Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
43/13.7GAVZL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: CRIME PARTICULAR
QUEIXA
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
Data do Acordão: 05/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 68.º, 246.º E 247.º, DO CPP
Sumário: Da fundamentação do acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 1/2011 [in DR I Série de 26-01-2011], resulta inequívoco que foi considerado o prazo do artigo 68.º, n.º 2, do CPP, como prazo peremptório, não podendo o ofendido renovar o seu pedido de constituição como assistente perante a apresentação de nova queixa, que também não poderá ser renovada.
Decisão Texto Integral:                                                           

 Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

Nos autos de processo supra identificado, sob apreciação, constam os seguintes elementos:

1. Em 24.02.2014, o recorrente A... apresentou queixa-crime contra desconhecidos por factos que, a indiciarem-se ou a confirmarem-se, são constitutivos de um crime de natureza particular – v. doc. de fls. 2 e 3.

2. Por tal facto – natureza particular do crime denunciado – foi desde logo o denunciante A... , notificado da necessidade de se constituir assistente no prazo de 10 (dez) dias – v. mesmo doc. e ainda o doc. de fls. 4.

3. Em 30 de Abril de 2014, requereu o denunciante A... , na qualidade de ofendido, a sua constituição no processo, como assistente.

4. Por despacho judicial de 8.5.2014, foi este pedido de constituição como assistente, indeferido, com o fundamento, em síntese, de ser extemporâneo, tendo em conta o prazo legal de 10 dias – v. fls. 7 e 7v.

5. Em 22.5.2014, o recorrente A... apresentou nova queixa-crime contra desconhecidos pelos mesmos factos da queixa de 24.02.2014.

6. Em 29.5.2014, o Ministério Público ordenou a junção/incorporação desta queixa (de 22.5.2014) aos autos de inquérito nº 43/13.7gavzl, que tiveram origem na primeira queixa (24.02.2014), por se tratar dos mesmos factos ocorridos no passado dia 14.2.2014 – v. fls. 10.

7. Em 16.6.2014, requereu de novo o denunciante A... , na qualidade de ofendido, a sua constituição no processo, como assistente.

8. Por despacho judicial de 30.10, foi este pedido de constituição como assistente, de novo indeferido, com o fundamento, em síntese, de que o denunciante não podia vir apresentar nova queixa e requerer nova constituição como assistente, ou seja, que o seu direito já tinha precludido.

