Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9146/18.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DANO APRECIÁVEL
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.380 CPC.
Sumário: Quer a ofensa à lei seja sancionada com a nulidade quer o seja com a anulabilidade, a suspensão da deliberação só será decretada se o requerente mostrar que essa execução pode causar dano apreciável.
Decisão Texto Integral:




Sumário:

Quer a ofensa à lei seja sancionada com a nulidade quer o seja com a anulabilidade, a suspensão da deliberação só será decretada se o requerente mostrar que essa execução pode causar dano apreciável.

Processo n.º 9146/18.8T8CBR.C1

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

     F (…), residente em (…), freguesia de (…), em (…), requereu a suspensão da deliberação tomada na assembleia geral da requerida, A (…) Lda, com sede na (…) na cidade de (…), realizada em 22-11-2018, que elegeu para a gerência e para o triénio de 2018 a 2020, A (…), D (…) e J (…)

     Mais requereu, nos termos dos artigos 369.º e 382.º, ambos do Código de Processo Civil, que, em inversão do contencioso, fosse decretado a dispensa da ora requerente em propor a acção de anulação das deliberações, cuja suspensão requeria, por ser manifesto em face dos documentos juntos que a assembleia geral de 22 de Novembro de 2018 foi legalmente uma assembleia geral não convocada e consequentemente eram nulas as deliberações nela tomadas.

     Para o efeito alegou em síntese:
1. Que era titular de uma quota no valor de € 2653,22, correspondente a 26,33% do capital social;
2. Que o gerente da sociedade era A (…), como tal designado desde 24/07/1999;
3. Que a assembleia foi convocada por F (…), intitulando-se presidente da mesa da assembleia geral;
4. Que a convocação foi ilegal, o que tornava a assembleia geral como não convocada e nulas as deliberações nelas tomadas;
5. Que da execução da deliberação resultava prejuízo considerável para a sociedade requerida, pois podia conduzir à sua insolvência.

A requerida opôs-se, pedindo se indeferisse o decretamento da providência, por não se verificarem os pressupostos de que dependia o seu decretamento, a saber, a aparência de um direito e o perigo do seu não decretamento, para além de não existir qualquer ilegalidade, seja da convocatória, seja da deliberação propriamente dita, e de não poder considerar-se justificada a qualidade de sócia da requerente, e também de não se demonstrar que a execução da deliberação pudesse vir a causar qualquer dano apreciável.

Se assim se não entendesse pediu se indeferisse a providência, por o seu decretamento representar um prejuízo superior ao que da execução da deliberação cuja suspensão vinha requerida acarretaria.

E se ainda assim se não entendesse, pediu se indeferisse a providência, dado que o recurso a este processo representava um clamoroso abuso do direito.

A requerente respondeu à questão da legitimidade. Sobre ela começou por reafirmar que tinha legitimidade para requerer o procedimento por ser sócia de pleno direito da requerida. Porém, caso assim se não entendesse, devia ser declarada, na mesma, parte legítima como cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de sua mãe, (…), podendo ser chamado o outro herdeiro, irmão da requerente, que era incapaz, a ser citado na pessoa do seu tutor designado.

O processo prosseguiu os seus termos e após a produção da prova foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente, por não provado, o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.

A requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se declarasse oficiosamente a nulidade da deliberação ou, caso assim se não entendesse, se suspendesse a mesma na sua eficácia, com a inversão do respectivo contencioso e consequente declaração de nulidade.

Para o efeito alegou:
1. Uma vez constatada de forma inequívoca pelo tribunal a nulidade da deliberação cuja suspensão é requerida, independentemente da procedência desta, devia o tribunal oficiosamente declarar a nulidade da referida deliberação, como lho impõe o citado art.º 286.º do Código Civil;
2. Por isso, devia ser declarada a nulidade da deliberação de designação de gerentes tomada na assembleia geral de 22 de Novembro de 2018, com todas as legais consequências.
3. Se assim se não entendesse, resultava dos factos provados com interesse para a análise da questão do prejuízo sério que, nomeadamente os factos constantes dos pontos 8.º, 22.º, 25.º, 29.º, 40.º, 51.º, 52.º e 53.º, que existia uma manifesta confusão entre quem afinal geria a sociedade, apesar de a deliberação tomada ser nula; que não havia a efectiva certeza da segurança da transmissão do estabelecimento comercial para a sociedade “G (…) Lda.”, efectuada dois dias depois da tomada da deliberação ora impugnada; que, além disso, existia o risco de desaparecerem as quantias avultadas recebidas pela sociedade se a gerência for atribuída, agora individualmente, a um sócio que escondeu um relatório de auditoria à sociedade e consequentemente, estavam em causa os postos de trabalho da a maior parte dos trabalhadores aceitaram a sua transferência para a sociedade “G(…), LDA.”;
4. A agravar esta situação estava o considerando do anterior acórdão deste Tribunal retirando eficácia ao disposto no art.º 381.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil;
5. Era evidente que a manutenção da eleição dos gerentes causava dano apreciável à sociedade A (…), Ldª., pela incerteza da sua actuação e sobre quem geria os seus destinos, causando dano à sociedade e reflexamente aos sócios;
6. Sendo a deliberação electiva, uma deliberação nula e de nenhum efeito, os riscos apontados tornam-se ainda mais evidentes, pois o gerente eleito sabe que o não poderá ser de novo, pois não detém a maioria, o que configura um dado apreciável à sociedade;
7. Consequentemente, se não fosse declarada oficiosamente a nulidade da deliberação como o impunha a lei, devia a mesma ser suspensa na sua eficácia, com a inversão do respectivo contencioso e consequente declaração de nulidade.

A requerida respondeu ao recurso, pedindo se confirmasse a decisão recorrida.

Prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela apelante requereu, ao abrigo do disposto no art.º 636.º n.º 1 do CPC, que se tomasse conhecimento das questões relativas à qualidade da apelante de sócia, enquanto cabeça-de-casal da herança indivisa em que se integrava a quota social de que se havia arrogado dona, decidindo que a apelante não se pode arrogar dessa qualidade – que não invocou na petição inicial, tendo-se estabilizado a instância quanto aos sujeitos, que é parte ilegítima para a lide.

Devendo, em sede de tal apreciação, a requerida ser absolvida da lide; decretando-se que era válida a deliberação social objecto dos autos.

