Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2510/15.6T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE
SUCESSÃO
BANCO DE PORTUGAL
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 53, 54 CPC, 145C, 145G RGICSF
Sumário: 1. A legitimidade das partes determina-se, na acção executiva, em regra, no confronto entre as partes e o título executivo - têm legitimidade como exequente e executado quem no título figura, respectivamente, como credor e como devedor (art.º 53º do CPC).
2. Contudo, poderá o exequente lançar mão do art.º 54º, n.º 1 do CPC, e, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, intentar a execução contra o sucessor do devedor devendo, para o efeito, alegar os factos constitutivos da sucessão no requerimento executivo.

3. Considerando que à data das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e 11.8.2014, relativas à aplicação da medida de resolução ao BES e à criação do Novo Banco - e em que se determinou a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES para o Novo Banco - a exequente não era titular de uma decisão condenatória definitiva contra o BES (atribuindo e fixando indemnização por danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes) e que a condenação apenas se tornou definitiva em data não anterior a Dezembro/2014, tal dívida/responsabilidade do BES constituía um passivo desconhecido por não consolidado ou constituído em 03.8.2014, pelo que não foi transferido para o Novo Banco (tal responsabilidade sempre esteve excluída dos passivos que transitaram do BES para o Novo Banco).

Decisão Texto Integral:









           
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           

           

            I. Em 14.5.2015, por apenso à execução movida por F (….) contra Novo Banco, S. A., foram deduzidos embargos de executado e oposição à penhora, requerendo-se a absolvição do pedido e o consequente levantamento da penhora efectuada nos autos e a extinção da execução.

            Alegou, em síntese, que é parte ilegítima na execução por não figurar na sentença que constitui título executivo e que a penhora incidiu sobre bens que não respondem pela dívida exequenda.

            A exequente contestou, alegando, nomeadamente:

            - As normas de resolução do Banco de Portugal (BdP) bem como o disposto no art.º 145º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), no caso em apreço, considerando os seus n.ºs 9 e 11, ditaram a sucessão legal imediata da executada/embargante na posição do BES, sem necessidade de qualquer outra formalidade.

            - O crédito da exequente não ficou compreendido no âmbito das exclusões de activos e passivos objecto das Deliberações do Conselho de Administração do BdP de 3 e 11.8.2014.

            - A sentença que aqui se executa condenou o BES por responsabilidade civil extracontratual, nada tendo a ver com a exclusão contida no Anexo 2, alínea b) da Deliberação do BdP de 03.8.2014, ponto (v).

             Concluiu pela legitimidade da embargante e a improcedência dos embargos e pediu a sua condenação como litigante de má fé.

            Foi realizada audiência prévia.

            Entendendo estar em condições de conhecer imediatamente do mérito da causa, o Tribunal a quo, por saneador-sentença de 03.3.2017, julgou os embargos procedentes e, em consequência, determinou a extinção da execução.

            Inconformada, a exequente apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - A sentença sob recurso erra quando decide pela ilegitimidade do embargante, Novo Banco, quando este, à data da execução, era o responsável pela dívida que o BES tinha para com a embargada.

            2ª - Essa responsabilidade operou-se pela deliberação do Banco de Portugal vigente à data desta execução, que tinha a redacção dada pela versão de 11.8.2014, que dispunha que para o embargante passavam todos os activos e passivos.

            3ª - Excepcionando dos passivos aqueles que fossem detidos por pessoas com especiais relações com o BES/GES, o que não era o caso da embargada.

            4ª - Excepcionando os que, transcrevendo o ponto (v) do anexo 2, constituam “Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” expressão na qual não se inclui o crédito da embargada que deriva de responsabilidade civil extracontratual do transmissor.

            5ª - E, por ser assim, a exequente executou essa sentença contra o então devedor.

            6ª - O risco do processo foi ponderado pelo BES provisionando-o nas contas de 2011 e tratando-se de uma sentença, o valor condenatório foi necessariamente provisionado pelo NOVO BANCO quando em 2015 foi citado.

            7ª - Aliás, à data da transmissão passaram para o NOVO BANCO os activos do BES e foram aí injectados mais 4,9 mil milhões de euros a título de capital - que se destinavam, também, a garantir o pagamento da responsabilidade do BES perante a embargada/recorrente.

            8ª - É manifesto que o embargante era, à data da instauração da execução parte legítima em virtude da deliberação vigente do Banco de Portugal, sendo certo que esta instância estabilizou-se quanto aos sujeitos processuais em Abril/2015 – art.º 260º CPC (norma violada).