9. É deste despacho que recorre o denunciante A... , formulando as seguintes conclusões:
1) O presente Recurso vem interposto do douto Despacho que não admitiu o ora Recorrente a intervir nos autos de Processo n.° 43/14.7GAVZL como Assistente.
2) O ora Recorrente apresentou queixa na GNR de Vouzela em 24 de fevereiro de 2014.
3) Acontece que, pese embora, crê-se alertado para o facto, não procedeu no prazo legal à sua constituição como assistente, uma vez que, tendo solicitado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, agiu convicto que o patrono nomeado trataria de toda a documentação necessária nos autos.
4) O ofendido, não tinha, à data, qualquer consciência que o crime por si participado dependia de tal constituição para prosseguir os seus termos e que teria de juntar comprovativo do pedido de apoio judiciário nos autos para suspender tal prazo Legal.
5) Saliente-se que, o ofendido, ora Recorrente, possui baixo nível de escolaridade o que não lhe permite, muitas vezes, compreender de forma completamente esclarecida as informações que lhe são dadas, sobretudo, quando estas revestem um caráter que se pode denominar, no caso concreto, “técnico -jurídico”.
6) A informação prestada pelo ilustre órgão de Polícia Criminal de que o ofendido tem de constituir-se assistente, no prazo Legal, sem, contudo, indicar como e em que termos, ou seja dos procedimentos a observar para tal, não se revelou, no caso concreto, suficiente para que o ofendido entendesse claramente qual o alcance da sua omissão.
7) Refira-se que o art.° 246.° n° 4 do Código de Processo Penal refere a obrigatoriedade de advertir o denunciante para a constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
8) Nunca foi o ofendido, ora Recorrente, advertido dos procedimentos a observar.
9) Em 28 de abril de 2014, foi-lhe nomeada defensora oficiosa, que, em 30 de Abril, 2014, solicitou a sua constituição como Assistente, por desconhecer que o ofendido não o tivesse feito, aliás, este não conseguiu dar-lhe essa informação por não ter, mais uma vez, consciência plena dessa figura legal.
10) Notificado do Despacho de não admissão do ofendido como assistente nos autos de Processo n.° 43/14.7GAVZL e porque ainda em curso o prazo de direito de queixa previsto no Art.° 115.° do Código Penal, o ofendido apresentou nova queixa (nuipc 121/14.2GAVZL) ainda que pelos mesmos factos, para noutro e autónomo procedimento criminal fazer valer os seus direitos, uma vez que a falta de indicação dos procedimentos a adotar e a não constituição como Assistente tempestivamente, determinou o arquivamento inevitável dos autos n.° 43/14.7GAVZL.
11) Os Autos de Processo n.° 43/14.7 GAVZL apenas aguardavam despacho de arquivamento.
12) A nova queixa foi apresentada, tão-somente, porque o ora Recorrente não foi informado dos procedimentos a adotar pelo órgão de Polícia Criminal para a constituição de Assistente, nos termos do Art° 246.° n.°4, do CPP e, por isso, não apresentou tempestivamente o pedido.
13) Tal queixa veio a ser incorporada nos autos de processo n.° 43/14.7 GAVZL, com o fundamento de que seria feito um conhecimento unitário dos factos.
14) Incorporação que salvo o devido respeito, não deveria ter sido efetuada uma vez que, a não admissão do ofendido como Assistente nos autos de processo n.° 43/14.7GAVZL levaria inevitavelmente ao arquivamento dos mesmos que, salvo melhor opinião, já não seria possível.
15) Pelo que, com tal incorporação, parece querer vedar-se o direito de queixa ao ofendido que lhe assiste nos termos do art. 115.° n.º 1 do Código Penal.
16) A referência (apuramento unitário dos factos) veio efetivamente criar legítimas expectativas ao ora Recorrente da admissibilidade da nova queixa e da possibilidade de requerer a sua constituição como Assistente.
17) Aliás, entende o Recorrente, salvo melhor opinião, que o apuramento unitário dos factos, motivo da incorporação, faz pressupor que a queixa incorporada (nuipc 121/14.2GAVZL) é uma renovação! nova manifestação do direito de queixa que o ofendido tinha à data da mesma, ainda que incorporada no processo n.° 43/14.7GAVZL.
18) Pelo que, a apreciação da constituição de assistente, formulada em virtude do nuipc 121/14.2GAVZL, deve ser apreciada, de forma autónoma ainda que no âmbito do processo n.° 43/14.7GAVZL e não como sequência destes autos de processo, que reitera-se, apenas aguardavam despacho de arquivamento.
19) Com o devido respeito, nada consta do Despacho ora recorrido, sobre os fundamentos constantes do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.° 1/2011.
20) Aliás tão-somente, refere que “ sendo a queixa apresentada no nuipc 121/14.2GAVZL, posterior ao despacho de fls.22 e precisamente igual à presente, não pode vir agora o queixoso com novo pedido de constituição de assistente, sendo que sobre o mesmo já incidiu despacho, sob pena de inversão da lei e do artigo 68 do CPP.”
21) Concluindo que o indeferimento do pedido de constituição de Assistente se mantém o mesmo que foi invocado no âmbito do processo n.° 43/14.7GAVZL.
22) Refira-se em jeito de conclusão, que, entende o Recorrente, o nuipc 121/14.2GAVZL, deve ser apreciado, de forma autónoma ainda que no âmbito do processo n.° 43/14.7GAVZL e não como sequência destes autos de processo, que apenas aguardavam despacho de arquivamento, ademais, foi admitido e incorporado com o fundamento da apreciação unitária dos factos.
23) Tem sido entendimento da Jurisprudência que, e leia-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29.05.2012 no âmbito do Processo n.° 640/11.2TDEVR- A.E1 que “ o prazo do art. 68.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, está indissociavelmente ligado ao cabal cumprimento do dever de advertência e informação consagrado no art. 246. °, n. ° 4, do mesmo diploma.
O mesmo art. 246.°, n.° 4, impõe ao Ministério Público o dever de informação do denunciante de crimes particulares, ainda que este esteja patrocinado por advogado e que a denúncia tenha sido feita por escrito e com a menção explícita de que irá constituir-se como assistente.”
            24) Ainda a este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.05.2012 no âmbito do Processo n.° 640/11.2TDEVR-A.E1 que refere
“o requerimento para a constituição de assistente, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, tem de ser apresentado no prazo de dez dias, a contar da advertência referida no art°246°, n°4, do CPP.
Essa advertência consiste na informação ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, e deve ser feita, mesmo que o denunciante já esteja representado por advogado.
Se a advertência referida nos art°s 68°, n°2 e 246°, n°4, do CPP, não foi efetuada, não releva para o efeito preclusivo adjetivo, a que alude o ÃFJ n.°1/2011, valendo, para constituição de assistente, o prazo de seis meses previstos no art.°115°, n.°1, do CP.”
25) Pelo que, o douto Despacho proferido, salvo o devido respeito, que é muito, deve ser considerado nulo, nulidade essa que expressamente se invoca, para os devidos efeitos Legais.
            Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogar o douto despacho recorrido, substituindo por outro que admita o ora Recorrente a intervir como Assistente nos autos 43/14.7GAVZL e posteriormente seja o mesmo convidado a apresentar acusação particular.

ASSIM SE FAZENDO A SEMPRE E A ACOSTUMADA JUSTIÇA.
            10. O Ministério Público respondeu, dizendo:
1- Tratando -se de procedimento dependente de acusação particular, como é o caso, a não apresentação do requerimento para constituição como assistente no prazo de 10 dias, a contar da advertência contida no n.° 4 do artigo 246° do CPP e que consta de fls. 9 e 9 verso, precludiu o direito de o ofendido se constituir como assistente.
2- O prazo processual fixado no n.° 2 do artigo 68° como um prazo peremptório, é um prazo de 10 dias, a contar da advertência referido no n.° 4 do artigo 246°.
3- Assim, o denunciante, por crime dependente de acusação particular, tem de requerer a sua constituição como assistente, em 10 dias, sob pena de se extinguir aquele direito.
Assim, mantendo-se a douta decisão que não admitiu A... a intervir nos autos como assistente, farão, Vossas Excelências, como sempre, e mais uma vez,
JUSTIÇA.

