Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
289/13.5TMCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROTECÇÃO DE MENORES
MEDIDA DE CONFIANÇA
ADOPÇÃO
Data do Acordão: 03/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - FIGUEIRA FOZ - INST. CENTRAL - 2ª SEC. F. MEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS, 36, 67, 68 CRP, 1978 CC, LEI Nº 147/99 DE 1/9
Sumário: 1. Os interesses da criança constituem o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens.

2. Estando em causa uma criança com 18 meses que não conheceu outra realidade senão a de contexto institucional, não pode nem deve manter-se a sua colocação em instituição a aguardar a possibilidade (meramente teórica e sem qualquer consistência prática) de os pais virem a adquirir as condições necessárias para a acolher e para lhe proporcionar o afecto, a segurança e todos os demais cuidados de que carece, sendo que quanto mais tempo decorre, mais fortes deverão ser os motivos invocados para reaver o bebé, são os direitos deste que devem prevalecer.

3. Justifica-se a medida de promoção de protecção de acolhimento em instituição tendo em vista a futura adopção - mesmo contra a oposição dos pais - da menor cuja educação, saúde e segurança se encontram comprometidas, por omissão de seus progenitores, que revelaram desinteresse e incapacidade em assumir as responsabilidades parentais.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

           
            I. Em 26.3.2013, o M.º Público instaurou, no Tribunal de Família e Menores de Coimbra, processo de promoção e protecção em benefício da menor M (…), nascida a 14.3.2013, filha de A (…) e P (…)  , requerendo a aplicação de medida adequada à defesa dos seus superiores interesses, mais propriamente, a título provisório e de imediato, a medida de acolhimento em instituição.
            Aplicada a referida medida provisória - com os desenvolvimentos e as vicissitudes a que se reportam os autos - e na impossibilidade de uma decisão negociada, foi cumprido o disposto no n.º 1 do art.º 114º, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo/LPCJP [aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.9, na redacção introduzida pela Lei 31/2003, de 22.8][1] e realizado o debate judicial com a inquirição de diversas técnicas e responsáveis de entidades com intervenção directa na situação em apreço, dos progenitores, dos avós maternos da menor e das testemunhas indicadas pelo M.º Público e pelo requerido, após o que, por acórdão de 07.10.2014, foi decidido:
            - Aplicar a favor de M (…) (…) a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, prevista no art.º 35º, n.º 1, alínea g), da LPCJP, mantendo-se a M (…) sob a guarda do CAT x (...) , em y (...) , onde se encontra.
            - Decretar a inibição do poder paternal, determinando-se a cessação das visitas à criança por parte da família natural desta, em conformidade com o disposto nos art.º 1978º-A do Código Civil e 62º-A, n.º 2, in fine, da LPCJP.
            - Nomear como curador da menor, o Sr. Director da Instituição do CAT x (...) .
            Inconformado com o referido acórdão e visando a alteração do decidido, de modo a que a menor/filha não lhe seja retirada, o requerido apelou, terminando a alegação com as seguintes conclusões:

            (…)

            O M.º Público respondeu à alegação do recorrente, pugnando pela manutenção das medidas decretadas.

