Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
232/20.5T8SPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: LEGADO EM SUBSTITUIÇÃO DA LEGÍTIMA
ACEITAÇÃO
SUCESSÃO LEGITIMÁRIA
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 217.º, N.º 1, 2049.º, 2144.º E 2165.º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I – Quanto à instituição de legado em substituição da legítima, como meio de um dos cônjuges afastar o outro da sucessão legitimária, consagrada no art.º 2165.º do CCiv., é de concluir que o legitimário não recebe a legítima, recebendo antes um legado, em que fica esgotada toda a sua posição, exigindo-se a aceitação desse legado – comummente, mediante a notificação a que se alude no art.º 2049.º do CCiv. – para a eficácia desta forma de satisfação da legítima.

II – Inexistindo quaisquer factos que comprovem que o cônjuge sobrevivo (viúva) tenha aceite – expressa ou tacitamente – o legado em substituição da legítima, aquele é, por isso, é ineficaz, razão pela qual, num tal caso, a viúva é chamada à totalidade da herança, podendo dispor da totalidade dos bens que ingressaram no seu património, incluindo os que herdou por óbito do seu marido.

Decisão Texto Integral:
Relator: Arlindo Oliveira
1.º Adjunto: Emídio Francisco Santos
2.º Adjunta: Catarina Gonçalves

            Processo n.º 232/20.5T8SPS.C1 – Apelação

            Comarca de ..., ..., Juízo Central Cível

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA e cônjuge, BB, residentes em ..., e CC e cônjuge, DD, residentes em ..., intentam a presente acção declarativa constitutiva e de condenação com processo comum contra EE, residente em ..., ..., FF e cônjuge, GG, residentes em ..., ..., pedindo a condenação destes no seguinte:

a) Que não existe qualquer declaração expressa ou tácita, nomeadamente nos termos do disposto no artigo 2.049º do Código Civil, de aceitação por parte de HH do legado em substituição da legítima constante do testamento outorgado por seu falecido marido, II em .../.../1997, Livro ...4... a fls. 81 do Cartório Notarial ...;

b) Que é falsa a declaração prestada por EE constante da escritura de Habilitação de Herdeiros outorgada no dia 31 de maio de 2019, Livro ...42... a fls. 16 do Cartório Notarial ... na parte em que se declara “… tendo esta aceitado o legado,…” pretendendo a declarante atribuir a HH a aceitação do legado em substituição da legitima constante do testamento de II;

c) Que, seja porque o legado em substituição da legitima não retira a posição de herdeiro legitimo ao seu beneficiário e aceitante, seja porque não existe aceitação expressa ou tácita do referido legado em substituição da legitima nem nunca a HH foi chamada, no momento da morte de seu falecido marido ou em vida e notificada para aceitar ou repudiar o legado, esse legado não tem validade nem eficácia e os réus não são herdeiros legais ou testamentários ou por qualquer outra forma, do falecido II;

d) Que HH foi a única e universal herdeira de seu falecido marido II;

e) Que são nulos quaisquer registos de propriedade efetuados ou que se venham a efetuar tendo por suporte documental a escritura de Habilitação de Herdeiros exarada e outorgada por EE no dia 31 de maio de 2019 no Cartório Notarial ...,

Livro ...42... a fls. 16 e testamento a ela junto, seja porque contém falsas declarações seja porque, não constando dessa escritura qualquer prova documental da aceitação expressa ou da notificação judicial nos termos do disposto no artigo 2.049º n.º 1 do Código Civil, a mesma é insuficiente para a prova da qualidade de herdeiros dos réus e da aquisição de propriedade de quaisquer prédios do acervo hereditário da herança de II;

f) que é nulo e como tal deve ser rejeitado ou, se, entretanto, efetuado, ordenado o cancelamento de quaisquer registo de propriedade e inscrição a favor dos réus no que respeita aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob os números ...35 e ...37, efectuados com base na escritura de Habilitação de Herdeiros referido em e);

g) Que os autores são proprietários, em partes iguais, dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob os números ...35 e ...37, atuais artigos matriciais ...7, urbano e ...25, rústico, da União das freguesias ... e ... e de todo o recheio do mesmo, móveis e utensílios diversos e;

h) Mais devem os réus ser condenados a reconhecer o direito de propriedade dos autores referido no pedido anterior, a retirar o cadeado referido no artigo 85º da P.I. e a absterem-se de qualquer outro ato perturbador desse direito de propriedade.

 

Para tal, alegam – e muito resumidamente – que HH não aceitou o legado que, em substituição da legítima, lhe foi instituído pelo testamento outorgado pelo seu falecido marido, II, pelo que os réus dele não são herdeiros, antes o é, e unicamente, aquela sua viúva, e assim pedem a nulidade de todos os registos que tiveram por base a escritura de habilitação de herdeiros onde, falsamente, foi declarado que a ré EE era herdeira daquele seu falecido tio, que antes devem ser os autores declarados proprietários dos bens em apreço.

Contestam os réus EE e FF, avançando – e também em muito breve síntese – que a legatária aceitou aquele testamento, e assim os familiares do falecido II são os seus universais herdeiros, pois que a consorte viu os seus direitos enquanto herdeira legitimária serem substituídos pelo legado que aceitou, na medida em que tomou conta dos bens e deles usufruiu em conformidade. Concluem, assim, pedindo a sua absolvição.

Em réplica, os autores mantêm o anteriormente afirmado.

Teve lugar a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador tabelar e proferido despacho que procedeu à identificação do objecto do litígio, e à enunciação dos temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 213 a 219, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Julgo a presente acção provada e procedente, pelo que declaro que, contrariamente ao afirmado por EE, aquando da outorga da escritura de habilitação de herdeiros lavrada a 31 de Maio de 2019 no Cartório Notarial ..., HH, foi a única e universal herdeira do seu falecido marido, II, pelo que são nulos os registos lavrados com referência aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob os números ...35 e ...37, suportados pela referida escritura de habilitação de herdeiros e pelo testamento lavrado pela mesma EE, e determino o cancelamento das referidas inscrições.

Custas pelos réus.”.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os réus EE e FF, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 274), rematando as respectivas motivações, com o que apelidam de “conclusões”, reproduzindo as alegações (ao longo de 25 páginas), em  completo desrespeito pelo comando imposto pelo artigo 639.º, n.º 1, do CPC “de forma sintética”, pelo que aqui não se reproduzem, sem embargo de se conhecerem e decidirem as questões suscitadas.

Contra-alegando, os autores, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, defendendo que a mesma não padece da invocada nulidade, porquanto na sentença foi proferida “pronúncia expressa” acerca da declaração de propriedade; que a prova foi bem apreciada, devendo permanecer imutável o elenco dos factos dados como provados e não provados, e em face do que se impõe concluir que HH não aceitou o legado em apreço, nem tácita nem expressamente, o que, tudo, impõe, a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.   

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se a sentença recorrida padece da nulidade referida no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;

B. Incorrecta análise e apreciação da prova, nos seguintes termos:

1 – Se devem dar-se como provados os factos constantes dos artigos 21.º a 23.º da p.i., excepto quanto à convicção de exercer um direito exclusivo de plena propriedade;

2 – Devem dar-se como provados os factos constantes do artigo 85.º da p.i;

3 – Relativamente ao artigo 58.º da p.i., apenas se deve dar como provado que “nunca em vida de HH, os RR requereram inventário por óbito do falecido II”;

4 – Deve dar-se por provado o que consta do artigo 27.º da contestação;

5 – Devem dar-se como provados os factos que constam dos artigos 30.º a 33.º da contestação;

6 – Devem dar-se como provados os factos descritos no artigo 40.º da contestação e;

7 – Devem dar-se como provados os factos constantes dos artigos 70.º e 72.º da contestação.

C- Se, por não se estar em presença de uma acção de reivindicação, os AA não podem obter a condenação dos RR a reconhecer o direito de propriedade daqueles, sobre os bens em causa e;

D – Se, analisando o testamento outorgado por II a favor de HH, se deve concluir que este quis que os bens que compunham a sua herança não passassem para a titularidade do seu cônjuge e se esta, ao assumir o usufruto da herança, aceitou o legado nele referido.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

petição

1

Em 15 de novembro de 1970, na freguesia e concelho ..., II contraiu casamento católico, sem convenção antenupcial, com JJ, em primeiras núpcias de ambos, tendo esta última assumido o apelido “de EE”.

2

Em .../.../2003, na freguesia ..., concelho ..., faleceu o referido II.

3

No estado de casado com sua esposa HH, sem deixar descendentes ou ascendentes sobrevivos.

4

Em 15 de julho de 2003 a viúva, HH, compareceu no serviço de Finanças ... e aí disse que: “…na qualidade de herdeira, pretendia declarar que no dia .../.../2003, faleceu no Instituto de Oncologia do ..., onde se encontrava acidentalmente em tratamento, mas com domicílio em ..., ..., deste concelho, seu marido II com quem era casada em primeiras e únicas núpcias, no regime geral de bens, sem ter feito testamento ou outra qualquer disposição de sua última vontade, deixando a suceder-lhe na herança: 1) A declarante cônjuge. Mais declarou que a seu favor não se operou qualquer outra transmissão, a título gratuito, provinda do mesmo autor da herança”.

