Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
108/11.7TXCBR-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 02/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TRIBUNAL DA EXECUÇÃO DAS PENAS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 61.º DO CP
Sumário: I - Para se poder concluir por um juízo de prognose favorável tendente à concessão da liberdade condicional, não basta que o condenado tenha em reclusão bom comportamento, e que aparente uma perspectiva de vida de acordo com as regras sociais vigentes.

II - Para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva decisivamente é a sua “capacidade objectiva de readaptação”, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.

III - No caso ocorrido, ainda que o condenado - pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes - mantenha um “comportamento abstinente de drogas” - aspecto quase irrelevante tendo em conta a sua situação de recluso -, as demais circunstâncias envolventes, com particular relevo para o registo de mais de uma condenação pelo cometimento do referido ilícito penal, a na superação (total) da sua condição de toxicodependente, e a ausência de propostas concretas de trabalho, acentuam fundadas reservas quanto ao comportamento futuro do visado fora do EP se pautar de acordo com os padrões legais instituídos, justificando-se, deste modo, a não concessão da liberdade condicional (facultativa).

Decisão Texto Integral:  
  Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


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            A - Relatório:                                                                                          

            1. Nos Autos de Liberdade Condicional registados sob o n.º 108/11.7TXCBR-B que correm termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Secção Única, em que é condenado A..., foi decidido pela Meritíssima Juiz, em 27/10/2014, não lhe conceder a liberdade condicional.

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            2. Inconformado com esta decisão, recorreu o recluso, em 27/11//2014, pedindo a revogação da mesma e a sua substituição por outra que lhe conceda a liberdade condicional.

            Apresentou as seguintes conclusões:

1) A douta decisão não está devidamente fundamentada e inexiste matéria objetiva que sustente a não verificação do pressuposto no artigo 61º, nº 2, alínea b), do CP.

2) Relativamente a este requisito, a decisão esteira-se em considerações doutrinais e não apresenta factos que, concretamente, comprovem que a libertação do arguido, à metade da pena, colocará em crise os princípios da proteção da comunidade no que diz respeito à defesa da ordem e paz social.

3) A decisão considerou provados os factos que preenchem os requisitos da prevenção especial, realçando o recorrente a valorização que a decisão atribui à “consciência crítica que o arguido revela relativamente aos crimes cometidos, e bem assim sobre a existência de potenciais vítimas dos mesmos, reconhecendo-se até que a sua detenção e prisão foi positiva, na medida em que lhe permitiu interromper o percurso aditivo e perspetiva a necessidade de alterar o seu comportamento”.

4) Se este aspeto é por si decisivo, se não mesmo o mais importante, para estarem assegurados e preenchidos os requisitos previstos na alínea a) do nº 2 do artigo 61 do c.p., entende o recorrente que o mesmo também poderá ser apreciado para considerar que a libertação não é incompatível com a segurança, a confiança e a preservação da ordem e paz social.

5) Provado que, no meio social de inserção, não existem problemas sociais, de não ser previsível “reações negativas ao seu regresso” (cfr. 17), de terem sido bem sucedido as medidas de flexibilização da pena (cfr. 16) e de não estar indicado sentimentos de rejeição ou hostilização à sua presença, só reforça a posição para que a designada comunidade jurídica, que também é o meio social em que está inserido, sinta confiança e segurança e, em consequência, seja preservada a ordem e a paz social.

6) A comunidade tem motivos para se sentir protegida com a ação dos tribunais porque o arguido interiorizou a necessidade de modificar comportamentos, reparou os efeitos nefastos da sua conduta ilícita e a comunidade não manifesta sentimentos de insegurança ou repulsa relativamente àquele.

7) O recorrente não concorda com a decisão no que se reporta ao conceito de prevenção geral, pois é um mero conceito de direito e não está materializada a noção de “comunidade em geral” e a quem se pretende transmitir segurança, confiança e paz social.

