Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
892/20.7T9FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
ISENÇÃO DE CUSTAS
REFORMA DA SENTENÇA PENAL QUANTO A CUSTAS
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 4.º, N.º 1, ALÍNEA L), DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
ARTIGO 380.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGO 617.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – O artigo 380.º do Código de Processo Penal não permite a reforma da sentença quanto a custas.

II – A falta de previsão no processo penal da reforma da sentença quanto a custas não constitui uma lacuna que deva ser integrada por apelo ao artigo 4.º do Código de Processo Penal, não carecendo o artigo 380º, nº 1, alínea a), de qualquer integração.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        A – Relatório

1. Pela Comarca ... (Juízo Local Criminal ...), sob acusação do Ministério Público, pelo crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alíneas d) e e), nº 2, alínea a), e nºs 4, 5 e 6 do Código Penal, foi submetida a julgamento, em processo comum com intervenção de Tribunal Singular, a arguida

AA

2. O menor BB, ofendido e assistente, representado por patrona, veio deduzir pedido de indemnização civil contra a arguida, peticionando o pagamento da quantia de 5.000,00 euros, acrescida de juros vincendos até integral pagamento.

Neste pedido refere estar aqui representado pelo seu pai, CC.

3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 18.11.2022, decidindo-se:

“Nestes termos, tudo visto e ponderado, decide-se julgar a acusação pública totalmente improcedente e, consequentemente, absolver a arguida AA do crime de violência doméstica de que vinha acusada.

Mais se julga totalmente improcedente os pedidos de indemnização civil deduzido pelo assistente BB representado pelo progenitor CC, do qual vai a arguida/demandada absolvida.

Sem custas criminais.

Valor do PIC (art. 297.º do CPC): 5000€

Custas Cíveis, referente ao PIC deduzido a cargo do demandante, que vai vencido. Oportunamente cumpra-se o art. 15.º n.º 2 do RCP.

…”.

4. Inconformado com a douta sentença, veio o assistente BB interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

        

“A) Nos presentes autos veio a Arguida AA acusada da prática de um crime de violência doméstica agravado (p. e p. pelo art. 152.º n.º 1 al. d) e e) n.º 2 al. a) e n.º 4, 5 e 6 do Código Penal), contra o seu filho menor: o aqui Assistente BB, o qual deduziu pedido de indemnização civil e foi vencido, atenta a absolvição da Arguida.

B) O Assistente menor foi representado nos presentes autos por Il. Patrona Oficiosa, conforme determinado pelo douto despacho datado de 07/01/2022, proferido pelo Juízo de Instrução Criminal ... – Juiz ..., que declarou o Assistente uma vítima especialmente vulnerável e deferiu a sua tomada de declarações para memória futura.

C) Ao consignar que «O ofendido/assistente BB, representado pelo seu pai, CC, veio deduzir pedido de indemnização civil» e ao dispor que «Custas Cíveis, referente ao PIC deduzido a cargo do demandante, que vai vencido. Oportunamente cumpra-se o art. 15.º n.º 2 do RCP.» a douta Sentença recorrida violou, nomeadamente, o disposto no artigo 4º, n.º 1, al. l) do Regulamento das Custas Processuais, pelo que deve, nessa parte, ser revogada.

Nestes termos … deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado nos termos vindos de concluir, e a douta sentença recorrida revogada na parte em que condenou o Assistente em custas …”.

5. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo assistente, pugnando pela sua procedência e revogação da sentença recorrida no segmento atinente à condenação do demandante em custas cíveis …

6. De seguida, o Exmo. Juiz a quo proferiu despacho, datado de 6.2.2023, reformulando a sentença recorrida na parte referente às custas cíveis, com o seguinte teor:

“…

Compulsados os autos verifica-se que assiste razão ao recorrente, sendo que foi a própria redação do Pedido de Indemnização Civil que nos induziu em erro, pois é expressamente referido na referida peça processual que “BB, menor de 16 anos, ofendido/assistente, nos autos em referência, aqui representado pelo seu pai (…)” [Ref.ª 88887848, de 23 de maio].

Na verdade e para o que ora releva, o assistente/demandante encontra-se representado por patrona oficiosa (fls. 574) e foi considerado vítima especialmente vulnerável [cfr. despacho Ref.ª 88887759, de 7 de janeiro de 2022].

E assim sendo, atento o que dispõe o artigo 4.º n.º 1 al. l) e z) do RCP, encontra-se isento de custas.