            Atento o referido acervo conclusivo, importa decidir: a) se e em que medida se justifica reapreciar a prova pessoal produzida nos autos (em particular, a indicada no recurso) e se relevam os (novos) meios de prova supra referidos; b) acervo fáctico a considerar; c) se as medidas aplicadas se ajustam a esse quadro fáctico.
*
            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
            a) A criança M (…) nasceu a 14.3.2013 e encontra-se registada como filha de P (…) e A (…);
            b) Em 26.3.2013 foi aplicada à criança M (…) medida provisória de acolhimento em instituição;
            c) Em execução da sobredita medida, a criança M (…) foi colocada sob os cuidados do CAT “ z (...) ” da Associação w (...) ;
            d) A mãe da M (…) à data do seu nascimento era uma jovem com 19 anos de idade, solteira, que residia com os pais e um irmão na Rua (...) , h (...) ;
            e) Ainda àquela data, a A(…) e os avós maternos da M (…) estavam desempregados, sendo que a prestação social de RSI havia sido cessada, por a A (…) ter prestado falsas declarações quanto às suas habilitações literárias, além de que o seu progenitor faltou injustificadamente a convocatória enviada pelo IEFP; e a sua progenitora por não ter cumprido o programa de inserção;
            f) O agregado sobrevivia de trabalho indiferenciado que os avós realizavam à jorna, de forma irregular e do apoio prestado pelo programa comunitário de apoio alimentar a carenciados;
            g) Em benefício da progenitora A (…)correu termos processo de promoção e protecção na CPCJ de h (...) , em virtude desta assumir comportamentos desajustados que afectavam o seu bem estar e desenvolvimento, não revelando os progenitores capacidade para lhe imporem regras e limites, que foi arquivado em 08.8.2011, quando a A (…) atingiu a maioridade;
            h) A A (…) não concluiu o 9º ano de escolaridade e foi encaminhada para a frequência de um curso financiado pelo Programa Operacional Potencial Humano, “tipologia 6.1. trabalhador rural”, que iniciou em 27.02.2012, que lhe permitia a certificação escolar do 9º ano, bem como beneficiar de bolsa de formação no valor de € 209,61 e subsídios de alimentação e transporte, tendo sido excluída por ter excedido o limite de faltas;
            i) A (…) foi avaliada pela equipa de psicologia da Unidade de Intervenção Precoce da Maternidade Bissaya Barreto apresentando um funcionamento psíquico primário, predominando o raciocínio concreto na vez do lógico dedutivo expectável para a sua idade cronológica, concluindo-se pela existência de limitações cognitivas e psicoafectivas que podiam afectar as suas competências maternas, nomeadamente a capacidade de interpretar e responder de forma adequada a todas as exigências de um recém-nascido;
            j) É uma jovem imatura, com um discurso incoerente que recorre a confabulação e emocionalmente instável;
            k) A(…) cose sapatos em casa e esteve integrada numa pastelaria local, tendo acabado por abandonar esta actividade, alegando ser incompatível com os horários das visitas à filha no centro de acolhimento temporário;
            l) Os avós maternos residem numa habitação de construção rudimentar, ainda inacabada, com insuficiência/ausência de equipamentos domésticos, degradada, insalubre, com parte do pavimento em cimento, sem mosaicos, com infiltrações pluviais e desorganizada em termos de higiene;
            m) A avó materna apresenta limitações cognitivas, tendo sido seguida na consulta de psiquiatria do Centro Hospitalar Psiquiátrico de k (...) , mas nem sempre compareceu às consultas;
            n) A avó materna está integrada num contrato de emprego de inserção na Junta de Freguesia, desde Junho de 2013;
            o) O avô materno é consumidor de bebidas alcoólicas em excesso e a dinâmica do agregado familiar é disfuncional, conflituosa e pautada por situações de violência familiar, particularmente exercida pelo avô sobre a avó;
            p) O avô materno realiza trabalhos indiferenciados, de forma irregular, e o agregado familiar não dispõe de rendimentos fixos mensais, e dedica-se ainda à pecuária e agricultura nas terras circundantes à habitação para consumo próprio e venda;
            q) Os bisavós maternos encontram-se reformados e usufruem de apoio domiciliário de uma instituição local, apresentando o bisavô graves problemas de saúde;
            r) O irmão da A (…), de 16 anos de idade, encontra-se em abandono escolar em virtude da progenitora não o ter matriculado em tempo;
            s) O progenitor de M (…), P (…) vive com uma companheira, tem hábitos alcoólicos e nunca compareceu na maternidade para a visitar;
            t) A M (…) nasceu às 35 semanas e 6 dias (prematura) e com baixo peso e esteve internada na Unidade de Cuidados intensivos da Maternidade Bissaya Barreto;
            u) A adaptação de M (…) ao z (...) foi positiva, não tendo manifestado qualquer tipo de rejeição ou agitação;
            v) Naquela instituição, o progenitor visitou a filha uma vez em 12.4.2013, nunca o tendo realizado aquando do seu internamento médico, apesar de ser ele quem amiúde transporta a progenitora;
            w) P (…) nunca efectuou qualquer contacto telefónico junto da instituição onde a M (…) está acolhida;