            9ª - Face a esta estabilização da instância não pode o Tribunal aplicar cegamente a posterior deliberação do Banco de Portugal de Dezembro como fez.

            10ª - Este crédito (e este processo) não só não consta dos anexos dessa deliberação como nada afectam a manutenção do Novo Banco como responsável pelo pagamento.

            11ª - Já não se trata de um crédito litigioso porque se executa uma sentença judicial transitada em julgado (e a embargante não o discute na sua substância e amplitude), pelo que está fora do perímetro de retransmissão.

            12ª - Se a embargante entendia que por via dessa deliberação, proferida após a estabilização da instância, a sua situação como parte se alterou (interpretando este débito como um crédito litigioso da embargada) tinha o dever de o ter suscitado nos autos como facto superveniente que ditava a sua posterior “ilegitimidade”.

            13ª - E com isso trazer aos autos quem, na sua tese, lhe sucedeu – tudo conforme o disposto no art.º 263º do CPC (norma violada).

            14ª - Concluindo-se que a embargante é parte legítima nesta execução.

            15ª - Mesmo que assim não se entenda, ao condenar a embargada nas custas do processo com base no teor da deliberação proferida já após a estabilização da instância a sentença recorrida viola o disposto no art.º 536º do CPC.

            A executada respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir, principalmente, se a dita dívida do BES passou a integrar o universo das responsabilidades que, no âmbito da aludida resolução, vieram a ser transmitidas para a executada.  


*

            I. 1. Para a decisão do recurso releva ainda a seguinte factualidade:

            a) Na acção declarativa ordinária instaurada pela exequente contra Banco Espírito Santo, S. A., e outra, por sentença do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu foi a 1ª demandada condenada a pagar à A. a quantia de € 31 500 (correspondente às parcelas de € 13 000 + € 8 500 + € 10 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, respectivamente), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos.

            b) Por acórdão desta Relação de 11.11.2014, transitado em julgado, foi julgada totalmente improcedente a apelação da 1ª demandada e parcialmente procedente a apelação subordinada da A., que tiveram por objecto a referida sentença, revogando-se parcialmente o decidido quanto à compensação pelos danos não patrimoniais que se fixou em € 25 000, montante em que, acrescida de juros à taxa legal desde a data desse acórdão até integral pagamento, se condenou a 1ª demandada, mantendo-se em tudo o mais o decidido em 1ª instância.

            c) A execução (fundada em sentença) dos autos principais foi instaurada em Abril/2015.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor (art.º 53º, n.º 1 do Código de Processo Civil/CPC[1], sob a epígrafe “legitimidade do exequente e do executado”). Se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título (n.º 2).

              Porém, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão (art.º 54º, n.º 1, sob a epígrafe desvios à regra geral da determinação da legitimidade”).[2]

            3. A legitimidade das partes determina-se, na acção executiva, em regra, no confronto entre as partes e o título executivo – têm legitimidade como exequente e executado quem no título figura, respectivamente, como credor e como devedor (art.º 53º).

            A regra geral da legitimidade para a acção executiva carece de ser adaptada nos casos de sucessão e de título ao portador, sendo que quando tenha ocorrido sucessão, singular ou universal, na titularidade da obrigação, quer do lado activo, quer do lado passivo desta, a execução deve ser promovida por ou contra os sucessores da pessoa que, como credor ou devedor, figura no título, pelo que o exequente deve, no próprio requerimento para a execução, alegar os factos constitutivos da sucessão (art.º 54º, n.º 1).

            É assim dispensado o incidente de habilitação no caso de sucessão ocorrida antes da propositura da acção executiva, ainda que tal não dispense o exequente de, liminarmente, provar os factos constitutivos que alega.[3]

            4. Assim, face ao teor do título dado à execução - uma sentença onde a exequente figura na posição de credora e o Banco Espírito Santo, S. A. (BES) na posição de devedor - e atento o preceituado no art.º 53º[4], a execução deveria ser proposta pela exequente contra o BES.

            Contudo, poderia a exequente lançar mão do art.º 54º, n.º 1, e, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, intentar a execução contra o sucessor do devedor devendo, para o efeito, alegar os factos constitutivos da sucessão no requerimento executivo.

            Verifica-se que a exequente não o fez, porquanto moveu a execução contra Novo Banco, S. A., e nada disse quanto à pretensa sucessão da devedora (que figura no título executivo) para a executada, pelo que, em princípio, deveria a execução ser liminarmente indeferida, por falta de legitimidade da executada (cf. os art.ºs 726º, n.º 2 e 729º).