Para o efeito alegou:
1. A decisão recorrida não decretou, nem poderia ter decretado a nulidade da deliberação posta em crise. A avaliação da validade da deliberação é matéria de reserva da acção principal. O tipo de averiguação desenvolvida em matéria de procedimento cautelar dirige-se à averiguação de uma mera probabilidade do direito invocada. E o respectivo formalismo processual próprio corporiza, pela sua simplicidade, uma diminuição de garantias de defesa pela parte contra quem é deduzida a providência;
2. Tal circunstância é particularmente determinante da impossibilidade de cognição definitiva da nulidade da deliberação, quanto é certo terem sido alegados factos (em particular os relacionados com o contexto da sociedade requerida, dos respectivos órgãos sociais e dos sócios) que são ponderosos para a apreciação do tipo de invalidade hipoteticamente cometida, corporizável em abstracto na deliberação atacada, e para a apreciação da excepção do abuso de direito. E que por limitações próprias do formalismo do procedimento cautelar não puderam ser averiguados com o detalhe que a questão impõe;
3. Não se provou que a deliberação objecto do procedimento cautelar tivesse causado qualquer dano à sociedade. Os factos provados, para além de não constituírem dano apreciável, também se não relacionam com a deliberação social objecto do procedimento pelo indispensável nexo de causalidade;
4. A deliberação de eleição de gerentes nunca tem, pela sua própria natureza, o alcance de causar qualquer prejuízo. Trata-se de, por via dela, prover a pessoa colectiva societária de titulares de órgãos indispensáveis à sua administração e representação. E é tanto quanto basta para que tal eleição seja, por si, vantajosa. Reconcilia a sociedade com as exigências impostas pelo ordenamento jurídico;
5. A deliberação objecto do procedimento tem a vantagem adicional de permitir a administração e representação da sociedade na fase crítica em que foi colocada por efeito de actos afrontosos da prossecução do seu objecto social - a decisão do suposto gerente Eng.º V(…) de pôr termo ao contrato de concessão da marca de automóveis “X(…)”, que viabilizava o seu objecto social, e da outorga de uma escritura em que declarou trespassar o essencial do seu estabelecimento comercial e declarou vender os mais valiosos dos seus imóveis. Para além de permitir à nova gerência a elaboração e sujeição a deliberação dos sócios das contas da sociedade;
6. Apelante não é sócia da apelada, mas meramente contitular de uma quota social integrada numa herança indivisa de que é contitular e cabeça de casal;
7. Tendo a apelante, na petição inicial, alegado a qualidade de sócia, por a haver adquirido a título oneroso, por contrato- promessa de cessão de quotas não cumprido. Contrato-promessa esse que serviu de base ao registo de aquisição da quota, feita por mero depósito. Modalidade de aquisição e registo invocados na petição inicial. E uma vez provado que tal não é. Tendo o registo sido cancelado. A consequência necessária será a absolvição da requerida, ora apelada, do pedido;
8. Não pode o julgador convocar, nem o poder-dever de gestão processual, nem o princípio da adequação formal para remediar processualmente a falta de prova de que a apelante é sócia, a título pessoal, por aquisição derivada, via transmissão onerosa efectuada pela mãe;
9. A decisão recorrida remediou a situação, invocando tal poder-dever de gestão processual, e o princípio da adequação formal em contravenção com o princípio da estabilidade da instância e o próprio princípio do dispositivo. Neste procedimento cautelar, o requerente da providência não pode, salvo acordo da parte contrária, alterar a causa de pedir depois da citação. Se o fizer, tal alteração é processualmente inválida e ineficaz, não podendo ser atendida pelo Tribunal;
10. Os poderes de gerência de Eng.º (…)já se encontravam há muito caducados; e não havia outros gerentes;
11. A convocação da assembleia geral pela sócia Herança Indivisa (…), por intermédio do representante comum dos contitulares, foi válida e regular;
12. A decisão recorrida releva de um processo de interpretação e aplicação do Direito, que a metodologia jurídica contemporânea já há muito superou. Trata-se de uma interpretação baseada no positivismo legal ou legalismo. Que identifica o direito com a lei, no duplo sentido em que nega a existência de qualquer valor superior à lei e reduz os restantes momentos apenas à sua aplicação aos factos, desprovida de qualquer legitimidade criadora ou inovadora;
13. A apelada, ao pretender assacar à deliberação posta em crise o vício de nulidade, bem sabendo que não era sócia; que seu marido, V(…), não era sócio; que os poderes de gerência do Marido estavam caducados contraria de forma ostensiva, manifesta, a boa fé e os bons costumes;
14. O Eng.(…) reagiu por escrito à convocatória desta precisa assembleia geral, dizendo que a mesma era irregular; e dizendo ser nulas as deliberações que aí viessem a ser tomadas. E não compareceu. Também não compareceu a apelante, que se dizia sócia, a título pessoal;
15. Uma hipotética invalidade da deliberação, por contrariedade à lei, não procederia nunca no caso vertente, por se lhe opor a excepção do abuso de direito, de conhecimento oficioso;
16. Não existe lacuna da lei societária a respeito da titularidade de poderes de governação por parte dos gerentes cuja relação de administração caducou. É o próprio Código das Sociedades Comerciais que, no regime específico das sociedades por quotas, dispõe, no caso de falta definitiva de todos os gerentes, que todos os sócios assumem as funções de gerentes;
17. A diferença entre a estrutura de repartição do capital das sociedades por quotas no confronto com as sociedades por quotas, o anonimato típico das acções ao portador; a dispersão do capital, conduzem o legislador a atribuir ao conselho de administração poderes e deveres mais amplos do que os gerentes das sociedades por quotas. Forçam os membros do seu conselho de administração a continuarem em funções para além do termo do seu mandato;
18. O gerente cujas funções cessaram não é gerente em sentido verdadeiro e próprio. O que acontece é que, após o termo da gerência, ele conserva alguns dos seus deveres de cuidado e lealdade próprios da governação. Mas não a prerrogativa – que, de resto, não é exclusiva – de convocar a assembleia geral. Se bem que tivesse o dever de a convocar com a antecipação necessária em relação ao termo das suas funções, para prestar contas da gestão e promover uma deliberação dos sócios sobre anova gerência;
19. No caso sub judicio, caso houvesse lacuna da lei a respeito dos poderes de gerência, ela deveria ser resolvida por aplicação do disposto no art.º 985.º do Cód. Civil. Preceito que no seu n.º 5, autoriza qualquer sócio a praticar os actos urgentes de administração destinados a evitar à sociedade um dano eminente. Estando nessas condições a convocação da assembleia geral na qual foi tomada a deliberação objecto da providência;
20. Na verdade, tal convocatória foi feita perante o conhecimento da denúncia do contrato de representação da “X(…)”, a falta de prestação de contas, a então ainda probabilidade de trespasse do estabelecimento e de venda dos seus mais valiosos imóveis, a caducidade dos poderes de gerência de V(…), a recusa de prestação de informações pedidas em assembleia geral;
21. A decisão recorrida, na parte em que considerou a apelada sócia, enquanto cabeça-de-casal da herança indivisa em que se integra a quota de que se arrogara anteriormente titular de forma individual, e na parte em que considerou a deliberação de nomeação dos gerentes inquinada de nulidade, incorreu em erro de julgamento. Violando, nessa parte, o disposto, entre outras, nas disposições dos artigos 9.º, 10.º, 985.º, o princípio geral do direito contido no artigo 173.º do Cód. Civil, o artigo 334.º do mesmo Código; os artigos 30.º, 264.º, 265.º, 380.º, n.º 1, 547.º e 6.º, 260.º e 581.º do CPC; os artigos 2.º, 21.º, número 1 alíneas b) e d), 248.º e 253.º do CSC, devendo, na dependência do pedido subsidiário de ampliação do objecto do recurso, ser a decisão recorrida modificada com o alcance de não considerar preenchidos nenhum dos pressupostos da procedência da providência cautelar .


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso e pela resposta ao recurso:

O recurso suscita a questão de saber se, ao negar o decretamento da providência cautelar, com a justificação de que a requerente não mostrou que a execução da deliberação contrária à lei podia causar dano apreciável, a decisão recorrida incorreu em erro.

A resposta ao recurso suscita a questão de saber se, ao considerar a requerente sócia, enquanto cabeça-de-casal da herança indivisa em que se integra a quota de que se arrogara anteriormente titular de forma individual, e na parte em que considerou a deliberação de nomeação dos gerentes inquinada de nulidade, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, violando os artigos 9.º, 10.º, 985.º, o princípio geral do direito contido no artigo 173º. do Cód. Civil , o artigo 334º. do mesmo Código; os artigos 30.º, 264.º, 265.º,  380.º, n.º 1, 547.º e 6.º, 260.º, 581.º, do CPC, os artigos 2.º, 21.º, n.º 1 b e d, do artigo 248.º e 253.º do CSC.


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Visto que a decisão relativa à matéria de facto não foi impugnada nem há fundamento para a alterar oficiosamente consideram-se provados e não provados os factos discriminados na sentença. Porém, uma vez que não tem relevância para o recurso, não se reproduzem os pontos números 11, 45, 46 e 49 dos fundamentos da sentença. Com efeito, os pontos números 11 e 45 limitam-se a reproduzir o teor da certidão permanente junta aos autos, sendo certo que alguns dos factos constantes de tal certidão figuram como assentes noutros pontos da matéria de facto; o ponto 46 reproduz a certidão de matrícula e o n.º 49 reproduz a declaração de imposto de selo por óbito de M(…).

Factos provados:
1. A sociedade requerida gira sob a designação de A (…), LDª, tem sede (…) de (…), e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (…), sob (…)com o capital social de 10.114,08 Euros.
2. Encontram-se juntos os estatutos da sociedade requerida, depositados no Registo Comercial, como documento n.º 2 com o requerimento inicial, que se considera integralmente reproduzido.
3. Na data da instauração do presente procedimento cautelar, encontrava-se registado na Conservatória do Registo Comercial de (…), pelo “DEP. …/2017-07-13 09:32:12 UTC - Transmissão de Quota”, constante da Certidão Permanente da sociedade, a aquisição a favor da requerente da quota que era de seu mãe, M (…), entretanto, falecida, tendo por base um contrato-promessa de cessão de quotas celebrado pela falecida sócia e a sua filha a ora requerente, contrato esse datado de 2 de Julho de 1992.
4. Tal registo foi cancelado pela Menção de Dep 153/2019-02-13 13:44:33 UTC - CANCELAMENTO DO DEP. …/2017-07-13 09:32:12 UTC - TRANSMISSÃO DE QUOTA(S), sendo “Requerente e Responsável pelo Registo, J (…), Gerente /Administrador(a), (…)”.
5. Foi inscrito no registo comercial a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito a favor da requerente e do seu irmão J (…)  da quota de 2.653,22 Euros, através da Menção Dep …/2019-04-18 13:36:20 UTC - TRANSMISSÃO DE QUOTA(S), tendo como sujeito passivo “M (…)”, e aparecendo como Requerente e Responsável pelo Registo, R (…) Advogado(a), (…)
6. Consta do extracto que se mostra reproduzido na certidão permanente – por referência à Insc.1 Ap. …/19390711: “GERÊNCIA: Dos sócios "V (…) & Cª, Lda", que representa a "A (…), Lda" por intermédio de qualquer dos seus gerentes, (…), designado gerente em 1999-07-24.
7. Por averbamento à referida Inscrição n.º 1, consta também que “O gerente A (…) foi designado em 1999-07-24, para o triénio 1999-2001” – cfr. Av.2 AP. …/20180910 15:03:42 UTC – RETIFICAÇÃO.
8. Depois de A (…) ter sido designado em 24 de Julho de 1999, para o triénio 1999-2001, como depois deste triénio, não consta do registo comercial que tenha sido destituído, nem renunciado à gerência.
9. A cessação de funções, por óbito, dos membros da gerência indicados naquela Inscrição n.º 1 – (…) mostra-se registada por meio de averbamento à Inscrição, através do Av.3 AP. …/20180921 12:44:03 UTC - CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DE MEMBRO(S) DO(S) ORGÃO(S) SOCIAL(AIS).
10. Encontra-se inscrita na matrícula da referida sociedade pela Ap…./20181204, a designação de membros de órgãos sociais: (…), tendo como data da deliberação 2018-11-22 e “Prazo de duração do(s) mandato(s): Triénio 2018/2020”.
11. A sociedade requerida obriga-se com a assinatura de um só gerente.
12. Por comunicação de 25/10/2018, foi convocada por F (…), intitulando-se Presidente da Mesa da Assembleia Geral, uma assembleia geral da sociedade requerida para o dia 22 de Novembro de 2018, com a ordem de trabalhos “Ponto único – eleger os gerentes para o triénio 2018 a 2020, fixação de condições, termos e poderes para o exercício dessa função e respectiva remuneração”.
13. Para a referida convocação nada foi solicitado para o efeito a A (…), nem tomou tal iniciativa.
14. O referido A (…) comunicou aos sócios que não subscrevia a referida convocatória, bem como que a requerente não estaria presente.
15.A requerente não esteve presente, nem se fez representar na referida Assembleia Geral.
16. No dia vinte e dois de Novembro de dois mil e dezoito, às dez horas, na sede a sociedade em (…), concelho de (…), posta à votação proposta, a mesma obteve o voto favorável dos presentes com direito de voto, ou seja, do representante das quotas da herança de F (…), do Senhor F (…) e do sócio Senhor J (…)
17. A acta não foi fornecida ao Eng.º V(…), para que dela pudesse ter conhecimento, tendo a mesma sido junta aos autos em 21 de Janeiro de 2019, conforme certidão da acta junta, tendo a requerente tomado conhecimento quem eram os gerentes eleitos na referida Assembleia Geral, pelo menos, nessa data.
18. A sociedade A (…), LDª tem como objecto social, o “Exercício do comércio de compra e venda de automóveis, reparações, garagem e recolha e qualquer outro comércio que a sociedade resolva excepto o bancário.”, exercendo actualmente actividade não concretamente apurada.
19. A requerente F (…) é casada com A (…) desde 22 de Dezembro de 1973.
20. “Entre M (…) e F (…) foi ajustado, com data de 2 de Julho de 1992,  o seguinte acordo denominado contrato promessa e cedência de quota social, 1 – A promitente-cedente, D. (…), casada com Dr. (…), é sócia da sociedade por quotas, A (…), LDA (…); 2 – A quota que a promitente-cedente tem no capital social, tem o valor nominal de 512.500$00 (quinhentos e doze mil e quinhentos escudos); 3 – Por este contrato, a promitente cedente promete ceder à promitente-cessionária, D. (…) V(…), a quota que possui na referida sociedade, de 512.500$00 (quinhentos e doze mil e quinhentos escudos), pelo valor nominal de 512.500$00 (quinhentos e doze mil e quinhentos escudos), que declara já ter recebido; 4- A quota cedida com todos os correspondentes direitos e obrigações, incluindo a parte nos fundos de reserva e lucros acumulados não distribuídos; 5 – A sociedade consente na cedência da quota, nos termos deste contrato (Artº 228º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais); 6 – A escritura de cessão da quota será lavrada logo que obtidos os documentos necessários à sua efectivação; 7 – A falta de cumprimento nos termos deste contrato-promessa, implicará a sujeição das partes faltosas às sanções previstas no Artº 830º do Código Civil; 8 – O acima referido, Dr.M(…), dá o seu consentimento para aa presente cedência da quota, por sua Esposa, a promitente-cedente.
21. Em 13 de Novembro de 2017 teve lugar reunião social da sociedade requerida, com a seguinte origem de trabalhos: “Ponto um. Deliberar sobre o consentimento da Sociedade para a cessão de todas as quotas da sociedade; Ponto dois –Deliberar sobre o eventual trespasse do estabelecimento comercial de garagem e venda de veículos sito em (…), onde se encontra a sede da sociedade; Ponto quatro-Deliberar sobre o eventual mandato do gerente, (…)  para outorgar a escritura de trespasse que eventualmente seja deliberado”.
22. Nessa reunião, a A (…) decidiu – através de uma deliberação “com votos a favor da sócia F (…) e A (…)e os votos contra de A (…) e J (…) – conferir ao Eng.º V (…) poderes para “trespassar” o estabelecimento comercial de garagem e venda de veículos e peças, sito em (…), onde se encontra a sede da sociedade, tendo ficado de fora da proposta que foi aprovada, pelo menos, a venda dos edifícios que albergam os stands de automóveis da sociedade abertos na L(…) e na F(…). Consta ainda da referida acta que “Declara o presidente da mesa que propõe a retirada do ponto UM da Ordem de trabalhos, ficando igualmente prejudicado o ponto dois de que se propõe igualmente a retirada. Não houve votos contra, havendo dois votos a favor da sócia F (…) e A (…), pelo que os pontos UM e DOIS são retirados da ordem de trabalhos. Pelo sócio J (…) foi dito que não aceita esta Assembleia Geral, pelo que não exercerá direito de voto.”
23. De acordo com a escritura de trespasse junta a fls. 345 a 350 (que se considera integralmente reproduzida) realizada no Cartório Notarial em A(…), em 30 de Novembro de 2018, em que o Eng.º (…) declarou trespassar aquela parte do estabelecimento comercial a uma sociedade sob a firma “G (…) Lda.”, com o número de pessoa colectiva (…), cuja constituição foi inscrita no registo comercial através da Ap. (…) UTC, tendo ficado exarado que “O capital social será realizado até ao termo do primeiro exercício económico”.
24. A referida “G (…) Lda.”, constituída entre T (…) e M (…) -, Lda” com registo de tal constituição no registo comercial através da “Insc.1-Ap.(…) UTC CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE”, tendo sido, pelo menos, com T (…) que o Eng.º V(…) encetou e concluiu as negociações do declarado trespasse.
25. O Eng.º V (…) subscreveu uma carta, datada de 02 de Fevereiro de 2017, comunicando à concedente “X(…) Lusitana” a intenção de denunciar o contrato de concessionário “X(…)” outorgado pela requerida Auto (…) com efeitos a partir do dia 1 de Julho de 2017, tendo aí exarado também que: “Solicitamos, assim, que aceitem a cessação do Contrato sem que seja aplicável o aviso prévio de 2 anos previsto contratualmente para a denúncia por iniciativa de qualquer uma das partes”.
26. Em Março de 2018, T (…) apresentava-se e era “Director Geral da A (…)” através de vinculo e âmbito não concretamente apurado.
27. De acordo com o documento de fls. 356: “A G(…) é o seu novo concessionário X(…) em (…). Estamos no local de sempre, com a equipa que já lhe é familiar. Desta forma, herdámos o Know-how de uma equipa que representa a X(…)há mais de 80 anos. Tendo por base o conceito de gestão de mobilidade, o nome G (…) e a designação G (…) (…)”.
28. Consta do extracto que se mostra reproduzido na certidão permanente – por referência à Insc.1 Ap. …/19390711 – que a gerência era dos sócios "Viúva (…)Lda", que representa a "A (…) Lda" por intermédio de qualquer dos seus gerentes, (…) designado gerente em 1999-07-24”,
29. O Eng.º (…) não é empregado da requerida.
30. F (…) é contitular da quota que pertenceu a F (…)sócio este também falecido e foi nessa qualidade de herdeiro que F (…) foi designado representante comum dos contitulares da quota do falecido.
31. Resulta do teor do documento junto aos autos pela Requerente sob o Doc. n.º 2 do requerimento inicial: “8.º A Gerência e a Administração da Sociedade e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, ficam a cargo de qualquer dos sócios, pois todos são nomeados gerentes, com dispensa de caução, e com ou sem retribuição, conforme deliberação tomada pela Assembleia Geral (…)”.
32. A requerente Dr. (…) recepcionou a carta registada que, para o efeito, lhe foi dirigida por F (…).
33. A reunião da Assembleia Geral em causa foi realizada no local da sede da sociedade requerida, tendo a Exma. Senhora Notária elaborado a respectiva acta.
34. Encontra-se junta aos autos cópia da Acta da Assembleia Geral da requerida de 17 de Setembro de 1992 – acta nº. 110 -, que se considera integralmente reproduzida, na qual foi deliberado pela requerida não se opor à cedência da quota de M (…) à ora requerente, tendo aí consignado “aceitam a Senhora Dra(…) (…) como sócia a partir da comunicação por escrito à sociedade da realização da respectiva escritura de cessão”, sendo que nessa assembleia geral esteve presente o nomeado gerente da requerida que deduziu a oposição.
35. Encontra-se junto aos autos cópia da acta da Assembleia Geral da requerida de 26 de Março de 1998 – acta nº. 118 -, que se considera integralmente reproduzida, refere que “Estiveram presentes: (…) o Senhor Engenheiro (…) como gerente e em representação de sua esposa, Senhora Doutora (…), de quem possui procuração, e cuja quota na sociedade é de 525.000$00 (Quinhentos e vinte e cinco mil escudos), sendo que nessa assembleia geral esteve presente o nomeado gerente da requerida que deduziu a oposição (CFr. fls.367 a 368).
36. Nessa Assembleia foi ainda exarado que: “e os sócios foram informados pela gerência de que tinha sido detectado em um de Agosto de mil novecentos e noventa e sete um desvio no activo da empresa, o valor final só ficou totalmente apurado em fins de Dezembro de mil novecentos e noventa e sete, atingindo o montante, sem juros, de 176.833.972$00 (…), tendo o responsável o ex-caixa (…)
37. Foi deliberado, na referida reunião, além do mais, “rejeitar o relatório, balanço e contas do exercício de 1997” e realizar “auditoria à gestão global da empresa, e após a conclusão da mesma, proposta de apresentação de novas contas a fim de proceder à sua apreciação e respectiva votação”.
38. Encontra-se junta cópia da Acta da Assembleia Geral da requerida de 23 de Maio de 2003 – acta nº. 130 -, que se considera integralmente reproduzida, no qual foi reeleito para o período de 2003-2005, o gerente (…).
39. Na referida acta n.º 130 poder ler-se: “…Esteve representada a totalidade do capital social. Estiveram presentes V (…) & C.ª Lda, possuidora de quatro quotas na sociedade, sendo uma de quatro mil quatrocentos e oitenta e nove euros e dezoito cêntimos, outra de cento e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos, e as outras duas de cem euros cada, representada pelo gerente Dr. A (…) V (…).ª Lda. é ainda contitular com F(…) na proporção de 50% para cada, da quota que pertenceu aos Herdeiros de J (…), respectivamente M (…) c.c. L (…), M (…)  c.c. F (…), cujo valor na sociedade é de novecentos e setenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos. Como representante comum dos Herdeiros de F (…), que na sociedade detêm o seu capital dividido pelas seguintes quotas: uma de dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, outra no valor de cento e trinta euros e noventa e três cêntimos, e outra duas de cem euros cada, e ainda dos direitos à contitularidade na proporção de 50% da já referida quota indivisa de novecentos e setenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos, que pertenceu aos Herdeiros do atrás citado J (…), esteve presente o cabeça de casal, Sr. (…). A quota no valor de mil quatrocentos e noventa e seis euros e trinta e nove cêntimos, que pertenceu aos Herdeiros de (…), é pertença da sociedade, por a haver adquirido por escritura pública lavrada no 2.º Cartório Notarial de (…) em 20 de Março de 2000. …).
40. Encontra-se junto aos autos (requerimento com a Refª 5749025) requerimento assinado pela requerente, dirigido à Conservadora do Registo Comercial de (…), datado de 12 de Julho de 2017, e com o seguinte o seguinte: “(…) Eu, F (…), casada, venho em representação de minha mãe, M(…) solicitar a unificação das 5 quotas que possui na A (…) LDA, com o (…), nos valores de € 2.244,59, € 65,46, € 50,00, € 50,00, € 243,15. Desta unificação resultará uma quota única de €2.653,22.
41. Encontra-se junto com o requerimento com a referência 5907560, cópia da requisição de registo , subscrita por M(…) , entregue na Conservatória do Registo Comercial de (…) em um de Abril de 1998, que contem a assinatura autógrafa de M (…), da aquisição a favor de cada um dos sócios de V (…), Limitada das cinco novas quotas resultantes do contrato de divisão e cessão de quotas titulado por escritura pública de divisão e cessão de quotas de Maio de 1983, nessa data outorgado no Cartório Notarial da L(…) e reduzido a escritura pública, outorgada em 6 de Maio de 1983 (junto com o requerimento datado de 4 de Junho de 2020).
42. Encontra-se junto com o requerimento com a referência 5907560, cópia da acta da deliberação da assembleia geral de V (…), Limitada , de 17 de Julho do mesmo ano de 1998 , manuscrita por A (…), que a tal assembleia geral presidiu ; por meio da qual a V (…), Limitada, tomou como ponto um da ordem de trabalhos dessa própria assembleia “designar a representação da V (…), Limitada, na A (…) e, logo de seguida, na mesma reunião, deliberou “ Designar A (…)para representar a firma V (…) , Limitada , na A (…)Limitada, sociedade com sede em (…), (…)” ; deliberação que foi tomada , como textualmente consta da acta ”com o voto favorável do representante comum da quota indivisa de J (…) e da representante da quota pertencente a M (…) sua Filha F (…)”
43. A mãe da requerente faleceu em 13 de Abril de 2017.
44. Encontra-se junta no requerimento com a referência 4963482 cópia de escritura de habilitação de herdeiros por óbito de M (…), mãe da requerente, tendo esta declarado, na qualidade de cabeça-de-casal, que aquela faleceu, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, no estado de viúva, tendo deixado como herdeiros os filhos: a requerente e J (…).
45. J (…), irmão da requerente, nasceu a 10 de Abril de 1957, constando na certidão de nascimento Averbamento nº 1, de 2018-05-22: ”Interdito e instituída tutela, nos termos da sentença de 19 de Abril de 208, proferida pelo Juízo Local Cível de Coimbra-Juiz 1, Comarca de Coimbra, tendo sido nomeado tutor, (…) (…)”.
46. A A (…) é concessionária “X(…)”, pelo menos, em (…), desde há mais de 80 anos, sendo a “A (…)“o mais antigo concessionário na Península Ibérica” tendo reduzido a representação daquela marca ao distrito de (…) há numero de anos não concretamente apurados.
47. Pelo menos, a maior parte dos trabalhadores aceitaram a sua transferência para a sociedade “G (…) LDA.”.
48. Após o referido trespasse o património imobiliário próprio da sociedade requerida, inclui, pelo menos, uma loja que albergava o seu stand “X(…)” na L(…), outro edifício que acolhia o seu stand da mesma marca na F(…) e um prédio rústico na L(…).
49. À data da deliberação em apreço, A (…) era empregado da Auto (…) com funções de chefia, responsável pelo sector de comércio de peças e pelo acompanhamento técnico da actividade de oficina, e também da chamada pós-venda; D(…), o principal vendedor residente da Auto Garagem, em termos de volume global de vendas da requerida, e o Dr. J (…), para além de Economista de formação académica e de profissão, também um dos sócios da Auto (…)
50. Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, após, 1992, data da celebração do aludido contrato promessa, a requerente tem participando em assembleias gerais, nelas intervindo por meio de representante por si constituído, votando as decisões nelas tomadas, com a presença do dito J (…) e dos demais elementos contitulares de quota na sociedade requerida, à vista de quem quer que fosse.

Não foi considerado provado:
a) Que o registo da deliberação de nomeação dos gerentes em apreço e a não suspensão da deliberação suscite confusão nas relações da sociedade com clientes, fornecedores e credores, bancários ou outros, sobre quem representa e vincula a sociedade A (…), LDª., e que tal leve a X(…)Lusitana, concessionária da marca X(…)em Portugal, a retirar a concessão à sociedade;
b) Que a sociedade fique paralisada e a presença de gerentes designados em Assembleia Geral, conduza ao encerramento da empresa, e que tal leve à perda de quase 50 postos de trabalho e consequente desemprego desses trabalhadores;
c) Que, desde há cerca de, pelo menos, 4 anos a esta parte com pretexto, por um lado, a situação de reforma por velhice do Eng.º V(…) e a sua indisponibilidade para o negócio; e, por outro, a alegada necessidade de fazer despesas de investimento exigidas pela concedente “X(…)”, despesas essas que não interessariam, segundo o Eng.º (…), aos sócios, a requerente Dra. F(…) e seu marido Eng.º (…) tenham vindo a declarar em reuniões informais aos seus consócios pretender que todos os sócios convergissem na vontade de ceder a totalidade das quotas da requerida a terceiros, afastar todos do negócio próprio da Auto (…)para embolsar cada um a sua parte do preço e acabar na prática, com a actividade dos respectivos estabelecimentos;
d) Que tal desejo do Eng.º (…)e da requerente Dra. F (…) tenha vindo mais tarde a obter a condescendência também do sócio Dr. A (…);
e) Que os valores ou activos patrimoniais da sociedade não se mostrem reflectidos nas contas oficiais;
f) Que a requerente tenha interesse em que a deliberação não seja executada a fim de manter o seu marido Eng.º V (…)numa aparência de titularidade da “gerência” da sociedade;
g) Que tal só se compreenda face ao conhecimento, quer pela requerente, quer pelo seu marido Eng.º V (…), de que os actuais gerentes da requerida A (…) tivessem iniciado uma auditoria às contas da sociedade abrangendo o período de gestão do marido da requerente;
h) Que a A (…) já tenha a sua actividade praticamente paralisada;
i) Que o Eng.º (…) pretenda deixar a Auto (…) decair até à morte, e que tenha feito com que todos os clientes e fornecedores se tenham passado a relacionar-se com a nova sociedade em detrimento da requerida;
j) Que a prevalecer o referido trespasse, a requerida A (…)fique praticamente sem viabilidade económica para prosseguir com o seu objecto social, centrado que está na representação da marca “X(…)” na cidade de (…);
k) Que o Eng.º (…) não tenha procurado outra representação de marca automóvel substitutiva da “X(…)”;
l) Que o Eng.º (…) se tenha sempre se oposto às recomendações dos sócios para uma possível reestruturação da empresa, ou que fosse proposto esse negócio a outras empresas do ramo instaladas no mercado e com representações de marca;
m) Que o Eng.º (…) não tenha procurado manter em (…), apesar da intenção de “trespasse”, a representação da marca “X(…)”, por via do mesmo ou de outro contrato de concessão com a concedente “X(…) Lusitana”;
n) Que no passado houvesse em  (…) outro representante da mesma marca “X(…)”, a “(…)
o) Que outras marcas de automóveis tenham em (…) mais do que um representante, como por exemplo, as macas “C(…)” e “P(…)”.