Como tal, nos termos do art. 616.º n.º 1 e 3 do CPC, ex vi art. 4.º do CPP, reforma-se a sentença proferida nos autos quanto à condenação em custas cíveis, nos seguintes termos:

Considerando que, no presente caso, o demandante, parte vencida, possui o estatuto de vítima, é menor e litiga representado por patrono oficioso, estando por isso isento de custas (art. 4.º n.º 1 al. l) e z) do RCP), não há lugar a custas cíveis.

Assim, onde se lê, «As custas cíveis, sendo devidas apenas no caso do pedido de indemnização civil deduzido (art. 4.º n.º 1 al. n), a contrario) ficam a cargo do demandante, que vai vencido (art. 527.º do CPC e art. 6.º n.º 1 al. a) do RCP, ex vi art. 523.º do CPP).», deve ler-se: «No que tange às custas cíveis, considerando que o demandante, parte vencida, possui o estatuto de vítima, é menor e litiga representado por patrono oficioso, estando por isso isento de custas (art. 4.º n.º 1 al. l) e z) do RCP), não há lugar a custas cíveis».

E onde se lê «Custas Cíveis, referente ao PIC deduzido a cargo do demandante, que vai vencido. Oportunamente cumpra - se o art. 15.º n.º 2 do RCP.», deve ler-se «Sem Custas Cíveis».

O presente despacho de reforma constitui complemento e parte integrante da sentença proferida.

Notifique, sendo o recorrente nos termos e para efeitos do disposto no art. 617.º n.º 3 do CPC, ex vi art. 4.º do CPP".

7. Todos os sujeitos processuais foram notificados do despacho antecedente, nada tendo dito; logo, o recorrente não desistiu do recurso interposto.

8. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da sua procedência e revogação da sentença recorrida, no segmento atinente à condenação do demandante em custas cíveis

9. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentadas respostas ao douto parecer.

10. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

11. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

                *

       

        B - Fundamentação

 

1. …

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo assistente, a questão a decidir é a seguinte:

- se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 4º, nº 1, alínea l), do RCP, devendo ser revogada na parte atinente à condenação do recorrente em custas cíveis.

3. Para decidir da questão supra enunciada, vejamos a sentença recorrida na parte que aqui interessa.

“O Ministério Público acusou em processo comum e para julgamento em tribunal singular, AA …

imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo art. 152.º n.º 1 al. d) e e) n.º 2 al. a) e n.º 4, 5 e 6 do Código Penal.

                  *

O ofendido/assistente BB, representado pelo seu pai … veio deduzir pedido de indemnização civil …

Em suma aludiu aos danos não patrimoniais sofridos [Ref.ª 7288445, de 23 de maio de 2022]


A) Factos Provados

Da prova produzida e analisada em audiência de julgamento resultam apurados os seguintes factos:

1. O ofendido BB, nascido a .../.../2007, é filho de CC e da arguida AA

2. Na sequência da separação dos seus progenitores e acordo referente ao exercício das responsabilidades parentais homologado por sentença de 24 de outubro de 2017, do Juízo de Família e Menores ... - J..., ficou o menor confiado à guarda e cuidados da sua mãe, com quem residiria, pertencendo a esta o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor, ou ao progenitor com quem se encontre temporariamente, sendo que o exercício das responsabilidades parentais relativas às decisões de particular importância para a vida do menor caberia a ambos os progenitores;

3. Todavia, a relação entre ambos os progenitores continuou a pautar-se pelo conflito;

5. No dia 23 de abril de 2020 realizou-se diligência judicial no âmbito do Processo de Promoção e Proteção N.º 1411/17...., que teve lugar no Tribunal ... - Juízo de Família e Menores, na qual o menor disse que preferia ir viver com o pai;

6. No dia 27 de abril de 2020, pelas 21h30, o menor comunicou ao pai que já não ia morar com ele, pois pretendia continuar a residir com a sua mãe (arguida);

7. E posteriormente o menor telefonou para o Tribunal, pedindo para a falar com o Procurador da República responsável pelo processo, a quem comunicou que não queria ir viver com o pai, continuando assim a residir com a arguida;

8. O menor veio a relatar ao seu progenitor que a arguida o tinha epitetado de “traidor”, por ter declarado em tribunal que preferia ir viver com o pai, e que o agrediu com bofetadas na face, fazendo-o cair ao chão, agarrado pelos cabelos, e proferido frases como “… nunca mais ia vê-la…”, e que ela “… ia deixar de ser sua mãe …”; que “…o seu destino estava traçado…” e “…. Se continuares a fazer o jogo do teu pai, mato-te!”;

9. Em virtude do referido em 8 e porque o menor se manifestou bastante nervoso, não querendo voltar para a mãe, o progenitor não procedeu à entrega do menor à arguida no fim de semana de 6/7 de junho de 2020;

10. Subsequentemente, no âmbito do processo n.º 1411/17...., do Juízo de Família e Menores ..., Juiz ..., foi proferida decisão, a título provisório, determinando que o menor passaria a residir com o seu pai, CC, na residência deste, sita na Rua ..., ...;

Mais se logrou apurar que [do Pedido de Indemnização Civil]:

11. O pai do menor decidiu procurar a ajuda profissional para acompanhar o menor, estando este acompanhado por um psicólogo;

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A) Do crime imputado à arguida

A arguida vem, pois, acusada da prática de um crime de violência doméstica (agravado) p. e p. pelo art. 152.º n.º 1 al. d) e e) e n.º 2 al. a) do Código Penal.

