Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
262/12.0TBSRE-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.814 Nº2 CPC, 20, 202 CRP, DL Nº 226/2008 DE 20/11, DL Nº 269/98 DE 1/9
Sumário: O nº 2, do art. 814,º do CPC, na redacção dada pelo DL 226/2008, de 20.11, ao mandar aplicar o disposto no nº 1 do mesmo artigo, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, assim limitando os fundamentos invocáveis como se de uma sentença se tratasse, não enferma de inconstitucionalidade por violação dos art.ºs. 20º, nº 1 e 4, e 202º, nº 2, da CRP.
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. C (…) Lda, com sede em Ansião, apresentou requerimento de injunção contra A (…) e marido R (…), residentes em Soure, com base em contrato de empreitada. Foi aposta a fórmula executória, em tal requerimento.

Após, aquela moveu execução a estes, com base em tal injunção, para pagamento da quantia de 14.038,46 €.

Vieram, então, os executados deduzir oposição à execução. Principiaram por invocar a inconstitucionalidade do artigo 814º, nº 2 do CPC, ao restringir os fundamentos da oposição aos consignados no nº 1 do descrito normativo, equiparando a injunção à sentença, alegando que tal equiparação contende com as garantias de defesa, com as exigências constitucionais do processo equitativo, bem como a reserva de juiz. Alegaram, também, não ser devida a quantia exequenda.

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Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a oposição.

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2. Os oponentes/executados interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

II – Factos Provados

Os factos provados são os que constam do relatório.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Inconstitucionalidade do art. 814º, nº 2, do CPC.

2. A decisão de indeferimento liminar do tribunal recorrido assentou na consideração de que “Assim, sendo nosso entendimento que o artigo 814.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, não enferma de inconstitucionalidade, e uma vez que os fundamentos invocados não se ajustam ao estabelecido no n.º 1 do citado normativo, indefiro liminarmente a oposição à execução apresentada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 814.º e 817.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Civil”. É de realçar que no caso em apreço quer o requerimento de injunção quer a aposição da fórmula executória ocorreram em 2012, por isso, já em plena vigência do citado artigo e nº 2, na redacção do dito DL 22672008.

Desde logo, há que sublinhar que, ao contrário do que afirmam os apelantes na sua 1ª conclusão, a lei não procede a uma equiparação entre a sentença e a injunção, antes, faz aplicar às injunções, com as necessárias adaptações, os fundamentos da oposição à execução baseada em sentença.

A questão que nos é posta no presente recurso tem sido objecto de querela, perfilando-se duas posições.

A dos apelantes, que defende a inconstitucionalidade do art. 814º, nº 2, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 226/2008, de 20.11, e que se louva nos Acds. desta Relação de 13.12.2011, Proc.1506/10.9T2OVR, e de 3.7.2012, Proc.19664/11.3YYLSB, ambos em www. dgsi.pt.

E a contrária que perfilha a constitucionalidade de tal dispositivo.

Enfileiramos nesta última posição. Na realidade, não se nos afigura que tal normativo, combinado com o regime da injunção, postergue as garantias da defesa, e consequentemente viole o art. 20º da Const. Rep. Portuguesa.

Apresentado requerimento de injunção, o requerido é notificado, ao abrigo do DL 269/98, de 1.9, que instituiu o regime legal da injunção, nos termos do respectivo art. 13º, nº 1, c), onde se dispõe que a notificação deve conter a indicação de que na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, será aposta fórmula executória ao requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar acção executiva. É uma disposição semelhante à que regula a citação no processo declarativo, prevista no art. 235º, nº 2, do CPC, onde se impõe que na citação do réu deve o mesmo ser informado das consequências da sua eventual revelia.

Assim, no caso da injunção o requerido fica advertido que no caso de não pagar ao requerente ou não deduzir oposição a sua atitude será cominada com a aposição da fórmula executória e do consequente direito do requerente a intentar execução contra si.    

Porém, se o requerido deduzir oposição é-lhe facultado o acesso a um processo contraditório, com intervenção judicial, nos termos previstos nos arts. 16º, nº 1, e 17º, nº 1, do referido DL 269/98, onde se poderá amplamente defender.

Os ora oponentes foram notificados na mencionada injunção, e nada fizeram, como reconhecem no recurso que agora interpuseram. Pelo que foi aposta a respectiva fórmula executória, a que se seguiu a execução proposta pela ora apelada. Esteve na exclusiva disponibilidade dos oponentes suscitarem a apreciação jurisdicional do litígio, defendendo-se como entendiam, e assim obstando a que fosse conferida força executória ao requerimento de injunção, pelo que não o tendo feito, no momento próprio, ficou precludido o seu direito de se defenderem largamente.

Justamente partindo desta possibilidade de oposição e contradição, a lei salvaguardou a oposição à execução baseada em injunção, com os fundamentos previstos no nº 1 do art. 814º do CPC, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido (cfr. nº 2, do mesmo preceito), como ocorreu no caso em apreço.  