            x) Este tem um relacionamento há cerca de 10 anos com (…) com quem tem uma filha em comum, (…), de 9 anos de idade;
            y) (…) é alvo de processo de promoção e protecção junto da CPCJ de Coimbra por exposição a situação de violência doméstica perpetrada pelo progenitor;
            z) O progenitor tem ainda dois filhos fruto do seu casamento (…) com quem não tem contacto há mais de 8 anos;
            aa) O progenitor iniciou trabalho aos 11 anos como padeiro, dedicando-se à construção civil a partir dos 13 anos;
            bb) Presentemente, é sucateiro e declara o rendimento médio mensal de € 800;
            cc) Tem como habilitações literárias o 4º ano;
            dd) A sua companheira trabalha numa pastelaria local;
            ee) P (…) regista as seguintes condenações:
            - Prática em Agosto de 2005, contra a sua convivente, (…)de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo art.º 152º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CP, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução, pelo mesmo período;
            - Prática em 27.5.2011, de um crime de receptação, previsto e punido pelo art.º 231º, n.º 1 do CP, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de € 6;
            ff) Em 05.6.2013, o CAT z (...) reconheceu competências básicas para o cuidado de M (…)pela sua progenitora mediante supervisão;
            gg) Salientou-se, no entanto, que a observação de competências efectuada pelo z (...) é circunscrita a um período de tempo limitado e em ambiente protegido;
            hh) Em 26.6.2013, por decisão homologatória, foi aplicada à M(…) medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição, prevista no art.º 35º, n.º 1, al. f) e 49º, da LPCJP, com acompanhamento da mãe na referida instituição;
            ii) Em 23.7.2013, a t (...) (Comunidade de Inserção tt (...) , sita na ttt (...) ) acolheu a criança, acompanhada pela mãe, pelo período de 6 meses;
            jj) Inicialmente, a A(…) mostrou-se motivada para o acolhimento;
            kk) Após, e quase logo depois, passou a verificar-se uma crescente determinação em abandonar a Casa de Acolhimento, verbalizando frequentemente essa vontade, tendo chegado a fazer as malas no fim de semana de 23 e 24.8.2013;
            ll) Na hipótese de sair sem a filha, A(…) reagiu referindo que atirava a filha por uma janela;
            mm) Na instituição, a progenitora não estabeleceu ligação com o grupo de pares e isolou-se, por não poder ir a casa ao fim de semana;
            nn) E incompatibilizou-se com a família de origem, com quem não contactava, retirando todos os seus pertences da casa dos pais quando saiu para acompanhar a sua filha na instituição;
            oo) A progenitora assume comportamento agressivo e instável para com as restantes colegas;
            pp) Não se encontra preparada para sozinha tomar conta da M (...) , denunciando falta de maturidade e de aquisição de competências;
            qq) Em 08.10.2013, foi prorrogada por 3 meses a execução da medida de acolhimento em instituição, a executar junto da x (...) - CAT da Santa Casa de Misericórdia de y (...) ;
            rr) À data da conferência, a A (…) decidiu não regressar à instituição onde a M (...) estava, optando por ficar junto do progenitor em h (...) ;
            ss) A transferência institucional da M (…) fez-se sem a companhia da mãe;
            tt) Ao chegar, a M (…) apresentava-se triste e visivelmente assustada com a presença dos técnicos, desconhecidos para si;
            uu) A criança ficou integrada em valência de creche e integrou-se bem no seu grupo de pares;
            vv) Desde a sua permanência nesta instituição, os pais visitaram a M (…) nos dias seguintes: 26/10/2013; 02/11/2013; 09/11/2013; 16/11/2013; 23/11/2013; 07/12/2013; 14/12/2013 e 28/12/2013 (nestas duas últimas datas, apenas a mãe esteve presente);
            ww) A mãe visitou a M (…) nos dias 21 e 22 de Dezembro de 2013, aquando do seu internamento no Hospital Pediátrico;
            xx) Durante o internamento de M (...) no hospital Pediátrico, que durou cerca de um mês e meio, o pai não efectuou qualquer visita no hospital;
            yy) Nem nunca realizou qualquer contacto para a instituição a fim de saber informações sobre a filha;
            zz) Não obstante terem marcado visita para as seguintes datas, os pais acabaram por não comparecer: 30/11/2013; 04/01/2014; 11/01/2014; 18/01/2014; 01/02/2014; 03/02/2014; 05/02/2014 e 11/02/2014;
            aaa) No tempo de visita os progenitores demonstraram um comportamento distante;
            bbb) As visitas foram marcadas, de um modo geral, pela superficialidade das relações dos pais para com a M (…);
            ccc) Durante as visitas é frequente a M(…) procurar o contacto ocular com a técnica presente;
            ddd) Naquelas ocasiões, a progenitora da M (…) denotou fragilidade emocional, estrutural e com sinais de não ter apoio conjugal num projecto de vida;
            eee) Na actualidade, P(…) e A (…) não vivem maritalmente;
            fff) Nem tencionam viver conjuntamente, uma vez que P (…) retomou a comunhão de cama, mesa e habitação com a anterior companheira (…).
            ggg) Foi diagnosticado à M (…) atraso de desenvolvimento, beneficiando na instituição de apoio semanal;