5

Com base nesta declaração o serviço de Finanças ... instaurou processo de liquidação de imposto sucessório registado sob o n.º ...39.

6

No âmbito desse mesmo processo de Imposto sucessório e a 15 de setembro de 2003 a mesma viúva compareceu novamente no serviço de Finanças ... e na qualidade de Cabeça de Casal, declarou que a transmissão aí em causa se compunha dos bens que constavam “… da relação junta, escrita em quatro folhas, devidamente autenticadas, compreendendo dezanove verbas de ativo e uma de passivo e da qual consta que não se procede a inventário judicial”.

7

Junto ao referido processo de imposto sucessório consta a referida relação dos bens, constituído por 10 verbas de móveis (1 a 10), 9 verbas de imóveis (11 a 19) e uma verba de passivo, relativa às despesas do funeral.

8

Como bens imóveis que integravam o acervo hereditário do falecido II constavam os seguintes na referida relação de bens, todos inscritos na matriz da freguesia ...: Verba 11 – Casa de habitação inscrita na matriz urbana sob o artigo ...72, atual artigo urbano ...7 da União das freguesias ... e ..., com o valor patrimonial de € 6.221,95 (doc. n.º 4). Verba 12 – Pinhal denominado ... sito na ..., inscrito na matriz rustica sob o artigo ...60. Verba 13 – Pinhal denominado ..., sito em ..., inscrito na matriz rustica sob o artigo ...75. Verba 14 – Pinhal denominado ..., sito em ..., inscrito na matriz rustica sob o artigo ...77. Verba 15 – Pinhal denominado ..., inscrito na matriz rustica sob o artigo ...19. Verba 16 – 1/3 indiviso de uma pastagem denominada ..., inscrita na matriz rustica sob o artigo ...96. Verba 17 – Terra culta denominado ..., inscrita na matriz rústica sob o artigo ...00, atual artigo rústico ...25 da União das freguesias ... e ..., com o valor patrimonial de € 235,28. Verba 18 – Um barracão destinado a aviário, sito na ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...28. Verba 19 - Um barracão destinado a aviário, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...29.

9. Relação datada de 9 de setembro de 2003 e tendo igualmente a referida HH aposto no seu final e pelo seu punho a sua assinatura.

10

Todas as verbas do ativo foram relacionadas em plena propriedade, tendo a verba 16 sido relacionada como 1/3 indiviso de um prédio rústico,

11

constando a final de referida relação de bens o seguinte atribuído à cabeça de casal: “Mais declara que os bens não se encontram hipotecados nem sobre eles recai quaisquer ónus ou encargos, e não se procede a inventário.”

12

Na liquidação a que se procedeu nesse processo consta como única interessada a viúva e cabeça de casal HH a quem foram adjudicadas todas as verbas do ativo e passivo,

13

tendo ficado isenta de imposto de sucessões e doações.

14

No âmbito do mesmo processo e ainda arrogando-se a qualidade de única e

universal herdeira do marido, II, com data de 12-12-2008 e entrada em 17-12-2008, a referida HH solicitou a retificação da relação de bens (documento n.º 7).

15

No dia dois de março de 2004, no Cartório Notarial ..., HH outorgou a escritura de Habilitação de Herdeiros, Livro ...44... a fls. 22, na qual declarou o seguinte: “Que, nos termos do artigo 2.080º, do Código Civil, outorga como cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido, com quem era casada sob o regime da comunhão geral e em primeiras núpcias, II, natural da freguesia ..., concelho ... e que teve a sua última residência habitual no lugar da ..., freguesia dita de ..., falecido em vinte de junho de dois mil e três, na freguesia ..., concelho ..., Que o falecido não deixou testamento ou doação por morte, não deixou descendentes nem ascendentes sobrevivos, sucedendo-lhe, por vocação da Lei, como única herdeira ela outorgante, sua viúva. Que não há outras pessoas que, segundo a lei, prefiram à indicada herdeira ou com ela possam concorrer à sucessão.

16

No dia 20 de junho de 2012, no Cartório Notarial ..., HH outorgou testamento no qual efetuou legados a diversas pessoas de alguns dos bens relacionados supra no artigo 8º, nomeadamente,

17

ao sobrinho e réu FF da verba 12 referida nesse artigo 8º,

18

aos 3 sobrinhos FF, KK e LL, em partes iguais, das verbas 13; 14; 15 e 16,

19

e aos seus sobrinhos e autores AA e CC, em partes iguais, das verbas 11 e 17.