            5. Opondo-se a este entendimento, a exequente veio alegar que a executada é parte legítima por aplicação do disposto nos art.ºs 145º-C e 145º-G do RGICSF e das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 e 11.8.2014, que ditaram a sucessão legal imediata da executada na posição do BES, sem necessidade de qualquer outra formalidade

            Ante tal perspectiva que se pretende ter validado/justificado a questionada actuação processual, importa assim analisar e ponderar o que subjaz a tal argumentação.

            6. Quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução[5], se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145º-A: a) Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição (art.º 145º-C, n.º 1, do RGICSF, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31.12, na redacção da Lei n.º 16/2015, de 24.02).

            O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa (art.º 145º-G, n.º 1 do RGICSF, na redacção conferida pela Lei n.º 16/2015, de 24.02). O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior (n.º 2). O banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respectivos estatutos, não se aplicando o disposto no capítulo II do título II (n.º 5). Após a deliberação prevista no número anterior, o banco de transição fica autorizado a exercer as actividades previstas no n.º 1 do artigo 4º (n.º 6). O Banco de Portugal desenvolve por aviso as regras aplicáveis aos bancos de transição (n.º 9). Compete ao Banco de Portugal, sob proposta da comissão directiva do Fundo de Resolução, nomear os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do banco de transição, que devem obedecer a todas as orientações e recomendações transmitidas pelo Banco de Portugal, nomeadamente relativas a decisões de gestão do banco de transição (n.º 11).[6]

            7. Diz a embargante/recorrida que a executada não sucedeu ao BES na relação material subjacente ao crédito exequendo.

            Sabendo-se que a matéria não é isenta de dificuldades, afigura-se, no entanto, que a situação dos autos deverá ser decidida em conformidade com o entendimento que vem sendo defendido na doutrina e na jurisprudência relativamente ao procedimento de resolução em causa (de 03.8.2014 – em que se determinou, além do mais, a Constituição do Novo Banco, S. A. e a Transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S. A., para o Novo Banco, S. A) e ao conteúdo das correspondentes deliberações do BdP.

            8. Decorre das mencionadas deliberações:

            - Nos termos do ponto v) da alínea b) do “Anexo 2” (à deliberação do BdP de 03.8.2014 que determinou a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES, S. A., para o Novo Banco, S. A.) com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11.8.2014[7], foram excluídos os passivos relativos a quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.[8]

            - Dispondo o BdP do poder de determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o designado “Poder de Retransmissão”, previsto no Cap. III do Título VIII do RGICSF)[9], na clarificação operada pela Deliberação do BdP de 29.12.2015 sobre “Contingências” (com as rectificações formais aprovadas em 12.01.2016) foi aduzido como fundamento (para a clarificação e para o exercício do Poder de Retransmissão), designadamente: «7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES. (…) 9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera (…) todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (…). 12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efectuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o “perímetro de transferência”), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência. 13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição. 14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado. (…) 18. Decisões de tribunais que, directa ou indirectamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e eficácia da medida de resolução.»

            - Daí que, clarificando, se tenha então deliberado «(…) que, nos termos da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 03 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;» e bem assim, e designadamente, verificando-se «(…) terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo banco para o BES, com efeito às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014».

            9. In casu, podemos concluir, por um lado, que a titularidade do crédito exequendo e a (i)legitimidade passiva constituíram ab initio as questões controvertidas dos autos e, por outro lado, ante a operada resolução e as mencionadas deliberações do BdP, que a situação passiva (responsabilidade) objecto da presente execução não se transmitiu para o Novo Banco, S. A., antes se manteve na esfera jurídica do BES, S. A. (por força da medida de resolução aplicada pelo BdP e das respectivas deliberações que mantiveram na sua esfera de contingências a responsabilidade dada à execução nos presentes autos).

            Ademais, as deliberações do BdP apenas podem ser sindicadas/impugnadas na Jurisdição Administrativa [cf. os art.ºs 145º-AR do RGICSF/aditado pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3; 4º, n.º 1, alínea b) do ETAF e 39º da LOBP (na redacção dada pelo DL n.º 118/2001, de 17.4], donde não se encontra sequer na disponibilidade das instâncias comuns aquilatar da validade/nulidade da decisão do BdP relativamente à clarificação do perímetro das responsabilidades que se mantiveram/foram retransmitidas para o BES.[10]

            10. Atendendo à matéria de facto disponível conjugada com o teor das referidas deliberações do BdP, antolha-se inequívoco que, pelo menos, desde a clarificação efectuada pela referida deliberação de 11.8.2014 (ou seja, desde data anterior à da instauração da presente execução), a dívida/responsabilidade aqui em apreço constituía um passivo desconhecido por não consolidado ou constituído em 03.8.2014 [cf. II. 1. b), supra], pelo que não foi o crédito da exequente sobre o BES transferido para a executada - a responsabilidade em apreço sempre esteve excluída dos passivos que transitaram do BES para o Novo Banco, S. A..[11]

            Assim, mesmo admitindo que a exequente ainda poderia vir em sede de embargos completar a alegação em falta no requerimento executivo, sempre a executada seria parte ilegítima, por não estar comprovada a sucessão da devedora para a executada.