            11. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, dizendo em síntese que,
            A Exma. Advogada em não obstante douta alegação vem sustentar que a apresentação de nova queixa pelos mesmos factos venha a ter por efeito a extensão do prazo para constituição de assistente, requerendo seja decretada a nulidade do despacho que indeferiu tal pretensão.
Mas a ordenada incorporação da segunda queixa obedeceu ao princípio da legalidade, visto que não podia ser apreciada autonomamente como se pretende, pois visava os mesmos factos; não se trata de “vedar o direito de queixa” que já tinha sido exercido. Trata-se de não subverter um prazo peremptório (que no caso é de dez dias) transformando-o em prazo de cariz variável, gerador de incerteza jurídica. A nova queixa, nos termos em que foi feita, não pode ter por efeito a anulação dos efeitos do anterior despacho.
A resposta à questão suscitada está douta e lapidarmente respondida na peça do Exmo. Procurador da República: “Tratando-se de procedimento dependente de acusação, como é o caso, a não apresentação de requerimento para constituição de assistente no prazo de dez dias, a contar da advertência contida no artigo 246.° do Código de Processo Penal e que consta de fis. 9 e 9v., precludiu o direito de o ofendido se constituir assistente “.
Pelo exposto vai o nosso parecer no sentido da improcedência do recurso.

            12. Foram os autos a vistos e procedeu-se a conferência.

II

            Questão a apreciar:

            1. A admissibilidade ou não da constituição do denunciante, como assistente, face à apresentação da segunda queixa ou, sob outra perspectiva, encontra-se ou não precludido o direito de o mesmo se constituir como assistente decorrido que foi o prazo concedido de 10 dias com a apresentação da primeira queixa e não o ter feito naquele respectivo prazo?

III

Cumpre apreciar:

1. A questão em apreço merece-nos a leitura e a interpretação de três disposições legais, sobre esta matéria.

Desde logo, o artigo 68º n º 2, do CPP, que diz o seguinte sobre a constituição de assistente nos crimes particulares:

Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.° 4 do artigo 246º.

E diz o artigo 246, nº 4, do mesmo CPP:

4 - O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.

Finalmente refere o artigo 247º, do mesmo diploma:

1 - O Ministério Público informa o ofendido da notícia do crime, sempre que tenha razões para crer que ele não a conhece.

2 - Em todo o caso, o Ministério Público informa o ofendido sobre o regime do direito de queixa e as suas consequências processuais, bem como sobre o regime jurídico do apoio judiciário.

2. É do teor destes três preceitos que emerge a solução para o presente caso concreto.

Sobre esta questão formaram-se duas correntes jurisprudenciais nos Tribunais da Relação, a propósito do alcance e natureza do prazo do artigo 68º, nº2, do CPP, para a constituição do ofendido/denunciante de crime particular, como assistente:

- Uma delas (minoritária) que defende (defendia) que aquele prazo tem natureza peremptória. Logo, se não exercido pelo ofendido o direito de se constituir assistente, em tal prazo, precludia o direito de o fazer. O processo deveria ser arquivado por falta de legitimidade do MºPº em exercer a ação penal. Mais entendia que, ainda que não tivessem decorrido os seis meses legais para o exercício do direito de queixa, o denunciante não poderia apresentar nova queixa, logo, não poderia voltar a requerer a sua constituição como assistente.

Neste sentido decidiu-se no Ac. do TRL de 25/11/2009, processo nº966/08.2GBMFR.L1, 3ª Secção, (relatado por Domingos Duarte), que o prazo em causa tem natureza peremptória e, assim, extintiva, implicando o seu decurso, de forma definitiva, a preclusão do direito de constituição como assistente por parte do denunciante.

- uma outra, que defende (defendia), que este prazo do artigo 68º, nº 2, do CP é meramente  procedimental, orientador, logo não peremptório e que, se não exercesse o direito naquele prazo de 10 dias, ainda o poderia vir a exercer, desde que o fizesse antes de se esgotar o tempo para o exercício do direito de queixa, ou seja, com a apresentação de outra queixa dentro daquele período.

Neste sentido v. o Ac. TRP de 27/5/2009, in CJ, Ano XXXIV, Tomo III/2009, pág. 224:

I. Deve ser admitido a intervir como assistente o ofendido de crime particular que apresenta o respectivo pedido depois de esgotado o prazo de 10 dias a que se refere o art.º 68º, nº2, do CPP, se ainda se não tiver esgotado o prazo para exercer o direito de queixa.

II.O prazo do artº 68º, nº2, do CPP é meramente procedimental.

E também os acs. da Relação de Guimarães, de 16/4/07 e 28/4/08, in, respectivamente, CJ/2007, Tomo II, pág. 291 e CJ/2008, Tomo II, pág. 303, onde se decidiu:

O prazo previsto no artº 68º, nº2 do CPP não é um prazo peremptório. Por isso, sempre que, dentro do prazo do exercício da queixa, a pessoa com a faculdade de se constituir assistente apresente o respectivo requerimento, o Ministério Público mantém legitimidade para prosseguir o inquérito.

E poder-se-ia ainda acrescentar uma terceira versão ou posição, que considera o prazo do artigo 68º, nº 2, um prazo peremptório, para o processo em causa, mas que existe sempre a possibilidade de o ofendido poder renovar a queixa por esses mesmos factos, se o respectivo direito não se tiver, entretanto, extinguido, o que significa que poderá ainda constituir-se assistente neste novo processo.

Neste sentido, v. Ac. TRP de 15-10-2008, CJ, 2008, T4, pág.220:

I. Tratando-se de crime particular, como é o crime de injúrias, o denunciante tem de declarar, na própria denúncia, que quer constituir-se assistente.

II. Se a denúncia for feita verbalmente e o denunciante declarar que quer constituir-se assistente, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal, que a receber, deve adverti-lo da obrigatoriedade da constituição como assistente e da necessidade de apresentar o respectivo requerimento no prazo de 10 dias a contar dessa data.