Do exposto, resulta que os apelantes foram avisados da consequência da sua conduta, caso não pagassem ou deduzissem oposição, e tiveram a possibilidade de contestar o requerido e de se defenderem latamente. Se não o fizeram foi porque assim o entenderam. Não se descortina, assim, qualquer violação das garantias de defesa, ou das exigências constitucionais do processo equitativo, não tendo sido violado o dito art. 20º, nº 1 e 4, da C.R.P. na sua vertente do princípio basilar da proibição da indefesa. Os apelantes tiveram a oportunidade de aceder aos tribunais e à tutela jurisdicional mas não o fizeram, devendo suportar as consequências legais respectivas da sua opção.

Aliás, no recente Ac. desta Relação, de 13.11.2012, Proc.1175/08.6TBCNT, em www.dgsi.pt, (que subscrevemos como 1º adjunto, e em que foi 2º adjunto o actual 1º adjunto) dissertou-se neste mesmo sentido.
E aí também se assinalou que “o que releva para a aferição da conformidade com o princípio da proibição da indefesa não é o critério formal da qualidade do título executivo (decisão judicial), mas antes o critério substancial do processo da sua formação. Não é por o título executivo ser uma sentença que se não admite a apreciação da obrigação exequenda, mas sim porque essa apreciação já se mostra feita (ou houve a possibilidade de ser feita). Daí que se não possa extrair a regra de que só os títulos executivos judiciais excluem a possibilidade de discutir a obrigação exequenda em sede de oposição… pois que nada impede a existência de outros títulos executivos (criados segundo os poderes de conformidade do legislador) onde no seu processo de formação seja conferida ao devedor a possibilidade de levar a questão à apreciação de um juiz. O que é, precisamente o caso da injunção…”.

Foi, também, assim que se decidiu nos Acds. da Rel. de Lisboa, de 14.6.2011, Proc.2489/09.3TBBRR e de 6.12.2011, Proc.447/10.4TBLSB, da Rel. Porto de 2.2.2012, Proc.819/09.7TBVRL, de 5.7.2012, Proc.4861/11.0YYPRT, e de 11.10.2012, Proc.1014/11,0TBSTS, da Rel. de Guimarães de 25.2.2011, Proc.6710/09.0TBBRG, de 29.11.2011, Proc.3582/09.8TBVCT, e de 24.4.2012, Proc.1487/11.1TBBRG, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e opina Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª Ed., pág. 325.

Acresce que, como bem se nota na decisão recorrida, e se deixou dito no citado Ac. da Rel. Guimarães de 25.2.2011, a adopção de entendimento diverso do perfilhado pelo legislador, na nova redacção dada ao citado art. 814º, nº2, frustraria os fins e os princípios subjacentes à institucionalização do regime nacional de injunção.”, pois dar-se-ia, em entendimento diverso, uma segunda oportunidade aos requeridos para, agora como executados, de novo alegar defesa substantiva que podiam ter invocado no momento próprio, sem quebra, nessa altura, das suas garantias de defesa.
Semelhante entendimento se deixou exarado no referido Ac. desta Rel. de 13.11.2012. onde se colocou a interrogação de que “Que interesse teria o credor em lançar mão do procedimento de injunção se depois, na execução, o executado poderia fazer voltar tudo «à estaca zero»? Seria então preferível intentar primeiro uma acção declarativa, nos termos do art. 1º do referido DL e depois, com a sentença aí proferida, instaurar a acção executiva. E qual seria o incentivo ao recurso à injunção, proclamado pelo legislador no preâmbulo do DL 269/98, se a aposição da dita fórmula não impedisse que na subsequente acção executiva o executado invocasse como defesa fundamentos que podia ter arguido no âmbito do procedimento de injunção? E que desjudicialização, também ali anunciada pelo legislador…?”.

Como assim, a sua defesa no presente está restringida aos fundamentos taxativos previstos no art. 814º, nº 1, do CPC, fundamentos esses que se mostram extravasados na defesa que os apelantes apresentaram.

Entretanto foi publicado no DR, 2ª Série, de 31.10.2012, o Ac. do Trib. Constitucional 437/2012, Proc.656/11, que decidiu julgar “inconstitucional a norma contida no artigo 814.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de “limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória”.

Apesar do respeito que nos merece tal decisão, atendendo à sua autoridade, não cremos que seja de seguir, porquanto, lido o cerne da sua fundamentação, ao fazer-se valer da fundamentação constante do Ac. 658/2006 (DR 2ª Série, de 9.1), do mesmo tribunal, acaba por se ater aos fundamentos perfilhados pela corrente jurídica contrária aquela que defendemos.

Não merece censura, pois, a decisão recorrida.   

3. Sumariando (art. 713, nº 7, do CPC):

i) O nº 2, do art. 814,º do CPC, na redacção dada pelo DL 226/2008, de 20.11, ao mandar aplicar o disposto no nº 1 do mesmo artigo, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, assim limitando os fundamentos invocáveis como se de uma sentença se tratasse, não enferma de inconstitucionalidade por violação dos art.ºs. 20º, nº 1 e 4, e 202º, nº 2, da CRP.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pelos apelantes/oponentes.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro