Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/07.8GCGRD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 03/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 50º, 55ºE 56º CP
Sumário: 1.- A revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado, só pode ocorrer se esse incumprimento se ficar a dever a culpa grosseira do mesmo.

2.- Essa culpa não se pode presumir. Tem de resultar de factos ou elementos concretos.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

1. Nos autos de processo comum nº 15/07.8GCGRD do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, foi o arguido

            A... melhor id. nos autos, condenado, por sentença proferida a fls. 403 a 416, como autor material de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. no art. 205º, n.º 1 e 4, al. a), do Código Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada á condição de o arguido, no prazo de sei meses, proceder ao pagamento da indemnização arbitrada ao demandante, no montante de 18.000,00 euros, fazendo prova documental de tal facto nos autos.

2. Por despacho judicial de 8.10.2012 – v. fls. 534 a 538 -, foi revogada, ao arguido, esta suspensão da execução da pena pelo facto de o mesmo não ter cumprido aquela obrigação de pagamento da indemnização ao ofendido.

3. Deste despacho/decisão recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões:

3.1. Não há elementos no processo que permitam concluir pela culpa grosseira ou não, do arguido, no incumprimento da condição de pagamento ao lesado.

3.2. Na audiência designada para ouvir o arguido, ele faltou justificando a sua falta com doença cancerígena o que só por si indicia que terá dificuldades para cumprir a referida condição.

3.3. Não podia assim o tribunal, sem mais, declarar a revogação da suspensão da execução da pena.

3.4. Violou a despacho o disposto nos artigos 55º e 56º, do Código Penal.

Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida.   

4. Respondeu o Ministério Público, dizendo, em síntese, que deve ser prorrogado por mais um ano o prazo concedido ao arguido para o cumprimento da obrigação[1], podendo mesmo ser-lhe imposto o pagamento em prestações mensais, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.

5. O assistente também respondeu ao recurso dizendo que nunca foi contactado pelo arguido para o pagamento da indemnização nem lhe manifestou vontade de pagar. O agiu com culpa grosseira no incumprimento da obrigação, violando o disposto nos artigos 55º e 56º do CP, pelo que deve ser mantida a decisão recorrida.

6. Nesta instância, a Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer onde, em síntese, diz:

6.1. De facto existe uma enorme negligência do recorrente não justificando cabalmente o incumprimento do pagamento da indemnização ao lesado, embora tenha esclarecido o tribunal da sua não comparência quando convocado.

6.2. Admitindo todavia a sua culpa e proscrita que está a revogação automática da suspensão da pena, haveria que ponderar se esta (a revogação), seria a única forma de lograr a prossecução das finalidades da punição.

6.3. Ou seja, vale por dizer que a decidida revogação só seria justificável se o tribunal, fundamentadamente, formulasse a convicção no sentido de que de que o juízo de prognose que estivera na base da suspensão da execução da prisão não seria já viável.

6.4. Um tal juízo não está sequer equacionado no despacho recorrido sendo certo que, como se decidiu em ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.05.96 (in C.J. ano XXI – 1996, tomo III, pág. 143), existindo incumprimento o tribunal, nas medidas que tomar, “deverá optar pelas menos gravosas e só decidir por uma quando conclua pela inadequação da que imediatamente a antecede”.

6.5. No presente caso, o tribunal começou exactamente pela medida mais gravosa sendo insuficiente a fundamentação com que afasta as restantes.

6.6. Pelo que se imporia, pelo menos impor-lhe a solene advertência prevista na alínea a) do artigo 55º, onde se lhe explicasse as consequências do incumprimento e/ou exigir garantias de cumprimento da obrigação.

6.7. Só depois de frustradas estas medidas, seria lícito equacionar então a aplicação da última e mais gravosa: a revogação da suspensão.

Termos em que o recurso merece provimento.

            7. Foram os autos a vistos e procedeu-se a conferência.


II

            É o seguinte o teor do despacho recorrido na parte que mais releva para a apreciação do recurso:

            “ O arguido recorreu desta decisão mas o acórdão do Tribunal da Relação, de fls. 463, rejeitou o recurso.

            Como já deixamos explanado no despacho de fls. 497 e que aqui damos por integralmente reproduzido, é nosso entendimento que o prazo para o arguido ter efectuado o pagamento da indemnização se conta a partir de 22/03/2011, já que a rejeição do recurso faz retroagir o trânsito da decisão à data do trânsito da 1ª instância.

            Mas seja qual for o entendimento, é uma evidência que o arguido não pagou um cêntimo da indemnização a que foi sujeita a suspensão da pena e nem cuidou em justificar as razões para tal.

            Perante isto, foi designada data para audição do arguido, na qual este não compareceu, tendo o seu defensor comunicado ao tribunal que o arguido estava hospitalizado na Alemanha e impossibilitado de comparecer neste tribunal - cfr. fls. 505/506.

            A fls. 509 a 511, o arguido veio juntar aos autos documentos alegadamente comprovativos da sua impossibilidade de comparecer na referida diligência.

            Dos mesmos resulta que o arguido terá estado hospitalizado em virtude de doença cancerígena.

            Com todo o respeito, essa doença, cujo início se ignora, não é motivo, só por si, para que o arguido não tivesse cumprido até à data a sentença condenatória, sendo certo que apesar de doente pode ter condições económicas para pagar, tanto que reside há anos num País cujos salários e pensões são consabidamente superiores às de Portugal.

            De resto, o arguido também não invoca essa doença como causa justificativa para o não pagamento da indemnização mas tão só o fez para justificar a sua falta.

            Conforme resulta de fls. 508 e 518, o arguido foi novamente notificado para justificar nos autos a razão da falta de cumprimento da condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado e nem ele nem o seu Defensor vieram dizer aos autos o que quer que fosse.

            Note-se que não obstante o arguido não se ter deslocado a Portugal para comparecer na audiência, alegadamente porque o seu estado de saúde não permitia que se ausentasse do hospital onde estava internado (cf. fls. 514), o arguido recebeu em sua casa e assinou o AR relativo à notificação que lhe foi feita – cfr fls. 18, o que significa que em Junho do corrente já não estava hospitalizado.

            Nem assim cuidou de cumprir a decisão, revelando total desinteresse.    O assistente confirma igualmente, a fls. 530, que nada recebeu ou foi contactado pelo arguido com vista ao cumprimento do decidido.

            Acresce que os factos praticados pelo arguido revelam grande gravidade, tendo causado prejuízos avultados à vítima/assistente nestes autos.

            Face ao exposto, entendemos que se verifica por parte do arguido um incumprimento culposo e grosseiro da condição de suspensão da pena de prisão a que foi condenado.

            Dispõe assim o art.º 55º do CP: “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

            a) Fazer uma solene advertência;

            b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

            c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;

            d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.”

            Por seu turno, dispõe o art.º 56º do CP que “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

            a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

            b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

            2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

            Em matéria de revogação da suspensão da execução da pena de prisão vigora o princípio rebus sic stanntibus norteado pelos princípios da culpa e da adequação – só o incumprimento reiterado e culposo ou gravemente culposo ou doloso pode determinar a revogação.

            A jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem perfilhando o entendimento de que a apreciação sobre a falta de cumprimento dos deveres impostos em sentença como condicionantes da suspensão da execução da pena deve ser cuidada e criteriosa, de tal sorte que apenas uma falta grosseira determina a revogação.

            O Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da revogação da suspensão da execução da pena, afirma unanimemente que “no momento em que o recorrente tiver de prestar contas sobre o cumprimento da condição de suspensão, o Tribunal só poderá declarar revogada a suspensão da execução da pena por incumprimento dessa condição se este for culposo. E só o fará depois de ouvir as razões que lhe forem apresentadas pelo arguido, se não resultarem as demais medidas referidas no art.º 55.º do CP e se forem infringidas grosseira ou repetidamente os deveres impostos (art.º 56.º, n.º 1, al. a), do CP)”, conforme sumariado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.1.05, no proc. 04P4204; no mesmo sentido os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31.5.06 no proc. 06P1294 e de 13.12.06 no proc. 06P3116, todos em www.dgsi.pt.

