta a dita al. b) do nº4 do artº 105º do RGIT, daqui não ter qualquer interesse o acrescento dos factos dados como provados, já que a referida notificação está junta aos autos.

A sentença recorrida entendeu que a notificação pode ser feita em termos genéricos, como foi, nela se indicando os limites da coima a aplicar ao caso, e, os recorrentes, apoiando-se em despachos que foram sendo dados ao longo do processo, no sentido de a administração fiscal cumprir a notificação a que se reporta a mencionada alínea b) do nº4 do artº 105º do REGIT que, segundo eles faziam presumir diverso entendimento, acham que não, isto é, que a notificação tem de conter as quantias concretas a pagar pelos infractores para que se considere cumprida a condição.

A resposta a esta questão transporta-nos para a verificação do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão configurado no art.º 410º nº1 al. a) do CPP, já que está em causa a verificação de um elemento que embora exterior ao tipo, diz respeito à punição do crime pelo qual os arguidos estão a responder, se ele falta não se podem punir os arguidos, como foi feito na decisão recorrida.

É a seguinte a redacção do art.º 105º do Regit (aprovado pela Lei 15/2001, com a alteração que lhe foi conferida pela Lei nº 64-A/2008 de 31 de Dez) na parte que aqui releva:

“1- Quem não entregar à administração tributária total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7.500,00, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

2- (…)

3 – (…)

4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.

5 – Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a € 50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.

6 – (…)”.

      Salvo o devido respeito por opinião diversa, pensamos que a lei é bem clara quando faz depender a punibilidade de um crime, não do simples decurso de um prazo, como acontece com a alínea a), mas do decurso de um prazo e de uma notificação para pagamento, em exigir que a notificação contenha os montantes correctos a pagar, exigência que se revela com mais acuidade se pensarmos que a multa não é uma dívida, mas uma sanção e que, por maioria de razão, só à administração cabe calcular.

Diz a sentença recorrida que: “(…) os devedores tributários que estejam interessados em fazê-lo (satisfazer a condição para não serem punidos) dispõem de tempo mais do que suficiente para diligenciarem no sentido de, junto da entidade própria e que também é naturalmente aquela da qual o pagamento há-de ser efectuado, averiguarem o montante concreto e total que devem pagar, sendo certo que, pelo menos o montante das prestações ou contribuições já o saberão, além do mais porque já as declararam. E é evidente que, no caso de sentirem dificuldades em obter as informações necessárias junto daquelas entidades, sempre poderão transmiti-las ao tribunal, que não deixará de providenciar para que daí não resulte prejuízo para aqueles que só não efectuem o pagamento atempado devido a falhas que não sejam da sua responsabilidade”.

Em nosso entender, o preceito a que nos estamos a referir, não se basta com uma simples interpelação, a notificação aí referida só tem sentido se contiver o montante concreto que o sujeito passivo do imposto tem de pagar para afastar de si a responsabilidade criminal.

E não se entende porque se há-de onerar o contribuinte, arguido, com a obrigação de indagar junto da AT a quantia exacta a pagar, quando essa AT pode calcular a coima antes de fazer a notificação.

É que se a quantia relativa ao imposto é conhecida dos sujeitos passivos pela simples razão de que foram eles a declara-la, as restantes quantias, e com maior acuidade a coima aplicável ao caso, não o é, nem tem de ser conhecida do contribuinte, devendo ser a AT a liquida-la.

Não vislumbramos por que havemos de trocar a segurança jurídica que deve resultar da notificação, pela prova das “dificuldades em obter as informações necessárias e das falhas que não sejam da sua responsabilidade”.

Dificuldades que, a avaliar pelo que aconteceu neste processo, seriam enormes, tenha-se em conta que desde a entrada em vigor da referida al. b) do artº 105º, até ao despacho de 28 de Maio de 2013, fls 1647 a 1660, o tribunal tentou, sem êxito, junto da administração fiscal, que notificasse os arguidos do montante concreto da coima a pagar, chegando mesmo, em desespero de causa, a dizer que o tribunal liquidaria o montante da coima pelo mínimo (fls. 1594), o que não fez, reconsiderando a opção tomada e considerando como boa uma notificação que desde 2008 até 2013, em vários despachos entendeu não preencher o que exige a al, b) do art.º 105º.

 Não se encontra explicação para complicar ainda mais os processos que têm por objecto infracções fiscais, que dadas as suas especificidades mesmo em casos normais já revestem alguma complexidade.