            hhh) O estado de saúde de (…) (bronquiolite e atraso de desenvolvimento) exige um ambiente estável e uma atenção especial dos seus cuidadores, bem como uma correcta e constante higienização do espaço onde habita e uma estimulação adequada, que os pais não lhe podem dar;
            iii) O discurso bem intencionado da progenitora de que faria qualquer coisa para que se pudesse manter perto da filha não teve correspondência com os seus actos;
            jjj) Os pais da M (…) revelaram manifesto desinteresse pela criança, não se inteirando das suas necessidades e interesses, nem estabelecendo com a mesma vínculos afectivos inerentes à filiação.
            kkk) O progenitor, em sede de debate, verbalizou que era sua intenção abandonar a actividade de sucateiro e encontrar ocupação na área da construção – pedreiras, embora não tenha nada em perspectiva;
            lll) A progenitora não se mostrou motivada para novos encaminhamentos no âmbito profissional e de formação;
            mmm) O progenitor escondeu a relação que manteve com A (…) da sua companheira (...) ;
            nnn) O progenitor utilizou como justificação para não visitar a M (…) no hospital o facto da companheira (...) desconhecer que a mesma era sua filha.
            ooo) Utilizou a mesma justificação relativamente à não comparência em algumas das visitas na instituição;
            ppp) Após a única visita do progenitor à t (...) , a A (…) vivenciou um episódio de descompensação emocional, tendo demonstrado vontade de abandonar a instituição e ir viver com o pai da M (…);
            qqq) A companheira do progenitor foi encaminhada para o Gabinete de apoio à vítima (GAV), em Agosto de 2010;
            rrr) Nessa altura, relatou ser vítima de violência doméstica há já alguns anos, referindo ter apresentado queixa na GNR anteriormente mas que, por pressão de familiares do P (…)e do próprio, não prestou declarações, tendo voltado a coabitar com o mesmo, pois tinha saído de casa quando apresentou queixa;
            sss) A (...) e a filha N(...) foram integradas em Casa Abrigo;
            ttt) A (...) verbalizou, nessa altura que ”O Sr. P (…) teria adquirido uma caçadeira (ilegal) com a qual a ameaçou de morte todo o fim de semana (…) A D. (…)esperou pela segunda feira de manhã altura em que o companheiro se ausentou para ir trabalhar, para pedir ajuda, vindo acompanhada pela filha (…), na altura com 5 anos”.
            uuu) Durante o atendimento de emergência, a (…) apresentaram-se assustadas, tendo a menor referido que não deixava a mãe sozinha, porque o pai a queria matar;
            vvv) A integração na Casa Abrigo durou um mês tendo a (…)voltado a coabitar com o P (...) ;
            www) A queixa por violência doméstica veio a ser arquivada porquanto a (…) não prestou declarações;
            xxx) Em 28.01.2003, a (...) voltou a procurar a equipa do GAV, referindo que o P (…) durante o fim de semana e bastante alcoolizado, a terá novamente ameaçado de morte, com recurso a facas;
            yyy) A (…) apresentou queixa crime por violência doméstica na GNR de h (...) e nesse dia alterou a morada para casa da mãe, em q (...) , Coimbra;
            zzz) Cerca de 15 dias depois, a (...) já se encontrava a viver novamente com o P (...) , tendo este processo tido o desfecho mencionado em II. 1. www);
            aaaa) A (…) desvaloriza os comportamentos e atitudes violentos do P (…) apenas procurando ajuda em situações extremas, como as que envolveram a ameaça de utilização de armas;
            bbbb) A (...) desculpabilizou os últimos episódios de violência por parte do P (...) com a circunstância da própria o ter confrontado com a relação mantida com a A (...) ;
            cccc) Os pais não revelam angústia pela separação da M (…) na instituição;
            dddd) Na visita de 09/11, o pai saiu da instituição sem se despedir da filha;
            eeee) Existe mau relacionamento entre o P (…) e os avós maternos da M (…)
            ffff) A companheira do progenitor aufere o vencimento de € 580;
            ggg) Habitam em casa arrendada, servida por luz eléctrica, água canalizada, composta por cozinha, dois quartos, casa de banho e sala;
            hhhh) O progenitor teve outra filha em Agosto de 2013, fruto do seu relacionamento com (…);
            iiii) Esta relação foi ocultada à (...) bem como o nascimento desta filha;
            jjjj) O relacionamento entre a (…) tem sido pautado por conflitos;
            kkkk) Em circunstâncias e data não concretamente apuradas, a (…) atraiu a (…) a sua casa, utilizando como desculpa conversarem todos sobre a filha desta e do P (…) e agrediu a (…);
            llll) Os progenitores nunca levaram brinquedos para interagirem nas visitas com a M (...) , fazendo apenas uso do telemóvel;
            mmmm) Os progenitores entre 20/02 e 01.4.2014, marcaram 6 visitas (25/02, 05, 6, 12, 14 e 17/3), acabando por não comparecer.
            nnnn) Os pais não visitaram a M (…) no dia do seu aniversário;
            oooo) Após 1 de Abril, os progenitores compareceram nas visitas, faltando nos dias 21 e 28 de Junho;
            pppp) A (…) retira em média, a quantia mensal de € 90 da actividade de coser sapatos;
            qqqq) O avô materno não conhece a M (…)e a avó materna apenas esteve com a criança por ocasião do nascimento;