            11. Porque não era possível afirmar a legitimidade da executada na data da instauração da presente acção executiva (Abril/2015), ilegitimidade (adjectiva e substantiva) que se mantém, não há lugar à “repartição das custas” prevista no art.º 536º, n.º 1 e 2, alínea a).

            12. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.  

            Custas pela embargada/apelante.        


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24.10.2017

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço



[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.

[2] Preceituam os restantes n.ºs do mesmo art.º: A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor (n.º 2). Quando a execução tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da acção executiva contra o devedor, que é demandado para completa satisfação do crédito exequendo (n.º 3). Pertencendo os bens onerados ao devedor, mas estando eles na posse de terceiro, pode este ser desde logo demandado juntamente com o devedor (n.º 4).
[3] Vide, nomeadamente, J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 141 e seguintes.
[4] Não sendo aplicável à situação dos autos o disposto no art.º 55º, que assim reza: “A execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado.”
[5] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[6] Era idêntico o regime instituído, originariamente, pelo DL n.º 31-A/2012, de 10.02: O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa (n.º 1). O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior (n.º 2). O banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respectivos estatutos, não se aplicando o disposto no capítulo ii do título ii (n.º 5). Após a deliberação prevista no número anterior, o banco de transição fica autorizado a exercer as actividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º (n.º 6). O Banco de Portugal define, por aviso, as regras aplicáveis à criação e ao funcionamento dos bancos de transição (n.º 9). Compete ao Banco de Portugal, sob proposta da comissão directiva do Fundo de Resolução, nomear os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do banco de transição, que devem obedecer a todas as orientações e recomendações transmitidas pelo Banco de Portugal, nomeadamente relativas a decisões de gestão do banco de transição (n.º 11).
[7] Que teve por objecto a clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES, S. A., transferidos para o Novo Banco, S. A..
[8] O mesmo ponto (v), na versão original da deliberação de 03.8.2014, encontrava-se assim redigido: “Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais”.

[9] Consta do ponto 4. da deliberação do BdP de 29.12.2015/”Contingências”: «4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da actividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no capítulo (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.»