E aqui a factualidade apurada é manifestamente insuficiente para integrar o crime em questão, pelo que sem mais considerações vai a arguida absolvida, improcedendo deste modo a acusação pública.

               ***

B) Responsabilidade Civil

(Do pedido de indemnização civil deduzido pela Assistente)

… o ofendido/assistente BB, representado pelo seu pai … veio deduzir pedido de indemnização civil, no qual pugnou pela condenação da arguida a pagar-lhe a quantia de 5000€ (cinco mil euros) acrescida de juros vincendos até integral pagamento.

No presente caso, porém, nenhuma conduta é passível de ser imputada ao arguido que tenha sido causadora de danos sofridos pelo demandante.

Como tal, sem mais considerações, é forçoso julgar improcedente o pedido de indemnização civil.

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Perante a absolvição da arguida e não tendo o assistente deduzido acusação particular, não há lugar as custas criminais (arts, 513.º e 515.º do CPP).

As custas cíveis, sendo devidas apenas no caso do pedido de indemnização civil deduzido (art. 4.º n.º 1 al. n), a contrario) ficam a cargo do demandante, que vai vencido (art. 527.º do CPC e art. 6.º n.º 1 al. a) do RCP, ex vi art. 523.º do CPP)”.

              

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4. Cumpre agora apreciar e decidir.

A questão a apreciar é a de saber se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 4º, nº 1, alínea l), do RCP, devendo ser revogada na parte atinente à condenação do recorrente em custas cíveis.

Pelo Juízo de Instrução Criminal ... - Juiz ..., preparando a tomada de declarações para memória futura do menor, a 7.1.2022, foi proferido o seguinte despacho:

“Nos termos do art.º 22.º, n.º 3 da Lei n.º 130/2015, de 04/09 é obrigatória a nomeação de patrono à criança quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes e ainda quando a criança com a maturidade adequada o solicitar ao tribunal.

Pelo exposto, determino a nomeação de patrono ao menor”.

Na sequência deste despacho, foi nomeada a Sra Dra DD patrona do menor BB, ainda nesse dia 7.1.2022.

O pedido cível deduzido pelo menor deu entrada nos autos a 23.5.2022, subscrito pela dita patrona nomeada.

É certo que no pedido cível refere-se que o menor está representado pelo seu pai, o que não corresponde à verdade.

O menor está, sim, representado nos autos pela Exma. patrona, inclusive na dedução do pedido de indemnização civil.

Pedido cível este que veio a improceder, já que não se provou nenhuma conduta passível de ser imputada à arguida que tenha sido causadora de danos sofridos pelo demandante.

Ora, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea l) do RCP, “estão isentos de custas os menores, maiores acompanhados, ausentes e incertos quando representados pelo Ministério Público ou por defensor oficioso, mesmo que os processos decorram nas conservatórias de registo civil”.

Subsume-se precisamente nesta norma o caso dos autos. O menor encontra-se devidamente representado por patrono oficioso.

Como, aliás, veio a reconhecer o tribunal a quo, no despacho proferido a 6.2.2023, em que pretendeu reformar a sentença recorrida, nessa parte, ao abrigo do disposto no artigo 617º, nº 3, do CPC, ex vi do artigo 4º, do Código de Processo Penal.

Quanto a este despacho há a dizer que o Código de Processo Penal não prevê a reforma da sentença quanto a custas e a falta dessa previsão não constitui uma lacuna que deva ser suprida com a aplicação de normas do processo civil – cfr. Ac. da RP de 7.12.2022.

Por outro lado, não constitui correção da sentença admitida nos termos do artigo 380.º do Código de Processo Penal a reforma da sentença quanto a custas.

Como se pode ler no referido aresto, “Diz o artigo 380º, do CPP, que “1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando: a)Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º; b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º.

Da análise do número 1 deste normativo resulta que o princípio da intangibilidade da sentença não opera caso nela se verifique a existência de erro (que não de julgamento), lapso, obscuridade ou ambiguidade manifesto, pois a mesma é passível de correção, desde que tal não implique uma modificação essencial da sentença.