III. Tal prazo é peremptório, pelo que, decorrido ele, fica precludido o direito do ofendido se constituir assistente nesse processo pelos factos que aí denunciou. IV. O ofendido pode, no entanto, renovar a queixa por esses mesmos factos, se o respectivo direito se não tiver, entretanto, extinto.

           

3. Anota-se ainda que na reunião de trabalho realizada no dia 18-03-2010 na PGD Lisboa, ponderada a natureza do prazo a que se reporta o nº2 do artº 68º do CPP, verificou-se inexistir convergência de entendimento jurisprudencial.

Pelo que,

Face a esta oposição de julgados, consensualizou-se que será de propugnar pela posição defendida pela jurisprudência, largamente maioritária, que se vem pronunciado no sentido que o prazo cominado no nº2 do artº 68º do CPP tem natureza meramente ordenadora ou disciplinadora, que não peremptória. Trata-se de um prazo de índole processual, destinado apenas à satisfação do condicionalismo processualmente exigido para assegurar ao Ministério Público a necessária legitimidade para, em crimes de natureza particular, promover o respectivo procedimento. Por consequência, o eventual decurso de tal prazo não pode ser causa de extinção do direito de queixa, nem pode ser tido como renúncia a tal direito desde logo porque a renúncia ao direito de queixa tem de ser expressa, como decorre do artº 116º, nº1 do CP.

4. Da nossa parte, esta posição afigura-se-nos equilibrada, pondera o interesse do ofendido e, sobretudo, leva em conta e atenção que o direito substantivo (direito de queixa), deve prevalecer sobre o direito processual (exercê-lo apenas no prazo do artigo 68º, nº 2, do CPP, independentemente de ainda não se ter extinto o direito de apresentação de queixa).

Todavia, em Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º1/2011, in DR I Série de 26-01-2011, foi decidido o seguinte:

Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal.

5. Para uma melhor compreensão do alcance e teor do decido, fundamenta-se, no acórdão, nomeadamente, o seguinte:

- A punição de um crime de natureza semipública e (ou) de natureza particular não depende, portanto, apenas do preenchimento de exigências substantivas reclamando, ainda, a verificação de condições do procedimento, verdadeiros pressupostos da admissibilidade do exercício da acção penal.

            Com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o n.º 2 do artigo 68.º sofreu nova alteração, passando a sua redacção actual a ser a seguinte:

            «2 – Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º»

            7.3.1. No entanto, como vimos, o Código, na sua versão primitiva, era absolutamente omisso quanto ao momento até quando essa constituição de assistente teria de ocorrer.

            Impondo o n.º 4 do artigo 246.º a declaração obrigatória do denunciante de “que deseja constitui-se assistente” não continha o Código qualquer regulamentação, nomeadamente, indicação de prazo, relativa à concretização desse anunciado desejo. Sendo patente que a redacção do n.º 2 do artigo 68.º, na versão primitiva, tinha um âmbito de aplicação restrito aos crimes públicos e semipúblicos.

            Com a consequência de, apresentada a queixa e anunciado o desejo de constituição de assistente por parte de quem tinha legitimidade para deduzir a acusação particular, o Ministério Público ficar a aguardar a constituição de assistente para poder dar início ao procedimento, nomeadamente, proceder oficiosamente a quaisquer diligências indispensáveis à descoberta da verdade.

            No limite, a queixa podia ficar pendente até à prescrição do procedimento criminal pelo crime nela denunciado se, antes, o denunciante não viesse requerer a constituição de assistente.

            7.3.2. Com a redacção dada ao n.º 4, segunda parte, do artigo 246.º, pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o denunciante deve ser advertido expressamente da obrigatoriedade de constituição como assistente e, ainda, dos procedimentos a observar.

            Passou, assim, a consagrar-se, o direito de informação do denunciante, devendo a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal, nos casos em que a denúncia for efectuada verbalmente, advertir e elucidar cabal e convenientemente dessa obrigatoriedade e dos diversos procedimentos a observar.

            A advertência quanto à obrigatoriedade da constituição como assistente compreende o esclarecimento da consequência da não constituição como assistente, qual seja, a de o Ministério Público carecer de legitimidade para iniciar o procedimento, ou, dito de outro modo, só com a queixa mas sem a constituição de assistente não pode haver promoção do procedimento criminal pelos factos constantes da queixa.

            O dever de informação da autoridade judiciária ou do órgão de polícia criminal, compreendendo o esclarecimento adequado dos diversos procedimentos a observar para a constituição de assistente passa, necessariamente, e pelo menos, pela informação de que o requerimento para constituição como assistente tem de ser apresentado no prazo de 10 dias, a contar da data da declaração do denunciante de que pretende constituir-se assistente, que o assistente tem obrigatoriamente de ser representado por advogado e que pela constituição de assistente é devido o pagamento de taxa de justiça (artigos 68.º, n.o 2, 70.º, n.º 1, e 519.º).

            E, em casos de dúvida acerca do integral cumprimento do dever de informação e advertência estabelecido na lei, cabe ao Ministério Público ordenar a notificação do interessado para querendo manifestar o desejo de se constituir assistente, adverti-lo da obrigatoriedade da constituição como assistente e dos procedimentos a observar, fixando prazo para o efeito, sob pena de ser ordenado o arquivamento do processo por inadmissibilidade legal do procedimento decorrente da circunstância de o Ministério Público carecer de legitimidade para o exercício e prosseguimento da acção penal pelo crime particular (31) .

            …

            9. Temos, assim, que, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, a lei fixa o prazo de 10 dias, a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º, para que o denunciante requeira a constituição como assistente.

