Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1092/15.3T8LRA.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
DECLARAÇÃO TÁCITA
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 217.º, N.º 1 E 595.º, N.º 1, ALÍNEA B), AMBOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Há assunção de dívida, por contrato entre o novo devedor e o credor, quando se prova que a ré (novo devedor) sempre transmitiu ao autor (credor) que lhe pagaria a quantia que este emprestou ao marido daquela, nem que fosse através da entrega de bens pessoais, sendo de subentender que houve uma “declaração tácita” de adesão, por parte do autor, a essa proposta de assunção de dívida por parte da Ré.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
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1 – RELATÓRIO
AA intentou a presente ação contra BB (melhor identificados nos autos), alegando, em síntese, o seguinte:
A ré foi casada com CC, que faleceu a 4 de dezembro de 2005 e que era irmão do autor.
A ré e o seu falecido marido constituíram duas sociedades comerciais por quotas, das quais ambos eram os únicos sócios e gerentes, designadas T..., Ldª e L..., Ldª.
O falecido marido da ré, na sequência de necessidade urgente de dar satisfação aos compromissos comerciais assumidos, no início de 2004, contactou os dois irmãos gémeos, ou seja o aqui autor e o irmão DD, e solicitou-lhes que lhe emprestassem € 60.000, apenas por alguns dias e que de imediato restituía, pois perspetivava a curto prazo a realização de negócios que facilmente lhe dariam o folgo necessário ao pagamento do empréstimo, ou seja, procederiam à venda do azeite da companha que se completava nesta época.
Perante este pedido de irmão para irmãos o autor transmitiu-lhes que tinha de ter a anuência do irmão gémeo, uma vez que a quantia pretendida estava depositada numa conta bancária conjunta que ambos possuíam aberta na C..., CRL, em ..., e, portanto, o dinheiro era pertença de ambos e só por ambos poderia ser movimentado.
Obtida que foi a anuência do dito irmão gémeo – DD, o autor entregou ao marido da aqui ré o cheque do valor pretendido, o qual datou com data de 27 de janeiro de 2004, devidamente emitido à sua ordem.
Este mencionado cheque, uma vez na posse do falecido marido da ré, foi pelo mesmo apresentado a desconto e depositado numa das contas que possuíam abertas no mesmo Banco, fazendo assim sua a totalidade da quantia emprestada.
Uma vez na posse da quantia emprestada, e porque o falecido irmão, CC, não conseguiu restitui-la no prazo perspetivado foi transmitindo ao autor que lhe aguardasse mais algum tempo, ao que o autor foi acedendo, sempre na expetativa de que o falecido irmão CC cumpria a palavra dada, pois sempre a considerou respeitada, já que em momentos anteriores igualmente lhe havia emprestado outras quantias e sempre lhas restituíram.
Passado algum tempo o falecido marido da ré adoeceu e faleceu.
Apesar disso, a Ré, que perfeito conhecimento possuía do empréstimo relatado, sempre lhe transmitiu que ela lhe pagaria a divida, nem que fosse com a entrega de bens pessoais, nomeadamente dos imóveis de que era dona e lhe pertenciam na herança aberta por óbito do marido, razão pela qual o autor foi esperando pelo pagamento.
Mercê de desentendimentos havidos na família da ré, nomeadamente com os dois filhos, o pagamento do empréstimo tornou-se impossível de ser feito e o quinhão hereditária da ré por morte do seu falecido marido foi vendido em processo de execução, tendo a ré ficado sem qualquer património.
O empréstimo havido por parte do autor ao falecido marido da Ré e a esta foi efetuado apenas por acordo meramente verbal, sem redução a escrito, ou seja não foi submetido à forma legal exigida, pelo que a declaração negocial é nula.
Por conseguinte, tem o autor direito a que uma vez declarada que seja a nulidade invocada, por ausência de forma legal, lhe seja restituída a totalidade da quantia emprestada, ou seja € 60.000.
Terminou pedindo a condenação da ré a pagar-lhe € 60.000, acrescidos dos juros legais que se venceram desde a entrada em Tribunal da providência cautelar de arresto (26/1/2015) até integral liquidação, e bem assim condenada a reconhecer o empréstimo efetuado pelo aqui autor e ainda a reconhecer que não tendo sido observada a forma legalmente prescrita para o contrato de mútuo o mesmo é ferido de nulidade e uma vez declarada que seja esta ser condenada por este facto a restituir ao autor a quantia emprestada.
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A ré BB contestou alegando, em síntese, o seguinte:
Não é verdade que tenha transmitido ao autor que pagaria a dívida, nem que fosse com bens de que era dona.
A quantia de € 60.000 que o autor alega ter emprestado à ré e ao seu falecido marido foi emprestada à sociedade L..., Lda, para fazer face a dificuldades económicas desta sociedade.
O cheque referido pelo autor foi depositado na conta bancária n.º ...69, titulada pela sociedade L..., Lda e a quantia de € 60.000 foi utilizada para cumprimento de obrigações daquela sociedade, pelo que a ré não pode ser responsabilizada pelo pagamento de uma dívida que não contraiu.
Ainda que a dívida tivesse sido contraída pelo falecido marido da ré, a responsabilidade pelo pagamento competiria à herança aberta pelo seu óbito.
Terminou pugnando pela improcedência da ação.
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Foi proferido despacho saneador, onde foi fixado o valor da ação, determinado o objeto do litígio e fixados os temas da prova.
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A instância foi declarada suspensa na sequência da notícia do óbito da ré e habilitados como seus herdeiros para prosseguir os termos da ação EE e FF.
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Foram apreciados os requerimentos probatórios e designada data para a realização de audiência final.
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Foi realizada audiência final, tendo sido inquiridas oito testemunhas e ouvido o autor em declarações de parte.
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Na sentença proferida na oportuna sequência, foi, além do mais, apreciada uma nulidade e proferida decisão de mérito, tendo sido julgada procedente a ação.
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O habilitado réu EE interpôs recurso tendo por objeto a decisão quanto à questão prévia da arguição da nulidade e a sentença, tendo este Tribunal da Relação ... proferido Acórdão, revogando a decisão recorrida [sobre a arguição de nulidade], que se substitui por outra que faculte ao habilitado Réu EE, ora recorrente, a oportunidade do exercício do contraditório relativamente aos documentos juntos aos autos em 21 de maio de 2018, após o que, na ponderação e em função do que for em concreto exposto/requerido pelo mesmo, se prosseguirá com a continuação da audiência, em consequência do que se revoga igualmente a sentença proferida na sequência oportuna daquela decisão.