            rrrr) O horário de trabalho da (...) é das 6 h às 13 h e das 11 às 19h30, alternadamente e uma vez por mês tem folga de sábado a terça feira, mas por vezes também trabalha nas folgas;
            ssss) O P (…) contribui a título de alimentos com a quantia de € 175 (para a (…) e para a filha da (…)), sendo certo que para a M(…)não tem pago;
            tttt) O P (...) paga de renda a quantia de € 150 e uma prestação no valor de € 45 para aquisição de mobiliário;
            uuuu) Os pais, por vezes, atrasam-se nas visitas à M(…);
            vvvv) Nessas ocasiões nunca pediram para a visita ser prolongada;
            wwww) Os pais, em algumas ocasiões em que faltaram à visita, não avisaram;
            xxxx) Em tais ocasiões, a M(…) foi preparada para a visita;
            yyyy) O P (…) ameaçou a (…) que a matava se esta contasse a alguém que andava com a A (...) .
            2. E deu como não provado:
            a) A residência da progenitora não se mostra dotada de casa de banho;
            b) O progenitor é pessoa saudável, trabalhadora e educado;
            c) Vive a sua vida de acordo com critérios de correcção moral e respeito pelo próximo;
            d) Mostra-se inserido e com bom comportamento social com os seus familiares, amigos, conhecidos e vizinhos;
            e) O progenitor nutre pela filha M(.,..) amor;
            f) A M (…) adora o pai;
            g) O progenitor procura ter uma relação de proximidade, intimidade e confiança mútua com a M (...) ;
            h) O progenitor tem visitado todos os fins-de-semana a M (…) na instituição onde a mesma se encontra acolhida.
            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
            Estamos perante um processo de jurisdição voluntária (art.º 100º, da LPCJP), pelo que o tribunal não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente/não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (art.º 987º, do CPC), a que melhor serve os interesses em causa[2]; salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes[3] (cf. art.ºs 986º, n.º 2; 987º; 988º, n.º 1, 1ª parte e 989º, do CPC).
            Daí que, em cada caso, releve, sobretudo, a preocupação de respeitar a verdade material e a finalidade prosseguida no processo (de promoção e protecção), pelo que a actuação processual dos interessados no desfecho da lide e os princípios e as regras do Processo Civil poderão ser secundarizados se e quando colidam ou inviabilizem a possibilidade de proferir a decisão tida como mais equitativa, conveniente e oportuna.
            Assim, se, por exemplo, o recorrente, ao insurgir-se contra a factualidade dada como provada em 1ª instância, não tiver observado todas as regras de impugnação da decisão relativa à matéria de facto previstas nos art.ºs 639º e 640º, do CPC, tal não obstará a que se verifique se alguma modificação deve ser introduzida, considerando-se o objecto dos autos e as posições dos progenitores.
            Não obstante, atender-se-á, ainda, por um lado, no tocante ao regime das provas, que para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial e, por outro lado, que ao processo de promoção e protecção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recursos, as normas relativas ao processo civil de declaração (art.ºs 117º e 126º, da LPCJP).
            Esta, pois, a perspectiva que também aqui se perfilha e actua.
            4. a) O recorrente pretende que se dê como não provada a factualidade descrita em II. 1. alíneas s), v), aaa) a ccc), hhh), jjj), nnn), rrr), ttt), uuu), www) a yyy), aaaa), cccc) a eeee), llll), wwww) e yyyy) e como provada a matéria aludida em II. 2. alíneas e), f) e g), supra.     
            Porém, sem indicar passagens ou excertos da gravação em que se funda o seu recurso, invocou, apenas, as declarações da requerida, os depoimentos da sua actual companheira e de uma outra sua “ex-namorada” (mãe da sua filha mais nova), bem como os registos fotográficos e em vídeo juntos ao abrigo do disposto no art.º 651º, do CPC, “para demonstração de que parte dos depoimentos e relatórios sociais não correspondem ao vaticinado pelas técnicas sociais”, ignorando-se, assim, se e em medida analisou e ponderou a demais prova produzida nos autos e durante o debate judicial.
                Tendo em conta o exposto e o preceituado no art.º 117º, teremos necessariamente de atender a todo o material probatório produzido nos autos e no decurso do dito debate, sendo que foram então ouvidas diversas técnicas directamente envolvidas nos actos e procedimentos documentados nos autos.
            (…)
            Os factos a considerar são, pois, aqueles que ficaram enumerados em II. 1., supra, nenhuma razão existindo para a sua modificação ou a realização de novas diligências.
            5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (art.º 36º, n.ºs 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa/CRP).
            A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (art.º 67º, n.º 1, da CRP).
            Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país (art.º 68º, n.º 1, da CRP).
            As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (art.º 69º, n.ºs 1 e 2, da CRP).
            6. A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros, da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo, considerando-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontre numa das seguintes situações:

            a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

            b) Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
            c) Não recebe o cuidado ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
            d) É obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados para a sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudicais à sua formação ou desenvolvimento;
            e) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
            f) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação (art.º 3º da LPCJP).
            Entre os princípios norteadores da intervenção para a promoção e protecção da criança, destacam-se o do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção precoce, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e actualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência da família [art.º 4º, alíneas a), c), d), e), f) e g)].
            Para efeitos da Lei de Promoção dos Direitos e de Protecção da Criança e do Jovem em Perigo considera-se criança (ou jovem) a pessoa com menos de dezoito anos [art.º 5º, alínea a)][4].
            As finalidades das medidas de promoção são o afastamento do perigo em que estão incursos os jovens e crianças, a criação de condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (art.º 34º).
            As medidas de promoção e protecção vêm enumeradas no art.º 35º, n.º 1, da LPCJP, subdividindo-se em medidas a executar no meio natural de vida ou em regime de colocação (cf. n.º 2).
            7. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.º 1878º, n.º 1, do CC).
            Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das situações seguintes:

            a) Se o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos;

            b) Se tiver havido consentimento prévio para adopção;

            c) Se os pais tiverem abandonado o menor;
            d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento do menor;
            e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.         
            Na verificação das mencionadas situações o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.
            Considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e promoção dos direitos dos menores (art.º 1978º, n.ºs 1, 2 e 3, do CC, na redacção conferida pela Lei n.º 31/2003, de 22.8).
            A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique uma das situações previstas no artigo 1978º do Código Civil (art.º 38º-A, da LPCJP, aditado pela Lei n.º 31/2003, de 22.8).
            Decretada a confiança judicial do menor ou a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, ficam os pais inibidos do exercício do poder paternal (art.º 1978º-A, do CC, aditado pela Lei n.º 31/2003).
            8. A sociedade e o Estado têm o especial dever de desencadear as acções adequadas à protecção da criança vítima de violência, abandono ou tratamento negligente, ou por qualquer outra forma privada de um ambiente familiar normal (art.º 69º, da CRP).
            É com esse desiderato que surge, no nosso ordenamento jurídico, a LPCJP (art.ºs 1º e 2º).
            As situações enumeradas no art.º 3º e qualquer outra igualmente susceptível de configurar perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem comprometem os direitos fundamentais da criança ou do jovem, legitimando a intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e autonomia e na sua família.[5]
            O direito das crianças à protecção consagrado do art.º 69º da CRP é um “direito social” que não tem por sujeitos passivos apenas o Estado e os poderes públicos, em geral, mas também a “sociedade”, a começar pela própria família (incluindo os progenitores) e pelas demais instituições (creches, escolas, instituições de acolhimento de menores, etc.), o que configura uma clara expressão de direitos fundamentais nas relações entre particulares.
            O n.º 2, do referido art.º, ao impor ao Estado o dever de especial protecção às crianças órfãs, abandonadas, ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, tem em vista a protecção da criança ou jovem em perigo, promovendo os seus direitos, legitimando a intervenção do Estado, especificando medidas e definindo os esquemas procedimentais indispensáveis a tal protecção. E a Constituição individualiza três situações de perigo (crianças órfãs, abandonadas, privadas de ambiente familiar normal), sendo que na densificação do conceito de “ambiente familiar normal” a “anomalia” deve ser vista na perspectiva da falta de condições para o cuidado e o desenvolvimento da criança (situações de toxicodependência e de alcoolismo, de prisão dos pais, etc.).
            Os interesses da criança constituem o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens, justificando a retirada da criança à guarda dos pais e o favorecimento da adopção mesmo contra a oposição dos pais como formas de protecção a crianças privadas de um ambiente familiar normal.[6]
            9. A intervenção de protecção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontra, no momento em que a decisão é tomada (princípios da proporcionalidade e actualidade).

            Decorre das “alegações” de recurso que o recorrente/progenitor diz que a sentença sob censura valoriza os factos pretéritos e desconsidera ou não atende à realidade actual.

            Com vimos, a factualidade considerada pelo Tribunal recorrido reporta-se a tudo quanto foi recolhido até à data da realização do debate (Setembro de 2014/fls. 415, 423, 440 e 447); o Tribunal recorrido - como resulta da fundamentação da “decisão de facto” - tomou em consideração quer os factos mais recuados no tempo quer os que respeitavam às últimas vivências e aos últimos acontecimentos relevantes para a vida da menor e dos requeridos.