8) A comunidade em sentido amplo, ou seja, “esse meio social de inserção”, para e por quem a douta decisão invoca a necessidade de segurança, confiança e paz social tem de ser “o meio” onde, como consta da douta decisão, “não se prevêem reacções negativas ao seu regresso” e não estão identificados sentimentos de rejeição.

9) A compatibilidade de libertação do condenado com a defesa da ordem e da paz social a que se reporta a alínea b) do nº 2 do artigo 61º do c.p. deve ser aferida tendo em conta o meio social em que o arguido praticou o crime e não ser uma concepção totalmente abstrata, um mero conceito.

10) Embora se reconhecendo a gravidade do crime (tráfico de estupefacientes) pelo qual sofreu a pena mais elevada, o de falsidade de testemunho é consequência “natural” e “habitual” do crime principal e também não pode deixar de ser valorado que o crime de tráfico de estupefacientes resultou da situação de consumo de estupefacientes (cfr. pontos 5 e 6) e, por isso, a prática do crime mais grave foi consequência deste estado de necessidade e não uma perda absoluta de parâmetros morais ou éticos/jurídicos.

11) Apesar de se saber que o parecer do conselho técnico não tem carácter vinculativo é certo que o deste conselho foi maioritariamente favorável à concessão da liberdade condicional, o que indicia fortemente, se o não prova cabalmente, que a restituição do recorrente à liberdade, embora sujeito ao cumprimento do respetivo programa, também não faz perigar o disposto no artigo 61º nº 1 alínea b) do CP.

12) Entendendo que a decisão recorrida é um conjunto de valorações teóricas sem factos concretos que concluam no sentido da não verificação do pressuposto previsto no artigo 61º nº 2 da alínea b) do CP., foi violado o disposto nos artigos 374º, nº 2 e 1º parte do 379º nº 1 alínea a) do CP.

13) O arguido não percebe onde esta decisão se estriba para, contrariamente aos elementos objectivos que constam dos autos (parecer do conselho técnico/relatório social) não conceder a liberdade condicional com o cumprimento de metade da pena e, por isso, esta decisão violo o disposto no nº 1 do artigo 2º e nos nºs 1 e 5, 6 e 7 do artigo 3º do CEP.

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            3. O recurso, em 9/12/2014, foi admitido.

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            4. O Ministério Público junto do TEP de Coimbra respondeu ao recurso, em 17/12/2014, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:

1) A decisão judicial está bem fundamentada, isenta de qualquer vício (nulidade ou irregularidade).

2) Foi feita acertada interpretação e aplicação do direito.

3) Não houve violação de lei.

4) O recurso não merece provimento.

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            5. Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 20/1/2015, emitiu douto parecer no qual defendeu a improcedência do recurso.

            Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

            O recorrente não exerceu o seu direito de resposta, encontrando-se detido, desde 20/10/2010, no EP da Covilhã, conforme fls. 75.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

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            B – Fundamentação:

            Decisão recorrida:

“1 – RELATÓRIO

Foram instaurados os presentes autos com vista à eventual concessão de liberdade condicional ao condenado A..., já identificado nos autos.

O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional Regional da Guarda.

O processo seguiu a sua normal tramitação e mostra-se devidamente instruído, mais tendo sido observadas todas as legais formalidades.

Foram juntos aos autos os relatórios a que aludem as als. a) e b) do artigo 173º nº 1 do CEP.

O Conselho Técnico, reunido em 15/10/2014, prestou os necessários esclarecimentos, tendo emitido parecer maioritariamente favorável à concessão da liberdade condicional ao condenado.

Ouvido o recluso, o mesmo autorizou a sua colocação em liberdade condicional.

Nos termos do disposto no artigo 177º do CEP, o Ministério Público, após realização de Conselho Técnico onde esteve presente, emitiu parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao condenado (fls. 247).

*

O tribunal é competente.

O processo é o próprio.

Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

2 – OS FACTOS E O DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração o teor dos relatórios dos serviços de educação e ensino e de reinserção social, as certidões das decisões judiciais e declarações do recluso, sendo que não houve produção de prova a requerimento do condenado e que os elementos apurados foram também obtidos através do contacto com os técnicos que elaboram os relatórios referidos e que detêm o dever funcional de avaliação, considera-se que:

1) o recluso cumpre sucessivamente a pena única de 6A e 6M de prisão, imposta no proc. 3/12.2TAVZ, e a pena de 1A e 6M de prisão, imposta no proc. 3/03.3PEVIS, pela prática de tráfico de estupefacientes e de falsidade de testemunho;

2) o cumprimento do meio das penas em execução teve lugar no dia 18/10/2014, ocorrendo os 2/3 das mesmas em 18/2/2016, estando os 5/6 previstos para 18/672017 e o termo terá lugar em 18/10/2018,

3) o condenado é oriundo de um agregado familiar de modesta condição sócio-económica, cuja dinâmica foi marcada pela violência familiar e abuso de consumo de álcool pelo progenitor, o que terá condicionado o percurso escolar do condenado que, sendo o mais velho de um conjunto de 4 irmãos, optou por não prosseguir os estudos, começando a trabalhar para ajudar a família e iniciado, com 13/14 anos, actividade como carpinteiro; posteriormente, trabalhou na construção civil e, mais tarde, como serralheiro;

4) cerca dos 24 anos, encetou união de facto com a companheira de quem tem 1 filho, com 7 anos; contudo, esteve anteriormente separado da mesma por período que não sabe contabilizar, devido aos hábitos regulares de consumo de estupefacientes, a falta de trabalho e de colaboração com a família; no entanto, ambos mantêm actualmente um relacionamento estável e harmonioso, vivendo o agregado em casa arrendada com adequadas condições de habitabilidade,

5) cerca dos 22 anos, iniciou os consumos de heroína, passando a manifestar instabilidade laboral, deixando de exercer qualquer actividade, após acidente de electrocussão, há cerca de 4 anos, do qual resultaram sequelas na mão esquerda, pelo que terá, no futuro, de exercer actividade laboral compatível com tal deficiência física; o condenado procurou pela primeira vez tratamento no CRI de Viseu em Janeiro de 2008, tendo faltado à maior parte das consultas agendadas nesse ano; em Dezembro de 2009, foi marcada nova consulta, comparecendo o arguido pela última vez em Maio de 2010, nunca tendo o condenado, de uma forma consistente, aderido a tal tratamento, enquanto em liberdade;

6) à data da reclusão, o condenado vivia em casa abandonada, sem quaisquer condições de habitabilidade, dado o seu consumo de estupefacientes e a ruptura que então teve na relação com a companheira motivada por tal;

7) em meio prisional, o condenado mantém o apoio clínico do CRI com consultas de psicologia e manifesta vontade de prosseguir este acompanhamento em liberdade;

8) a companheira do condenado está a fazer estágio profissional no Hospital de Viseu, auferindo cerca de 420 euros mensais, embora a situação económica tenha algumas limitações, o agregado conta ainda com o apoio dos sogros;

9) o recluso tem beneficiado desde o início da prisão do apoio da companheira, filho e outros familiares que o visitam periodicamente, mantendo contactos telefónicos frequentes, mostrando-se os mesmo receptivos para o acolher e apoiar quando sair em liberdade;

10) o condenado revela consciência crítica relativamente aos crimes cometidos, explicando a prática dos mesmos pela circunstância de ser dependente de substâncias estupefacientes e por forma a financiar o seu consumo; revela ainda consciência relativamente à existência de potenciais vítimas dos mesmos; além disso, reconhece que a sua detenção e prisão foi positiva, na medida em que lhe permitiu interromper o percurso aditivo e perspectivar a necessidade de alterar o seu comportamento,

11) o condenado tem mantido uma postura ajustada, quer em termos de cumprimento de normas (apenas tem registada uma repreensão em 17/272012), quer ainda nas relações interpessoais;

12) em Julho de 2014, iniciou funções no sector da costura, estando com a responsabilidade de coordenador da produção.