            Ora, pelas razões atrás expostas, entendemos que a postura do arguido configura um incumprimento grosseiro da condição imposta pela suspensão, revelando total desinteresse pela decisão judicial condenatória e pelas que se lhe seguiram no sentido de apurar das razões para o não pagamento e revela ainda um desrespeito grave pela vítima, já que não tentou pagar, nem em parte, a

indemnização.

            As medidas previstas no art.º 55º afiguram-se-nos, pois, insuficientes face à gravidade dos factos em causa e à postura do arguido, não constituindo alternativa viável à ressocialização do arguido e demais finalidades da punição.

            Na verdade, o seu comportamento desde, pelo menos, a notificação da sentença, demonstra que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não foram suficientes para que o mesmo adoptasse uma conduta conforme ao direito, pois continua a revelar leviandade perante o dever que lhe foi imposto.

            Não pagou, não contactou o assistente, não deu a este ou ao tribunal qualquer justificação para o não fazer, tudo fazendo concluir que o juízo de prognose favorável que esteve na base da decisão de suspensão deixou de existir.

            Pelo exposto, e ao abrigo do art.º 56º nº 1 a) e nº 2 do CPenal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão e em consequência determina-se o cumprimento da pena de um ano de prisão a que o arguido A... foi condenado”.

                                                                       III

             

Questão a apreciar:

1. A revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

                                                                IV

Cumpre decidir:

1. Para além do teor do relatório supra e do teor do despacho recorrido, importa sintetizar os elementos relevantes que constam dos autos para a apreciação do presente recurso. Assim:

1.1. O arguido ora recorrente, A... foi condenado, por sentença de 2.3.2011, como autor material de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. no art. 205º, n.º 1 e 4, al. a), do Código Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada à condição de o arguido, no prazo de seis meses, proceder ao pagamento da indemnização arbitrada ao demandante, no montante de 18.000,00 euros, fazendo prova documental de tal facto nos autos.

            1.2. Decorrido o prazo para o arguido cumprir a obrigação imposta na sentença e não constando dos autos tal cumprimento, em 13.4.2012 – v. despacho de fls. 497 e 498 – foi designada a data de 6.6.2012 para audição daquele, a fim de apurar das razões do não cumprimento da obrigação.

            1.3. Naquela data, 6.6.2012, o arguido não compareceu em tribunal, informando-se através do seu mandatário que o mesmo se encontrava internado no hospital, na Alemanha, por doença de cancro – v. acta de fls. 505 a 507.

            1.4. O arguido juntou documentação idónea do seu internamento, não tendo a falta sido considerada justificada apenas por a justificação ter sido apresentada para além do prazo legal concedido, de 10 dias – v. fls. 516.

            No mesmo despacho foi ordenada a notificação do arguido para em 10 dias justificar as razões pelas quais ainda não cumpriu a condição da suspensão da execução da pena, sob pena de não o fazendo poder vir a ser revogada tal suspensão. Notificação que se efectivou conforme carta registada de fls. 518.

            1.5. O arguido nada veio dizer ao processo, sendo certo que, segundo informação do lesado, tal pagamento da indemnização não lhe foi feito – v. fls. 530.

            1.6. Já no momento da realização da audiência de julgamento o arguido esteve internado por motivos de doença cancerígena – v. acta de 22.2.2011 (fls. 399 a 401) e documentos de fls. 395 a 398.

            2. Sobre esta matéria dispõe actualmente o art.º 55º do Código Penal o seguinte:

            “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

            a) Fazer uma solene advertência;

            b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

            c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;

            d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.”

            Por sua vez, dispõe o art.º 56º do mesmo diploma:

            “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

            a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

            b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

            2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

3. Face ao teor destas duas disposições, é comummente aceite, de modo generalizado e pacífico, que a revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado – afastada que está a revogação automática da suspensão -, só pode ocorrer se esse incumprimento se ficar a dever a culpa grosseira do mesmo.

