Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
14/12.8GBAGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CHEQUE POST-DATADO
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 379, N.º 1, AL. C), E 445, N.º 3, DO CPP: ART. 11.º DO DL N.º 454/91, DE 28-12
Sumário: I - O tribunal não tem que se pronunciar sobre questões não alegadas e não verificadas. Se o dever de conhecimento oficioso tivesse uma tal abrangência então o juiz teria que tratar de todas as questões aquando da prolação de uma decisão, mesmo as questões manifestamente espúrias, precisamente para afastar a sua relevância no caso.

II - Uma vez que os cheques em causa no processo foram todos entregues antes da data que consta dos mesmos como data de emissão não se verifica crime de emissão de cheque sem provisão.

III - Quando a lei, no nº 3 do art. 445º do C.P.P., determina que os tribunais que divirjam da jurisprudência fixada pelo S.T.J. devem fundamentar as divergências certamente quererá um mais em relação ao dever geral de fundamentação da decisão, que estando já previsto noutras normas não careceria de específica consagração caso o objectivo fosse o mesmo.

IV - Quando a lei diz que as divergências com a decisão do S.T.J. que fixa jurisprudência têm que ser fundamentadas quer dizer que terão que ser usados argumentos novos, relevantes, nunca anteriormente ponderados. Donde resulta que não cumpre as exigências legais da fundamentação da divergência a invocação de argumentos já anteriormente usados e que nunca mereceram acolhimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

Nos presentes autos foi o arguido A... condenado pela prática de quatro crimes de falsificação de documento, dos art. 255º, al. a), e 256º, nº 1, al. d) e e), do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, por cada um dos crimes.

Feito o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 300 dias de multa, à mesma taxa diária.

O arguido foi, também, condenado a pagar ao demandante a quantia de 2.734,00 € a título de danos patrimoniais e a quantia de 500,00 € a título de danos não patrimoniais.

2.

Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:

«A) A conduta praticada pelo recorrente, dada como provada na douta sentença recorrida, não se subsume ao crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256° do Código Penal;

B) Isto porque, os escritos entregues aos Bancos sacados com a revogação por justa causa, com base em extravio, dos cheques que o recorrente entregou ao ofendido, para pagamento de uma dívida da sociedade da qual é gerente, visando, assim, impedir o pagamento das quantias tituladas nesses cheques, não integra o crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal;

C) O tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão previsto no artigo 11º, nº 1, b), do Decreto Lei nº 454/91, de 28/12, integra claramente a falsa declaração de falta ou vício na formação da vontade, já que o sacador, ao fazê-la, visa obstar ao pagamento do cheque e com ela proíbe o pagamento do mesmo;

D) Logo, o fundamento utilizado para a revogação do cheque e incorporado na referida declaração entregue ao banco sacado não se projecta como um facto autónomo juridicamente relevante para efeitos de preenchimento do elemento objectivo do tipo legal do crime de falsificação previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 256º do Código Penal;

E) Não se verificando, assim, um dos elementos típicos insertos no artigo 256º do Código Penal, a factualidade indiciada não integra o crime de falsificação de documento;

F) Toda a questão deve antes, apenas e tão-só, ser equacionada à luz do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão previsto no citado artigo 11º;

G) A falsa comunicação à instituição de crédito sacada do extravio do cheque ou da existência de falta ou vício na formação da vontade, efectuada com o propósito de assim obstar ao pagamento deste, não é mais do que um comportamento que se traduz em deixar a conta sacada sem provisão uma vez que o não pagamento por falta de provisão verifica-se não só quando aquela conta não tem, efectivamente, provisão - total ou parcial - (falta real de provisão), como quando, por razões ligadas à estrutura funcional das instituições de crédito, não apresenta um saldo livre susceptível de ser movimentado (falta de provisão contabilística), enquadrando-se todas estas realidades num conceito amplo de falta de provisão e a formulação da falsa comunicação enquadra-se no conjunto das actividades destinadas a colocar sem provisão contabilística a conta sacada;

H) Significa que a mentirosa comunicação à instituição sacada, daquela falta ou vício da formação na vontade ou de extravio ou furto do cheque, faz hoje parte da incriminação do cheque sem provisão, desde que verificados os demais elementos constitutivos.

I) Assim sendo, o sacador cometerá tão-só o crime de emissão de cheque sem provisão, previsto no art. 11º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 454/91, dado que proíbe injustificadamente o pagamento do cheque, desde que verificados todos os restantes elementos constitutivos do tipo de ilícito e condição objectiva de punibilidade;

J) Pelo que, mesmo que exista proibição injustificada mas não se verifiquem todos os restantes elementos constitutivos do tipo de ilícito e condição objectiva de punibilidade, a conduta do sacador não preencherá qualquer outro ilícito criminal;

K) Perante um cenário de afastamento desse crime de emissão de cheque sem provisão, a integrar ainda essa conduta no crime de falsificação de documento, tal possibilidade, a ser admitida, afrontaria, de forma grosseira, os princípios da especialidade e do ne bis in idem, porquanto é a referida alínea b) do nº 1 do art. 11º, que de forma mais específica, prevê a conduta do arguido.

L) Acresce que para além disso a prestação da falsa declaração de falta ou vício na formação da vontade ou extravio ou furto destina-se a produzir efeitos no próprio cheque, pois revoga a ordem de pagamento consubstanciada na proibição do pagamento do cheque.

M) Conclui-se que da prova produzida nos autos não resultam indícios suficientes da prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256°, nº 1, b), do Código Penal, por parte do arguido e, como tal, devia ter sido absolvido;

N) Desta forma, entende o ora recorrente que a douta sentença recorrida, que o condenou pelo crime de falsificação de documentos, violou as disposições constantes nos artigos 256º, nº 1, b), do Código Penal, e 308º nº 1 do Código de Processo Penal.

O) Para a determinação da medida da pena o tribunal terá que ponderar o passado criminal do agente; o valor da acção e o resultado, o valor dos bens em causa, o dano causado, a manutenção de conduta posterior lícita, a culpa do agente e as exigências da prevenção de futuros crimes, por aplicação dos critérios enunciados na alínea a) do nº 1 do art. 69º e no art. 70º e 71º, todos do Código penal.

P) Mais, terá de atender às condições pessoais do agente e à sua situação económica.

