Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/14.9T8GVA-B.P1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
REDUÇÃO
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GOUVEIA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº 22/2013 DE 26/2, PORTARIA Nº 51/2005 DE 20/1, ART. 39 CIRE
Sumário: 1. A redução a ¼ do valor da remuneração fixa a pagar ao Administrador de Insolvência, prevista no nº4 do Estatuto do Administrador de Insolvência só se aplica aos casos em que é proferida sentença simplificada de declaração de insolvência ao abrigo do disposto no art. 39º do CIRE.

2. A 2ª prestação vence-se seis meses após a nomeação do AI ou aquando da data de encerramento do processo, se esta ocorrer antes de decorridos os referidos seis meses.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

No presente processo de insolvência, declarada que foi a insolvência da devedora, decretado o encerramento do processo por insuficiência de bens da massa, e determinado o prosseguimento do incidente de qualificação da insolvência como limitado,

o Sr. Administrador de Insolvência veio requerer o pagamento da 2ª prestação de honorários no montante de 1.000,00 €, vencida a 22.12.2014, data em que o processo foi encerrado por insuficiência da massa.

O Juiz a quo veio a indeferir o requerido, pelo seguinte despacho:

“Nos termos do artigo 30º, nº 4 do Estatuto do Administrador da Insolvência, a remuneração do administrador da insolvência, prevista no artigo 23º, nº 1 do aludido diploma legal e no artigo 1º, nº 1 da Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro, no montante de € 2000,00, é reduzida a um quarto, quando ocorram os casos previstos no artigo 39º do C.I.R.E., isto é, seja declarado aberto incidente de qualificação com carácter limitado.

É o que ocorre neste processo, tendo sido proferida decisão de encerramento do processo, com determinação do incidente de qualificação como limitado – artigos 39º e 232º do C.I.R.E.

No cotejo do exposto, indefiro o requerido.”

Inconformado com tal decisão, o AI dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

 

1. Vem o presente recurso interposto do despacho de 1.a instância, na qual o Exmo. Sr. Juiz a quo indeferiu o pagamento da segunda prestação ao AI, no valor de €1.000,00.

2. (…).

3. No douto despacho recorrido, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que não seria devida a segunda prestação da remuneração ao AI na medida em que “foi  proferida decisão de encerramento do processo com determinação do incidente  de qualificação como limitado - art. 39º e 232º do CIRE.”

4. Porém e salvo o devido respeito, impunha-se decisão diversa, pois a sentença de declaração de insolvência não foi decretada ao abrigo do disposto no art. 39º do CIRE.

5. Na verdade, na sentença de insolvência proferida nos autos foi declarado aberto o incidente pleno de qualificação da insolvência, tendo a sentença contido todas as menções constantes do artigo 36º do CIRE;

6. E na qual se incumbiu o AI, ora recorrente, de praticar um conjunto de atos e  diligências alargadas, nomeadamente:

- Receção, análise e tratamento das reclamações dos credores;

- Elaboração do Relatório, inventário e lista provisória de credores;

- Apreensão dos elementos contabilísticos;

- Elaboração do auto de apreensão dos elementos contabilísticos;

- Análise dos elementos contabilísticos;

- Pesquisa de existência bens com vista à sua apreensão;

- Realização e participação na Assembleia de credores;

7. Por conseguinte, a sentença em causa não foi declarada nos termos do artigo 39º do CIRE, em que seria aplicável a situação remuneratória descrita no nº 4 do artº 30 da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro.

8. Na atividade que desenvolveu nos autos, o AI não se limitou à mera elaboração do parecer a que se refere o nº 2 do artigo 188º do CIRE, conforme dispõe o artigo 39º, nº 7 alínea c) deste diploma.

9. Pois, teve que realizar muitas outras diligências, nomeadamente (…)

10. Pelo que as tarefas e diligências desenvolvidas foram as normais a uma  situação de insolvência com carácter de qualificação de incidente pleno, apenas  não tendo sido concretizada nos autos a apreensão de bens por inexistência  destes, no que se frustraram a consequente liquidação e o pagamento aos credores.

11. Todavia, a inexistência de bens apenas implica a privação da remuneração ao AI quanto à componente variável indexada ao valor da liquidação, que poderia atingir um montante até 50.000,00 euros, pois não houve bens apreendidos pela massa insolvente.

12. Do exposto resulta que o encerramento do processo não se verificou aquando da prolação de sentença de declaração de insolvência, mas sim posteriormente, nos termos do disposto no nº 1 e 2 do art. 232º do CIRE, em virtude de trabalho posterior desenvolvido pelo recorrente no sentido do apuramento da insuficiência de bens para a satisfação das custas e restantes dívidas da massa.

13. Assim, não será de aplicar o n. 4 do art. 30º da Lei nº 22/2013, não sendo a remuneração do AI reduzida a 1⁄4 do valor fixado na Portaria prevista no n.o 1 do  art. 23º do mesmo diploma.

14. Como haviam já decorrido seis meses desde o início do processo, tinha o ora recorrente, efetivamente, direito a receber a segunda prestação no valor de  €1.000,00, o que, quod est demonstrandum, lhe foi indevidamente negado.

15. No sentido do entendimento que vimos sufragando, pronunciou-se já o Venerando TRC por Acórdão de 11-03-2014, bem como o Venerando TRG por Acórdão de 28-01-2015.