            Não é assim correcta a perspectiva contrária ora invocada.
            10. Decorre da factualidade provada que o requerido tem pautado a sua vida por alguma leviandade e irresponsabilidade, sem cuidar de atender a toda a realidade que o envolve, desde logo, as necessidades (alimentares e afectivas) dos seus filhos, fruto, também, das suas diversas e episódicas relações, e nada nos diz que esse quadro pretérito não possa vir a projectar-se no futuro com novos, mas idênticos, acontecimentos, e toda a problemática que lhes anda normalmente associada - instabilidade afectiva (e emotiva), conflitos e violência, dificuldades de relacionamento, dificuldades no crescimento e desenvolvimentos das crianças, etc., etc.
            Relativamente à menor M (…) se nenhuma dúvida se suscita quanto à incapacidade da requerida para desempenhar o seu papel de mãe [como bem se refere na decisão sob censura: “a mãe padece de limitações cognitivas e psico-formativas que comprometem as suas competências maternas, nomeadamente a capacidade de interpretar e responder de forma adequada às exigências da M (…), sem supervisão”], os elementos disponíveis também não permitem concluir que o requerido/recorrente reúna as condições necessárias para cumprir os seus deveres de pai.
            Ficou provado, nomeadamente: o requerido tem hábitos alcoólicos e nunca compareceu na maternidade para visitar a menor; nunca a visitou aquando do seu internamento médico; nunca efectuou qualquer contacto telefónico junto da instituição onde a M (…) está acolhida; a menor (…) é alvo de processo de promoção e protecção junto da CPCJ de Coimbra por exposição a situação de violência doméstica perpetrada pelo requerido; o requerido tem ainda dois filhos fruto do seu casamento, (…) com quem não tem contacto há mais de 8 anos; durante o internamento da M (…) no Hospital Pediátrico, que durou cerca de um mês e meio, o pai não efectuou qualquer visita no hospital; nem nunca realizou qualquer contacto para a instituição a fim de saber informações sobre a filha; não obstante terem marcado visita, os pais acabaram por não comparecer em 30/11/2013, 04/01/2014, 11/01/2014, 18/01/2014, 01/02/2014, 03/02/2014, 05/02/2014 e 11/02/2014; no tempo de visita os progenitores demonstraram um comportamento distante; as visitas foram marcadas, de um modo geral, pela superficialidade das relações dos pais para com a M (…); durante as visitas é frequente a M (…) procurar o contacto ocular com a técnica presente; foi diagnosticado à M(…) atraso de desenvolvimento, beneficiando na instituição de apoio semanal; o estado de saúde de M(…) (bronquiolite e atraso de desenvolvimento) exige um ambiente estável e uma atenção especial dos seus cuidadores, bem como uma correcta e constante higienização do espaço onde habita e uma estimulação adequada, que os pais não lhe podem dar; a (…) desculpabilizou os últimos episódios de violência por parte do P (…)com a circunstância da própria o ter confrontado com a relação mantida com a A (…) os pais não revelam angústia pela separação da M (…)na instituição; o requerido teve outra filha em Agosto de 2013, fruto do seu relacionamento com (…); esta relação foi ocultada à (...) bem como o nascimento desta filha; o relacionamento entre a (…) tem sido pautado por conflitos; os progenitores entre 20.02 e 01.4.2014, marcaram 6 visitas (25/02, 05, 6, 12, 14 e 17/3), acabando por não comparecer; os pais não visitaram a M (…) no dia do seu aniversário; o requerido contribui a título de alimentos com a quantia de € 175 (para as filhas (…)), sendo certo que para a (…) não tem pago; os requeridos, por vezes, atrasam-se nas visitas à M (…) mas nunca pediram para a visita ser prolongada; em algumas ocasiões em que faltaram à visita, não avisaram; o P (…) ameaçou a (…) que a matava se esta contasse a alguém que andava com a A (...) [cf. II. 1. alíneas s), v), w), y), z), xx) a ccc), ggg), hhh), bbbb), cccc), hhhh) a jjjj), mmmm), nnnn), ssss) a wwww) e yyyy), supra].
            11. Dados os interesses em presença, não se poderá colocar o interesse superior da (…) constitucional e legalmente consagrado, num estado de perigo iminente, já que as condições de vida e a actuação dos progenitores, no passado e no tempo presente, desaconselham de todo em todo, pelos progressos entretanto verificados e pelas circunstâncias do crescimento e desenvolvimento da personalidade da menor, quaisquer das alterações que o recorrente ousa sugerir, e, em derradeira análise, se é certo que os direitos e interesses dos pais e restantes familiares deverão ser tidos em conta, jamais se poderá ignorar que os direitos e interesses das crianças têm primazia.
            Tendo presente a factualidade supra descrita e o apontado quadro normativo, é por demais evidente que a decisão recorrida não desrespeitou quaisquer normas legais e constitucionais, sendo que as medidas aplicadas [medida de acolhimento em instituição/art. 35º, n.º 1, alínea f) e medida de entrega a instituição com vista a futura adopção/art.ºs 35º, n.º 1, alínea g) e 38º-A, b)] foram/são as adequadas e ajustadas à gravidade da situação em apreço.
            Ademais, como bem se afirma na decisão recorrida, “o tempo passou, continuou a passar e estes pais não se reorganizaram nem demonstraram que a filha constitui sua prioridade, que faz parte da sua vida pois não conseguem amá-la, interagir com ela, transmitir-lhe amor e confiança”; “revelam eles próprios muitas carências, modo de vida desadequado, sem trabalho certo, sem maturidade suficiente e acima de tudo sem competências parentais mínimas para poder assumir e cuidar da filha”; “e a vontade do pai, acompanhado da anuência da (…), de ficar com a M (…)por si só, não oferece quaisquer garantias, tendo em conta a personalidade do mesmo e a disfuncionalidade do seu agregado”; “não temos elementos que, com alguma credibilidade, nos permitam concluir que o pai esteja real e efectivamente disposto a sustentar e a acolher uma criança com a qual não mantém qualquer laço afectivo, quando é certo que praticamente não tem convívio com os filhos mais velhos e expõe a sua filha (…)a episódios de violência”; “estando em causa uma criança com 18 meses que não conheceu outra realidade senão a de contexto institucional, não pode nem deve manter-se a sua colocação em instituição a aguardar a possibilidade (meramente teórica e sem qualquer consistência prática) de os pais virem a adquirir as condições necessárias para a acolher e para lhe proporcionar o afecto, a segurança e todos os demais cuidados de que carece”; “decorre do exposto que se encontram preenchidos os pressupostos gerais de aplicação de medida de promoção e protecção (…)”.
            12. Constitui pressuposto da medida de confiança para adopção que “não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação”, situação que deverá ser constatada “pela verificação objectiva” de qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978º, do CC.
            Dois dos princípios norteadores da aplicação das medidas de promoção e protecção, como já antes referimos, são os da responsabilidade parental e da prevalência da família [art.º 4º, alíneas f) e g)].      
            No caso dos autos, a patente incapacidade parental dos progenitores da menor impede que tenha execução o princípio da responsabilidade parental.
            Não foi identificada qualquer pessoa dentro da família alargada da menor que tenha vontade e capacidade para debelar os perigos em que esta se encontrava quando foi determinado o seu acolhimento institucional.
            Por isso, as medidas com potencialidade para pôr termo à situação em que a menor se achava antes dessa decisão para acolhimento institucional não passam por medidas a executar no meio natural de vida [previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1, do art.º 35º].
            Permitir que a M (…) fosse agora para qualquer dos agregados dos seus progenitores seria certamente permitir que a mesma regredisse em termos de competências já adquiridas na instituição ou as não desenvolvesse ao ritmo a que pode futuramente fazê-lo, que continuasse a crescer sem uma referência afectiva – daí, a inteira adequação da resposta do acolhimento em instituição e a confiança com vista a futura adopção.[7]
            A M (…)merece crescer no seio de uma família que lhe proporcione as condições ao nível dos cuidados alimentares, saúde, estabilidade residencial e emocional, acompanhamento na educação e formação[8] - os progenitores nunca reuniram tais condições e não se perspectiva que venham a reuni-las em tempo útil para a menor.
            O seu projecto de vida não se compadece com mais delongas, a M (...) tem direito a uma família que dela cuide com amor, em disponibilidade total, pois o tempo das crianças, o tempo do seu crescimento e desenvolvimento flui inexoravelmente e a um ritmo mais célere que o dos adultos, o que impõe uma intervenção tanto quanto possível precoce, proporcional e adequada à remoção dos perigos e danos que determinaram a necessidade de aplicação de uma medida de promoção e protecção [art.º 4º, alíneas c) e e)][9].
            Nada a objectar, pois, à conclusão do tribunal recorrido de que os factos elencados como provados integram a previsão da alínea e) do n.º 1 do art.º 1978º, do CC, e que o interesse da M (…) impõe assim que se aplique a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção [art.º 35º, n.º 1, alínea g)], convictos de que assim se respeitará o indeclinável objectivo de alcançar “o melhor para a criança”, pois “é esta que conta em primeiro lugar”.[10]
            Conclui-se, desta forma, pela insubsistência das “conclusões” da alegação de recurso e o acerto da decisão do tribunal recorrido.
*
            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.    
            Sem custas (art.º 4º, nº 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais).