*

Descritos os factos provados e não provados, passemos à resolução das questões suscitadas pelo recurso.

A primeira questão que importa solucionar é a de saber se, ao negar a suspensão da deliberação social tomada em 22 de Novembro de 2018, que aprovou a eleição, como gerentes da requerida, para o triénio de 2018 a 2020, de A (…), D (…), J (…) com a justificação de que a requerente não mostrou que a execução da deliberação, contrária à lei podia causar dano apreciável, a decisão recorrida incorreu em erro.

Recorde-se que, apesar de resolver em sentido favorável à requerente a questão da legitimidade dela para pedir a suspensão da deliberação social e a questão da contrariedade à lei da deliberação, a sentença recorrida negou a concessão da providência, dizendo que era requisito de tal concessão que a requerente mostrasse que a execução da deliberação podia causar dano apreciável e que ela não fez tal prova. Afirmou que a requerente não provara a sua alegação sobre a questão do dano apreciável, concretamente:
1. Que a não suspensão da deliberação suscitaria confusão nas relações da sociedade com clientes, fornecedores e credores, bancários ou outros, sobre quem representava e vinculava a sociedade A (…), LDª;
2. Que tal levaria a X(…)Lusitana, concessionária da marca X(…)em Portugal, a retirar a concessão à sociedade - aliás, o que se apurara é que foi o Eng.º V(…) em representação da requerida que comunicou à X(…)Lusitana a intenção de denunciar o contrato de concessão;
3. Que a sociedade ficaria paralisada e que a presença de gerentes designados em Assembleia Geral conduziria ao encerramento da empresa, que levaria, por sua vez, à perda de quase 50 postos de trabalho e consequente desemprego desses trabalhadores.