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Foi designada data para a continuação da audiência final.
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Foi proferido despacho procedendo à adequação processual, dispensando a designação de data para continuação da audiência final tendo em vista a realização de alegações orais e concedendo aos Ilustre Advogados o prazo de 10 dias para apresentarem alegações por escrito, tendo o Ilustre Advogado do autor apresentado alegações por escrito.
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Foi proferida nova sentença, com conhecimento, além do mais, da suscitada questão da ilegitimidade ativa do A. para demandar a totalidade da quantia titulada pelo cheque ajuizado, relativamente ao que se entendeu ter resultado provado que "DD acertou contas com o autor tendo o autor assumido a titularidade exclusiva do crédito decorrente do cheque cuja cópia consta de fls 24 do apenso A", face ao que concluiu no sentido de ser o A. parte legítima na ação; quanto ao demais, foi julgada procedente a ação.
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O habilitado réu EE interpôs recurso, tendo este Tribunal da Relação ... proferido Decisão Singular, sendo relativamente ao alegado desacerto da decisão sobre a legitimidade ativa do A. no sentido de que essa questão recursiva improcedia; quanto ao demais, julgando procedente a apelação sobre a decisão da matéria de facto, por necessidade de ampliação da matéria de facto em ordem a obter uma convicção consistente e concludente sobre a temática da contração do empréstimo, mormente definição de por quem, a que título, e com que objetivo foi tal feito, assim determinando a remessa dos autos à 1ª instância para que aí, nos termos supra melhor expostos, os factos concretos a tal atinentes sumariamente alegados nos arts. 6º a 9º e 27º da p.i., por um lado e 10º da contestação, por outro lado, na medida em que subsistem controvertidos, sejam objeto de prova e decisão expressa, e bem assim anular a resposta aos pontos de facto “provados” sob “2.” e “3.” (por ser imprecisa e equívoca a sua redação) e ponto de facto “não provado” sob a alínea “a)”, por forma a que, com nova produção de prova (a prova documental apontada, eventualmente a ser carreada suplementarmente para os autos), sem prejuízo da reinquirição da prova testemunhal que teve lugar sobre essas temáticas, se obtenha uma convicção sólida e consistente, que se traduza numa resposta coerentemente fundada sobre o contexto e qualidade em que o referido CC pediu o empréstimo ajuizado, e bem assim o esclarecimento sobre a eventual participação da Ré nesse ato [cf. art. 662º, nº2, al.c) do mesmo n.C.P.Civil]; e anulando a sentença proferida, devendo o julgamento repetir-se
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Em cumprimento de tal, na 1ª instância foi admitida prova, ordenada a junção de documentos e designada data para a continuação da audiência final.
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Foi realizada audiência final, tendo sido ouvida a habilitada ré em depoimento de parte e inquiridas quatro testemunhas.
Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir que o A. havia entregue ao falecido marido da primitiva Ré, a pedido deste, e com a obrigação de este restituir àquele, a ajuizada quantia de € 60.000, o que configurando um mútuo nulo por falta de forma, determinava a correspondente obrigação de restituição do que havia sido prestado, sendo essa responsabilidade da primitiva Ré BB porque esta, conforme igualmente decorria da factualidade apurada, havia assumido a dívida do seu falecido marido por declaração expressa nesse sentido, do que decorria a legitimidade substantiva passiva da dita, com a consequente responsabilidade dos habilitados réus na medida do que receberam enquanto herdeiros dela, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:
«VI. DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ao abrigo das disposições legais citadas e com os fundamentos invocados,
I – Julgo a presente ação procedente e, em consequência, condeno os habilitados réus no pagamento ao autor do valor de € 60.000 (sessenta mil euros), acrescido de juros contados desde a citação e até integral pagamento.
II – Condeno os habilitados réus no pagamento das custas da ação.
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Notifique e registe. »
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Inconformado, apresentou mais uma vez o habilitado Réu EE recurso de apelação contra a nova sentença, cuja alegação finaliza com as seguintes conclusões:
«1 – O alegado pelas partes nos articulados, a prova testemunhal e documental produzida nos autos, o conhecimento geral e as regras da experiência comum impõem que se altere a decisão da matéria fáctica dada como provada e não provada na D. Sentença recorrida.
2 – Os factos dados como provados em 5, 6, 7 e 10 devem passar a constar no elenco dos FACTOS NÃO PROVADOS.
3 – Os factos dados como não provados nas alíneas a), b), c), d), e) e f) devem passar a constar do elenco dos FACTOS PROVADOS com a seguinte redação:
 Para o desenvolvimento da atividade das sociedades referidas em 2) e 3) a Ré e seu falecido marido adquiriram alguns veículos pesados de mercadorias e tinham ao serviço de ambas as sociedades diversos funcionários, quer motoristas, quer os operacionais do lagar de transformação da azeitona em azeite.
 A situação económico-financeira das mencionadas sociedades comerciais, nos últimos anos de vida do falecido irmão do autor, passou a ter alguns problemas financeiros, e, em consequência os compromissos que haviam assumido, nomeadamente bancários, começaram a entrar em incumprimento, quer ainda com
os fornecedores dos veículos que adquiriram, quer no pagamento pontual dos salários, quer junto dos fornecedores de azeitona, combustíveis, acessórios para os veículos, quer ainda junto do Banco com que trabalhavam com mais assiduidade, nomeadamente junto da C..., CRL, com sede em ....
 A circunstância referida em b) levou o falecido CC a pedir aos irmãos AA e DD que lhe emprestassem a quantia titulada pelo cheque.
 CC perspetivava pagar aos irmãos com o produto da venda do azeite da companha que se completava nesta época.
 CC pediu os € 60.000 aos irmãos na qualidade de gerente da L..., Lda
 O valor titulado pelo cheque referido em 6 foi emprestado à sociedade L..., Lda
4 - O cheque de fls. 24 do apenso A foi depositado numa conta bancária titulada pela sociedade L..., Lda (ponto 4 dos factos provados).
5 - O empréstimo em causa não foi concedido ao falecido CC, mas à sociedade de que ele era sócio e gerente, L..., Lda, para pagar a azeitona comprada pela dita sociedade, a quem cabe restituir ao Autor a quantia mutuada.