13) No ano lectivo de 2012/2014, frequentou o EFA B3, com equivalência ao 9º ano de escolaridade, revelando assiduidade e empenho, com aproveitamento, faltando a componente tecnológica a concluir no próximo ano lectivo, estando para tal matriculado;

14) frequenta acções de esclarecimento promovidas no EP, nomeadamente sobre questões de saúde e competências parentais;

15) encontra-se em RAI desde Abril de 2014, já tendo, nesse âmbito, beneficiado de 2 saídas de curta duração.

16) já beneficiou de medidas de flexibilização da pena que decorreram com êxito;

17) no meio, não se prevêem reacções negativas ao seu regresso;

18) o condenado não dispõe no momento de qualquer projecto nem de perspectivas de emprego.

                                                           *

(…)

A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material, elencados no art. 61º do CP:

Assim, são pressupostos formais da concessão da liberdade condicional:

a) Que o condenado tenha cumprido ½ da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (nº 2), ou 2/3 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (nº 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 anos (nº 4);

b) que o condenado consinta ser libertado condicionalmente (nº 1).

Por seu turno, são requisitos materiais da concessão da liberdade condicional (excepto na situação do nº 4):

a) que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto); e

b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (excepto, também, na situação do nº 3).

Ora, no que se reporta aos requisitos da liberdade condicional, dúvidas não restarão que a alínea a) se reporta e assegura finalidades de prevenção especial, ao invés da alínea b) que antes visa finalidades de prevenção geral.

(…).

                                                           *

No caso, estamos perante a apreciação da liberdade condicional por reporte ao ½ das penas em execução.

O condenado declarou aceitar a aplicação da liberdade condicional.

Estão, pois, preenchidos os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional.

O mesmo já não acontece quanto aos requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional.

É que para ser concedida a liberdade condicional no presente momento têm de estar preenchidas as exigências de prevenção especial (reinserção do condenado e prevenção da reincidência) e as exigências de prevenção geral (com o sentido de que a pena já cumprida é já sentida pela comunidade como já suficiente para a protecção dos bens jurídicos e para a reinserção do condenado, reforçando o sentimento prevalecente de que a norma violada mantém a sua validade e vigência), sendo tais requisitos de natureza cumulativa, demonstrativos do carácter excepcional da concessão da liberdade condicional, nesta fase.

E o que sucede, no caso, no que concerne a prevenção geral, a natureza e gravidade dos crimes praticados e pelos quais o recluso cumpre pena só pode ser valorada negativamente. Trata-se de uma actuação plural do condenado que, note-se, reincidiu na prática do mesmo comportamento delituoso (crime de tráfico de estupefacientes), relativamente ao qual, a reafirmação da validade e vigência da norma jurídica violada exige, só por si, a execução da pena de prisão, e mesmo a sua execução “intra-muros”. Acresce que existe uma problemática aditiva do condenado – contemporânea e causal dos crimes cometidos, a evidenciar acrescidas exigências de prevenção especial e a revelar ainda fragilidades no seu processo de reinserção.

Não obstante tal, não se deixará de valorizar a circunstância de o condenado se encontrar abstinente e em acompanhamento pelo CRI, manter um bom comportamento e percurso prisional, com investimento no trabalho e nos estudos.

Não se deixará ainda de valorizar que o condenado revela consciência crítica relativamente aos crimes cometidos, e bem assim sobre a existência de potenciais vítimas dos mesmos, reconhecendo que a sua detenção e prisão foi positiva, na medida em que lhe permitiu interromper o percurso aditivo e perspectivar a necessidade de alterar o seu comportamento.

Tal consciência e postura do condenado deverão, pois, ser avaliadas positivamente. Contudo, todo este processo positivo carece ainda de consolidação.

Há, pois, que concluir que o condenado, apesar destes aspectos positivos que não se deixam de sublinhar, carece ainda de consolidar o seu percurso prisional, o que sempre desaconselharia a sua libertação condicional.

Mas para além disso, e ainda que assim não fosse, quanto à prevenção geral, importa concluir que a concessão de liberdade condicional, num momento ainda distante do termo da pena, seria interpretada pela comunidade em geral como sinal de inaceitável indiferença perante a necessidade de tutela de bens jurídicos. Por isso mesmo, a concessão da liberdade condicional neste momento poria em causa as exigências de prevenção geral.