21

desde 20 de junho de 2003 e até data que não foi possível apurar, HH, com referência a alguns dos imóveis referidos na Relação de Bens junta ao processo de Imposto Sucessório 16.939,

22

Habitou e fez obras.

23

De forma continuada e ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição e na convicção de não ofender direitos de terceiros.

25

Entre os anos de 2014 e 2015 a referida HH ordenou a realização e pagou obras de reconstrução de uma capela que se integra no prédio referido na verba 11.

28

HH faleceu em 13 de abril de 2019, no estado de viúva, sem deixar descendentes ou ascendentes vivos.

29

deixando a suceder-lhe como únicos herdeiros irmãos e sobrinhos, entre os quais os autores AA e CC, filhos da irmã pré-falecida MM,

30

e deixando o testamento outorgado no Cartório Notarial ... no dia 20 de junho de 2012, exarado a folhas trinta e três, do Livro de testamentos número seis – H.

31

no qual entre outros, declarou que “lega, em partes iguais, a seus sobrinhos AA, casado, e CC, filhos de sua referida irmã MM, com quem tem residido grande parte do tempo após o óbito de seu marido, os seguintes imóveis sitos no lugar da ..., freguesia ..., concelho ...: Prédio urbano, constituído por casa de habitação, com alpendre e lagar, pátio e rossio (artigo ...72.º), com todo o recheio que a mesma contiver, móveis e utensílios diversos; e Prédio rústico “...”, terreno culto e inculto, com videiras, fruteiras, pomar, pinhal, mato e dependências inscrito sob art.º ...00º”.

32

tendo após seu óbito sido outorgado no Cartório Notarial ... no dia 15 de maio de 2019 escritura de habilitação de herdeiros, Livro ...37... a fls. 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

33

Em 13-06-2019, na Repartição de Finanças ..., o autor AA fez participação de Imposto de Selo na qual, entre o mais, se indicou a si e à autora CC como legatários e herdeiros,

34

relacionou sob cada uma das verbas 20 e 21 metade indivisa do artigo urbano ...7 da União das freguesias ... e ... (anterior artigo ...72 da extinta freguesia ...),

35

e sob cada uma das verbas 22 e 23 metade indivisa do ... da União das freguesias ... e ... (anterior artigo ...00 da extinta freguesia ...),

36

E atribuindo/adjudicando as verbas 20 e 22 ao autor AA e as verbas 21 e 23 à autora CC, tendo os autores pago os respetivos impostos, de Selo, pelas transmissões em causa.

37

em 18-06-2019 o autor dá entrada na Conservatória do Registo Predial ... do pedido de aquisição a seu favor e da autora CC da propriedade de ambos os prédios atrás referidos.

38

e em 1 de julho de 2019 é notificado pela respetiva Conservatória de que o registo de aquisição destes dois prédios a favor dos autores foi lavrado provisório por natureza sob as descrições ...35 e ...37 da freguesia ... e Aps....23 de 2019/06/18, por não ter decorrido ainda o prazo para a interposição de recurso hierárquico ou impugnação judicial contra a recusa de registo requerido na Conservatória do Registo Predial ... pela Ap. ...85 de 2019/06/06.

39

Aos balcões da A.T. de ... já havia sido apresentada uma participação de imposto de selo onde foram declarados como legatários de II os aqui réus, EE e FF, com base num testamento outorgado no Cartório Notarial ... em 3 de junho de 1997.

49

No dia 31 de maio de 2019, no Cartório Notarial ..., a 2ª ré EE outorgou escritura de habilitação de herdeiros, Livro ...42... a fls. 16, na qual disse o seguinte: “Que desempenha o cargo de cabeça de casal na herança aberta por óbito do seu irmão, II, falecido a vinte de junho de dois mil e três, na freguesia ..., concelho ..., era natural da ... freguesia ..., onde teve a sua última residência habitual no lugar da ..., concelho ..., falecido no estado de casado com HH, em primeiras e reciprocas núpcias de ambos, segundo o regime da comunhão de adquiridos. Que o falecido deixou testamento iniciado a folhas oitenta e um do Livro de Testamentos número 84-B do Cartório Notarial ..., no qual legou em substituição da legítima à sua mulher HH o usufruto vitalício de todos os bens da herança, tendo esta aceitado o legado, pelo que nos termos da lei e do indicado testamento lhe ficaram a suceder como herdeiros: A irmã germana: EE, ora outorgante; e o sobrinho:

FF, natural da freguesia e concelho ..., residente na Rua ..., União das freguesias ... e ..., concelho ..., casado na comunhão geral de bens com GG, em direito de representação de seu pai FF, falecido a dezassete de julho de mil novecentos e oitenta e oito, o qual era irmão germano do falecido. Assim, são eles os únicos herdeiros do falecido II, não havendo quem com eles concorra à sucessão, ou que a eles prefira.”