6 - Ainda que se considere que a dívida foi contraída pelo falecido CC, marido da Ré, - o que não se concede -, não foi alegado que a dívida fora contraída pelo casal que foi constituído por aqueles, nem que o fora em benefício do casal, pelo que, não cabe à Ré, nem agora aos herdeiros desta a restituição da quantia mutuada, mas sim aos herdeiros de CC, os quais não foram demandados na acção, nem o Autor alegou quem são.
7 - Os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
8 - Os réus habilitados EE e FF estão em juízo como herdeiros de BB e não de CC.
9 - Não tendo a acção sido proposta contra todos os herdeiros da herança aberta por óbito de CC, a Ré BB é parte ilegítima, e, em consequência, a Ré e os seus herdeiros devem ser absolvidos da instância.
10 - A Ré BB não assumiu perante o credor autor a dívida do marido, nem prometeu pagá-la.
11 - Mesmo que se considere que a Ré prometeu pagar a dívida, não existe uma assunção da dívida, desde logo, porque não resulta provada, nem sequer alegada, a existência de contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, nem a existência de um contrato entre a Ré (novo devedor) e o credor (autor),nem qualquer documento escrito no qual conste que a Ré prometeu ou assumiu a dívida.
12 - Apesar do autor alegar que a Ré dissera que lhe pagaria a dívida, certo é que o autor não disse que o aceitava.
13- Pelo contrário, o autor confessou que redigiu e apresentou aos réus o documento de fls. 69, no qual propunha que a dívida que aqui reclama fosse paga pelo lagar, nomeadamente, à custa do azeite nele existente.
14 - De tal conduta do Autor depreende-se que a Ré não assumiu, nem prometeu pagar a dívida, nem que fosse à custa dos seus bens.
15 - Mas ainda que se considere provado que a Ré disse que pagaria a dívida em causa, não se pode inferir que o autor o tenha aceite, ou seja, dada a inexistência de um acordo assente sobre duas declarações de vontade - a da Ré e a do Autor - não se pode concluir que entre a Ré e o autor foi celebrado um contrato, ainda que verbal, de assunção de dívida.
16 - A Ré BB não é responsável, portanto, pelo reembolso do empréstimo dos autos ao autor.
17 - Ainda que assim se não entenda, para além da "participação do credor no próprio acto de transmissão, com a intervenção do devedor e do terceiro adquirente ou a sós com aquele para que o antigo devedor se libere, tem que existir a declaração expressa por parte do credor de que libera o antigo devedor do seu débito."
18 - O Autor não declarou expressamente que liberava EE da dívida.
19 - Pelo que, ainda que se entenda que a Ré assumiu a dívida, sempre a herança deixada por CC responde solidariamente com a Ré, pelo seu pagamento ao credor Autor.
20 - O tribunal “a quo” fez incorrecta interpretação dos factos e da lei, tendo violado o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 5.º, n.º 1, 30.º, n.º 1, 32.º, 33.º, 139.º, n.º 5, 149.º, 195.º, 248.º, 252.º, 278.º, n.º 1 al. d), 424.º, 534.º, 574.º, 604.º, 607.º, n.º 1 e 4 e 651.º do Código de Processo Civil e os artigos 232.º, 234.º, 237.º, 349.º, 351.º, 458.º, 595.º e 2091.º do Código Civil.
Termos em que, deve ser dado provimento à presente apelação e, por via dela, ser revogada a D. Sentença ora recorrida, com as legais consequências.
Assim fazendo V. Exas. a tão costumada JUSTIÇA!»
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Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo habilitado Réu EE nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:
- erro na decisão da matéria de facto, a saber, quanto a factos que foram dados como “provados”, mas que devem ser dados agora como “não provados” [pontos “5.”, “6.”, “7.” e “10.” daquele elenco], sendo que, por outro lado, os factos dados como “não provados” sob as alíneas “a)”,b)”, “c)”, “d), “e)” e “f)” do correspondente elenco, devem passar agora a figurar como “provados”, com a redação que enuncia;
- incorreto julgamento de direito [independentemente de se não deferir ao peticionado na questão antecedente].
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.
Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de “factos provados”:
«1. BB casou com CC a 27 de abril de 1958.
2. CC e BB foram nomeados gerentes da T... por deliberação de 8 de fevereiro de 1996.
3. Em 21 de janeiro de 2002, o capital social da L..., Lda estava integralmente realizado em dinheiro, de 5000 euros, e correspondia à soma das duas quotas, cada uma no valor de 2500 euros, pertencente aos sócios CC e a BB.
4. CC e os irmãos AA e DD tinham um relacionamento próximo, de amizade e interajuda.
5. CC contactou o irmão AA (autor) e, através dele, o irmão DD, afirmando ter necessidade urgente da quantia de € 60.000, que restituiria a curto prazo.
6. O autor entregou a CC, a pedido deste e com a obrigação de este restituir àquele, a quantia de € 60.000, através do cheque cuja cópia consta de fls. 24 do apenso A.
7. A ré sempre transmitiu ao autor que lhe pagaria tal quantia, nem que fosse através da entrega de bens pessoais.
8. O cheque referido em 6 foi depositado numa conta bancária titulada pela L..., Lda
9. CC era sócio e gerente da L..., Lda
10. CC faleceu sem pagar os € 60.000 aos irmãos.»
¨¨
E o seguinte em termos de “factos não provados”:
«a) Para o desenvolvimento da atividade das sociedades referidas em 2) e 3) a Ré e seu falecido marido adquiriram alguns veículos pesados de mercadorias e tinham ao serviço de ambas as sociedades diversos funcionários, quer motoristas, quer os operacionais do lagar de transformação da azeitona em azeite.
b) A situação económico-financeira das mencionadas sociedades comerciais, nos últimos anos de vida do falecido irmão do autor, passou a ter alguns problemas financeiros, e, em consequência os compromissos que haviam assumido, nomeadamente bancários, começaram a entrar em incumprimento, quer ainda com os fornecedores dos veículos que adquiriram, quer no pagamento pontual dos salários, quer junto dos fornecedores de azeitona, combustíveis, acessórios para os veículos, quer ainda junto do Banco com que trabalhavam com mais assiduidade, nomeadamente junto da C..., CRL, com sede em ....
c) A circunstância referida em b) levou o falecido CC a pedir aos irmãos AA e DD que lhe emprestassem a quantia titulada pelo cheque.
d) CC perspetivava pagar aos irmãos com o produto da venda do azeite da companha que se completava nesta época.
e) CC pediu os € 60.000 aos irmãos na qualidade de gerente da L..., Lda
f) O valor titulado pelo cheque referido em 6 foi emprestado à sociedade L..., Lda»
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3.2 – O Réu habilitado EE invoca o erro na decisão da matéria de facto, mais concretamente, quanto a factos que foram dados como “provados”, mas que devem ser dados agora como “não provados” [pontos “5.”, “6.”, “7.” e “10.” daquele elenco], sendo que, por outro lado, os factos dados como “não provados” sob as alíneas “a)”, “b)”, “c)”, “d), “e)” e “f)” do correspondente elenco, devem passar agora a figurar como “provados”, com a redação que enuncia.