Q) Ora, conforme ficou provado em sede de audiência de julgamento, o arguido aufere apenas mensalmente a quantia de € 400,00 líquidos, sendo a casa de habitação onde habita propriedade de uma das suas filhas, tendo o recorrente já requerido a sua insolvência pessoal por não conseguir sequer liquidar e fazer face às despesas que tem, nomeadamente com empréstimos que contraiu;

R) Não tem quaisquer bens, incluindo veículos automóveis, sendo aquele em que se faz transportar propriedade da sua mãe;

S) No Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 1997, o Acs. do STJ, V, tomo 3, 183, pode ler-se: "o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado, sem o entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar”.

T) Ora, no caso em apreço, e dadas as débeis condições económicas do arguido, entende este, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que houve violação dos artigos 47º e 71º do Código Penal, por incorrecta interpretação dos mesmos, pois a pena de multa deveria ter sido adequada à situação económico-financeira do arguido, bem como às suas condições pessoais e as todas as circunstâncias atenuantes acima mencionadas.

U) Da análise da douta sentença recorrida, resulta ainda não existir qualquer "exposição, dos motivos, de facto e de direito," que fundamentem a decisão do tribunal, isto porque, das declarações do arguido e ora recorrente, em momento algum este referiu ao tribunal que "(...) mas como o arguido não autorizou a sua irmã a realizar essa compra o arguido decidiu ''dar os cheques como extraviados"

V) Da mesma forma que nunca e em momento algum das suas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento no âmbito dos presentes autos, o arguido referiu que ''mais esclareceu que sabia que os cheques constantes dos autos eram para pagar a factura emitida pelo ofendido B... e diziam respeito ao pagamento de calçado desportivo (ténis)(….)":

W) Foi com base nestes factos, designadamente e conforme consta da motivação da douta sentença recorrida, que a Mmª Juiz a quo concluiu que "(...) o arguido ao declarar que os cheques a que se reportam os autos foram extraviados, o arguido sabia perfeitamente que os cheques se destinavam a pagar a mercadoria adquirida ao ofendido B..., tendo assim o arguido a intenção de não pagar a sobredita mercadoria, obtendo para a sociedade que o mesmo representava um benefício económico e as mesmo tempo um prejuízo para o ofendido B...."

X) Significa isto que todos os actos decisórios em direito processual penal, de acordo com o disposto no artigo supra referido, devem respeitar o princípio da fundamentação e, quando tal não se verifique, constitui a nulidade relativa especial prevista no art. 379º, al. a), com o regime fixado nos art. 121º e 122º, todos do CPP.

V) Nessa medida, é do teor e conclusão da sentença de que se recorre, por se entender que a mesma viola a lei e coarcta os direitos fundamentais de defesa do ora recorrente, porquanto, assenta a convicção da Mmª Juiz a quo em factos que não ficaram provados, muito menos através das declarações do arguido e ora recorrente.

Z) Inexiste portanto suporta factual, prova quanto à acusação, que leva à falta de fundamentação legal e factual quanto à decisão de que ora se recorre.

AA) Todos os actos decisórios em direito processual penal, de acordo com o disposto no art. supra referido, devem respeitar o princípio da fundamentação e, quando tal não se verifique, constitui a nulidade relativa especial prevista no art0 379º, al. a), com o regime fixado nos art. 121º e 122, todos do CPP;

BB) Da análise à douta sentença proferida e de que ora se recorre, para além das irregularidades supra apontadas, resulta que esta padece ainda do vício da nulidade por partir da premissa errada de que foram prestadas declarações pelo arguido, que na realidade não o foram nos termos constantes da douta sentença proferida;

CC) Pelo que, nunca poderiam, pelo menos com base e fundamentando tal decisão nas declarações do arguido, terem sido dados como provados os factos constantes nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 19º, 20º a 25º, porquanto, em momento algum o arguido referiu ter negociado o quer que seja com o ofendido, da mesma forma que esclareceu que tal negócio foi realizado entre a sua irmã e o ofendido, a quem aquela, sem o seu conhecimento, preencheu e entregou os aludidos cheques, o que foi confirmado pelo ofendido.

DD) Assim, atendendo a que a douta sentença se mostra omissa (a cominar vício de omissão de pronúncia) face a tal factualidade supra bem como em relação à subsunção dos factos ao Direito, olvidando a possível existência da causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, tem-se a mesma por nula, por ausência de fundamentação e preterição das garantias do arguido e ora recorrente.

EE) O princípio do dever de fundamentação dos actos decisórios trata-se de um princípio geral extensivo a todos os ramos de direito, consagrado no art. 208º, nº 1, da Constituição.

FF) Normas jurídicas violadas: maxime arts. 17º, 20º, 31º nº 1 e 2 e), 34º, 35º, 36º, 40º, 47º, nº 1 e 2, 69º nº 1 a), 71º, nº 1 e nº 2 a), b), e), d) e f), 72º, nº 1 e 2 b) e e), 73º, 292º, nº 1 CP; arts. 374º, 375º, 379º, nº 1 e), 389º-A e 410º CPP; arts. 13º, nº 2, 15º, nº 1, 30º, nº 4, 32º, nº 2, 110º, nº 1, 202º, nº 1, 2 e 3, 204º e 205º da CRP; art. 514º, nº 1 CPC, 256º, nº 1, b), do Código Penal e 308º nº 1 do Código de Processo Penal.

GG) Contando sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas., atento o supra exposto, entende o recorrente que, em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos que presidem a um Direito processual e penal que se queira justo, conjugados com a requerida reapreciação da prova gravada, por essencial para correcta subsunção dos factos ao Direito;

HH) Todavia, a não ser esse o entendimento de V/Exas., e caso tenham por consumado tal crime, sempre se alega o vício da nulidade da douta sentença, em razão da ausência de fundamentação ao nível da determinação da aplicabilidade, a qual se contesta, e medida da pena principal e omissão de pronúncia face à efectiva punibilidade da actuação do arguido, circunstancialismo de prática dos factos, denegação da investigação conducente à descoberta da verdade material, tudo em violação das garantias de defesa legal e constitucionalmente tuteladas e que se ora invocam».

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido.

Nos mesmos termos se pronunciou o Exmº P.G.A.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.


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FACTOS PROVADOS

5.

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

«1. O ofendido B... é comerciante em nome individual, no ramo do calçado;

2. “C..., Lda.” é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Alcobaça com o nº (...) e dedica-se ao comércio a retalho de todo o tipo de vestuário, vestuário interior, exterior, qualquer que seja a finalidade, calçado e outros artigos de couro ou de substitutos do couro;

3. Sendo representada, para esse efeito, também pelo arguido A...;

4. No dia 23 de Novembro de 2010, o ofendido B... vendeu a “ C..., Lda.”, representada no acto pelo arguido A... os artigos de calçado identificados na factura nº 1232, no valor de €2.735,99 (dois mil, setecentos e trinta e cinco euros, noventa e nove cêntimos);

5. Para o pagamento de parte do preço referido em 4), na qualidade de gerente da sociedade “ C..., Lda.”, com data de 25/03/2011, o arguido A... preencheu, assinou e entregou ao ofendido B..., o cheque nº 6542889226, no montante de €1.368,99 (mil, trezentos e sessenta e oito euros, noventa e nove cêntimos), sacado sobre a conta nº (...) do Banco “Finibanco”, agência da “Benedita”;

6. O arguido A... procedeu à entrega do cheque identificados em 5), em data não concretamente apurada, mas em data anterior ao dia aposto no mesmo como sendo a data da sua emissão;

7. Depois da entrega do cheque nos termos descritos em 5) e 6), no dia 8 de Fevereiro de 2011, o arguido A... dirigiu-se ao Banco “Finibanco ”, agência de “Benedita”, elaborou o escrito de fls. 25, que assinou e datou com a data de 8/2/2011, através do qual deu ordem ao referido banco solicitando «bloqueio dos cheques (…) 6542889226 sobre a nossa conta (...), por motivo de extravio. Declaro que assumo todas as consequências legais e comerciais decorrentes desta instrução»;

8. Apresentado a pagamento no dia 26 de Março de 2011, o cheque descrito em 5) veio a ser devolvido no dia 28 de Março de 2011, com a menção, anotada no seu verso, de “Extravio”, não tendo sido pago ao ofendido B...;

9. Face ao descrito em 8), para pagamento do valor descrito em 4):

a) Com data de 15/07/2011, o arguido A... preencheu, assinou e entregou ao ofendido B..., o cheque nº 1801072618, no montante de €1.367,00 (mil, trezentos e sessenta e oito Euros e noventa e nove Cêntimos), sacado sobre a conta nº (...)do Banco “BES”, agência de “Rio Maior”;

b) Com data de 30/07/2011, o arguido A... preencheu, assinou e entregou ao ofendido B..., o cheque nº 4301072626, no montante de €1.367,00 (mil, trezentos e sessenta e oito Euros e noventa e nove cêntimos), sacado sobre a conta nº (...)do Banco “BES”, agência de “Rio Maior”;

10. O arguido A... procedeu à entrega dos cheques identificados em 9), als. a) e b), em data não concretamente apurada, mas em datas anteriores aos dias apostos nos mesmos como sendo as duas datas de emissão;

11. Depois da entrega dos cheques nos termos descritos em 9), als. a) e b) e 10), no dia 13 de Julho de 2011, o arguido A... dirigiu-se à Esquadra da P.S.P. de Alcobaça (cfr. fls. 106) e, aí chegado, declarou ao Agente da P.S.P. que «no período compreendido entre as 15h30m e as 16h00m de 2001-07-13 extraviou os cheques abaixo descriminados, pertencentes à firma “ C..., Lda”:

1 – Banco Espírito Santo, Cheque em Branco, 1801072618

2 – Banco Espírito Santo, Cheque em Branco, 4301072626 (…).»

12. E fê-lo o arguido com a finalidade de a vir a apresentar ao Banco Espírito Santo e de, por essa forma, obstar o pagamento dos cheques identificados em 9), als. a) e b) ao ofendido B...;

13. Bem sabendo o arguido A... que o por si declarado à P.S.P. não correspondia à verdade;

14. No seguimento do desígnio descrito em 11) a 13), na posse da declaração referida em 11), sabedor que a mesma continha declarações que não correspondiam à verdade, no dia 14 de Julho de 2011, o arguido A... procedeu à sua entrega no Banco Espírito Santo, agência do “Rio Maior”;

15. Acto contínuo, o arguido A... deu ordem ao banco sacado que, para o efeito elaborou um documento mecânico, proibindo o pagamento do cheque nº 01072626, com fundamento em “extravio”, no qual, com o seu próprio punho, apôs o nome e a assinatura de “ A...”(cfr. fls. 104);

16. Acto contínuo, o arguido A... deu ordem ao banco sacado que, para o efeito elaborou um documento mecânico, proibindo o pagamento do cheque nº 01072618, com fundamento em “extravio”, no qual, com o seu próprio punho, apôs o nome e a assinatura de “ A...”(cfr. fls. 105);

17. Apresentado a pagamento no dia 18 de Julho de 2011, o cheque descrito em 9), al. a) veio a ser devolvido no dia 18 de Julho de 2011, com a menção, anotada no seu verso, de “Extravio”, não tendo sido pago ao ofendido B...;

18. Apresentado a pagamento no dia 1 de Agosto de 2011, o cheque descrito em 9), al. b) veio a ser devolvido no dia 2 de Agosto de 2011, com a menção, anotada no seu verso, de “Extravio”, não tendo sido pago ao ofendido B...;

19. Em consequência do descrito em 7) a 18), os bancos “Finibanco” e “BES” anotaram no verso dos cheques descritos em 5) e 9) “Extravio”, quando, na realidade, tais factos não correspondiam à verdade;

20. Ao elaborar e assinar, mandar elaborar a declaração na P.S.P. de Alcobaça e assinar os documentos mecânicos descritos em 7), 11), 15) e 16) e de, através deles, ter comunicado aos Bancos “Finibanco” e “BES”, o extravio dos referidos cheques, sabia o arguido A... que estava a elaborar declarações e escritos não verdadeiros e, dessa forma, levou a que neles fossem apostas as menções de “extravio” e fê-lo com pleno conhecimento de que tais factos, declarações e escritos não correspondiam à verdade;

21. Ao entregar no Banco “BES” a declaração obtida da forma e com as finalidades descritas em 11) a 14), bem sabia o arguido A... que, através dela lhe comunicava o extravio dos mencionados cheques, sabia que da dita declaração constavam factos não verdadeiros e, desta forma, o arguido levou a que neles fossem apostas as menções de “extravio” e fê-lo com pleno conhecimento de que tais factos e declarações não correspondiam à verdade;

22. Agiu com a intenção de obter para si e para a sociedade “ C... Lda.” os respectivos benefícios pecuniários correspondentes às quantias neles tituladas, no valor de €2.734,00 (dois mil, setecentos e trinta e quatro euros), mas a que sabia não ter direito, e também traduzido na apresentação dos mesmos e sua devolução com motivos neles exarados, tudo à custa do património do ofendido B..., o que conseguiu;

23. O arguido A... actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal;

24. O arguido não efectuou o pagamento do cheque com o n.º 1801072618, no valor de €1367,00, nem do cheque com o n.º 4301072626, no valor de €1367,00, ambos sacados sobre a conta n.º (...)da agência do Banco Espírito Santo, sita em Rio Maior, suportando o ofendido B... um prejuízo no valor de €2734,00;

25. O arguido com a sua conduta causou nervosismo, revolta e angústia ao ofendido B...;

Mais se apurou que:

- O arguido trabalha num restaurante, o qual é propriedade de sua mãe, e aufere por mês a quantia mensal de €400,00 líquidos;

- O arguido, apesar de se encontrar separado de facto, continua a viver com a sua mulher e as suas filhas, sendo a casa de habitação onde habita propriedade de uma das suas filhas;

- O arguido requereu a sua insolvência, tendo deixado de pagar os empréstimos que contraiu;

- O arguido não tem quaisquer bens em seu nome;

- O arguido desloca-se num veículo automóvel que é propriedade de sua mãe;

- O arguido estudou até ao 6.º ano de escolaridade;

- O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 2010, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €8,00, transitada em julgado a 02.05.2012».

6.

Não houve factos com relevância para a causa julgados não provados.

7.

O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:

«A convicção do tribunal baseou-se na conjugação dos elementos probatórios, considerados na sua globalidade, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no Art.º 127.º do Código de Processo Penal.

O tribunal levou em consideração parte das declarações do arguido e os depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como teve ainda em consideração a prova documental constante dos autos.

O arguido prestou declarações, referindo ao tribunal que à data dos factos era representante legal da sociedade “ C..., Lda” e que os cheques a que se reportam os autos foram emitidos para efectuar uma compra realizada pela irmã do arguido, em nome da sociedade, mas como o arguido não autorizou a sua irmã a realizar essa compra o arguido decidiu “dar os cheques como extraviados”, confirmando assim o arguido que se deslocou à Polícia de Segurança Pública de Alcobaça e declarou os cheques constantes dos autos como extraviados. Mais confirmou o arguido que os cheques foram por si assinados e que a sua irmã estava incumbida de utilizar os cheques assinados pelo arguido, enquanto representante legal da sociedade para efectuar todos os pagamentos das compras efectuadas pela sociedade.

Esclareceu o arguido que, bastava só a sua assinatura nos cheques para obrigar a sociedade “ C..., Lda” a efectuar os pagamentos, tendo o arguido pleno conhecimento que ainda que assinasse cheques em branco era responsável pela emissão do cheque. Mais esclareceu que sabia que os cheques constantes dos autos eram para pagar a factura emitida pelo ofendido B... e diziam respeito ao pagamento de calçado desportivo (ténis) e que essa mercadoria foi vendida pela sociedade “ C..., Lda” ao desbarato.

Pelo que, o arguido ao declarar que os cheques a que se reportam os autos foram extraviados, o arguido sabia perfeitamente que os cheques se destinavam a pagar a mercadoria adquirida ao ofendido B..., tendo assim o arguido a intenção de não pagar a sobredita mercadoria, obtendo para a sociedade que o mesmo representava um benefício económico e as mesmo tempo um prejuízo para o ofendido B....

Pela testemunha B..., ofendido nos autos, foi relatado de forma credível ao tribunal que conhece o arguido, porque fez uma venda de calçado à empresa “ C..., Lda”, sendo que o arguido era o sócio e o gerente, e quando se deslocou à sede da empresa, sita na Benedita, para receber os cheques a que se reportam os autos, esteve com o arguido.

Esclareceu que foi a primeira vez que fez este negócio de calçado com a empresa de que o arguido era sócio, sendo que a mercadoria era entregue por transportadora e contra a entrega de dois cheques, sendo esses cheques pré-datados.

Confrontado com os cheques constantes de fls. 68 pelo mesmo foi dito que foram esses cheques que lhe foram entregues pelo arguido.

Mais disse que se deslocou à Benedita e contactou o arguido por causa do pagamento dos cheques e que os cheques de fls. 68 dos autos foram preenchidos e assinados à sua frente.

Até à presente data, o ofendido não recebeu o valor constante dos cheques de fls. 68 que foram dados como extraviados pelo arguido.

O tribunal teve ainda em consideração a prova documental constante dos autos, mais concretamente cópias da factura de fls. 5, certidão permanente da matrícula da sociedade “ C..., Lda” de fls. 19 a 21, informação bancária de fls. 22 a 25 e 30 a 35, originais dos cheques de fls. 68, informação bancária de fls. 71 a 105, Declaração elaborada pela Polícia de Segurança Pública de Alcobaça a confirmar a participação do extravio dos cheques pelo arguido de fls.106 e guia de remessa de fls. 278.

Os factos provados relativos ao nervosismo, revolta e angústia sofridos pelo ofendido B... resultaram do depoimento prestado pela testemunha D..., que apesar de ser companheira do ofendido, prestou o seu depoimento de forma credível, isenta e serena; esclarecendo ainda o Tribunal que o ofendido ainda não recebeu o valor dos cheques a que se reportam os autos e que a falta desse dinheiro perturbou a vida do ofendido, causando-lhe dificuldades em pagar as contas.

O tribunal atendeu ao teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 235 quanto à existência de antecedentes criminais do arguido.

Baseou-se ainda o tribunal nas declarações do arguido quanto às suas condições pessoais e de vida do arguido, as quais nesta parte foram credíveis».


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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:

I – Nulidade da sentença recorrida

II – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

III – Enquadramento legal dos factos provados

IV – Impugnação das penas


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            I – Nulidade da sentença recorrida

            O arguido imputa à sentença recorrida o vício da nulidade, por motivos vários.

O primeiro decorrerá da falta de fundamentação porque, segundo alega e citamos, da sentença «resulta não existir qualquer exposição dos motivos, de facto e de direito … porque das declarações do arguido e ora recorrente em momento algum este referiu ao tribunal que (…) mas como o arguido não autorizou a sua irmã a realizar essa compra o arguido decidiu dar os cheques como extraviados. Da mesma forma que nunca e em momento algum das duas declarações … esclareceu que sabia que os cheques constantes dos autos eram para pagar a factura emitida pelo ofendido B... e diziam respeito ao pagamento de calçado …».

Termina este segmento do recurso dizendo que a convicção assentou em factos que não ficaram provados.

A segunda razão de nulidade deriva da circunstância de a sentença recorrida ter olvidado «possível existência de causa de exclusão de culpa ou de ilicitude …».


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Nos termos do art. 379º do C.P.P. a sentença é nula, nomeadamente, quando não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º e quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – nº 1, al. a) e c).

            Por seu turno dispõe o nº 2 do art. 374º que a fundamentação da sentença deve conter a enumeração dos factos provados e não provados e uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

A lei determina que a sentença enumere os factos provados e não provados – quando os houver, claro -, porque exige a certeza de que o tribunal considerou todos os factos alegados relevantes para a decisão.

Os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão são os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência [1]. É com a sua explanação que se alcança a transparência da decisão, de molde a permitir aos destinatários e à comunidade a apreensão e compreensão dos juízos de facto e de direito assumidos pelo julgador e ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, que se concretiza através do recurso [2].

            Em suma, a sentença tem que dar a conhecer as concretas provas que foram consideradas como decisivas à sua prolação e as razões que levaram à consideração daquelas concretas provas e não de todas as outras, também produzidas no processo cujo conteúdo vá em sentido diferente do decidido, e cumpre a sua missão quando enuncia aqueles elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição ante os seus destinatários, de molde a permitir alcançar que ela não é fruto do arbítrio do julgador, mas sim de um processo sério assente em razões lógicas e nas regras da experiência.

            O tribunal começou por dizer que na decisão de facto atendeu a parte das declarações do arguido, aos depoimentos das testemunhas e à prova documental constante do processo.

            Relativamente ao arguido disse:

- referiu «que os cheques a que se reportam os autos foram emitidos para efectuar uma compra realizada pela irmã do arguido, em nome da sociedade, mas como o arguido não autorizou a sua irmã a realizar essa compra o arguido decidiu “dar os cheques como extraviados”»;

- confirmou que se deslocou à PSP onde deu os cheques constantes do processo como extraviados;

- confirmou que os cheques foram por assinados por si;

- sabia que bastava só a sua assinatura nos cheques para obrigar a sociedade “ C..., Lda” a efectuar os pagamentos;

- sabia que ainda que assinasse cheques em branco era responsável pela emissão do cheque;

- sabia que os cheques constantes dos autos eram para pagar a factura emitida pelo ofendido B... e diziam respeito ao pagamento de calçado desportivo (ténis) e que essa mercadoria foi vendida pela sociedade “ C..., Lda” ao desbarato.

            Sobre a prova testemunhal consignou o seguinte:

- B..., ofendido, declarou que vendeu calçado à empresa “ C..., Lda”;

- quando se deslocou à sede da empresa, sita na Benedita, para receber os cheques a que se reportam os autos esteve com o arguido;

- os cheques foram preenchidos e assinados à sua frente;

- os cheques eram pré-datados;

- à data das declarações o arguido nada tinha pago;

- D... esclareceu o nervosismo, revolta e angústia sofridos pelo ofendido em resultado do comportamento do arguido, que os cheques não estão pagos e que a falta desse dinheiro perturbou a vida do ofendido, causando-lhe dificuldades em pagar as contas;

- os relatos foram credíveis.

            Finalmente sobre a prova documental lê-se que relevaram os documentos de fls. 5, 19 a 25, 30 a 35, 68, 71 a 105, 106 e 278 e que são cópia da factura, certidão da matrícula da sociedade, informações bancárias, os cheques em causa, declaração elaborada pela PSP e guia de remessa.

Todas estas provas basearam a decisão de facto proferida.

Perante o relato feito é claro, portanto, que a sentença cumpriu o seu dever de fundamentação.

Agora e quanto ao facto de o arguido alegar que não disse o que a sentença refere que disse esta desconformidade não enquadra o vício invocado, conhecendo-se do mesmo no momento próprio.


*

            Outra das causas da nulidade imputada à sentença recorrida radica no não conhecimento de «possível existência de causa de exclusão de culpa ou de ilicitude …».

                        No nosso sistema legal o recurso para a relação é um meio de impugnação sujeito ao princípio do pedido e ao ónus de impugnação, cujo objecto de conhecimento está, portanto, definido pelo pedido, salvo as situações de conhecimento oficioso [3].

            Efectivamente, conforme consta dos nº 1, 2 e 3 do art. 412º do C.P.P.:

- a motivação do recurso tem que enunciar especificamente os fundamentos do recurso e tem que terminar pela formulação de conclusões, em que o recorrente resume as razões do pedido;

- versando matéria de direito as conclusões têm que indicar as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devida ser interpretada ou aplicada, e ainda, em caso de erro na aplicação do direito, a norma que deve ser aplicada;

- impugnando a matéria de facto o recorrente tem que especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa.

Nos termos da al. c), do nº 1 do art. 379º do C.P.P. determina a nulidade da sentença o não conhecimento pelo tribunal de questão que devia apreciar.

Explicando em que consiste o vício diremos, citando o acórdão desta relação proferido em 15-10-2008 no processo 179/03.0IDACB, que a «omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento».

            Vistos os autos resulta que o arguido foi acusado da prática, em concurso real, de quatro crimes de falsificação de documento, dos art. 255º, al. a), e 256º, nº 1, al. d) e e) do Código Penal.

            O demandante B... deduziu pedido de indemnização dirigido ao arguido, pedindo a sua condenação a pagar-lhe os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da sua actuação.

O arguido não contestou nem a acusação, nem o pedido de indemnização.

            Do elenco da matéria provada não consta qualquer facto passível de excluir a ilicitude ou a culpa do arguido.

Finalmente, a propósito da exclusão da ilicitude ou culpa, o arguido nada alega de concreto, não invoca factos, limitando-se a uma invocação vaga.

Se nada consta do processo sobre qualquer destas questões, nada tinha o tribunal a decidir sobre a sua não verificação.

O tribunal não tem que se pronunciar sobre questões não alegadas e não verificadas.   Se o dever de conhecimento oficioso tivesse uma tal abrangência então o juiz teria que tratar de todas as questões aquando da prolação de uma decisão, mesmo as questões manifestamente espúrias, precisamente para afastar a sua relevância no caso.

            É, pois, manifestamente improcedente a nulidade imputada à sentença.


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            II – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Cumpre, agora, conhecer da invocada desconformidade ostensiva entre o que a sentença diz que o arguido disse e aquilo que ele, efectivamente, referiu e que releva para a decisão de facto.

Aquando da motivação da decisão da matéria de facto e concretamente sobre as declarações do arguido consta da sentença o seguinte:

«O arguido prestou declarações, referindo ao Tribunal que à data dos factos era representante legal da sociedade “ C..., Lda” e que os cheques a que se reportam os autos foram emitidos para efectuar uma compra realizada pela irmã do arguido, em nome da sociedade, mas como o arguido não autorizou a sua irmã a realizar essa compra o arguido decidiu “dar os cheques como extraviados”, confirmando assim o arguido que se deslocou à Polícia de Segurança Pública de Alcobaça e declarou os cheques constantes dos autos como extraviados. Mais confirmou o arguido que os cheques foram por si assinados e que a sua irmã estava incumbida de utilizar os cheques assinados pelo arguido, enquanto representante legal da sociedade para efectuar todos os pagamentos das compras efectuadas pela sociedade.

Esclareceu o arguido que, bastava só a sua assinatura nos cheques para obrigar a sociedade “ C..., Lda” a efectuar os pagamentos, tendo o arguido pleno conhecimento que ainda que assinasse cheques em branco era responsável pela emissão do cheque. Mais esclareceu que sabia que os cheques constantes dos autos eram para pagar a factura emitida pelo ofendido B... e diziam respeito ao pagamento de calçado desportivo (ténis) e que essa mercadoria foi vendida pela sociedade “ C..., Lda” ao desbarato.

Pelo que, o arguido ao declarar que os cheques a que se reportam os autos foram extraviados, o arguido sabia perfeitamente que os cheques se destinavam a pagar a mercadoria adquirida ao ofendido B..., tendo assim o arguido a intenção de não pagar a sobredita mercadoria, obtendo para a sociedade que o mesmo representava um benefício económico e ao mesmo tempo um prejuízo para o ofendido B....».

E agora vejamos aquilo que o arguido disse.

Sobre os factos declarou, de relevante, que era gerente da empresa juntamente com a irmã, mas que ela fazia as compras de calçado e que ele estava ligado aos vinhos.

E um dia a irmã fez compras ao ofendido, que nem conhecia, de ténis desportivos.

Viu uns ténis no armazém, esteve a ver a factura, verificou que era uma marca cara, que nem sequer era conhecida, mas a irmã disse que era uma marca nova, que ia passar na televisão e disse que os tinha comprado à consignação.

Como a irmã lhe disse que a compra foi à consignação não fazia ideia que havia cheques passados ao ofendido.

Quando deu conta do pagamento de um cheque que não sabia que estava passado foi ao banco e pediu um extracto da conta: um desses cheques entrou no Finibanco e foi pago com dinheiro que era para outros pagamentos.

Falou com a irmã, falou-lhe deste cheque, disse-lhe que não sabia que ele estava passado e a irmã disse-lhe que tinha passado cheques. Teve a discussão com a irmã pois ela tinha-lhe dito que o calçado era à consignação.

Depois foi conferir todos os cheques que faltavam e, disse, «fez o extravio dos cheques» aos bancos, de todos os cheques que faltavam.

Também foi à esquadra e fez a mesma declaração de extravio daqueles cheques.

Perguntado se não sabia que tinha assinado os cheques disse que não foi ele que os entregou e que não sabia que os tinha assinado.

Depois disso acabou a sociedade com a irmã.

Quanto ao calçado disse que foi vendido ao desbarato.

Perguntado se assinou os cheques em causa respondeu que sim, que reconhecia que os tinha assinado. Muitas vezes a irmã punha-lhe cheques para assinar mas não dizia para que pagamento eram os cheques.

Vistos os cheques do BES reconheceu que era sua a assinatura que deles constavam. Mais reconheceu que assinou todos os demais cheques em causa.

Disse que a irmã fazia as compras do calçado e muitas vezes assinava os cheques em branco.

As empresas do calçado e do vinho eram diferentes mas as empresas eram dos dois e ambos as geriam, embora só a sua assinatura obrigasse a sociedade. Isto também era porque era ele que tratava de todos os assuntos dos bancos.

Mais adiante no seu depoimento o arguido disse que a irmã o informou da situação apenas depois de ele ter dado extravio dos cheques e que não o tinha informado do destino da maior parte dos cheques. Mais disse que quando verificou o pagamento de um dos cheques passados ao ofendido também não concluiu que a mercadoria não tivesse sido vendida à consignação.

Disse que nunca tentou fazer qualquer acordo com o ofendido nem tentou pagar porque não lhe tinha comprado nada.

Perguntado se tinha pago alguma coisa ao ofendido disse que não, que o problema do pagamento não era seu, que não tinha que pagar nada, que não conhecia o ofendido, não tinha nada a falar com ele e não fez negócio nenhum com ele.

            Perante estas declarações o tribunal recorrido formulou a convicção de que o arguido, antes de comunicar o extravio dos cheques em causa, sabia que os havia assinado, sabia que os cheques haviam sido emitidos a favor do ofendido e sabia que se destinavam ao pagamento de mercadoria que aquele tinha vendido à empresa da qual o arguido era sócio gerente.

            Formou a convicção nestes termos e bem, pois que esta era a única conclusão possível.

            É verdade que o arguido foi, depois, alterando a versão inicial acabando por dizer que, quando declarou o extravio dos cheques, afinal não sabia nada.

            Aliás, a versão do arguido foi mudando à medida que ele foi percebendo que as declarações inicialmente prestadas confirmavam, integralmente, o conteúdo da acusação.

            Mas esta versão não foi acolhida porque tudo o mais, nomeadamente as suas próprias declarações iniciais, contrariavam estas declarações finais.

            Improcede, portanto, toda a alegação.


*

III – Enquadramento legal dos factos provados

            Assentes que estão os factos provados cabe, agora, conhecer do enquadramento jurídico feito aos mesmos pelo tribunal recorrido, avançando o arguido, sobre a questão, que os mesmos não integram qualquer ilícito, uma vez que não são passíveis de configurar nem o crime de falsificação, nem tão pouco o crime de cheque sem provisão.

            Recordando, provou-se, além do mais, que:

- no dia 23-11-2010 o ofendido B... vendeu à empresa “ C..., Lda.”, representada no acto pelo arguido, artigos de calçado no valor de 2.735,99 €;

- para o pagamento de parte do preço com data de 25-3-2011 o arguido preencheu, assinou e entregou ao ofendido o cheque nº 6542889226, no montante de 1.368,99 €, sacado sobre a conta nº (...) do Banco “Finibanco”, agência da “Benedita”;

- o arguido entregou este cheque em data anterior ao dia aposto no mesmo como sendo a data da sua emissão;

- no dia 8 de Fevereiro de 2011, depois da entrega do cheque, o arguido dirigiu-se ao banco e elaborou e assinou o escrito de fls. 25, através do qual determinou ao banco o «bloqueio dos cheques (…) 6542889226 sobre a nossa conta (...), por motivo de extravio». Disse, ainda, «Declaro que assumo todas as consequências legais e comerciais decorrentes desta instrução»;

- apresentado o cheque a pagamento em 26-3-2011 foi ele devolvido em 28-3-2011 com a menção, anotada no seu verso, de “Extravio”;

- este cheque não foi pago ao ofendido;

- para pagamento daquele cheque o arguido preencheu, assinou e entregou ao ofendido os cheques nº 1801072618, no montante de 1.367,00 €, sacado sobre a conta nº (...)do Banco “BES”, agência de “Rio Maior”, tendo-o datado de 15-7-2011, e nº 4301072626, no montante de 1.367,00 €, sacado sobre a conta nº (...)do Banco “BES”, agência de “Rio Maior”, que datou de 30-7-2011;

- o arguido entregou estes cheques em datas anteriores aos dias que deles constam como sendo as datas de emissão;

- no dia 13-7-2011, depois da entrega destes cheques, o arguido dirigiu-se à Esquadra da P.S.P. de Alcobaça onde declarou que «no período compreendido entre as 15h30m e as 16h00m de 2001-07-13 extraviou os cheques abaixo descriminados, pertencentes à firma “ C..., Lda”:

1 – Banco Espírito Santo, Cheque em Branco, 1801072618

2 – Banco Espírito Santo, Cheque em Branco, 4301072626 (…)»;

- na posse desta declaração e sabendo que ela era falsa no dia 14-7-2011 o arguido procedeu à sua entrega no Banco Espírito Santo, agência do “Rio Maior”, proibindo o banco de pagar o cheque nº 01072626, com fundamento em “extravio”;

- e proibiu o banco sacado de pagar o cheque nº 01072618 com fundamento em “extravio”;

- apresentados a pagamento em 18-7-2011 e 1-8-2011 tais cheques foram devolvidos, sem pagamento, com a menção de “extravio”;

- os bancos “Finibanco” e “BES” anotaram no verso dos cheques a menção de “Extravio”, que não correspondia à verdade;

- os cheques não foram pagos.

            Nos termos do art. 11º do D.L. nº 454/91, de 28/12, na redacção da Lei nº 48/2005, de 29/8, pratica o crime de emissão de cheque sem provisão «quem, causando prejuízo patrimonial ao tomador do cheque ou a terceiro:

a) Emitir e entregar a outrem cheque para pagamento de quantia superior a (euro) 150 que não seja integralmente pago por falta de provisão ou por irregularidade do saque;

b) Antes ou após a entrega a outrem de cheque sacado pelo próprio ou por terceiro, nos termos e para os fins da alínea anterior, levantar os fundos necessários ao seu pagamento, proibir à instituição sacada o pagamento desse cheque, encerrar a conta sacada ou, por qualquer modo, alterar as condições da sua movimentação, assim impedindo o pagamento do cheque; ou

c) Endossar cheque que recebeu, conhecendo as causas de não pagamento integral referidas nas alíneas anteriores;

se o cheque for apresentado a pagamento nos termos e prazos estabelecidos pela Lei Uniforme Relativa ao Cheque, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa ou, se o cheque for de valor elevado, com a pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias».

            Diz, depois, o nº 3 que não haverá crime se o cheque for «emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador».

            Uma vez que os cheques em causa no processo foram todos entregues antes da data que consta dos mesmos como data de emissão não se verifica crime de emissão de cheque sem provisão.

            Nestas mesmas circunstâncias o S.T.J., no acórdão 9/2013, de 14-3-2013, fixou a seguinte jurisprudência:

«O sacador de um cheque que nele apuser uma data posterior à da emissão, e que em ulterior escrito por si assinado, requisitar ao banco sacado o seu não pagamento, invocando falsos extravio, subtração ou desaparecimento, com a intenção de assim obter o resultado pretendido, preenche com esse escrito o tipo de crime de “falsificação de documento” …».

A partir da revisão do C.P.P. operada pela Lei nº 59/98, de 25/8, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos recursos de fixação de jurisprudência deixaram de ter força normativa geral.

No entanto mantêm uma particular força argumentativa, que desde logo impõe aos tribunais um dever de especial fundamentação quando divirjam da jurisprudência fixada [4]. Assim o determina o nº 3 do art. 445º do C.P.P. ao estabelecer que «a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão».

E porque é que dizemos que esta especial fundamentação inculca a ideia da particular força argumentativa daquelas decisões?

O art. 205º da Constituição da República Portuguesa dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (nº 1). O dever de fundamentação passou a ser uma obrigação geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente (o que bem se compreende uma vez que a motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito e no Estado Social de direito contra o arbítrio do poder judiciário) [5].

                   Este dever constitucionalmente tutelado está, também, plasmado na lei ordinária. Assim, nos termos do art. 97º, nº 5, do C.P.P. «os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão». Por seu turno e no que à sentença concerne, determina o nº 2 do art. 374º que esta deve conter a «fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Então, quando a lei, no nº 3 do art. 445º do C.P.P., determina que os tribunais que divirjam da jurisprudência fixada pelo S.T.J. devem fundamentar as divergências certamente quererá um mais em relação ao dever geral de fundamentação da decisão, que estando já previstos noutras normas não careceria de específica consagração caso o objectivo fosse o mesmo.

O conteúdo desta norma foi sendo preenchido ao longo do tempo com a jurisprudência que se foi produzindo, até chegarmos ao momento presente em que se entende que quando a lei diz que as divergências com a decisão do S.T.J. que fixa jurisprudência têm que ser fundamentadas quer dizer que terão que ser usados argumentos novos, relevantes, nunca anteriormente ponderados. Donde resulta que não cumpre as exigências legais da fundamentação da divergência a invocação de argumentos já anteriormente usados e que nunca mereceram acolhimento.