50

Anexo a essa escritura de Habilitação consta testamento outorgado e assinado por II no dia 3 de junho de 1997, Livro ...4... a fls. 81, no qual consta a seguinte declaração do testador: - “Declara, em testamento, que dispõe o seguinte, por morte: - a) Lega à mulher, HH, em substituição da legítima, o usufruto vitalício de todos os bens da herança; - b) Este testamento não surtirá efeito se o testador sobreviver à beneficiária. - Assim declara; e outorga”.

58

nunca em vida da referida HH os réus se arrogaram ou atuaram em tempo algum ou por qualquer forma herdeiros ou requereram inventário, por óbito do falecido II,

59

nunca solicitaram e obtiveram da viúva HH a sua declaração expressa de aceitação desse legado,

60

nem nunca solicitaram, através do Tribunal a notificação da referida HH e a fixação pelo Tribunal de um prazo para que ela dissesse se aceitava ou não o legado.

contestação

21

II, morreu no dia 28 de junho de 2003, no estado de casado, sob o regime da comunhão de adquiridos, com HH, em primeiras e recíprocas núpcias de ambos, sem deixar descendentes ou ascendentes que lhe sucedessem na herança dos seus bens.

22

Ele tinha por únicos irmãos a ora R. EE e FF, pré-falecido e Pai do ora R. FF.

23

II deixou o testamento lavrado a folhas oitenta e um do Livro de Testamentos número 84.B, do Cartório Notarial ..., pelo qual legou, em substituição da legítima, à sua Mulher, o usufruto vitalício de todos os seus bens.

24

No mesmo dia, no mesmo Cartório Notarial e com as mesmas testemunhas, também HH fez lavrar um testamento com texto absolutamente idêntico, legando em substituição da legítima ao seu Marido o usufruto vitalício de todos os seus bens.

25

Marido e Mulher pretendiam, com a elaboração dos mencionados testamentos, assegurar que, por suas mortes, os bens que compunham os respetivos acervos hereditários, passassem para a família de cada um e não para o respetivo cônjuge e, posteriormente, para a família do cônjuge supérstite.

26

Marido e Mulher estavam cientes da elaboração e conteúdo do testamento do respetivo cônjuge.

76

FF apresentou, em 6 de Junho de 2019, na Conservatória dos Registo Civil e Registo Predial de ... o pedido de registo de aquisição pelos RR., em comum e sem determinação de parte ou direito, relativo aos prédios descritos sob os n.ºs ...81, ...82 e ...84 da freguesia ..., Concelho ... e nº ...34, ...35, ...36 e ...37 da freguesia ..., concelho ..., ao qual foi atribuído o n.º ...85, prédios esses que integravam a herança indivisa de II, por constituírem, na data da sua morte, bens próprios do mesmo, tendo sido invocado o seu óbito como causa de aquisição da respetiva propriedade, por serem os RR. os herdeiros do autor da herança.

ii – factos não provados

Estes os factos provados.

Relevantes para a presente decisão, outros factos não se provaram.

Sem pretensões de exaustão ou de preclusão, dentre os factos alegados e relevantes para a decisão da causa, não se provaram os seguintes.

petição

20

Após o óbito de seu marido, HH sempre se arrogou única e universal herdeira do mesmo

21

Desde 20 de junho de 2003 e até à data do seu óbito, ocorrido em 13 de abril de 2019, HH andou na plena posse e fruição de todos os bens identificados na Relação de Bens junta ao processo de Imposto Sucessório 16.939.

22

Habitando e fazendo obras na casa de habitação e anexos, lavrando, cultivando, limpando, colhendo frutos, plantando e cortando e vendendo árvores e matos dos rústicos, pagando os respetivos impostos, tudo por si ou por pessoas a seu mando e por si pagas.

23

(…) na convicção de exercer um direito próprio de plena e exclusiva propriedade.

25

(…) total (…)

26

tendo tais obras sido orçamentadas por construtor civil no valor de € 7.835,00, acrescido de € 1.802,05 de IVA, no total de € 9.637,05, a que acresceria o valor da madeira para o teto da capela que ficou a fornecer pela proprietária.

27

obras que acabou por executar por administração direta e nas quais teve despesa total superior a € 7.000,00, efetuadas pela mesma no exercício de um direito de e convicção de ser plena proprietária.

51

Enquanto viva foi e nomeadamente entre a data do óbito de seu marido, II e o seu óbito, a HH sempre se arrogou e atuou como única e universal herdeira do marido.

52

nunca, em momento algum demonstrou conhecer o testamento outorgado por seu falecido marido

54

HH ou nunca chegou a ter conhecimento do testamento outorgado pelo marido

55

Repudiou de forma expressa o legado que do mesmo consta, seja ao declarar-se sempre e nomeadamente nos Serviços de Finanças e escritura de Habilitação de Herdeiros como única e universal herdeira do mesmo seja ao agir toda a sua vida em relação aos bens da herança como plena proprietária.

58

nunca em vida da referida HH os réus se arrogaram ou atuaram em tempo algum ou por qualquer forma herdeiros do falecido II,

contestação

27

Com conhecimento da Mulher, II dizia publicamente, e em particular aos seus vizinhos, que Marido e Mulher já haviam feito testamentos e que os bens que eram seus iriam para a sua (dele) família e os bens que pertenciam a sua Mulher iriam para a família desta.

30

A A. continuou a viver na casa que era bem próprio do seu marido, por este a ter herdado de seus Pais.

31

E usou todos os bens que compunham o seu recheio, que o seu marido tinha herdado dos seus pais.

32

E continuou a cultivar os prédios rústicos, em seu proveito exclusivo, todos os frutos ali produzidos.

33

Pagou os respetivos impostos, decidiu livremente as culturas que pretendia que fossem feitas, sem nunca repartir com os RR. quaisquer frutos ou rendimentos retirados daqueles bens ou prestar contas acerca da gestão dos mesmos bens.

34

Não vendeu nem onerou qualquer bem da herança.

36

II entregou à R. EE, após a realização do testamento, uma chave da própria casa de habitação, chave que esta sempre manteve em seu poder. Ciente deste facto, e em sinal de reconhecimento da nua propriedade dos bens por parte dos RR., HH manteve a chave da casa nas mãos da sua Cunhada, mesmo sabendo que esta nunca iria utilizá-la enquanto se mantivesse o usufruto.

40

HH sabia que o Marido tinha disposto da quota disponível em favor da sua Irmã e Sobrinho.

70

A Viúva entrou na posse da totalidade da herança, gozando-a, plenamente, como usufrutuária de todos os bens.

72

Considerava desnecessária a partilha, enquanto usufrutuária da totalidade.

A. Se a sentença recorrida padece da nulidade referida no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.

Os recorrentes assacam à decisão recorrida a invocada nulidade, com o fundamento em que apesar de o M.mo Juiz ter definido como um dos objectos do litígio a reivindicação dos imóveis em causa nos autos, não apreciou tal pedido.

O artigo 615, n.º 1, al. d), do CPC sanciona com a nulidade a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A nulidade em causa, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

Como decorre dos autos, efectivamente, como consta da acta da Audiência Prévia, refere-se  como “Objecto do Litígio: acção de reivindicação”, cf. fls. 177.

E conforme al.s g) e h), do seu petitório, os autores formulam o pedido de condenação dos réus a reconhecerem-nos como proprietários, em partes iguais, de tais prédios.

Por outro lado, na parte conclusiva da sentença – acima transcrita – não se faz referência a tal pedido, pelo que, efectivamente, se constata que a sentença recorrida padece de tal nulidade.

No entanto, isso não impede que se conheça o objecto da apelação, em conformidade com o disposto no artigo 665.º, n.º 1, do CPC, pelo que, no local próprio, se decidirá dessa questão/pedido.

Pelo que, nesta parte, e com o condicionalismo ora referido, o presente recurso tem de proceder.

B. Incorrecta análise e apreciação da prova, nos seguintes termos:

(…).

C- Se, por não se estar em presença de uma acção de reivindicação, os AA não podem obter a condenação dos RR a reconhecer o direito de propriedade daqueles, sobre os bens em causa.

No que a esta questão concerne, os ora recorrentes defendem a improcedência da acção com o fundamento em que estamos perante uma acção de reivindicação – assim definida como objecto do litígio na audiência preliminar – pelo que não tendo provado a usucapião, tem tal pedido de improceder e daí decorre que não podem peticionar a falsidade das declarações a que se refere o pedido de rectificação das declarações que deram origem à escritura de habilitação referida no pedido formulado em b), nem a nulidade dos registos feitos com base na mesma.

Efectivamente, cf. consta de fl.s 177, definiu-se como “Objecto do litígio: acção de reivindicação”.

No entanto, conjugando esta afirmação com os temas da prova, logo se conclui que o que está em causa é a questão da abrangência dos testamentos efectuados e aceitação do já referido legado por parte de HH, que é a questão nuclear a decidir.

Como já acima se disse, aquando da apreciação e decisão da nulidade da sentença – Questão elencada em A) – o M.mo Juiz a quo não fez constar da parte dispositiva da sentença, a pronúncia quanto aos pedidos formulados em g) e h) – reconhecimento do direito de propriedade, embora se lhe refira no 1.º Parágrafo de fl.s 219, inculcando a ideia de que tal direito não poderia ser, neste momento, reconhecido aos autores, porquanto ainda não existia aceitação da herança.

Efectivamente assim é, em conformidade com o disposto nos artigos 2046.º e 2050.º, ambos do Código Civil.

Assim, têm de improceder os pedidos formulados nas alíneas g) e h) do petitório dos autores.

No entanto, tal não afecta a legitimidade dos autores para impugnar os registos efectuados com base na escritura de habilitação de herdeiros outorgada a pedido da ré EE.

Como decorre do disposto no artigo 8.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, a impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respectivo registo e o seu artigo 36.º, confere legitimidade para pedir o registo, ou a sua ineficácia, aos sujeitos activos ou passivos, da respectiva relação jurídica e, em geral, a todas as pessoas que nele tenham interesse.

Por outro lado, como se refere no Acórdão do STJ, de 10/9/2020 (citado na decisão recorrida) Processo n.º 3379/18.4T8LRS.L1.S1, disponível no respectivo sítio do Itij, a questão da nulidade do registo, não obstante o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, pode ser invocada numa acção declarativa, com o objectivo de atacar a presunção derivada do seu artigo 7.º, na medida em que visa apurar a veracidade dos actos que subjazem ao registo.

Ora, os autores, na qualidade de herdeiros/legatários de HH, têm interesse na fidedignidade do registo que incide sobre os bens legados, o qual pressupõe a definição dos herdeiros daquela, o que, por sua vez, depende da veracidade/inveracidade dos factos que subjazem à referida escritura de habilitação de herdeiros.

Pelo que, quanto a esta questão procede, parcialmente (quanto aos pedidos formulados em g) e h)) o recurso; improcedendo quanto ao demais (questão da falsidade das declarações prestadas na escritura de habilitação supra referida e cancelamento dos registos).

D – Se, analisando o testamento outorgado por II a favor de HH, se deve concluir que este quis que os bens que compunham a sua herança não passassem para a titularidade do seu cônjuge e se esta, ao assumir o usufruto da herança, aceitou o legado nele referido.

No que a esta questão respeita, defendem os recorrentes que, inequivocamente, o II pretendeu afastar o seu cônjuge, HH, à sua sucessão legitimária, para o que fez incluir no testamento que elaborou, o legado em substituição da legítima e tendo esta aceite tal legado, os bens que constituíam a sua herança transmitiram-se para os réus.

A instituição de legado em substituição da legítima, como meio de um dos cônjuges afastar o outro da sucessão legitimária, está consagrada no artigo 2165.º, do Código Civil, de acordo com o qual:

“1- Pode o autor da sucessão deixar um legado ao herdeiro legitimário em substituição da legítima.

2 – A aceitação do legado implica a perda do direito à legítima, assim como a aceitação da legítima envolve a perda do direito ao legado.

3 – Se o herdeiro, notificado nos termos do n.º 1 do artigo 2049.º, nada declarar, ter-se-á por aceite o legado.”

Está assente que não se lançou mão da faculdade de notificação de HH, nos termos previstos no seu n.º 3, pelo que, resta a possibilidade de a mesma o ter aceite tacitamente, sendo, quanto a tal, desde logo de ter em consideração que nos termos do disposto no artigo 2056.º, n.º 3, do Código Civil, os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança.

Como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, a pág.s 267/8, há que conciliar “a vontade presuntiva do testador com a liberdade de aceitação do chamado”, pelo que se exige “por um lado, que a aceitação do legado … implica a perda da legítima, tal como a aceitação da legítima … envolve a perda do direito ao legado”.

Concluindo que no caso de legado em substituição da legítima, que a sua eficácia depende da vontade do herdeiro legitimário, quando ali afirmam que “cuja eficácia ou resultado final a lei coloca na inteira dependência da vontade do herdeiro legitimário”.