Esta é efetivamente a primeira questão a que importa dar solução.
S.m.j., esta pretensão do Réu habilitado/recorrente reconduz-se a três núcleos factuais, sendo o primeiro deles atinente à alegação de que o falecido CC não pediu o dinheiro, aos irmãos, para si próprio, mas em representação e para a sociedade “L..., Lda” de que era sócio e gerente [pontos “5.” e “6.” dos factos dados como “provados”, e alíneas “a)”, “b)”, “c)”, “d), “e)” e “f)” dos factos dados como “não provados”]; o segundo respeitante ao aspeto de que a Ré assumiu pagar a dívida [ponto “7.” dos factos dados como “provados”]; e o terceiro concernente à afirmação de que a dívida não foi paga pelo falecido CC [ponto “10.” dos factos dados como “provados”].
Sendo certo que o Réu habilitado/recorrente invoca os mesmos e idênticos meios de prova [mormente excertos da gravação] para aquele primeiro circunstancialismo, acrescendo que o faz de forma conjunta e simultânea para todos os pontos e alíneas ao mesmo respeitantes, o que torna difícil uma destrinça ou diferenciação da argumentação.
Ora se assim é, também faremos uma apreciação basicamente unitária e conjunta dos meios de prova invocados, e bem assim dos demais constantes dos autos, em relação a esse dito primeiro núcleo factual.
Que dizer então?
Recorde-se que o Réu habilitado ora recorrente EE aduz, muito em síntese, que o quadro factual que fez vencimento na sentença relativamente às circunstâncias e titularidade/autoria do empréstimo (identidade do beneficiário) está em desacordo, desde logo, com o alegado pelo próprio autor na petição inicial e nas suas declarações de parte, pelos documentos juntos aos autos e pelo depoimento da testemunha GG, mais concretamente na medida em que desse devido confronto e conjugação se devia extrair a convicção de que o falecido CC não pediu o dinheiro, aos irmãos, para si próprio, mas em representação e para a sociedade “L..., Lda” de que era sócio e gerente.
Rememoremos, uma vez mais, o teor literal respetivo, a saber:
«5. CC contactou o irmão AA (autor) e, através dele, o irmão DD, afirmando ter necessidade urgente da quantia de € 60.000, que restituiria a curto prazo.» [provado];
«6. O autor entregou a CC, a pedido deste e com a obrigação de este restituir àquele, a quantia de € 60.000, através do cheque cuja cópia consta de fls. 24 do apenso A.» [provado];
«a) Para o desenvolvimento da atividade das sociedades referidas em 2) e 3) a Ré e seu falecido marido adquiriram alguns veículos pesados de mercadorias e tinham ao serviço de ambas as sociedades diversos funcionários, quer motoristas, quer os operacionais do lagar de transformação da azeitona em azeite.» [não provado];
«b) A situação económico-financeira das mencionadas sociedades comerciais, nos últimos anos de vida do falecido irmão do autor, passou a ter alguns problemas financeiros, e, em consequência os compromissos que haviam assumido, nomeadamente bancários, começaram a entrar em incumprimento, quer ainda com os fornecedores dos veículos que adquiriram, quer no pagamento pontual dos salários, quer junto dos fornecedores de azeitona, combustíveis, acessórios para os veículos, quer ainda junto do Banco com que trabalhavam com mais assiduidade, nomeadamente junto da C..., CRL, com sede em ....» [não provado];
«c) A circunstância referida em b) levou o falecido CC a pedir aos irmãos AA e DD que lhe emprestassem a quantia titulada pelo cheque.» [não provado];
«d) CC perspetivava pagar aos irmãos com o produto da venda do azeite da companha que se completava nesta época.» [não provado];
«e) CC pediu os € 60.000 aos irmãos na qualidade de gerente da L..., Lda » [não provado];
«f) O valor titulado pelo cheque referido em 6 foi emprestado à sociedade L..., Lda» [não provado]
Como é bom de ver, está em causa o núcleo central do alegado na defesa/contestação da Ré [e depois assumido pelo habilitado EE] para intentar obter a improcedência da ação intentada contra si, qual seja, por um lado, o de que o empréstimo não foi pedido pelo falecido CC em nome pessoal ou para si próprio (antes teria atuado como gerente da sociedade “L..., Lda”, destinando-se o dinheiro à atividade comercial desta).
Atentemos ainda no factualismo constante dos arts. 3º a 7º da petição inicial, a saber:
«3.º
O extinto casal formado pela Ré e pelo seu falecido marido, desenvolveram até à data da sua morte, duas atividades comerciais, nomeadamente a atividade de transportes rodoviários de mercadorias e a de exploração e comercialização de azeites, possuindo inclusive para a sua produção um lagar de azeite em laboração, para a transformação da azeitona, quer própria, quer a adquirida a terceiros, quer a pertença das pessoas que procuravam os serviços do lagar para transformação da sua azeitona em azeite.

Para o exercício efetivo destas atividades comerciais, constituíram a Ré e seu falecido marido, duas sociedades comerciais por quotas, das quais ambos, eram os únicos sócios e gerentes, nomeadamente:
- a sociedade T..., Ldª, com sede em ... – ... – ... (doc.3), cujo objeto principal era o transporte rodoviário de mercadorias e,
- a sociedade L..., Ldª., com sede no mesmo local, cujo objeto principal era a produção e comércio de azeites. (doc.4).

Para o desenvolvimento destas duas atividades, a Ré e seu falecido marido, seus únicos sócios e gerentes, adquiriram alguns veículos pesados de mercadorias e tinham ao serviço de ambas as sociedades diversos funcionários, quer motoristas, quer os operacionais do lagar de transformação da azeitona em azeite.