Bem sabemos que os recorrentes foram notificados do despacho onde o tribunal arrepiou caminho, e não o impugnaram, como consta do ponto 29 dos factos provados, mas não é menos verdade que foi esta questão a fulcral do julgamento a que se procedeu, saber se os arguidos ora recorrentes, se tinham ou não deslocado à Repartição de Finanças para liquidarem a coima, que para além de demonstrar a mostrar quão desestabilizadora se revela a interpretação feita pelo tribunal recorrido, a colocou de novo, em discussão como resulta da recensão dos autos que se foi fazendo ao longo desta exposição.

Assim, e em conclusão, entendemos que a notificação que foi feita aos recorrentes nos termos da al. b) do nº4 do art.105º devia conter a coima em concreto a pagar, visto que as demais quantias já haviam sido pagas no processo de execução, sob pena de não se poder considerar como tendo sido cumprida a condição objectiva de punibilidade acrescentada pela referida al. b) ao nº4 do artº 105º do REGIT.

Nesta conformidade, porque não está preenchida a condição da qual depende a punição dos arguidos, a sentença recorrida incorreu no vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, a que se reporta a alínea a) do nº2 do artº 410º do CPP, a demandar o reenvio parcial do processo para novo julgamento, artº 426º 3e 426-A do CPP, onde, depois de notificados os recorrentes da quantia certa a pagarem a título de coima, prevendo-se a hipótese de se a administração fiscal se demitir como aconteceu anteriormente, de o tribunal fixar esse montante no mínimo legal, que perante aquela recusa é o que mais favorece os arguidos, decidindo depois, em conformidade.

*

E aqui chegados, verificamos que após a prolação da sentença, a Administração fiscal fez chegar aos autos umas guias com o pagamento pela arguida sociedade no montante de € 1.217,10, quantia que corresponde a 10% do montante mínimo da coima aplicável quando o ilícito ainda se encontrava na fase em que consistia em contra – ordenação.

Por outro lado, os arguidos, já em fase de recurso, vieram invocar a lei 151-A/2013 de 31 de Outubro, asseverando que a sentença lhes devia ter aplicado o regime desta lei, e isenta-los de pena

Mas, sem razão.

Apesar de se reconhecer que a sentença nestes autos foi prolatada em data posterior à entrada em vigor da Lei 151-A/2012 de 31 de Outubro, que criou uma derradeira oportunidade para o contribuinte que em determinadas condições regularizam as suas dívidas, nem por isso a sentença ora recorrida incorreu em omissão de pronúncia.

Além de a guia de pagamento de 10% da multa mínima não se encontrar junta aos autos na data em que a sentença foi lida, mesmo que estivesse, não podia ter o efeito que os recorrentes invocam – isenção de pena -.

Com efeito, a citada lei só prevê reflexos relativamente aos processos criminais, por crimes puníveis com pena de prisão igual ou inferior a três anos, artº 2º nº 4 da Lei 151-A/2013, de 31 de Outubro, pois que ao remeter para o artº 22 nº1 al. b) do RGIT, refere-se aos crimes aí previstos que são apenas aqueles referidos no nº1 crimes puníveis com prisão igual ou inferior a três anos, sendo os crimes objecto dos presentes autos punidos abstractamente com penas cujo limite máximo é superior aquele montante, nº5 do art.º 105º do REGIT, o pagamento da coima liquidado nos termos do artº 3º da Lei 151-A/2013, não pode ter o efeito de isentar os agentes de pena.

Mas, tendo a administração fiscal passado guias para o pagamento da quantia referida no artº 3º da Lei 151-A/2013, e tendo esta quantia sido paga, fls. 1896 a 1898, apesar de não ter reflexos no processo crime, por o crime ser punido com pena superior a três anos, ela deverá ser descontada naquela a que a sociedade venha a ser notificada para beneficiar a referida condição objectiva de punibilidade.

*

III - Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar verificada a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, e determina-se o reenvio para novo julgamento, restrito à matéria da verificação da condição objectiva de punibilidade, artº 426º e 426-A do CPP, devendo proceder-se à notificação dos recorrentes indicando-lhes a quantia certa que têm a pagar a título de coima, decidindo-se depois em conformidade, com a posição que adoptarem.

Prevendo-se a hipótese de a administração fiscal se demitir de fixar o montante, a título de coima, o tribunal deve fixa-lo pelo mínimo.

Em qualquer caso, no montante que vier a ser fixado, descontar-se-á a quantia já paga a fls. 1896 a 1898.

*

Tenha-se em atenção na nova sentença a proferir, se for de condenação, o disposto no artº 409º nº1 do CPP (Ac. TC 236/2007 e Ac. STJ de 05.07.2007, in CJ STJ XV, tomo 2, pág 129).

*

Sem tributação.

*

Coimbra, 3 de Dezembro de 2014

(Cacilda Sena - relatora)

(Elisa Sales - adjunta)