            9.1. Podemos definir prazo como o período de tempo a que a lei sujeita a prática válida de um determinado acto em juízo.

            Os prazos processuais permitem a coordenação dos diversos actos, sob um ponto de vista temporal, garantindo a celeridade da decisão dos processos, a certeza e estabilidade das situações jurídicas, o tempo necessário para a afirmação e defesa dos direitos e a salvaguarda de direitos fundamentais.

            Por isso se pode afirmar que os prazos funcionam no processo como garantia de direito público, na medida em que servem a celeridade da decisão dos litígios e o interesse particular, assegurando às partes o tempo necessário para a afirmação e defesa dos seus direitos.

            9.2. Os prazos podem classificar-se de dilatórios, peremptórios e meramente ordenadores.

            …

            Ora, parece que não subsistirão dúvidas de que a intenção do legislador foi a de, justamente, pôr termo a essa indefinida pendência dos processos por crimes particulares, fixando um prazo dentro do qual a constituição de assistente terá de ser requerida, com o objectivo de acelerar o andamento do processo, o que constitui, justamente, a finalidade dos prazos peremptórios.

            O elemento sistemático aponta também, decisivamente, no sentido de que o requerimento para constituição de assistente tem de ser apresentado dentro do prazo fixado na norma do n.º 2 do artigo 68.º; logo o contexto da lei mas também o postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente, no que se refere à matéria dos prazos processuais.

            …

            10.2. O resultado interpretativo a que se chega é o de se ter o prazo processual fixado no n.º 2 do artigo 68.º como um prazo peremptório, sujeito à regra geral do n.º 2 do artigo 107.º, e, assim, é no prazo de 10 dias, a contar da advertência e esclarecimento referidos no n.º 4 do artigo 246.º, que o denunciante, por crime dependente de acusação particular, tem de requerer a sua constituição como assistente, sob pena de se extinguir o direito de requerer a sua constituição como assistente.

            A inobservância do prazo torna inadmissível que, posteriormente, o denunciante por crime particular venha a requerer a sua constituição como assistente.

            Uma vez que é afectado de caducidade o direito de o denunciante se constituir assistente. “Extinguiu-se, caducando, o poder de causar quaisquer efeitos jurídicos através do acto que só era possível dentro do prazo.”

Também a preclusão do direito (à constituição como assistente das pessoas de cuja acusação particular depender o procedimento), pelo seu não exercício no prazo legalmente fixado para o efeito, é a consequência comum a todos os outros casos de não exercício de um direito no prazo legal – a extinção do direito. V.g., no caso de o assistente não deduzir acusação, na sequência da notificação que lhe é feita, nos termos do n.º 1 do artigo 285.º, não se podendo ver, aqui, uma consequência menos gravosa do que aquela que resulta da não constituição como assistente, no prazo legal. Num e noutro caso, do que se trata é do arquivamento do procedimento por razões formais.

            O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição dispõe que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, o que, como o Tribunal Constitucional tem entendido, implica o reconhecimento da garantia da via judiciária, a qual se estende necessariamente a todos os direitos e interesses legítimos, ou seja, a todas as situações juridicamente protegidas.

            É indiscutível a existência de um legítimo interesse específico do ofendido se constituir assistente no processo penal, especialmente no âmbito dos crimes particulares (mas também, no âmbito dos crimes públicos) e que encontra a sua consagração no direito de acesso à justiça, tutelado no artigo 20.º, n.º 1.

            Este interesse é juridicamente protegido através do próprio instituto do assistente e do direito à sua constituição e dos diversos poderes de intervenção processual que a lei lhe reconhece.

            …

            O n.º 7 do artigo 32.º da Constituição pretende dar legitimação constitucional ao direito do ofendido intervir no processo. Mas limita-se a consagrar, de forma ampla e genérica, o direito de o ofendido intervir no processo penal; diferentemente do que acontece em relação ao arguido, a lei constitucional não especifica as dimensões fundamentais do direito do ofendido intervir no processo, remetendo para a lei (“nos termos da lei”) essa tarefa.

            Temos, assim, que o preceito constitucional atribui à lei ordinária a acção modeladora do direito de o ofendido intervir no processo, que passa necessariamente pela legitimidade de o ofendido se constituir assistente e pela definição do seu estatuto processual: delimitação dos direitos, deveres e ónus processuais inerentes.

            Neste entendimento, temos por certo que a consideração do prazo do n.º 2 do artigo 68.º como prazo peremptório, com a implicada consequência de extinguir o direito de praticar o acto, não privando o ofendido de se constituir assistente nem limitando o exercício desse direito de forma desproporcionada, não comporta qualquer violação do direito constitucionalmente reconhecido ao ofendido pelo n.º 1 do artigo 20º e pelo n.º 7 do artigo 32º da Constituição.

            …

            11. A solução da preclusão do direito de o ofendido se constituir assistente pelo não exercício do direito no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º, não resolve, todavia, aquela outra questão de saber se, precludido o direito de o ofendido se constituir assistente, pode o ofendido apresentar nova queixa (pelos mesmos factos) e, a partir dela, requerer a sua constituição como assistente, assim gozando, de tantas prazos para a constituição de assistente quantas as queixa que lhe aprouver apresentar.

            Uma resposta afirmativa, por vezes sustentada na linha jurisprudencial em que o acórdão fundamento se insere, pressupõe o reconhecimento da figura da “renovação da queixa”.

            Ora, como vimos, o regime da queixa é, essencialmente, regulado no Código Penal, e, aí, não se contém qualquer norma que permita a “renovação do direito de queixa” já, antes, exercido. Por outro lado, quando o legislador quis consagrar a figura da “renovação da queixa”, fê-lo expressamente. Como é exemplo a Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho, que criou o regime da mediação em processo penal. No artigo 5.º, n.º 4, deste diploma, prevê-se, expressamente, a possibilidade de o ofendido, caso o acordo não seja cumprido no prazo fixado, renovar a queixa no prazo de um mês.

            Devendo, assim, concluir-se, com Paulo Pinto de Albuquerque (56) , que “o legislador português propositadamente omitiu uma disposição que permitisse a “repropositura da acção penal” pelo mesmo facto, ao invés do artigo 359.º do Progetto Preliminare de 1978, correspondente ao artigo 345.º do CPP Italiano, que prevê a riproponibilitá dell`azzione penale no caso de mancanza di una condizione di procedibilità”.

6. Da fundamentação do acórdão do STJ de fixação de jurisprudência, resulta inequívoco que foi considerado o prazo do artigo 68º, nº 2, do CPP como prazo peremptório, não podendo o ofendido renovar o seu pedido de constituição como assistente perante a apresentação de nova queixa, que também não poderá ser renovada.

Invoca o recorrente o disposto no artigo 445º, nº 3, do CPP que diz:

“ A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada”

Acrescentando o recorrente: o que significa que este Tribunal, ainda assim, pode decidir em apoio da tese do Recorrente, mas com o especial dever de fundamentar a divergência em relação ao acórdão uniformizador e invocando argumentos que não tenham sido considerados na decisão uniformizadora.

Respeita-se e compreende-se esta posição do recorrente. Tanto mais que a posição por si defendida tem os seus seguidores – quer na jurisprudência já citada quer na jurisprudência igualmente referida no AFJ[1], quer ainda nos três votos de vencido do AFJ.

Na verdade, afirma-se no voto de vencido do Conselheiro Manuel Braz:

Diz-se no texto do acórdão que o regime da queixa é essencialmente regulado no Código Penal, não se contendo aí qualquer norma que permita a «renovação do direito de queixa» já antes exercido.     Mas, se o Código Penal não prevê expressamente a renovação da queixa, pressupõe-na, ao negá-la no caso específico do nº 2 do artigo 116º: «A desistência impede que a queixa seja renovada».   Se houve necessidade de a recusar num caso, é porque se admite noutros. E, neste caso, não naquele, a proibição da renovação é bem justificada, pois permitir nova queixa, depois de, num acto de vontade expressa, ter tornado inoperante a anteriormente apresentada, equivaleria à desresponsabilização do queixoso pelos seus actos e a admitir que se fizesse mau uso do processo.
            Não permitindo que, inutilizada uma queixa, por inobservância do prazo do nº 2 do artigo 68º, o queixoso apresente outra, estando ainda em curso o prazo previsto no artigo 115º, faz-se equivaler esse simples vício de procedimento à desistência da queixa, o que é de todo ilegítimo, pois a desistência da queixa tem de ser inequívoca e expressa, além de só operar com a não oposição do arguido, sendo que num caso como o que está em discussão nem há ainda arguido.

A verdade é que, arquivando-se a queixa, ou seja, o processo formado com ela, em virtude de o queixoso não se ter constituído assistente no prazo previsto no nº 2 do artº 68º, nenhum fundamento legal pode invocar-se para recusar a instauração de novo processo com base em nova queixa.

Aliás, se, no processo civil, vícios de forma dão lugar à absolvição da instância, a permitir a propositura de outra acção com o mesmo objecto, como resulta dos artigos 493º, 494º, 288º e 289º, nº 1, do Código de Processo Civil, mal se compreende que no processo penal o queixoso, depois de ver inutilizada a sua queixa, igualmente por um vício formal, não possa apresentar outra relativa ao mesmo facto, enquanto não caducar o respectivo direito.

E nova queixa reabre o processo de constituição de assistente.

A pluralidade de processos ou de actividades processuais que esta solução implica é problema a que deve dar-se resposta nas leis sobre custas.

E no voto de vencido do conselheiro J. Carmona da Mota:

Com efeito, se se compreende que o processo [por crime particular] não possa ficar parado indefinidamente e que por isso não deva ser aberto o inquérito sem que o requerente se constitua assistente (e, até, que o processo deva ser arquivado se o «ofendido» não o «fizer andar», constituindo-se assistente), já não se vê qualquer inconveniente (substancial) em que - durante o prazo da prescrição do procedimento criminal - se requeira a abertura do inquérito logo que o «denunciante» reúna, finalmente, as condições indispensáveis (o pagamento da taxa de justiça «moderadora», a constituição de um advogado que o queira representar, os meios financeiros para enfrentar as respectivas despesas, as eventuais pré-negociações com o autor do crime, a reflexão exigida para se dar um passo deste alcance, etc.).

O CPP deve ser um código de exercício de direitos e não um código de negação de direitos (que, se dados com uma mão, não se pode aceitar que logo sejam retirados com a outra).

7. Esta posição, tem, pois, os seus seguidores e defensores, nos quais nos incluímos.

Todavia, foi exatamente por existir esta divergência na jurisprudência dos Tribunais da Relação, que o STJ foi chamado a pronunciar-se no sentido de fixar jurisprudência sobre a matéria.

Os fundamentos ou argumentos que poderíamos invocar para decidir em sentido oposto, são os mesmos que já constam do acórdão vencido no AFJ, nas respectivas declarações de voto de vencido dos Senhores juízes Conselheiros.

Ora, esta decisão (deste Tribunal da Relação) não pode traduzir-se simplesmente em mais um voto de vencido.