Ponderando o acima exposto e tudo o mais que foi carreado para os autos, não se mostram preenchidos os requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional, ao nível quer da al. a) quer da al. b) do nº 2, do artigo 61º, do CP.

DECISÃO:

Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional.

Notifique e comunique ao EP e serviços de reinserção social.

Comunique aos processos das condenações referidos em 1).

                                                           *

Renovação da instância dentro de 12 meses a contar desta data, nos termos do disposto no art. 180º, nº 1, do CEP.

Cumpra-se, com 90 dias de antecedência, e com 30 dias de prazo de execução, o disposto no art. 173º, nº 1, als. a) e b), do CEP.”

                                                                       ****

            C - Cumpre apreciar e decidir:

            O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – artigos 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º 1, do C.P.P.

            A questão a conhecer cinge-se em saber se o recorrente beneficia de condições para lhe ser concedida liberdade condicional, sem embargo de dever ser, também, avaliada, a invocada falta de fundamentação da decisão ora em crise.

                                                           ****   

            1) Da falta de fundamentação da decisão:

            Alega o recorrente que a decisão proferida que não lhe concedeu a liberdade condicional não se encontra fundamentada, em violação do artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, o que implica a sua nulidade por decorrência do artigo 379º, nº 1, a), do Código de Processo Penal.

            Pois bem, não assiste razão ao recorrente em trazer à colação os mencionados normativos.

            É que a decisão recorrida, salvo o devido respeito por quem perfilha entendimento diverso, quer do ponto de vista formal quer teleológico, não assume a natureza de uma sentença – ver, a este propósito, o Acórdão do TRP, de 4/7/2012, processo 1751/10.7TXPRT-H.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador Joaquim Gomes, assim como o Acórdão deste TRC, de 25/9/2013, Processo n.º 1080/10.6TXCBR-H.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Coimbra, ambos in www.dgsi.pt, a cuja fundamentação aderimos na íntegra.

            Como tal, tem de soçobrar, nesta parte, o recurso.

                                                                       ****

2) Da verificação dos pressupostos para a liberdade condicional:

            Segundo o nº 9, do Preâmbulo do D.L. nº 400/82, de 23 de Setembro, a liberdade condicional tem como objectivo «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».

             Quanto à natureza jurídica da LC, parece resultar hoje pacífico que a concessão da mesma não implica uma modificação da pena na sua substancialidade mas se trata tão só de uma realidade inerente à respectiva execução, ou seja, uma «medida penitenciária», uma «circunstância relativa à execução da pena», um incidente de execução da pena ou ainda um benefício penitenciário.

Deixemos expresso, e isso é o cerne da questão, que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa de boa conduta, mas algo que visa criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa reconhecer o sentimento de orientação social que se presume enfraquecido por causa da reclusão.

            Pois bem, estabelece o artigo 61.º, do Código Penal:

“1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.”

                                                           ****

Como resulta do artigo 61.º, do Código Penal, a liberdade condicional pode revestir duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.

Como escreve Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18ª ed., pág. 244., “ A facultativa depende de requisitos formais e de requisitos de fundo e a sua aplicação está regulada nos nºs 1, 2 e 3. Verificados os requisitos formais e de fundo, é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional, sendo então também de certo modo obrigatória. A liberdade condicional obrigatória, para além do consentimento do condenado, depende tão só da verificação de requisitos formais, rectius, do requisito enunciado no nº 4, onde a aplicação desta modalidade de liberdade condicional se encontra estabelecida”.

No caso em apreço, a situação que se discute é a da liberdade condicional facultativa.

Trata-se de uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem a da paz social.

Assim, para além de terem de se verificar os chamados requisitos formais (cumprimento de metade ou dois terços da pena e no mínimo seis meses), no caso vertente, o meio da pena, tem o Juiz de avaliar se estão reunidos os requisitos de fundo previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 61.º, do Código Penal, isto é:

“a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”.