A recorrente começou por contestar a decisão com a alegação de que, uma vez constatada de forma inequívoca pelo tribunal a quo a nulidade da deliberação cuja suspensão era requerida, independentemente da procedência desta, devia o tribunal oficiosamente declarar a nulidade da referida deliberação, como lho impunha o artigo 286.º do Código Civil. Por isso, devia ser declarada a nulidade da deliberação de designação de gerentes tomada na assembleia geral de 22 de Novembro de 2018, com todas as legais consequências.

Ao alegar que, uma vez constatada a nulidade da deliberação cuja suspensão era requerida, devia o tribunal oficiosamente declarar a nulidade da referida deliberação, como lho impunha o artigo 286.º do Código Civil, a recorrente argumenta como se, quando se mostrasse no procedimento de suspensão de deliberações sociais que a deliberação era contrária à lei e que essa contrariedade era sancionada com a nulidade, coubesse ao tribunal declarar a nulidade e suspender, sem mais, sem qualquer outra exigência, a suspensão da execução dessa deliberação.

Pese embora o respeito que nos merece, o argumento da recorrente não tem amparo no regime da suspensão das deliberações sociais nem nas disposições gerais sobre os procedimentos cautelares.

As disposições reguladoras do procedimento de suspensão das deliberações sociais são constituídas pelos artigos 380.º a 383.º do CPC.

Para o caso interessa-nos o n.º 1 do artigo 380.º que dispõe sobre os pressupostos da suspensão das deliberações sociais. Nos termos deste preceito “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.

A letra do preceito acabado de transcrever faz depender a suspensão das deliberações sociais contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, da demonstração de que a execução delas possa causar dano apreciável, sem distinguir entre contrariedade à lei sancionada com nulidade e contrariedade à lei sancionada com a anulabilidade. E assim quer a ofensa à lei seja sancionada com a nulidade quer o seja com a anulabilidade, a suspensão da deliberação só será decretada se o requerente mostrar que essa execução pode causar dano apreciável.

Depõe no mesmo sentido o n.º 3 do mesmo preceito, ao dispor que ainda que a deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, o juiz pode deixar de suspendê-la, desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da sua execução. Ora se o juiz pode deixar de suspendê-la, desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da sua execução é porque, qualquer que seja a consequência da contrariedade à lei, o decretamento da providência está sempre dependente de um balanceamento entre o prejuízo derivado da execução e o derivado da suspensão da execução.

Depõe ainda no mesmo sentido a circunstância de o procedimento de suspensão de deliberações sociais ser instrumental em relação à acção em que se pede a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação [[n.º 1 do artigo 364.º do CPC], pelo que a declaração de nulidade da deliberação não constitui fim do procedimento cautelar; tal fim será próprio da acção de declaração de nulidade de que o procedimento é dependente.

Em suma: a nulidade da deliberação não justifica só por si a suspensão da deliberação [Citam-se, em abono desta interpretação, Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, Almedina, página 467, Alexandre Soveral Martins, Suspensão de Deliberações Sociais de Sociedades Comerciais, Alguns problemas, Revista da Ordem dos Advogados ano 63, volumes I/II, Abril de 2003 e Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, Almedina, página 271].


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Em segundo lugar, a recorrente impugnou a decisão com a alegação de que resultava dos factos provados, nomeadamente dos constantes dos pontos 8.º, 22.º, 25.º, 29.º, 40.º, 51.º, 52.º e 53.º, o seguinte sobre o dano apreciável:
1. Que existia uma manifesta confusão entre quem afinal gera a sociedade, apesar de a deliberação tomada ser nula;
2. Que não havia a efectiva certeza da segurança da transmissão do estabelecimento comercial para a sociedade “G (…) Lda.”, efectuada dois dias depois da tomada da deliberação ora impugnada;
3. Que existia o risco de desaparecerem as quantias avultadas recebidas pela sociedade se a gerência for atribuída, agora individualmente, a um sócio que escondeu um relatório de auditoria à sociedade e, consequentemente, estavam em causa os postos de trabalho da a maior parte dos trabalhadores aceitaram a sua transferência para a sociedade “G (…) LDA.”.

Entrando na apreciação deste fundamento do recurso cabe dizer, antes de mais, que com ele a recorrente não acusa a sentença de ter incorrido em erro na interpretação do n.º 1 do artigo 380.º do CPC, na parte em que este exige como pressuposto da concessão da suspensão a deliberação que a requerente mostre que a execução dela possa causar dano apreciável.

O que está em causa na alegação ora em apreciação é a divergência da recorrente em relação à sentença sobre a questão do dano apreciável, mas no que toca à interpretação dos factos provados. Enquanto aquela entendeu que eles eram insuficientes para que se perspectivasse, como provável, um dano apreciável para a sociedade e/ou para os sócios, a recorrente sustenta uma interpretação oposta.

Não obstante não estar directamente em questão, no recurso, a interpretação do n.º 1 do artigo 380.º do CPC, no segmento que se refere ao dano apreciável que a execução da deliberação pode causar (à sociedade e/ou aos sócios), importa dizer o seguinte sobre o sentido e o alcance de tal parte do preceito para contextualizar a divergência da recorrente em relação à decisão recorrida.

O “dano apreciável” que é tido em vista pela parte final do n.º 1 do artigo 380.º do CPC é, como resulta inequivocamente da letra do preceito “- … mostrando que essa execução pode causar dano apreciável” – um dano que há-de resultar da execução da deliberação. Visto numa perspectiva de causalidade, o dano há-de ter como causa a execução da deliberação.