Mas nem só nestes casos é legítima a divergência. Para além daquelas situações, os tribunais sempre poderão perfilhar entendimento divergente desde que a doutrina e/ou a jurisprudência tenham alterado a sua posição relativamente àquela jurisprudência obrigatória ou desde que se vislumbre que o entendimento do S.T.J. mudou desde a jurisprudência fixada.

A não ser nos casos acima mencionados – devidamente ponderados e fundamentados, nos termos expostos –, as instâncias devem obediência à jurisprudência fixada pelo S.T.J., mesmo que dela discordem.

            Ora, o arguido não invocou qualquer novo fundamento justificador da não aplicação daquele acórdão e nós também não o vislumbramos.

            Foi esta jurisprudência fixada no acórdão que o tribunal recorrido perfilhou e que nós secundamos.

            Improcede, por isso, a impugnação do enquadramento legal dos factos.


*

            IV – Impugnação das penas aplicadas

            Finalmente relativamente às penas aplicadas o arguido invoca a falta de fundamentação das mesmas, por um lado, e o facto de serem excessivas, por não serem adequadas às necessidades de prevenção especial e por não terem considerado as condições económicas do arguido e o facto de estar familiar e profissionalmente inserido.

            Os crimes de falsificação de documento, por cuja prática o arguido foi condenado, são puníveis, cada um deles, com prisão até 3 anos ou multa de 10 a 360 dias.

            O tribunal recorrido optou pela pena de multa, que o arguido não ataca.

Diz a lei, no ar. 40º, nº 1 e 2, do Código Penal que as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que a pena não pode exceder a culpa.

            Partindo destas considerações gerais, as regras da escolha e medida da pena encontram-se plasmadas nos art. 70º e segs. do Código Penal.

Escolhida que está a pena a determinação da sua medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo o tribunal que atender, nessa operação, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente o grau de ilicitude, o modo de execução do facto, a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.

Portanto, o processo de fixação da pena faz-se percorrendo o disposto no art. 71º do Código Penal, tendo em vista as finalidades próprias das sanções e o facto de o seu limite máximo, inultrapassável, ser estabelecido pela culpa do agente. Depois, no âmbito desta moldura a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente surge a culpa, que indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas [6].

Fixada a pena, é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Relativamente à determinação do quantum exacto de pena será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada [7].

           
O tribunal recorrido considerou que as necessidades de prevenção geral eram elevadas, tendo em conta o número crescente de delitos desta natureza que têm vindo a ser praticados, considerou diminutas as necessidades de prevenção especial e atendeu ao facto de o arguido estar social, profissional e familiarmente inserido.

            Teve a ilicitude como de grau médio, atendendo que o arguido visou não pagar a factura a que respeitavam os cheques, considerou o dolo, directo, com intensidade média e considerou os antecedentes criminais.

            Tudo visto aplicou a cada um dos crimes a pena de 150 dias de multa.
A primeira coisa que resulta clara é que as penas aplicadas estão fundamentadas, pois o tribunal considerou os elementos vinculativos que deveria considerar.
Para além disso as penas parcelares não são excessivas. Se pecam será por defeito, tendo em atenção que o arguido repetiu o mesmo comportamento várias vezes, revelando com isso uma actuação particularmente capciosa.
Depois, a expressa vontade de delinquir, que ressalta da referida repetição: o arguido delinquiu e voltou a delinquir quando, aparentemente, pretendeu resolver o ilícito anterior.
Ora, isto não revela ilicitude ou culpa moderadas.

A desconformidade, por defeito, ressalta mais na pena única aplicada.
Nos termos do nº 1 do art. 77º do Código Penal quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena em cuja medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

            Aqui impõe a lei que se analise o conjunto no sentido de perscrutar, essencialmente, se se revela uma tendência criminosa ou uma mera pluralidade de crimes.

            E temos que o que este quadro revela é uma verdadeira tendência criminosa, pelo que fixar em 300 dias a pena única pelos crimes cometidos se nos afigura branda.

            Agora e quanto à taxa diária fixada a cada dia de multa, resulta da técnica usada pelo legislador que num primeiro momento há que quantificar a pena de multa a aplicar e depois fixar a respectiva taxa diária.

            Quando à taxa diária da multa a lei apenas diz, no nº 2 do art. 47º do Código Penal, que a cada dia de multa corresponde uma quantia entre 5 e 500 €, «que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

            Este silêncio da lei quanto a eventuais critérios para a fixação da taxa diária da multa para Figueiredo Dias este silêncio «só pode significar … o desejo do legislador de oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de factores relevantes. É seguro que deverá atender-se … à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte … Como é seguro, por outro lado, que àqueles rendimentos hão-de ser deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro … e encargos análogos. Como igualmente parece legítimo tomar em conta … rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação …» [8].

            A pena de multa é uma pena. Portanto tem que causar sacrifício económico ao condenado [9], relevante à função preventiva e retributiva.

E daí que se entenda [10] que mesmo a pessoas carentes de rendimentos próprios é sempre possível aplicar uma pena de multa (a defesa da não aplicação de pena de multa redundaria ou na defesa da aplicação de pena detentiva, o que evidentemente não pode ser, ou numa situação de dispensa de pena, que também não é defensável).

            Tendo presentes estas considerações, o facto de o mínimo legal se situar em 5 € e, ainda, que o arguido trabalha num restaurante propriedade de sua mãe, que reside numa casa propriedade de uma das filhas e que deixou de pagar as suas dívidas é óbvio que a taxa aplicada não pode coincidir com o mínimo legal.

            Assim, não há qualquer motivo para baixar a taxa fixada.


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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

Fixa-se em 5 Ucs de taxa de justiça devida.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 14 de Janeiro de 2015

(Olga Maurício - relatora)

(Luís Teixeira - adjunto)


[1] Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229.
2  Acórdão do S.T.J. de 3-10-2007, processo 07P1779.


[3] Acórdão da Relação do Porto de 8-9-2010, processo 438/09.8GTBRG.
[4] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 1ª ed., pág. 1202.
[5] Pessoa Vaz, Direito Processual Civil-do antigo ao novo código, 1998, pág. 211.
[6] Anabela Rodrigues, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, pág. 147 e segs.
[7] Acórdão do S.T.J. de 29-3-2007, processo 07P1034.
[8] Figueiredo Dias, Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime, II, pág. 129.
[9] Acórdão do S.T.J. de 3-6-2004, processo 04P1266.
[10] Figueiredo Dias, obra citada, pág. 128 e segs.