16. Assim, ao ter negado o pagamento da segunda prestação ao ora recorrente, não interpretou e aplicou o Mmo. Juiz a quo, devidamente, o regime remuneratório previsto nos arts. 23º e nº 4 do art. 30º do Estatuto dos Administradores Judiciais, aprovado pela Lei 22/2013, conjugado com o regime dos artºs. 36º, 39º e nº 1 e 2 do art. 232º do CIRE, bem como o da Portaria n. 51/2005, de 20 de Janeiro, cujas disposições foram violadas e deverão determinar a revogação da decisão contida no despacho recorrido, ordenando-se o pagamento ao recorrente da segunda prestação da remuneração devida, no montante de €1.000,00.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Pelo juiz a quo foi ainda proferido o seguinte despacho:

Muitas vezes somos traídos pela celeridade que tentamos incutir nos processos e na sua tramitação, tornando o teor das nossas decisões menos preciso. Por uma questão de transparência e de colaboração profere-se o seguinte.

Queremos com isto dizer que sustentamos a decisão por nós proferida, com o complemento e esclarecimento de que verdadeiramente o que motivou o indeferimento em causa foi o facto de não terem decorrido seis meses da data da declaração de insolvência e da sentença de encerramento do processo. Consideramos que está em causa uma obrigação sob condição de se verificarem os seis meses e não de uma obrigação que se verifica independentemente dos seis meses.

Notifique o Sr. AI do presente despacho para, querendo, manter ou alterar a posição assumida.”
O AI respondeu que uma vez que o despacho mantém a posição anteriormente assumida, também ele mantém a sua, tendo já interposto recurso para a Relação.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é unicamente a seguinte:
1. Se é ou não devida ao AI a 2ª prestação prevista no artigo 29º, nº2 do Estatuto do Administrador de Insolvência.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
 
 
Do despacho recorrido e do despacho de “sustentação” da decisão recorrida, constata-se que o juiz a quo fundamenta o indeferimento do requerido – pagamento da 2ª prestação de 1.000,00 €, prevista no nº2 do art. 29º do Estatuto do Administrador de Insolvência (aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro) – em duas ordens de razões:
- no disposto no nº4 do art. 30º do Estatuto do A.I., que impõe a redução a ¼ da remuneração do AI “nos casos previstos no art. 39º do CIRE, isto é, seja declarado aberto incidente de qualificação com carater limitado”;
- no facto de ainda não terem decorrido seis meses desde a data da declaração de insolvência ou desde o encerramento do processo.
Teremos de discordar do indeferimento decretado pelo juiz a quo.
Como resulta do teor do nº 4 do artigo 30º do EAI, nomeadamente, do confronto com o seu nº1, que se reporta, aí sim, expressamente “às situações previstas nos artigos 39º e 232º do CIRE” (para efeitos de determinar quem suporta, em tais casos, a remuneração do AI e o reembolso das despesas), a redução da remuneração do AI, a ¼ do valor fixado no art. 23º da Portaria nº 51/2005, de 20.01, encontra-se prevista unicamente para “os casos previstos no artigo 39º do CIRE”.
E quais são os casos previstos no artigo 39º do CIRE?
São aqueles em que, concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, o juiz profere uma sentença de declaração de insolvência com efeitos limitados (sendo irrelevante que a mesma seja, ou não, acompanhada da abertura do incidente de qualificação de insolvência).
Em tais casos, é proferida uma sentença simplificada, em que a declaração de insolvência não desencadeia a generalidade dos efeitos que normalmente lhe estão ligados – não é aberto o concurso de credores, há lugar à apreensão de bens e o devedor mantem a administração dos bens – limitando o administrador de insolvência a sua atividade à elaboração do parecer a que se refere o nº2 do art. 188º. E, não vindo a ser requerido o complemento da sentença, o processo é declarado findo logo que ela transite em julgado.
Ora, é este procedimento abreviado que, nos casos do art. 39º (com, ou sem, incidente de qualificação de insolvência, a existir, com carater limitado) justifica a redução da remuneração do administrador de insolvência.
No caso em apreço, a sentença não foi proferida ao abrigo do artigo 39º, nela se tendo dado cumprimento a todas as alíneas previstas no nº1 do artigo 36º, decretando, nomeadamente a apreensão de bens, designando prazo para a reclamação de créditos e designando dia para a Assembleia de Credores a que se refere o art. 156º do CIRE.
Assim sendo, a remuneração do AI não se encontrava abrangida pela redução a ¼ prevista no nº4 do artigo 30º do Estatuto.
Refere ainda o juiz a quo, como obstáculo ao pagamento da 2ª prestação, “o facto de não terem decorrido seis meses da data da declaração de insolvência e da sentença de encerramento do processo”, sem que identifique a norma em que baseia tal exigência.
Depreendendo-se encontrar-se em causa o nº 2º do art. 29º do Estatuto do AI, nele se dispõe: “A remuneração prevista no nº1 do art. 23º (remuneração fixa) é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a 1ª na data da nomeação e a 2ª seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo”.
Vencendo-se, em regra, a 2ª prestação, seis meses após a nomeação do AI, da expressão “mas nunca após a data de encerramento do processo”, não extraímos que, caso o processo venha a ser encerrado antes de terem decorrido seis meses sobre a sua nomeação o AI deixa de ter direito à 2ª prestação, mas, tão só, o sentido de que, em tal caso, o vencimento da 2ª prestação é antecipado, fazendo-o coincidir com a data de encerramento do processo.

A apelação será de proceder, reconhecendo-se o direito do AI ao recebimento da 2ª prestação, a suportar pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, nos termos do nº1 do artigo 30º.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, deferindo-se o requerido

Sem custas.                    

Coimbra, 02 de junho de 2015

 (Maria João Areias – Relatora )

(Fernando Monteiro)

(Luís Cravo)