Como escreve Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539., para efeitos de prognose favorável “ … devem ser aqui tomados em conta … as concretas circunstâncias do facto, a vida anterior do agente e a sua personalidade; e além destes, como se disse, também a evolução da personalidade durante a execução da prisão”.

E acrescenta ainda que “ decisivo devia ser, na verdade, não o “ bom “ comportamento prisional “ em si” – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re) socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.

Por outro lado - e aqui reside a diferença essencial -, sabemos que o prognóstico para efeito de suspensão de execução da prisão deve ter em conta a probabilidade de a suspensão ser suficien­te para uma realização adequada das finalidades da punição (e por­tanto não só de prevenção especial, como de prevenção geral).

Já, porém, o prognóstico para efeito de concessão da liberdade condicio­nal deve, numa certa medida, ser «menos exigente» (o que não deixa de compreender-se, porque o condenado já cumpriu uma parte da pena e dela se esperará que possa, em alguma medida, ter concorrido para a sua socialização); se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do con­denado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.”

Há pois que fazer um juízo antecipado devidamente fundado, que permita poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, virá a adoptar um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal que permita antever que de futuro não voltará a cometer crimes.

Ora, tratando-se, no caso, a concessão da liberdade condicional ao arguido de uma medida excepcional, só fortes razões a podem justificar.

Se assim não fosse, tal concessão deixaria de ser facultativa e passaria a integrar a modalidade de obrigatória.

Bem se compreende que assim seja porque a pena já é fixada tendo em consideração as molduras legais cabíveis aos crimes em função da sua gravidade e cujo quantum concreto é determinado tendo em consideração as exigências concretas de prevenção.

                                                           ****

Ora, concede-se que, no auto de audição de recluso de fls. 50 e 51 (datado de  15/10/2014) o arguido manifesta sentido crítico face ao seu anterior modo de vida, denota arrependimento e dá a entender que pretende reintegrar-se socialmente (pretende arranjar um trabalho).

Simplesmente, tal não evidencia nada de carácter excepcional.

É normal que continue a beneficiar do apoio da família e que veja a sua conduta como nociva, não podendo dela estar orgulhoso.

Acresce que, não obstante manifestar o desejo de trabalhar, nada de concreto, no imediato, apresentou.

            Dito isto, vejamos os relatórios juntos aos autos e nos quais se suportou a decisão recorrida.

            Do relatório social para concessão de Liberdade Condicional (datado de 28/8/2014), de fls. 44 a 47, deve ser salientado o seguinte:

            “Conclusão:

             Face ao atrás exposto, verifica-se que as condições de natureza objectiva – enquadramento habitacional, suporte familiar e económico – necessárias à concessão de liberdade condicional estarão reunidas.

            Do ponto de vista pessoal, o condenado denota consciência da gravidade e desvalor da sua conduta delituosa das suas consequências, ainda que passível de evolução, e aparenta motivação para encetar um processo de mudança no sentido de um estilo de vida mais normativo.

            Em todo o caso, parece-nos muito relevante, ao nível da definição da sua situação jurídica, a existência de um processo pendente por tráfico de estupefacientes.

            Por sua vez, o Conselho Técnico do Estabelecimento Prisional Regional da Guarda emitiu parecer maioritariamente favorável à concessão da Liberdade Condicional (fls. 49).

Com efeito, consta, da acta respeitante à reunião ocorrida em 15/10/2014, o seguinte:

“(…)

Aberta a sessão foi analisada e discutida a situação do recluso, tendo sido prestados esclarecimentos sobre o conteúdo dos Relatórios elaborados, após o que o Conselho Técnico emitiu parecer maioritariamente favorável à concessão da liberdade condicional, apurado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 142º, n.º 2, alínea a), 143º, nº 3, 175º, nº 2, todos da Lei nº 115/09, de 12/10 (C.E.P.), com os seguintes votos:

- Equipa da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Beira Norte, Dra. B..., parecer favorável.

