Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1106/09.6TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
SUPERVENIÊNCIA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 01/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 814º, Nº1, AL. G), DO CPC
Sumário: I – Para efeitos do artº 814º, nº 1, al. g), do CPC, tendo em vista o exercício do direito de compensar através da oposição à execução, a superveniência da compensação deve ser aferida pela “situação de compensação” e não pela “declaração de compensação”.

II – Tornando-se os créditos compensáveis após o termo da fase de discussão e julgamento, designadamente porque o crédito principal só se constituiu com a sentença na acção declarativa, a compensação com o contra-crédito, apesar deste ser anterior, não pode ser invocada no processo declarativo, sendo legítima a sua apresentação como fundamento de oposição na execução subsequente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I - RELATÓRIO

1.1. - A exequente - A..., S.L. Unipessoal – instaurou ( 29/4/2009) na Comarca da Figueira da Foz acção executiva, para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra a executada - B..., Lda.

         Com fundamento em sentença judicial de 28/11/2006, proferida pelo tribunal de 1ª instância de Ciudad Rodrigo, Espanha, revista e confirmada pela Relação de Coimbra em 3/3/2009, pediu a condenação da executada a pagar-lhe € 10.201,89.

         1.2. – A executada deduziu ( 4/11/2009 ) oposição à execução, alegando, em resumo:

         Tem um contra-crédito sobre a exequente no montante de € 60.922,28 (sendo € 50.000,00 de capital, acrescido de custas de € 2.041,45 e juros legais, no valor de € 8.880,83 devidos, a contar da citação ), conforme sentença confirmada pelo Tribunal da Relação da Província de Salamanca.

         Concluiu pedindo o reconhecimento da sentença nº 49/08 de 12/6/2008, confirmada na apelação nº 397/08 do Tribunal da Relação da Província de Salamanca e a procedência da excepção da compensação, com a extinção da execução, entre o crédito reclamado pela exequente e o que a executada/oponente detém sobre ela, no valor de € 60.922,28.

         Contestou a exequente opondo-se ao reconhecimento da sentença estrangeira, bem como à excepção da compensação, porque o crédito da oponente é anterior, não se verificando o pressuposto do art.814 nº2 g) CPC.

         1.3. – Por sentença de 22/3/2010 ( fls.86 a 94) decidiu-se:

         a) - Declarar executória, de acordo com o art.38 do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, a sentença junta ( fls.12/42), proferida pelo Estado Espanhol.

         b) - Julgar procedente a oposição e operando a compensação do crédito oposto pela executada ( de € 25.000,00 ), declarar extinta a dívida reclamada pela exequente de € 10.201,89, absolvendo a executada da instância executiva.

         1.4. – Inconformada, a exequente recorreu de apelação ( fls.104 a 111 ), com as seguintes conclusões:

[…]

         Contra-alegou a executada, preconizando a improcedência do recurso.


II - FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – O objecto do recurso:

         As questões submetidas a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes:

         (1ª) A nulidade da sentença ( omissão de pronúncia );

         (2ª) O exercício da compensação pela executada através da oposição à execução, nos termos do art. art.814 nº1 g) CPC ( momento relevante para aferir da superveniência ).

         2.2. – O tribunal deu como provados os seguintes factos:

a) - Por sentença proferida em 28 de Maio de 2007, no processo nº 245/2006, que correu termos pelo Tribunal de 1ª instância nº 1, de Ciudad Rodrigo, Espanha e respectiva rectificação de 30 de Maio de 2007, transitada em julgado, foi a ora executada “B..., Lda” condenada no pagamento de custas no montante de € 8.376,13 acrescido de juros de mora à taxa de 4%, no montante de € 811,45 e sanção pecuniária compulsória no valor de € 1.014,31, num total de €10.201,89 (dez mil duzentos e um euros e oitenta e nove euros).

b) - Por Acórdão da Relação de Coimbra de 03-03-2009, foi concedida a revisão e confirmação desta sentença, requerida pela ora exequente “ A..., S.L.Unipessoal”.

c) - Por sentença nº 49/08 de 12-06-2008 confirmada por sentença de 17-02-2009, no processo ordinário de apelação nº 37/08 do Tribunal da Relação da Província de Salamanca, foi a exequente condenada a pagar à ora executada, conjuntamente com C..., a quantia global de € 50.000,00 acrescida de custas, no valor de € 2.041,45  e juros legais devidos no valor de € 8.880,83, a contar da data da citação (em 06-01-2006) até ao seu integral pagamento.

d) - Com data de 15-09-2009, a executada enviou à exequente, por carta registada com A/R uma carta de onde consta além do mais cujo teor se dá por reproduzido “Assunto: Interpelação para compensação” a qual veio a ser devolvida à executada com menção de “Destinatário ausente, empresa encerrada, devolvido” (cfr fls 45 a 49).

e) - Com data de 22-10-2009, foi novamente enviada para a exequente correspondência com a mesma finalidade, tendo sido deixado aviso (cfr fls 51).

         2.3. - 1ª QUESTÃO

A nulidade da sentença, […]

         2.4. - 2ª QUESTÃO

         Problematiza-se no recurso o exercício do direito de compensar através da execução à oposição, face ao estatuído no art.814 nº1 g) CPC, já que as partes não puseram em causa a validade e reciprocidade de ambos os créditos.

         A sentença julgou procedente a compensação com o contra-crédito da executada ( € 25.000,00 ), provado documentalmente ( sentença estrangeira), argumentando ser relevante a declaração de compensação, que ocorreu com a notificação da oposição à exequente ( dada a devolução das cartas ).

         Em contrapartida, objecta a apelante dizendo que a excepção da compensação é oponível em execução desde que a “situação de compensação” seja posterior ao encerramento da discussão do processo de declaração, o que não sucede.

         Para tanto, alega que o crédito da exequente se constituiu com o trânsito em julgado da decisão proferida no processo nº 245/06, que se verificou em 30/5/2007, por se tratar de crédito resultante de custas processuais, e o crédito da executada constituiu-se em 6/1/2006 e 30/1/2006, correspondente à data da emissão dos cheques.

         Assim, o crédito que se pretende ver compensado ( crédito da executada ) é anterior ao crédito exequente ( crédito da exequente ).

A compensação ( art.847 CC ) é uma forma de extinção das obrigações, no caso de créditos recíprocos, em que o credor de uma delas é devedor na outra e o credor desta última é devedor na primeira. Ou seja, se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

A compensação funda-se em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte.

Pressupõe a reciprocidade dos créditos, a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra-crédito, a fungibilidade e homogeneidade das prestações, a existência e validade do crédito principal.

Ela efectiva-se mediante declaração de uma das partes à outra ( art.848 nº1 CC ), mas por força da retroactividade ( art.854 do CC) considera-se extinta a dívida no momento em que se tornam compensáveis.

O regime da compensação é, assim, erigido com base no direito potestativo ( “declaração de compensação”) e na retroactividade ( “situação de compensação “), adoptando-se o sistema da declaração com eficácia retroactiva ( cf. VAZ SERRA, “Compensação”, BMJ 31, pág.13 e segs., ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 4ª ed., pág.185 e segs.).

         Coloca-se a questão de saber se, para efeitos do art.814 nº1 g) CPC e baseando-se a execução em sentença, a superveniência da compensação é aferida pela “declaração de compensação” ou antes pela “situação de compensação”.

         Para VAZ SERRA o que releva é a declaração de compensação, ao escrever - “ (…) o que, no caso da compensação, extingue o crédito, não é a situação de compensação ( compensabilidade dos créditos ), mas a declaração de compensação, e, portanto, se esta for posterior ao encerramento da discussão do processo declarativo, tanto basta para poder ser oposto pelo devedor-executado ao credor-exequente “ ( “Algumas questões em matéria de compensação no processo”, RLJ ano 105, pág.52 ).

         No entanto, a orientação dominante, que aqui se acolhe, é no sentido de o momento determinante da superveniência ser o da “situação de compensação”.

         Argumenta-se, além do mais, que se fosse de considerar o momento da “declaração de compensação”, deixaria de ter significado o ónus da apresentação da excepção na contestação, já que o demandado poderia sempre torná-la superveniente ao emitir a declaração compensatória posteriormente ao termo da contestação ou do encerramento da discussão e julgamento ( cf. TEIXEIRA DE SOUSA, “ Observações críticas sobre algumas alterações  ao Código de Processo Civil”, BMJ 328, pág.113 ).

         Por isso, para se aferir se o facto extintivo da compensação é anterior ou posterior ao encerramento da discussão da matéria de facto releva o momento em que se verificam as condições de compensabilidade ( cf. MIGUEL MESQUITA, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, 2009, pág.470 e segs.; Ac STJ de 6/10/87, BMJ 496, pág.500, Ac RC de 24/3/2009 ( proc. nº 67/03 ), em www dgsi.pt ).

Vejamos das condições de compensabilidade na situação dos autos.

         Competia à executada/oponente a alegação da “situação de compensação”, mas como partiu do pressuposto de que o momento relevante era o da declaração ( cf. arts.8 a 10, 16 a 20 da oposição ), não curou de alegar concretamente o nascimento do seu contra-crédito com vista à superveniência da compensação.

         Verifica-se, no entanto, ter junto a sentença de 12/6/2008 de fls.14 e segs., para a qual remete ( cf. art.5º ), donde se extrai que o crédito da executada contende com o não pagamento dos títulos de crédito ( “cheque” e “pagaré” ) de 6/1/2006 e 30/1/2006, emitidos para pagamento dos veículos vendidos pela executada.

         Sem dúvida que o crédito da executada sobre a exequente é anterior ao crédito desta sobre aquela, constante da sentença exequenda, transitada em julgado em 30/5/2007.

         Porém, importa saber não apenas a data da constituição dos créditos, mas quando é que ambos se poderiam compensar, ou seja, quando se verificaram as condições de compensabilidade.

         Ora, porque o crédito da exequente se constituiu com a sentença de 28 de Maio de 2007 ( como, aliás, reconhece  a apelante ), em que a executada foi condenada a pagar-lhe € 8.376,13, a título de despesas judiciais ( pela “minuta da letrada” e “despesas do procurador “)  significa que antes não era possível operar a compensação, logo não podia ser arguida no processo declarativo pendente, sendo, por isso, legitima como fundamento da oposição, na acção executiva subsequente ( cf., neste sentido, TEIXEIRA DE SOUSA, loc.cit., pág.113 ).

         Na verdade, como elucida VAZ SERRA, a “ situação de compensação é a situação que se verifica quando dois créditos se encontram em estado de poderem ser compensados. Então cada uma das partes está já na situação material em que estaria se ambas as prestações tivessem sido efectuadas, pois cada uma delas tem já o mesmo valor que devia obter com a prestação “( BMJ 31, pág.17 ).

         Não obstante o crédito activo ou contra-crédito da executada ser anterior ao da exequente, como o crédito desta ( chamado de “crédito principal” ) se constituiu com a sentença judicial ( sendo a sentença constitutiva porque com ela nasceu a obrigação do pagamento das despesas judicias, e não durante a lide, como obrigação condicional), facilmente se concluiu que até lá não havia condições de compensabilidade.

         Embora com diversa fundamentação, confirma-se a sentença recorrida, improcedendo a apelação.

         2.5. – Síntese conclusiva:

1. Para efeitos do art.814 nº1 g) CPC, tendo em vista o exercício do direito de compensar através da oposição à execução, a superveniência da compensação deve ser aferida pela “situação de compensação” e não pela “declaração de compensação”.

         2. Tornando-se os créditos compensáveis após o termo da fase de discussão e julgamento, designadamente porque o crédito principal só se constituiu com a sentença na acção declarativa, a compensação com o contra-crédito, apesar deste ser anterior, não pode ser invocada no processo declarativo, sendo legítima a sua apresentação como fundamento de oposição na execução subsequente.


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:


1)

         Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.


2)

         Condenar a apelante nas custas.


JORGE ARCANJO (RELATOR)
ISAÍAS PÁDUA
TELES PEREIRA