O acórdão do STJ existe precisamente para uniformizar as decisões dos Tribunais e não para manter ou perpetuar as divergências. Se assim não fosse, seria reduzir a uma inutilidade tal uniformização de jurisprudência. Não é isso o que se pretende nem deve ser esse o caminho a seguir.

Pelo que somos de entendimento que dever ser seguida tal jurisprudência.

8. Todavia, o recorrente a dado momento suscita outra questão pertinente:

A de que o ofendido não teria sido devidamente informado ou não se teria apercebido dos exatos procedimentos a seguir, dado o seu nível de escolaridade para entender devidamente estas questões processuais.

Na verdade, alega o recorrente nas suas conclusões:

3) Acontece que, pese embora, crê-se alertado para o facto, não procedeu no prazo legal à sua constituição como assistente, uma vez que, tendo solicitado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, agiu convicto que o patrono nomeado trataria de toda a documentação necessária nos autos.

4) O ofendido, não tinha, à data, qualquer consciência que o crime por si participado dependia de tal constituição para prosseguir os seus termos e que teria de juntar comprovativo do pedido de apoio judiciário nos autos para suspender tal prazo Legal.

5) Saliente-se que, o ofendido, ora Recorrente, possui baixo nível de escolaridade o que não lhe permite, muitas vezes, compreender de forma completamente esclarecida as informações que lhe são dadas, sobretudo, quando estas revestem um caráter que se pode denominar, no caso concreto, “técnico -jurídico”.
            6) A informação prestada pelo ilustre órgão de Polícia Criminal de que o ofendido tem de constituir-se assistente, no prazo Legal, sem, contudo, indicar como e em que termos, ou seja dos procedimentos a observar para tal, não se revelou, no caso concreto, suficiente para que o ofendido entendesse claramente qual o alcance da sua omissão.

7) Refira-se que o art.° 246.° n.º 4 do Código de Processo Penal refere a obrigatoriedade de advertir o denunciante para a constituição de assistente e dos procedimentos a observar.

8) Nunca foi o ofendido, ora Recorrente, advertido dos procedimentos a observar.

9) Em 28 de abril de 2014, foi-lhe nomeada defensora oficiosa, que, em 30 de Abril, 2014, solicitou a sua constituição como Assistente, por desconhecer que o ofendido não o tivesse feito, aliás, este não conseguiu dar-lhe essa informação por não ter, mais uma vez, consciência plena dessa figura legal.

9. Como resulta dos fundamentos do AFJ, o prazo do artigo 68º, nº 2, só deve considerar-se peremptório e considerar-se precludido o direito de constituição como assistente – se não for exercido naquele prazo – se for escrupulosamente cumprido o disposto no artigo 246º, nº 4, do CPP, cujo teor já se mostra supra citado. Informação que no presente caso abrange todos os procedimentos e formalidades inerentes ao pedido de assistência jurídica, que foi formulada pelo assistente.

E foi exatamente por o ofendido não ter dado entrada nos autos do requerimento do pedido de assistência jurídica, que o prazo não foi suspenso e não voltou a correr de novo com a concessão daquela (assistência jurídica) – momento em que o ofendido já tinha então advogado para o assistir tecnicamente.

Com efeito, no primeiro despacho judicial que indeferiu o pedido do recorrente, decidiu-se:

            “E, nos termos do artigo 24.°/4 da Lei n.° 34/2004, de 29.07, na redação atualizada, que regula o regime de acesso ao direito e aos tribunais e a respeito do Apoio Judiciário e da autonomia do seu procedimento, prevê que Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo (sublinhado nosso). Prazo esse que inicia-se a partir da notificação ao patrono da sua designação — Cfr. n.° 5 do referido preceito legal.

Considerando as previsões legais aplicáveis, e tendo em conta que o denunciante requereu a concessão de apoio judiciário na modalidade, entre outras, de dispensa de pagamento de compensação a patrono a nomear, através de requerimento datado de 03/03/2014, mas não juntou aos autos o respetivo documento comprovativo a fim de interromper aquele prazo de 10 (dez) dias em curso desde 24/02/2014, o mesmo decorreu. esgotando-se a 06/03/20 14.

Pelo que, conforme notado pela Digna Magistrada do Ministério Público, o pedido de constituição de assistente formulado a 30/04/20 14 é extemporâneo, em razão do que não admito A... a intervir nos autos como assistente”.

            10. Como se decidiu no 5. Ac. TRE de 29-05-2012 :

             1. O prazo do art. 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, está indissociavelmente ligado ao cabal cumprimento do dever de advertência e informação consagrado no art. 246.º, n.º 4, do mesmo diploma.
            2. O mesmo art. 246.º, n.º 4, impõe ao Ministério Público o dever de informação do denunciante de crimes particulares, ainda que este esteja patrocinado por advogado e que a denúncia tenha sido feita por escrito e com a menção explícita de que irá constituir-se como assistente.

            10.1. O mesmo se decidiu no E ainda o Ac. do TRG de 2-05-2012, CJ, T3, 2012, pág.310:

            I. O requerimento para a constituição de assistente, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, tem de ser apresentado no prazo de dez dias, a contar da advertência referida no artº246º, nº4, do CPP.

             II. Essa advertência consiste na informação ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, e deve ser feita, mesmo que o denunciante já esteja representado por advogado.

            III. Se a advertência referida nos artºs 68º, nº2 e 246º, nº4, do CPP, não foi efectuada, não releva para o efeito preclusivo adjectivo, a que alude o AFJ nº1/2011, valendo, para constituição de assistente, o prazo de seis meses previstos no artº115º, n.º 1, do CP.