- Área do Tratamento Penitenciário – Dr. C..., parecer favorável.

- Chefia do Serviço de Vigilância e Segurança - Sr. D..., parecer favorável.

- Director do Estabelecimento Prisional Regional da Guarda – Dr. E..., parecer desfavorável.

Mais foi considerado pelos membros do Conselho Técnico, nos termos do artigo 175.º, n.º 2, parte final, do C.E.P., que, no caso de ser concedida a liberdade condicional, deverá ser sujeita às seguintes condições: as habituais – residência fixada.

O Ministério Público, em 17/10/2014 emitiu parecer desfavorável (fls. 52)., do qual deve ser salientado o seguinte:

 - “(…), e apesar do bom comportamento que ultimamente tem vindo a demonstrar em meio prisional, mas atendendo, sobretudo, à gravidade de um dos crimes pelos quais foi condenado e pena aplicada (tráfico de estupefacientes – 6 anos e 6 meses); ao problema aditivo (dependência de estupefacientes) a necessitar de controlo (ainda que se diga abstinente desde a entrada no estabelecimento prisional), à inexistência de perspectivas de trabalho a curto prazo, à necessidade de consolidação do processo de reintegração social e de interiorização do fim das penas; e consideradas as especiais exigências de prevenção no que respeita ao crime de tráfico, o Ministério Público é de parecer que a liberdade condicional não lhe deve ser concedida, porque não verificados os requisitos do artigo 61º. Nº 2, alíneas a) e b), do Código Penal.”

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Aqui chegados, temos de concluir que não dispomos de elementos que possam fundamentar a existência de fortes razões que justifiquem a concessão de liberdade condicional, enquanto medida de natureza excepcional.

Não basta, que isto fique claro, para a concessão da liberdade condicional que o arguido tenha em cativeiro bom comportamento e que aparente uma perspectiva de vida de acordo com as regras sociais, para se poder concluir por um juízo de prognose favorável.

Para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é a "capacidade objectiva de readaptação", de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.

Pois bem, não podemos esquecer que o ora recorrente apresenta, no seu registo criminal, mais do que uma condenação pela prática de crimes ligados ao tráfico de estupefacientes

Mais, ainda que mantenha um “comportamento abstinente de drogas” – muito mau seria que assim não fosse, dada a sua condição de recluso -, conforme consta de fls. 47, na hipótese de lhe ser concedida a liberdade condicional, é sugerido que “lhe seja imposta a obrigação de manter acompanhamento junto do CRI da sua área de residência, bem como a obrigação de não acompanhar indivíduos referenciados ao consumo/tráfico de drogas, nem frequentar locais com idêntica conotação”, o que significa que o seu problema aditivo não está resolvido.

Podemos apenas considerar que a sua adição está controlada, em boa medida, por estar privado da liberdade no EP.

Ora, o próprio A..., quando foi ouvido em 15/10/2014, referiu que praticou o crime de tráfico por necessidade, já que era toxicodependente.

Assim sendo, existem fundadas reservas, neste momento, quanto ao comportamento futuro do arguido fora do Estabelecimento Prisional se pautar de acordo com a lei vigente, para mais, tendo em conta que não tem propostas concretas de trabalho.

Como bem é referido pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, a fls. 82, “(…), pese embora possam não ter sido detectadas no meio onde vai viver reacções de hostilidade, a comunidade não perceberia como tinha sido concedida a liberdade, ainda que condicional, a quem uma primeira condenação não havia sido suficiente para o afastar da prática do crime, daí decorrendo que a libertação, nesta fase, seria entendida como uma punição não suficientemente eficaz para a prevenção da prática desses crimes, com consequentes reflexos negativos na ordem e paz social, não satisfazendo pois as exigências de prevenção geral.”

          Daí que a Meritíssima Juiz do TEP de Coimbra não pudesse tomar outra decisão que não fosse a de negar a liberdade condicional.

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D - Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

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Coimbra, 25 de Fevereiro de 201

(José Eduardo Martins - relator)

(Maria José Nogueira - adjunta)