   Esse poder pode exigir afinações e correcções, seja no sentido de esclarecer dúvidas quanto aos elementos transmitidos do banco intervencionado para o banco de transição, seja procedendo-se a novas transmissões para o banco de transição ou revertendo, para o banco alvo da medida de resolução, direitos ou obrigações que haviam sido transferidos para o banco de transição – posto que tais decisões se harmonizem com os critérios inicialmente definidos aquando da deliberação de aplicação da medida (cf. n.º 5 do art.º 145º-Q, na redacção introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3) – cf. o acórdão da RL de 06.7.2017-processo 6961/16.0T8LSB.L1-2, publicado no “site” da dgsi.
[10] Perfilhando idêntico entendimento, cf., de entre vários, os acórdãos da RL de 07.3.2017-processo 48/16.3T8LSB-L1-7 [tendo-se concluído, designadamente: «VIII. A transferência de ativos e passivos feita pelo BdP para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, foi condição “sine qua non” do êxito da medida porquanto, sem tal transferência seletiva, o risco sistémico ficaria incólume (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).»], 26.4.2017-processo 35924/15.1T8LSB-7, 11.5.2017-processo 2471/16.4T8LSB-2 [com o seguinte sumário: «III. A eventual responsabilidade indemnizatória do BES, não foi transferida para o NB, por força da subalínea (v) da alínea (b) [do n.º 1] do anexo 2 da deliberação do BdP de 03/8/2014. IV. A eventual obrigação contratual do BES inerente às acções preferenciais vendidas por seu intermédio à autora, que estavam numa conta desta no BES, a existir, teria sido transferida para o NB com a resolução do BdP de 03/8/2014; mas, sendo esse o caso, ela teria depois sido retransferida para o BES pela declaração do BdP de 29/12/2015, no uso dos poderes de que o BdP dispõe como autoridade de resolução.»], 29.6.2017-processo 34398/15.1T8LSB.L1-2 [onde se refere: «7. Um banco de transição, deve ser considerado, como sucessor nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária, no caso de os mesmos não terem sido excluídos da transferência deste para aquele, por Deliberação do Banco de Portugal, entidade competente para determinar essa medida de resolução.»], 06.7.2017-processo 6961/16.0T8LSB.L1-2 [aresto que nos dá conta do enquadramento e razão de ser das mais significativas alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) ocorridas desde 2012 (DL n.º 31-A/2012, de 10.02), constando do respectivo sumário: «VI. A deliberação emitida pelo Banco de Portugal em 03.8.2014, que aplicou ao BES a medida de resolução descrita nos autos, criando um veículo de transição consubstanciado no 2.º R. (Novo Banco), para quem se transferiram parte dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, mostra-se, conforme consta na respetiva fundamentação, sustentada em razões de interesse público, visando evitar, face às perdas e prejuízos apresentados pelo banco, o risco sistémico de corrida aos depósitos numa instituição bancária com o peso institucional do BES, com as consequências daí advenientes para a estabilidade do sistema financeiro e para a economia nacionais. VII. Na configuração em concreto da medida de resolução, nomeadamente na determinação dos ativos e dos passivos que se transferem para a instituição de transição e os que permanecem na instituição objeto de resolução, o Banco de Portugal atua de forma não arbitrária, mas discricionária, movido pelo intuito de atingir o máximo de eficácia face aos fins tidos em vista (princípio da eficácia administrativa), que são os consignados na lei (princípio da legalidade). VIII. In casu, nos termos das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e de 29.12.2015, o crédito do A., assente em alegada atuação ilícita e culposa do BES no âmbito do seu relacionamento com o A., seu cliente, enquanto banco e intermediário financeiro, traduzida na alienação de ações preferenciais de uma “off-shore” detida e controlada pelo BES, não se transferiu para o Novo Banco.»], publicados no “site” da dgsi.
   Na doutrina, veja-se, principalmente, Ana Mafalda C. N. de Miranda Barbosa, A propósito do caso BES: algumas notas acerca da medida de resolução, in “Direito Civil e Sistema Financeiro”, Principia, 2016, ao salientar, nomeadamente, que na configuração em concreto da medida de resolução, nomeadamente na determinação dos activos e dos passivos que se transferem para a instituição de transição e os que permanecem na instituição objecto de resolução, o BP actua de forma não arbitrária, mas discricionária, movido pelo intuito de atingir o máximo de eficácia face aos fins tidos em vista (princípio da eficácia administrativa), que são os consignados na lei (princípio da legalidade) (págs. 26 e seguinte) e que «se todos os ativos e passivos fossem transmitidos para a instituição de transição (…), teríamos de concluir que de nada serviria a atuação saneadora do Banco de Portugal. Operar-se-ia uma modificação subjetiva global das relações jurídicas tituladas pela instituição financeira, à qual sucederia uma outra entidade que passaria a experimentar as mesmíssimas dificuldades que determinaram a resolução. Por outro lado, a não-transmissibilidade vem dar cumprimento à ideia de que serão os acionistas, em primeiro lugar, e os credores, em segundo lugar, aqueles que devem suportar as perdas.» (ibidem, pág. 97).
   Também se dirá que não se aplica à situação dos autos o sufragado no acórdão da RC de 15.12.2016-processo 6906/15.5T8VIS.C1, invocado pela recorrente/exequente [A questão submetida a recurso consistia em saber se a Deliberação do BdP de 29.12.2015 (na pendência da acção) implicava a extinção da instância declarativa, por impossibilidade da lide, tendo-se concluído: «II - Demandando os Autores o Novo Banco SA (com base na Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014) onde pedem a anulação do negócio de subscrição de aplicações financeiras, anteriormente celebrado com o BES, e reclamam uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, a Deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015 (emitida na pendência da causa) que retransmitiu para a instituição de crédito originária (BES) determinados activos e passivos, entre os quais e expressamente o crédito exercido pelos Autores neste processo, não implica uma impossibilidade superveniente da lide, a justificar a extinção da instância. III - Estamos perante o fenómeno da transmissão da coisa ou direito em litígio, não efectuada directamente pelo demandado (Novo Banco), mas pelo seu criador, o Banco de Portugal, no âmbito da sua competência legal, pelo que tem aplicação o regime do nº 1 do art. 263º CPC, verificando-se a chamada “substituição processual“».], publicado no “site” da dgsi.
[11] Sobre esta matéria e, em particular, a importância e o sentido da clarificação efectuada pela Deliberação de 11.8.2014 no tocante à “subalínea” aqui aplicável, cf. o citado acórdão da RL de 11.5.2017-processo 2471/16.4T8LSB-2.