Como ensina José de Oliveira Ascensão, in Direito Civil Sucessões, Coimbra Editora, pág.s 353/4, no caso de legado em substituição da legítima “… o legitimário não recebe a legítima, preenchida embora desta ou daquela maneira: recebe um legado, em que se esgotará toda a sua posição”, acrescentando que “… o legislador continua a exigir a aceitação para a eficácia desta forma de satisfação da legítima”.

Concluindo que o normal será a aceitação do legado, mediante a notificação a que se alude no artigo 2049.º - que, reitera-se, no caso em apreço, não ocorreu.

Também R. Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, Coimbra Editora, 1978/80, a pág. 79, refere que no caso de legado em substituição da legítima “… a eficácia de tal deixa está dependente da aceitação expressa ou tácita do herdeiro legitimário, que pode declarar expressamente que repudia o legado, ou aceitar a legítima perdendo o direito ao legado (…) só se tendo por aceite o legado, fora dos casos de aceitação expressa e do repúdio expresso ou tácito, caso o herdeiro seja notificado nos termos do n.º 1 do artigo 2049 do Código Civil e nada declarar”.

Por último, Remédio Marques, in Legados em Substituição de Legítima …, Boletim da FDUC, Vol. LXXVII, 2001, pág.s 211 e seg.s , conclui que (pág. 281) a vontade de recusa das legítimas, tem de assentar na aceitação dos legados em substituição da legítima, de forma expressa ou tácita.

Ora, atento a que não houve aceitação expressa, resta aferir se houve aceitação tácita, sendo que esta, cf. artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil é a que “se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam”.

Como ensinou Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1983, a pág. 132 “… a chamada univocidade dos facta concludentia, na declaração tácita, se afere por um critério prático, empírico e não por um critério lógico. Existirá ela sempre que, conforme os usos da vida, haja quanto aos factos de que se trata toda a probabilidade de terem sido praticados com dada significação negocial (aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões) – ainda que porventura não esteja precludida a possibilidade de outra significação”.

Também, Rui de Alarcão, in A Confirmação Dos Negócios Anuláveis, Vol. I, Atlântida Editora, 1971, a pág.s 191 a 193, adere aos ensinamentos de Manuel de Andrade, falando em “procedimento concludente, em fatos concludentes e inequívocos”.

Como se refere no Acórdão do STJ acima referido “… a aceitação, como manifestação de vontade positiva, pode ser expressa (o que pressupõe a elaboração de um documento escrito, não estando sujeita à forma exigida para a alienação da herança) ou tácita (inferindo-se do comportamento do sucessível), conforme resulta da lei substantiva – artigo 2056.º do Código Civil – importando sublinhar que o enquadramento jurídico de aceitação expressa e tácita da herança deve retirar-se a partir das noções gerais contidas no art.º 217.º do Código Civil, daí que se deva entender como aceitação tácita da herança a manifestação de vontade que se deduz de simples factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.

Ora, como se concluiu na sentença recorrida, inexistem quaisquer factos que, de qualquer forma, quanto mais inequivocamente, comprovem que a viúva de II tenha aceite o legado em substituição da legítima, o qual, por isso, é ineficaz, pois que, como acima referido, a eficácia de tais legados é colocada na inteira disponibilidade e/ou vontade do herdeiro legitimário – cf. artigo 2165.º do Código Civil.

Aliás, os factos provados apontam precisamente em sentido contrário, pois que a HH, a partir da morte do marido, continuou a fruir de tais bens, como anteriormente o fazia, com a aparência/significado que o fazia como exclusiva proprietária de tais bens, habitando a casa, fazendo obras, com a convicção de não ofender direitos de terceiros, tudo como melhor consta do que se alegou nos artigos 21.º a 25.º da p.i. e que, como tal, foram (tais factos) dados como provados.

Assim sendo e não obstante fosse intenção de II que a sua esposa,  renunciasse à legítima e à herança daquele, aceitando tal legado, o facto é que em virtude de a mesma o não ter aceite, tal legado perdeu toda a eficácia, sendo a sua viúva, à morte do referido II, chamada à totalidade da herança, cf. artigo 2144.º do Código Civil e, por conseguinte, passou a poder dispor da totalidade dos bens que ingressaram no seu património, incluindo os que herdou por óbito do seu marido, pelo que falece toda a argumentação expendida pelos recorrentes em sentido contrário deste.

Assim, improcede esta questão do recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se declaram improcedentes os pedidos formulados pelos autores nas alíneas g) e h), do seu petitório, deles absolvendo os réus e;

Mantendo, quanto a tudo o mais, a decisão recorrida.

Custas, a cargo dos apelantes e dos apelados, na proporção de 80% e 20%, respectivamente, em ambas as instâncias.

Coimbra, 12 de Abril de 2023.