A situação económico-financeira das mencionadas sociedades comerciais, nos últimos anos de vida do falecido marido e irmão do ora A., passou a ter alguns problemas financeiros, e em consequência os compromissos que haviam assumido, nomeadamente bancários começaram a entrar em incumprimento, quer ainda com os fornecedores dos veículos que adquiriram, quer no pagamento pontual dos salários, quer junto dos fornecedores de azeitona, combustíveis, acessórios para os veículos, quer ainda junto do Banco com que trabalhavam com mais assiduidade, nomeadamente junto da C..., CRL, com sede em ....
7.º
Ora, mercê desta imperiosa necessidade de dar satisfação aos compromissos comerciais assumidos, pelo falecido marido da Ré e por esta, e uma vez que o banco com que trabalhavam, já não lhe libertavam quaisquer quantias, para poderem suportar os encargos com as duas firmas em atividade.»
Sendo que no subsequente artigo 9º dessa mesma p.i., concretiza o A. AA que o falecido irmão e marido da Ré, CC, o contactou a ele e ao irmão DD, «porquanto possuía necessidade urgente de dar satisfação aos compromissos comerciais assumidos, no início doa no de 2004, solicitando-lhes, aos mencionados seus irmãos gêmeos que lhe emprestassem a quantia de 60.000€, apenas por alguns dias para fazer face aos compromissos assumidos na actividade das firmas, e que de imediato lha restituía, pois perspectivavam a curto prazo a realização de negócios que facilmente lhe dariam o folgo necessário ao pagamento do empréstimo, ou seja, procederiam à venda do azeite da campanha que se completava nessa época.» [sublinhados nossos]
Não pode efetivamente deixar de se constatar que o delineado/exposto na p.i. apontava mais especificamente para um empréstimo feito pelo CC na sua veste de empresário e para a atividade comercial desenvolvida nesse contexto.
Sendo certo que, por sua vez, a Ré, na sua contestação oportunamente concretizou que o marido, o dito CC, tinha contraído o empréstimo ajuizado como “gerente” da sociedade a cuja atividade o dinheiro foi factualmente destinado, isto é, a sociedade “L..., Lda”, mais concretamente com a seguinte alegação:
«10º
Foi para fazer face às dificuldades económicas da sociedade L..., Lda que o marido da R., enquanto gerente daquela sociedade pediu a referida quantia ao A.»
Por outro lado, ficou adquirido e é pacífico nos autos que o dinheiro emprestado foi depositado numa conta bancária titulada pela sociedade “L..., Lda” [cf. facto “provado” sob “8.”]…
Sucede que o cheque foi endereçado à ordem de CC e não à ordem de qualquer sociedade.
Isto é, foi o beneficiário do cheque/tomador, o dito CC, que o depositou na conta bancária titulada pela sociedade “L..., Lda”.
Ora, aqui entroncava a vexata quaestio de se determinar em que contexto e em que qualidade o referido CC pediu o empréstimo ajuizado.
Na decisão recorrida fez vencimento a convicção de que o CC ao pedir o empréstimo aos irmãos fê-lo na sua veste pessoal e em nome próprio.
Para o que seguramente concorreu o que foi possível comprovar ou não como refletido na contabilidade da sociedade “L..., Lda” em termos de “passivo” no exercício comercial do ano em causa [nomeadamente face a quem aí figurasse como “credor” correspondente, isto é, se os irmãos do A. ou antes este próprio, sem prejuízo de a ser este último, tal poderia ter-se traduzido num “suprimento” do mesmo enquanto sócio à sociedade].
Vejamos então o que quanto a este particular se encontra vertido na “motivação” da sentença recorrida, a saber:
«(…)
Atente-se nos elementos contabilísticos da sociedade L..., Lda, junta na sequência da decisão do Tribunal da Relação ....
Decorre do balanço que a sociedade tinha equipamento de transporte, porém, desacompanhado de outra prova, não pode afirmar-se que a primitiva ré e o falecido CC tenham adquirido, em concreto, veículos pesados de mercadorias.
Analisada a demonstração de resultados do ano de 2004, nenhum valor é inscrito na rúbrica de custos com o pessoal, não permitindo a prova da existência de trabalhadores ao serviço da referida sociedade e, diga-se, nada foi provada a esse propósito.
A existência de problemas financeiros da sociedade não só não foi provada como não decorre dos elementos contabilísticos e foi, inclusivamente, junto relatório de gestão do exercício de 2003 a dar conta de resultado líquido positivo e da manutenção de tendência de resultados líquidos positivos.
Não se tendo provado que a sociedade atravessasse momentos de dificuldade, não poderia provar-se que as dificuldades determinaram o pedido de empréstimo de dinheiro de CC aos irmãos.
Nada se provou quanto à atividade de CC que lhe permitiria pagar aos irmãos, tão só que perspetivava pagar num breve período temporal.
Quanto ao destino do empréstimo, mormente se CC o pediu na qualidade de gerente da L..., Lda e se o valor titulado pelo cheque referido em 6 foi emprestado à sociedade L..., Lda, importa considerar ainda o seguinte.
Para além de não se ter provado que a sociedade estivesse a atravessar qualquer dificuldade financeira que justificasse o valor mutuado, não se provou que CC tenha pedido o dinheiro com o propósito de saldar dívidas de qualquer sociedade ou de acorrer a constrangimentos de tesouraria ou de outra natureza relacionados com as sociedades que geria, em particular com a sociedade L..., Lda
De salientar ainda que o cheque foi endereçado à ordem de CC e não à ordem de qualquer sociedade.
Por outro lado, decorre das regras da experiência e foi confirmado pelo autor e pela testemunha DD, irmão do autor e de CC, que entre irmãos eram feitos empréstimos em dinheiro, empréstimos esses pessoais que o mutuário utilizava como bem entendesse.
Isto é, CC pode ter utilizado o dinheiro emprestado pelos irmãos para fazer face a despesas da L..., Lda ou de outra qualquer sociedade de que fosse sócio ou gerente. Contudo tal não altera a identidade do mutuário, que era ele próprio.
A decisão de utilizar o dinheiro que lhe foi emprestado foi dele, inclusivamente de depositar o cheque numa conta de uma das sociedades que geria. Contudo isto não significa que os seus irmãos tenham emprestado o dinheiro à sociedade, apenas poderá permitir seguir o dinheiro, perceber o que CC fez com o dinheiro que os irmãos lhe emprestaram, mas não altera a qualidade de mutuário de CC.
Face à aposição do nome de CC no cheque que titula a quantia emprestada pelo autor e pelo irmão DD na parte destinada ao beneficiário da quantia, dificilmente conseguiriam os habilitados réus provar que a quantia não se destinava a CC. E, de facto, não lograram prova-lo, já que não produziram prova alguma nesse sentido. Daí o facto ter sido dado como não provado.
De referir ainda que a quantia titulada pelo cheque não tem tradução na contabilidade da sociedade L..., Lda, nem como empréstimo de terceiro nem como suprimento de CC.»
Ora, compulsando as alegações recursivas do Réu habilitado ora recorrente EE, o que é possível constatar é que, apesar do tom enfático com que é invocado o desacerto da decisão de 1ª instância, não se logra demonstrar que os pressupostos que a tal conduziram não estava corretos.
Desde logo, para além das opiniões vagas e não fundamentadas das testemunhas HH e II, nem sequer se intenta contradizer que tivesse sido feita prova de que a sociedade “L..., Lda,” atravessava momentos de dificuldade ou tivesse problemas financeiros.
Atente-se que, ao invés do que foi por eles afirmado, os dados documentais juntos, designadamente os “balanços” e “demonstração de resultados”, certificam um resultado líquido de exercício de valor positivo nos anos em causa (2002, 2003 e 2004)!
O que, acrescido da circunstância de nada de concreto e concludente ter resultado apurado relativamente ao circunstanciado na al. “a)” dos factos “não provados”, determina inapelavelmente que ambas as alíneas “a)” e “b)” devam persistir nesse elenco dos factos “não provados”.
A esta luz, o que subsiste como certo e inequívoco é que o falecido CC era comerciante e tinha negócios, mantendo uma relação próxima e de entreajuda mútua com os irmãos AA e DD, sendo nesse contexto que, como resultou das declarações do primeiro destes e depoimento do segundo, foi pedido por aquele a estes o empréstimo de € 60.000, não tendo sido feitas perguntas quanto ao destino do dinheiro que emprestavam, nem prestados esclarecimentos pelo mutuário sobre o fim a que destinava o dinheiro, isto até porque os empréstimos (este como os demais) eram por períodos curtos e eram cumpridos por todos.
Esta versão, para além de perfeitamente plausível, tem toda a lógica e corresponde ao normal acontecer face ao contexto relatado, isto é, em que por razões de orgulho pessoal e/ou pudor, o mutuário CC não especificou nem assumiu perante os irmãos o concreto destino/fim que ia dar ao empréstimo, o qual fez em nome pessoal.
Ora se assim é, isto é, atenta a inconsistência e inconcludência da prova feita no sentido da versão pretendida pela Ré [e depois assumida pelo habilitado EE], não vislumbramos como seria possível concluir senão no sentido de que o factualismo constante das alíneas “c)”, “d), “e)” e “f)” dos factos dados como “não provados” tenha que subsistir como tal.
Sendo certo que, a contrario e correspondentemente, importa sancionar a decisão que entendeu incluir no elenco dos factos “provados” o constante dos pontos “5.” e “6.” desse elenco.
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Vejamos agora do ponto de facto “provado” sob “7.”.
Dele consta expressa e literalmente
«7. A ré sempre transmitiu ao autor que lhe pagaria tal quantia, nem que fosse através da entrega de bens pessoais.»
Na argumentação constante das alegações recursivas do Réu habilitado ora recorrente EE quanto a este particular, a Ré nunca reconheceu qualquer dívida, a qual, a existir, mesmo na versão do A., seria uma dívida da herança do falecido, donde não teria qualquer lógica, e até seria contraditório nos próprios termos, que a Ré tivesse prometido o correspondente pagamento com “bens pessoais” dela própria (o que, aliás, a ser verdade, seria mais coerente com o estar em causa uma dívida da sociedade).
Que dizer?
Salvo o devido respeito, não é pelo facto de se denegar que a Ré tenha reconhecido a dívida, que assim tenha que ser.
É que, em abono da afirmativa quanto a tal, temos vastos elementos de prova.
Atentemos no constante da “motivação” quanto a este particular, a saber:
«(…)
No que respeita ao facto 7, o Tribunal valorou com particular intensidade o depoimento das testemunhas DD, HH, JJ e as declarações de parte do autor e da ré FF.
DD disse de forma credível e circunstanciada que a sua cunhada BB sempre reconheceu que pagaria a dívida titulada pelo cheque referido no facto 6, ainda que com recurso à entrega de bens seus.
HH, marido da habilitada ré FF, disse que, já doente, o seu sogro CC falava das dívidas que tinha à banca e aos irmãos (o aqui autor e a testemunha DD) e que, por conseguinte, a sua sogra BB estava consciente da existência da dívida.
Mais acrescentou que, depois da morte do sogro CC, a sogra BB falava diariamente da dívida que aquele tinha deixado para com os irmãos; era uma preocupação constante.
Disse também que o autor e o irmão DD falavam com BB sobre a dívida.
Tais factos foram confirmados pela ré habilitada FF, filha da primitiva ré BB e sobrinha do autor.
A testemunha JJ prestou um depoimento particularmente credível, já que se mostrou totalmente desinteressado no desfecho da ação.
Esclareceu que fez alguns trabalhos para a falecida BB e que, por força desse relacionamento, a senhora foi tendo alguma confiança com ele. No decurso desse relacionamento, BB lamentou-se por diversas vezes da dívida que tinha para com os cunhados e manifestou vontade de lhes pagar, demonstrando ansiedade com a concretização desse intento.
O autor confirmou o que consta do facto 7, tendo as suas declarações de parte sido relevantes na medida em que foram confirmadas pelo que foi dito pelas testemunhas cujo depoimento foi agora analisado.»
Sucede que sem denegar que existissem esses meios de prova nesse sentido, o Réu habilitado ora recorrente EE sustenta que este ponto de facto devia ter resposta negativa, também por ser ilógico.
Sucede que, ao invés, se nos afigura ser perfeitamente verosímil e até coerente com o normal acontecer, que a Ré em termos de perceção comum considerasse a dívida em causa como do marido (independentemente do que decorresse face à lei e ao direito, nomeadamente em função do regime de bens do casamento de ambos), donde a lógica de ela assumir o seu pagamento, «nem que fosse através da entrega de bens pessoais», o que para este efeito significava certamente os bens pessoais dela própria.
Sem embargo do vindo de dizer, se o julgador de 1ª instância tiver entendido valorar diferentemente do ora Recorrente tais depoimentos, não pode nem deve a Relação pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém na presente sede (v.g. a inquirição presencial das testemunhas – os princípios da imediação e oralidade, o que se revela da maior importância num caso como o presente, pois que se constata da audição dos depoimentos que as testemunhas foram confrontadas com elementos documentais constantes dos autos, depondo no confronto dos mesmos, não sendo inteiramente percetível, só pelo que consta da gravação, o integral sentido e âmbito das respostas). Neste sentido o acórdão do T.R. de Lisboa de 04/02/2014, proferido no proc. nº 982/10.4TVLSB.L1-1, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
Aliás, em consonância com este entendimento se mostra a circunstância de constar do art. 640º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, donde ter ele que ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.
E, sobretudo, porque importa não olvidar, como já doutamente foi a este propósito salientado, que o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, «deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal de 1ª instância (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, aos restantes meios probatórios, v.g., documentos, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada e é com esses elementos que a parte contrária deverá ser confrontada, a fim de exercer o contraditório, no âmbito do qual poderá proceder à indicação dos meios de prova que, em seu entender, refutem as conclusões do recorrente», donde, neste contexto, ser compreensível que se exija da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, «ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado», face ao que, nesta perspetiva, «não cumprem as exigências legais de especificação a mera indicação, sem mais de um determinado meio de prova (salvo casos excepcionais em que o mesmo deixe dúvidas quanto ao desacerto da decisão proferida pela 1ª instância), e também se revela insuficiente no que respeita à prova testemunhal, o extracto de uma simples declaração da testemunha, sem correspondência com o sentido global do depoimento produzido de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida Assim ANA LUÍSA GERALDES, “ Impugnação e Reapreciação da decisão da matéria de facto ”, in www.cjlp.org /Ana Luísa Geraldes, a págs. 5-6.

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Nestes termos e sem necessidade maiores considerações, também improcede a impugnação relativamente à decisão quanto a este ponto de facto “provado” sob “7.”.
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Vejamos, para finalizar quanto a esta parte, o ponto de facto “provado” sob “10.”, cujo teor literal é o seguinte:
«10. CC faleceu sem pagar os € 60.000 aos irmãos.»
Neste sentido, para além do afirmado nas suas declarações de parte pelo A. AA, pode-se acrescentar que também a testemunha DD confirmou que o irmão CC faleceu sem pagar o valor da dívida.
Já o Réu habilitado ora recorrente EE aduz que «O recorrente está absolutamente convencido que o valor representado pelo cheque foi pago oportunamente por seu pai.»
Isto é, contrapõe o Réu habilitado ora recorrente a este ponto de facto – ao que é dado perceber, e no essencial –, uma convicção pessoal.
Que dizer?
Cremos que a resposta já inteiramente se adivinha, face ao precedentemente exposto e na ponderação, s.m.j. decisiva, do que segue.
Sendo que é por assim ser que não nos merece em nenhuma medida acolhimento a crítica feita neste particular.
Desde logo porque o controlo da matéria de facto tem por objeto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada numa audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa perceção própria do material que lhe serve de base (arts. 604º, nº 3 e 607º, nº 5 do n.C.P.Civil).
A esta luz, importa sempre ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Senão vejamos: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico». Assim no acórdão do STJ de 11.12.2003, no proc. nº 03B3893, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Nesta conformidade – e como em qualquer atividade humana – existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.
Mas tal é inelutável: o que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.
Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos – saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade – a qual não está ao alcance do tribunal ad quem. Neste sentido o acórdão do STJ de 23.04.2009, no proc. nº 09P0114, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.

Donde se sancionar plenamente apenas os meios de prova credibilizados pela decisão recorrida, na interpretação e valoração que deles foi feita, que o mesmo é dizer, bem andou, assim, a Exma. Juiz de 1ª instância em integrar a factualidade em causa no elenco dos factos “provados”, opção esta que, por tais razões, se entende manter nos seus precisos termos.
Dito de outro modo: por não se constatar qualquer erro de julgamento neste particular, conclui-se, sem necessidade de maiores considerações, pela inapelável improcedência desta pretensão do Réu habilitado/recorrente.
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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Cumpre agora entrar na apreciação da última questão igualmente supra enunciada, esta já diretamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, existir incorreto julgamento de direito [independentemente de se não deferir ao peticionado na questão antecedente]:
Cremos que a resposta a esta questão se constitui como linear e inabalável.
É que tendo sido improcedente a impugnação da matéria de facto pretendida pelo Réu habilitado/recorrente, não vislumbramos como possa dar-se acolhimento ao recurso nesta parte.
Temos presente que o mesmo contrapõe com argumentos de vária ordem.
Começando pela alegação de que «o empréstimo em causa não foi concedido ao falecido CC, mas sim à sociedade de que ele era sócio e gerente, L..., Lda, para pagar a azeitona comprada pela dita sociedade, que se dedicava à exploração de um lagar de azeite. Por isso, não é à Ré que cabe restituir ao Autor a quantia mutuada, mas à dita sociedade», uma vez que a factualidade dada como “provada” – e que como tal subsistiu! – não suporta minimamente uma tal asserção, falece ela inapelavelmente.
Depois, argumenta o Réu habilitado/recorrente que «Ainda que se considere que a dívida foi contraída pelo falecido CC, marido da Ré, não se tendo alegado que a dívida fora contraída pelo casal que foi constituído por CC e pela Ré, nem que o fora em benefício do casal, não cabe à Ré, nem agora aos herdeiros desta, a restituição da quantia mutuada, mas sim aos herdeiros de CC, os quais não foram demandados na acção, nem o Autor alegou quem são.(…) Não se mostrando a acção proposta contra todos os herdeiros da herança aberta por óbito de CC, a Ré BB é parte ilegítima. E nem se diga que a habilitação feita neste processo legitimou os habilitados. Estes estão em juízo enquanto herdeiros da BB e não do CC, que, na tese do Autor, foi quem pediu o dinheiro emprestado.
Em consequência, a Ré e os seus herdeiros sempre devem ser absolvidos da instância (cfr. artigo 278.º, n.º 1 al. d) do CPC).»
Será assim?
Entendemos que também não assiste qualquer razão Réu habilitado/recorrente.
É que está ele a confundir a legitimidade substantiva com a legitimidade processual: na p.i. foi alegada a causa de pedir contra a Ré, relativamente ao que avulta – para o que ora releva e é suficiente! – a assunção de dívida, do que decorre a legitimidade substantiva passiva da dita, com a consequente responsabilidade dos habilitados réus na medida do que receberam enquanto herdeiros dela, como foi sublinhado na sentença recorrida.