    *

10.3.2015

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernando Monteiro


[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.

[2] Vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982, págs. 400 e 401.
[3] Isto é, no dizer da lei, tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (art.º 988º, n.º 1, 2ª parte, do CPC).

[4] À semelhança do previsto na Convenção da ONU sobre os direitos da criança de 1989 (art.º 1º).
[5] Vide, a propósito, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família, Coimbra Editora, 2009, págs. 34 e seguinte.
[6] Vide, neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 869 e seguintes.
[7]Vide, a propósito, T. Berry Brazelton e Syanley I. Greenspan, A Criança e o Seu Mundo – Requisitos Essenciais para o Crescimento e Aprendizagem, Editorial Presença, 5ª edição, 2006, págs. 61 e seguinte: “Penso que se tem dado demasiada importância aos direitos dos pais biológicos, minimizando os da criança. Quanto mais tempo decorre, mais fortes deverão ser os motivos invocados para reaver o bebé. São os direitos deste que devem prevalecer (…)”.
[8] De acordo com o disposto no art.º 4º, alínea g), a prevalência da família na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem implica a prevalência das medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção - deste princípio resulta uma clara e compreensível preferência do legislador por medidas de promoção e protecção que facultem a integração das crianças e jovens em ambientes familiares, quer assentem na família natural ou em família adoptiva.
[9] Cf. o acórdão desta Relação de 19.10.2010-processo n.º 98/09.6TBGRD.C1.
[10] Vide T. Berry Brazelton e Syanley I. Greenspan, ob. cit., págs. 62 e 69.