Porém, o que faz com que o dano seja tomado como fundamento da providência cautelar é a circunstância de a sua concretização surgir com a demora na obtenção da decisão na acção principal, ou seja, na acção de que depende o procedimento cautelar. Socorrendo-nos das palavras de Lobo Xavier, Revista de Legislação e Jurisprudência ano 123º, página 382 [anotação a um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Julho de 1987], “como todas as providências cautelares, a suspensão das deliberações sociais visa premunir contra o periculum in mora (o perigo da demora do processo) o autor da acção de que o procedimento cautelar é dependência”. Ainda segundo o mesmo autor, a circunstância de a sentença que põe termo à acção “não poder sobrevir imediatamente, mas sim no termo de um processo por vezes longo, ou muito longo, é susceptível de frustrar os interesses do demandante, ainda que este obtenha ganho de causa”. Daí que, como escreve o mesmo autor em “Conteúdo de providência de suspensão de deliberações sociais, RDES, Ano XXII, página 215, “não é toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida”. Por outras palavras, “o dano cuja eventualidade pode servir de fundamento à medida cautelar e ao qual se quis referir o artigo 396º, n.º 1, é todo aquele que derive do facto de a eficácia da deliberação ser tomada em conta até á sentença de anulação, ainda que para fins diversos da execução do acto” (página 248). E exemplifica este entendimento com o seguinte caso: “Assim, por ex. a deliberação que amortiza uma quota acarreta para o respectivo titular o prejuízo correspondente à execução da sua participação social, na medida em que tal extinção não seja compensada pelo quantitativo atribuído como contrapartida. Mas o dano que para o titular deriva do retardamento da sentença da anulação do acto – e que há que ter em conta para fundamentar a suspensão e para proceder à ponderação prevista no artigo 397º, n.º 3 – é antes o dano resultante do não exercício dos direitos sociais até ao momento daquela sentença” [nota: os artigos citados – 396.º, n.º 1 e 397.º, n.º 3 - pertencem ao CPC de 1961. Como a redacção deles não diverge da dos que lhe correspondem no CPC actual, respectivamente, artigo 380.º, n.º 1 e 381.º, n.º 3, as considerações tecidas a propósito daquelas normas mantêm a sua actualidade].     

No sentido da interpretação que se acaba de expor decidiram, entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 23 de Maio de 1989, CJ, Ano XIV, 1989, Tomo 3º, páginas 206 a 208, o acórdão do STJ de 04-05-2000, processo 00B337, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Abril de 2004, processo n.º 4176/03, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrc e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Fevereiro de 2006, CJ, Ano XXXI, Tomo I/2006, páginas 250 e 251.

Para efeitos de suspensão de deliberações sociais, dano apreciável, numa interpretação que pode considerar-se uniforme, é aquele que, não sendo insignificante, nem irrisório, também não pertence à categoria dos danos graves e dificilmente reparáveis [cfr. neste sentido na doutrina, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª edição, volume IV, páginas 92, e na jurisprudência, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Dezembro de 1989, CJ, Ano XIV, 1989, Tomo V, páginas 64 a 66, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de Abril de 2005, CJ, Ano XXXX, Tomo II/2005, páginas 292 e 293, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Julho de 2009, CJ Ano XXXIV, Tomo III/2009, páginas 274 e 275, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 2003, CJ, Ano XXVIII, Tomo III/2003, páginas 186 a 188].

Cabe ao requerente da providência alegar e provar os danos que a execução da deliberação pode causar até que seja proferida decisão definitiva na acção principal. E assim será por referência aos danos alegados e provados que cabe sindicar a legalidade da decisão recorrida. Precise-se, no entanto, como se afirmou no acórdão desta Relação (Coimbra) proferido em 2/4/2019, no processo n.º 8510/18.7T8CBR, publicado em www.dgsi.pt, que embora “o dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tenha que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto (como a requerida refere na sua conclusão 29) – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados” [acórdão no qual o ora relator interveio como adjunto].

Tendo presente esta interpretação do n.º 1 do artigo 380.º do CPC, é de afirmar que não vale contra a sentença a alegação de que a execução da deliberação causaria uma manifesta confusão sobre quem administra a sociedade. E não vale porque o tribunal só pode tomar em consideração na decisão os factos provados [n.º 3 do artigo 607.º do CPC, na parte em que dispõe que aplica as normas jurídicos aos factos que considera provados] e o tribunal a quo julgou não provada a alegação da autora, ora recorrente, de que o registo da deliberação de nomeação dos gerentes em apreço e a não suspensão da deliberação suscita confusão nas relações da sociedade com clientes, fornecedores e credores, bancários ou outros, sobre quem representa e vincula a sociedade A (…).

Visto que tal decisão não foi impugnada pela recorrente, nem assiste a este tribunal o poder de a alterar oficiosamente, tal alegação é de considerar não provada. E este tribunal não a pode alterar oficiosamente porque resulta do n.º 1 do artigo 662.º do CPC, combinado com o n.º 4 do artigo 607.º do mesmo diploma, [aplicável ao acórdão proferido pela Relação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do CPC] que a Relação pode alterar oficiosamente a decisão de julgar não provado um facto se ele estiver admitido por acordo, se estiver provado por documento com força probatória plena ou por confissão reduzida a escrito e no caso não se verifica nenhuma destas hipóteses.

Também não vale contra a sentença a alegação de que não havia a efectiva certeza da segurança da transmissão do estabelecimento comercial para a sociedade “G(…), Lda.”, efectuada dois dias depois da tomada da deliberação ora impugnada e que, além disso, existia o risco de desaparecerem as quantias avultadas recebidas pela sociedade se a gerência fosse atribuída, agora individualmente, a um sócio que escondeu um relatório de auditoria à sociedade e consequentemente, estavam em causa os postos de trabalho da a maior parte dos trabalhadores aceitaram a sua transferência para a sociedade “G (…), LDA, visto que os factos nela compreendidos não estão provados.

Aliás, a requerente não invocou sequer que, com a execução da deliberação antes da decisão final a proferir na acção principal, se corria o risco de não ser cumprido o negócio de trespasse do estabelecimento, de desaparecerem as quantias avultadas recebidas pela sociedade, de se entregar a gerência a um sócio que escondeu um relatório de auditoria à sociedade e de se perderem os postos de trabalho da a maior parte dos trabalhadores aceitaram a sua transferência para a sociedade “G(…), LDA,.

Ao invocar estes riscos, pela primeira vez, em sede de recurso, o que a recorrente está a fazer, na realidade, é ampliar os fundamentos do seu pedido, concretamente em relação ao requisito do dano apreciável, o que lhe não é consentido, pois a alegação de factos novos em sede de recurso que configurem uma ampliação dos fundamentos do pedido só é admissível quando houver acordo das partes [artigo 264.º do CPC] e, no caso, tal acordo não existe.

Não valendo contra a decisão recorrida as alegações da recorrente, é de julgar improcedente o recurso. Em consequência fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela recorrida em sede de ampliação do âmbito do recurso, visto que o conhecimento delas estava dependente da procedência do recurso de apelação.


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a recorrente ter ficado vencida no recurso, condena-se a mesma nas respectivas custas, restritas a custas de parte.

Coimbra, 25 de Janeiro de 2021

Emidio Santos ( Relator)

<Catarina Gonçalves

Maria João Areias