Assim sendo, se outras possíveis vias de responsabilização da Ré podiam existir – como sejam a sua responsabilização como mulher do CC, fruto de este ser “comerciante”, ou enquanto “herdeira” do mesmo, ou então por ter “pessoalmente” contraído o empréstimo (conjuntamente com o marido), ou ainda por ela ter contraído o empréstimo na sua veste de “gerente” (da sociedade “L..., Lda” Se é que o era efetivamente, pois que tal não resulta dos factos “provados”, nem está inequivocamente apurado nos autos…) – o que é certo é que as mesmas não foram suficientemente caracterizadas e configuradas na ação, nem muito menos resultam apuradas face ao conspecto factual dado como “provado” e com que importa agora prosseguir na apreciação e decisão, pelo que importa desconsiderá-las sem mais, por perfeitamente dispensáveis face à responsabilização da Ré que positiva e insofismavelmente pode ser feita nos autos por via da já citada assunção de dívida.
Mas será que também houve erro de direito na responsabilização por esta via, como também sustentado pelo Réu habilitado/recorrente?
No entender do mesmo, o erro de direito neste particular sempre resultaria da circunstância de que «(…) não foi alegada, nem aflorada a existência de qualquer contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor. Não tendo por isso aqui aplicabilidade o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 595.º do Código Civil supra citado».
Que dizer?
Que salvo o devido respeito, com esta alegação o Réu habilitado/recorrente está a querer “jogar com as palavras”.
É que decorre insofismavelmente do ponto de facto “provado” sob “7.” [cf. «7. A ré sempre transmitiu ao autor que lhe pagaria tal quantia, nem que fosse através da entrega de bens pessoais.»], que a Ré se obrigou perante o Autor Neste sentido e para um caso com paralelismo, vide o acórdão do STJ de 25.03.2004, proferido no proc. nº 04A3894, acessível em www.dgsi.pt/jstj..
Ora assim sendo, isso é quanto basta para a sua responsabilização, por resultar subentendido em tal que houve uma “declaração tácita” de adesão, por parte do Autor, a essa proposta de solução/assunção de dívida por parte da Ré.
De facto, “a declaração tácita” é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo.
Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer atos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.
A determinação do comportamento concludente, como “elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.
Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respetivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferida por um “critério prático”, baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende”. Neste sentido, vide o acórdão do STJ de 16-03-2010, proferido no proc. nº 97/2002.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
Ademais, e reforçando este entendimento, o Autor alegou expressamente na p.i., no art. 16º da mesma, que «(…) a Ré que perfeito conhecimento possuía do empréstimo relatado, sempre lhe transmitiu que ela lhe pagaria a divida, nem que fosse com a entrega de bens pessoais, nomeadamente dos imóveis de que era dona e lhe pertenciam na herança pelo mesmo aberta, razão pela qual o A. foi esperando pelo pagamento.» [com destaque da nossa autoria].
Finalmente, o Réu habilitado/recorrente contrapõe que «Conforme dispõe o referido n.º 2 do artigo 595.º do Código Civil, "em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor, de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado." Ou seja, para que houvesse assunção de dívida por terceiro - na tese do autor, pela Ré BB -, o primitivo devedor - CC, e, consequentemente, os seus herdeiros, na tese do autor -, só ficaria exonerado do pagamento da dívida, caso o credor autor o tivesse expressamente exonerado, o que não se verifica in casu, nem foi sequer foi alegado. Nessa circunstância, a dívida sempre seria da herança deixada por óbito de CC, pois, à data da instauração da acção, aquele já havia falecido e não havia sido exonerado do seu pagamento por parte do autor.»
Esta via de argumentação encerra um equívoco, por desconsiderar ostensivamente a natureza dogmática da obrigação solidária em causa.
Na verdade, a assunção de dívida é a aceitação do pagamento de um passivo de um devedor perante o credor deste, com libertação (assunção liberatória) ou não (assunção cumulativa) do primitivo devedor, sendo que nesta figura jurídica, o credor continua a ser o titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor mas que, por força do referido negócio jurídico, muda apenas de sujeito passivo, isto é, do adstrito ao cumprimento da prestação debitória, que assim passa a ser o novo devedor por ter assumido aquela obrigação (assuntor).
De referir que o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar se o credor tal expressamente declarar (cf. art. 595º, nº2 do C.Civil) – assunção liberatória da dívida – pois, de contrário, mantém-se solidariamente obrigado perante o credor – assunção cumulativa da dívida.
Contudo, o credor não está impedido, obviamente, de reclamar o pagamento integral do novo devedor, que a isso não pode obstar invocando que existe outro obrigado solidário – o antigo devedor.
É que, consabidamente, nos termos preceituados pelo art. 512º, nº1 do C.Civil «A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, (…)», sendo certo que «Ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; (…)» [cf. art. 518º do mesmo C.Civil].
Daqui decorre que independentemente de existir(em) outro(s) obrigado(s), por força da assunção cumulativa de dívida em causa, a Ré não podia opor a sua demanda pela prestação integral.
O que se aplica, mutatis mutandis, aos habilitados réus…
Dito de outra forma: não vemos como possa dar-se acolhimento ao recurso interposto pelo Réu habilitado/recorrente em termos de fundamentação de direito da sentença recorrida.
Na verdade, face ao quadro fáctico apurado e que se entendeu ser de subsistir, não se vislumbra fundamentação jurídico-legal que não seja a de concluir e sublinhar pela procedência da ação – nos termos em que foi operada!
Tendo a sentença recorrida efectuado um douto enquadramento jurídico do caso, para o qual, “brevitatis causa” se remete, com destaque para os seguintes segmentos:
«(…) a responsabilidade de BB surge pela assunção da dívida do seu falecido marido CC, posto que se provou que esta sempre transmitiu ao autor que lhe pagaria a quantia emprestada a CC, nem que fosse através da entrega de bens pessoais.
Através desta declaração feita por BB perante o autor/credor transmitiu-se a dívida do antigo devedor CC para a nova devedora BB, tal como permite a al. b) do n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil.
(…)
Daqui decorre a legitimidade substantiva passiva de BB pelo pagamento da dívida ao autor com a consequente responsabilidade dos habilitados réus na medida do que receberam enquanto herdeiros de BB.»
Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcedem fatalmente as alegações recursivas e o recurso.
*
(…) *
6 - DISPOSITIVO
Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas nesta instância pelo Réu habilitado/recorrente.

Coimbra, 5 de Abril de 2022
Luís Filipe Cravo
Fernando Monteiro
Carlos Moreira