11. Acontece que, por um lado, dos autos não resulta inequívoco que o ofendido não foi devidamente esclarecido de todos os procedimentos e formalismos a seguir. É que, segundo a notificação de fls. 4, assinada pelo ofendido e da qual lhe foi entregue cópia, constam, enumerando-os, todos os elementos e esclarecimentos que devem ser dados nesta situação.

Também é verdade que, pese embora esta enumeração por escrito, nada garante que tais itens lhe foram esclarecidos pelo OPC e, por sua vez, que o ofendido os compreendeu e assimilou devidamente, maxime, no caso, a necessidade de juntar aos autos o requerimento do pedido de assistência jurídica.

Mas, ainda que tal tivesse ocorrido, ou seja, que o ofendido não tenha compreendido ou não tenha sido devidamente esclarecido de todos os procedimentos a executar para se constituir assistente no caso de ter que formular pedido de apoio jurídico, a verdade é que a apreciação desta questão é, neste momento, extemporânea.

Com efeito, no despacho judicial de 8.5.2014, despacho que indeferiu pela primeira vez o pedido do ofendido de constituição como assistente, constam os fundamentos de tal indeferimento: extemporaneidade, por não ter sido junto o requerimento do pedido de apoio jurídico que interromperia o prazo em curso. Este despacho mostra-se supra transcrito, nesta parte.

Ora, entendendo o ofendido, ora recorrente, já na altura com advogado constituído, que não tinha sido devidamente esclarecido dos procedimentos a observar como impõe o artigo 246º, nº 4, do CPP, deveria logo, naquele momento, impugnar a decisão exatamente com esses fundamentos. Ou seja, o recurso que é agora interposto do segundo despacho judicial que indeferiu pela segunda vez o pedido de constituição de assistente, deveria ter sido logo interposto do primeiro despacho com aqueles fundamentos.

Mas o recorrente não tomou esta iniciativa, não tomou esta opção.

Segundo afirma, conformou-se com tal decisão e, em vez de a impugnar, optou por apresentar uma segunda queixa e requerer novo pedido de constituição de assistente.

É o mesmo a firmá-lo a fls. 26 – na motivação do recurso – dizendo:

“…notificado por ofício datado de 9.5.2014 do despacho de não admissão do ofendido como assistente nos autos por o pedido ser extemporâneo face à advertência que, crê-se, foi efectuada verbalmente por órgão de polícia criminal aquando da apresentação da queixa, pese embora sem a indicação dos procedimentos a adotar, tomou plena consciência da sua omissão de entrega de documento comprovativo de apoio judiciário nos autos, que suspendesse o prazo legal para a sua constituição como assistente.

E porque ainda em curso o prazo de direito de queixa previsto no artigo 115º do Código Penal, o ofendido apresentou nova queixa, ainda que pelos mesmos factos para noutro e autónomo procedimento criminal fazer valer os seus direitos, uma vez que a falta de indicação dos procedimentos nos termos do artigo 246º, nº 4, do Código de Processo Penal, determinaria o arquivamento inevitável dos autos 43/14.7GAVZL”.

E nas conclusões 10) e 12), volta a dizer:

10 - Notificado do Despacho de não admissão do ofendido como assistente nos autos de Processo n.° 43/14.7GAVZL e porque ainda em curso o prazo de direito de queixa previsto no art.° 115.° do Código Penal, o ofendido apresentou nova queixa (nuipc 121/14.2GAVZL) ainda que pelos mesmos factos, para noutro e autónomo procedimento criminal fazer valer os seus direitos, uma vez que a falta de indicação dos procedimentos a adotar e a não constituição como Assistente tempestivamente, determinou o arquivamento inevitável dos autos n.° 43/14.7GAVZL.         
            12 - A nova queixa foi apresentada, tão-somente, porque o ora Recorrente não foi informado dos procedimentos a adotar pelo órgão de Polícia Criminal para a constituição de Assistente, nos termos do Art° 246.° n.°4, do CPP e, por isso, não apresentou tempestivamente o pedido.

12. Quando o recorrente apresenta esta segunda queixa (bem como quando apresentou a primeira), já vigorava o AFJ nº 1/2011, do STJ, supra citado e analisado.

Logo, o caminho a seguir, não deveria ser apresentar simplesmente nova queixa para formular novo pedido de constituição como assistente, mas sim impugnar, mediante recurso, tal despacho – ou eventualmente reclamar do despacho de indeferimento alegando exatamente a falta de informação do ofendido sobre os procedimentos a seguir - podendo e devendo terem sido efectuadas diligências nesse sentido.

Com a apresentação da segunda queixa e indeferimento da constituição do ofendido como assistente, o objecto do recurso passou necessariamente a ser outro: não o indeferimento por extemporaneidade – onde se poderia debater a questão da informação do artigo 246º, nº 4, do CPP -, mas sim da possibilidade de apresentação de nova queixa ainda no prazo dos seis meses.

Digamos que a referência ao desconhecimento ou falta de informação do ofendido sobre os procedimentos exigidos pelo artigo 246º, nº 4,do CPP, no presente recurso, é, neste momento, extemporânea, logo inócua. Deveria ter sido invocada logo após o primeiro indeferimento.

E já se viu que esta segunda queixa, no circunstancialismo em que foi feita, não é admissível, segundo o teor do AFJ.

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso do recorrente A... , mantendo-se a decisão recorrida.

           

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs.

Coimbra, 6 de Maio de 2015

(Luís Teixeira - relator)

(Calvário Antunes - adjunto)


[1] Sendo certo que este AFJ só surge por oposição de julgados pelos acórdãos em questão.