Entre outros, v. ac. do TRG de 19.1.2009, proferido no processo nº 2555/08.1, onde se decidiu:

I A revogação da suspensão da execução da pena de prisão por violação de deveres impostos só pode ser decretada se tiver havido infracção grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social.
            II
Há uma violação grosseira quando o arguido tem uma actuação indesculpável, em que o cidadão comum não incorre, não merecendo ser tolerada.
            Neste sentido v. ainda ac. da mesma RG de 4.5.2009, proferido no processo nº 2625/05.9PBBRG-A.G1 e ac. do TRP de 9.12.2004, proferido no processo nº 0414646, tendo-se aqui decidido o seguinte:

I - Dos artigos 55 e 56, n.1 al. a) do Cód. Penal, ressalta clara a ideia de que qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou regras de conduta impostas na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação, sendo que tal culpa deve ser grosseira, para justificar a revogação.


           
4. Sendo clara e inequívoca esta exigência da culpa grosseira, vejamos se ela ocorreu no caso concreto.

Decididamente entende-se que não.

Os elementos dos autos apenas nos dizem que até ao momento o arguido não cumpriu a obrigação imposta como condição da suspensão da pena e que, notificado para esclarecer por que motivos não o fez, nada veio informar ao processo.

Mas esta posição do arguido tem de ser enquadrada e analisada face à sua situação concreta: encontra-se na Alemanha onde tem sofrido alguns internamentos na sequência de doença cancerígena e nada se sabe sobre a sua situação familiar e económica.

Se é verdade que o tribunal a quo já designou uma audição para o arguido esclarecer os fundamentos do seu não cumprimento, também é verdade que o arguido justificou tal ausência com o seu internamento hospitalar.

Assim, a conduta do arguido, se é suficiente para concluir que existe alguma negligência, logo culpa, em não informar no processo as razões do não cumprimento da obrigação – sendo certo que o poderia fazer directamente ou através do seu ilustre mandatário, como o tem feito para informar da sua doença e impossibilidade de estar presente no tribunal -, é todavia insuficiente para se concluir por uma culpa efectiva no cumprimento da obrigação e muito menos por uma culpa grosseira. Na verdade, são duas culpas diferentes, embora com alguma conexão – a não informação ou resposta à notificação do tribunal e o não cumprimento efectivo da obrigação.

A culpa não se pode presumir. Tem de resultar de factos ou elementos concretos. E até ao momento o tribunal nada sabe ou apurou sobre as reais e efectivas condições pessoais e económicas do arguido para o cumprimento da obrigação. Pelo que se afiguram temerárias as afirmações na decisão recorrida quando ai se diz:

“Com todo o respeito, essa doença, cujo início se ignora, não é motivo, só por si, para que o arguido não tivesse cumprido até à data a sentença condenatória, sendo certo que apesar de doente pode ter condições económicas para pagar, tanto que reside há anos num País cujos salários e pensões são consabidamente superiores às de Portugal”.

Claro que o arguido apesar de doente pode ter condições económicas para pagar. Mas esta hipotética possibilidade tem de traduzir-se numa maior certeza, numa possibilidade efectiva. Pois pelo facto de residir há anos num país cujos salários e pensões são consabidamente superiores às de Portugal não significa que seja essa a real situação do arguido. Ou seja, o tribunal tem de se apoiar não em hipotéticas possibilidades mas na real situação do arguido. Só com base nesta situação efectiva pode ou deve concluir pela existência de culpa no cumprimento bem como pela culpa grosseira.

É o próprio julgador a quo que cita jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nomeadamente o ac. de 6.1.05, proferido no proc. 04P4204, dizendo que o “…Tribunal só poderá declarar revogada a suspensão da execução da pena por incumprimento dessa condição se este for culposo. E só o fará depois de ouvir as razões que lhe forem apresentadas pelo arguido, se não resultarem as demais medidas referidas no art.º 55.º do CP e se forem infringidas grosseira ou repetidamente os deveres impostos (art.º 56.º, n.º 1, al. a), do CP)”.