Ora, o despacho impugnado importa uma modificação essencial do decidido, porquanto procede à alteração da sentença em matéria de custas encontrando-se esgotado o poder jurisdicional uma vez que a prolação da sentença já tinha tido lugar e nela se havia decidido não condenar o arguido em custas.

O despacho impugnado consubstancia uma reforma da sentença quanto a custas, o qual não cabe, manifestamente, nos poderes de correcção da sentença contemplados o n.º 1 do artigo 380.º do CPP, sendo certo que a jurisprudência é unanime no sentido de que no processo penal não é admissível a reforma da sentença ou acórdão quanto a custas – veja-se, por todos o Acórdão do STJ de 12.03.2015, disponível em www.gde.mj.pt/jstj, em que foi relatora a Exma. Juíza Conselheira Isabel Pais Martins.

A reforma da sentença, quanto a custas, não cabe, manifestamente, nos poderes de correcção da sentença contemplados na alínea a) do n.º 1 do artigo 380.º do CPP, enquanto ao nível do processo civil, proclamado, embora, que um dos efeitos da sentença consiste, justamente, no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere (artigo 613.º, n.º 1), consagra-se a possibilidade de o juiz, para além da rectificação de erros materiais e do suprimento de nulidades, reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes (n.º 2 do artigo 613.º).

A reforma quanto a custas ou multa consubstancia-se numa alteração da decisão sobre custas ou multa proferida na sentença.

A falta de previsão no processo penal da reforma da sentença quanto a custas e multa não constitui uma lacuna que deva ser integrada por apelo ao artigo 4.º do CPP. A lacuna é sempre uma incompletude, uma falta ou falha contrária ao plano do direito vigente. Ora, a norma do artigo 380.º, n.º 1, alínea a), do CPP não carece de qualquer integração nem entra em contradição com qualquer outra norma processual penal. Define o regime especial das irregularidades da sentença penal e o seu modo de sanação de forma completa e não entra em colisão com qualquer outra norma do ordenamento processual penal.

Por outro lado, nos termos da lei – artigo 380.º, n.º 2, alínea b), in fine –, só é possível proceder à eliminação de erros que não impliquem modificação essencial da sentença, daí que seja inadmissível considerar a existência de uma lacuna teleológica.

A ausência de uma disposição a admitir, em processo penal, a reforma da sentença, quanto a custas e multa e a correcção de erros de julgamento, tal como se encontra prevista para o processo civil, não contraria o escopo visado pelo legislador, subjacente à regulamentação legal da matéria da correcção da sentença penal”.

No mesmo sentido encontra-se o Ac. da RL de 2.11.2021, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que “o regime da correcção da sentença, em processo penal, está contido no artigo 380.º, n.º 1, do CPP, segundo o qual «o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença» quando «fora dos casos previstos no artigo anterior [as nulidades da sentença] não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º» [alínea a)] ou quando «a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial» [alínea b)].

- A reforma da sentença, quanto a custas, não cabe, manifestamente, nos poderes de correcção da sentença contemplados na alínea a) do n.º 1 do artigo 380.º do CPP, norma ao abrigo da qual o recorrente a vem reclamar”.

Em suma, a falta de previsão no processo penal da reforma da sentença quanto a custas não constitui uma lacuna que deva ser integrada por apelo ao artigo 4.º do Código de Processo Penal, não carecendo o artigo 380º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, de qualquer integração.

Acresce que, nos termos do artigo 380º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, só é possível proceder à eliminação de erros que não impliquem modificação essencial da sentença, o que não é, de todo, o caso do referido despacho de 6.2.2023.

 

Dito isto, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que assiste razão ao recorrente, devendo ser revogada a sentença na parte em que o condenou nas custas cíveis referente ao PIC deduzido, por delas estar isento ao abrigo do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea l), do Regulamento das Custas Processuais.

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Pelo exposto, procedendo a questão suscitada, deve ser concedido provimento ao recurso.

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                         C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente BB e, em consequência, decidem:

- revogar a sentença recorrida na parte em que o condenou nas custas cíveis referentes ao PIC deduzido, e ordenou o cumprimento do artigo 15º, nº 2, do RCP, por delas estar isento, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea l), do Regulamento das Custas Processuais.

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Sem custas – artigos 515º, nº1, alínea b), do Código de Processo Penal, a contrario sensu, e 4º, nº 1, alínea l), do RCP.

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Notifique.

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                             Coimbra, 12 de Abril de 2023.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

                Rosa Pinto – Relatora

                Luís Teixeira – 1ª Adjunta

                Vasques Osório – 2º Adjunto