Também no ac. supra citado do TRP 9.12.2004 se decide que “para se imputar, a título de culpa, a falta de pagamento das quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário, antes de mais, demonstrar que o arguido tinha condições económicas para efectuar o pagamento, ou, então, que voluntariamente se colocou na situação de não poder pagar, nomeadamente não usando a sua força de trabalho”.

            Contrariamente ao decidido e concluído pelo julgador a quo, a situação em análise configura alguma culpa no incumprimento - desde logo porque não só não cumpriu como não veio informar o tribunal dos motivos do não cumprimento quando foi expressamente notificado para este efeito – mas não um incumprimento grosseiro (ou culpa grosseira, segundo a designação legislativa) da condição imposta pela suspensão.

           

Não se pode nem deve branquear a posição do arguido quanto ao não cumprimento da obrigação imposta como condição da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada. Contudo, a suspensão da pena foi decretada em função de razões de prevenção e porque foi feito um juízo de prognose positiva nesse sentido.

Face aos contornos exactos do incumprimento e face aos elementos do processo, como bem anota o Ministério Público no seu parecer, haveria que ponderar se esta (a revogação), seria a única forma de lograr a prossecução das finalidades da punição. Que a decidida revogação só seria justificável se o tribunal, fundamentadamente, formulasse a convicção no sentido de que o juízo de prognose que estivera na base da suspensão da execução da prisão não seria já viável.

Como se refere ainda em tal parecer, tal juízo não está sequer equacionado no despacho recorrido. E acrescenta este Tribunal que os elementos processuais não permitem sequer formular ainda esse juízo. O que equivale a dizer que a revogação da suspensão pelo tribunal a quo é excessiva para a conduta do arguido.

Como se decidiu no referenciado ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.05.96 (in C.J. ano XXI – 1996, tomo III, pág. 143), existindo incumprimento o tribunal, nas medidas que tomar, “deverá optar pelas menos gravosas e só decidir por uma quando conclua pela inadequação da que imediatamente a antecede”.

Não se compreende, pois, nem a situação o justifica, que o tribunal a quo aplique exactamente a medida mais gravosa quando tem ao seu dispor outras medidas que melhor se ajustam e que podem revelar-se suficientes para atingir os efeitos pretendidos, como são as medidas previstas no artigo 55º, do código Penal.

Se porventura essas medidas se vierem a revelar ineficazes e o arguido persistir no incumprimento da obrigação, quando a sua situação económica e pessoal permitir o pagamento da indemnização fixada ( devendo o tribunal proceder à recolha para o processo desses exactos elementos),  então sim, frustradas aquelas medidas e perante uma já culpa grosseira, deverá ser ponderada a aplicação da última e mais gravosa das medidas previstas, que é a revogação da suspensão com a implicação do cumprimento da pena de prisão aplicada.

Mas, de momento, o bom senso, perante o grau de culpa revelado no incumprimento da obrigação e a situação pessoal do arguido (que de resto não é ainda plenamente conhecida pelo tribunal a quo mas que aponta para alguma fragilidade e dificuldade no contacto com o tribunal quer pela doença em si quer pela distância a que se encontra) aponta para que o julgador faça uma apreciação mais ponderada de tal incumprimento, aplicando tão só, de imediato e/ou gradualmente as medidas previstas no artigo 55º, do CP, reservando como última arma, se for caso disso ou necessária, a prevista revogação da suspensão da pena.

             


V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso do recorrente e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido na medida em que este lhe revogou a suspensão da execução da pena, devendo o tribunal a quo apreciar o incumprimento actual da condição nos termos supra analisados, recolhendo, se o incumprimento da obrigação persistir, os elementos necessários quanto à real e efectiva situação económica e pessoal do arguido para uma mais ponderada e assertiva decisão.

Sem custas.

Luís Teixeira (Relator)

Calvário Antunes


[1] O que já tinha sido promovido antes de ser proferido o despacho ora recorrido.