Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
64/09.1TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ENRIQUECIMENTO POR PRESTAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 09/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR, 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 342º E 473º C. CIVIL.
Sumário: I – O enriquecimento sem causa, enquanto fonte obrigacional específica, pressupõe a existência de uma “causa justificativa” da deslocação patrimonial, sendo que só por referência à alegação desta causa se pode constatar a sua falta.

II – No caso do chamado “enriquecimento por prestação” do empobrecido, a obrigação de restituir assenta na efectiva inexistência, não verificação ou posterior desaparecimento da concreta “causa justificativa” que presidiu a essa prestação.

III – A “causa justificativa”, sendo um dos elementos integradores da obrigação de restituir decorrente do artigo 473º do CC, carece de alegação e prova dos respectivos factos constitutivos, especificamente dirigidas à produção desse efeito (restituição).

IV – A falta de prova da “causa justificativa” alegada implica, relativamente ao enriquecimento sem causa, o accionar, por ausência dos pertinentes factos constitutivos, das “regras de decisão” previstas no artigo 342º do CC.

V – Assim, o enriquecimento sem causa não traduz uma regra “residual” de decisão (não traduz sequer uma regra de decisão), que seja desencadeada, no que à obrigação de restituir respeita, pela indemonstração da causa de uma deslocação patrimonial, cuja invocação se dirigia a outro efeito (como seja a restituição de uma quantia mutuada).

VI – Nestes casos, invocação de ter existido um mútuo sem que se tenha logrado prová-lo, a acção improcede, sendo descabido determinar a restituição do que foi prestado aos alegados mutuários com base no suposto enriquecimento sem causa destes.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Em 18 de Janeiro de 2009[1] O… (A. e Apelado neste recurso) demandou A… e mulher, P… (RR. e Apelantes), afirmando ter “emprestado” a estes dois RR, em função de uma relação pessoal de amizade, a quantia global de €42.500,00, isto em três entregas (entre Julho de 2004 e Junho de 2005), respectivamente de €12.500,00, €25.000,00 e €5.000,00, comprometendo-se os destinatários desses empréstimos a devolverem metade dos montantes (€21.500,00) até ao fim do ano de 2005 e o restante até ao fim de 2006. Nada devolveram os RR., afirma-o o A., fazendo descaso das insistências deste para esse efeito.

Ora, desrespeitando estes mútuos a forma legal prevista no artigo 1143º do Código Civil (CC)[2], já que não foi empregue escritura pública nem sequer utilizada a forma escrita simples (terão sido sempre mútuos verbais), tratar-se-iam de mútuos nulos, devendo, em função dessa incidência, ser restituído tudo o que prestado fora (artigo 289º, nº 1 do CC).

            É, enfim, o que o A. pretende nesta acção: que seja declarado nulo o mútuo (os mútuos) e que os RR. sejam condenados a devolver os €42.500,00, com juros contados desde a respectiva citação.

            1.1. Os RR. impugnaram esta pretensão e os respectivos fundamentos referenciando os valores transferidos para eles pelo A. à transmissão a este de posição na sociedade “L…, Lda.”.

            1.2. Em julgamento foi a acção decidida pela Sentença de fls. 290/299esta constitui a decisão objecto deste recurso –, julgando procedente, “por provada” (foi a expressão empregue pelo Senhor Juiz a quo), condenando-se os RR. a satisfazerem ao A. a quantia de €42.500,00 e juros nos termos peticionados. Fundou-se esta procedência no instituto do enriquecimento sem causa – questão não invocada por qualquer das partes ao longo do processo –, fazendo o Tribunal decorrer da indemonstração da tese do A. e da indemonstração da tese dos RR. o desencadear dessa obrigação de restituir, nos termos do artigo 473º do CC[3].

            1.3. Inconformados, recorreram os RR., concluindo o seguinte a rematar a motivação do recurso:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes – transcrevemo-las no item 1.3. supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[4]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            O fundamento do recurso resume-se a saber se o instituto do enriquecimento sem causa, como observámos não invocado pelo A. na acção (nem sequer a título subsidiário[5]), face à indemonstração em paralelo da tese do A. e da tese dos RR. – face, pois, a um non liquet total – seria convocável, como considerou o Senhor juiz a quo, como verdadeira regra residual de decisão face à dita indemonstração de qualquer das teses em confronto na acção. Poderíamos reduzir tudo, assim, ao controlo da aplicação do enriquecimento sem causa na hipótese vertente, a saber: quando alega o A. um mútuo (e este é nulo por falta de forma), como causa da transferência patrimonial, contrapondo o R. que a transferência patrimonial entre os dois ocorreu, por outra causa, concretamente que teve como causa o pagamento do valor resultante da execução de um contrato (aqui de uma cessão de quotas), sendo que nem a versão do A. nem a versão do R. logram demonstração – daí o indicado non liquet total.

Note-se que o Tribunal a quo entendeu que a não prova de qualquer destas versões conduziria à aplicação do artigo 473º do CC, consequentemente ao desencadear da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa. Existe, todavia, um problema com esta decisão – é o problema que se coloca neste recurso –, consistente no postergar, substituída pelo enriquecimento sem causa, da chamada regra de decisão contida no artigo 342º, nº 1 do CC, enquanto norma vocacionada para resolver as hipóteses de non liquet quanto aos fundamentos da acção configurada pelo A.: “[à]quele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”. É este descaso, feito pela decisão recorrida sem qualquer explicação, da regra de decisão decorrente da chamada teoria das normas (do artigo 342º do CC)[6] que aqui nos perturba e interpela vivamente, exigindo um aprofundamento argumentativo da questão, testando a correcção da linha decisória seguida pela primeira instância.

Antes de mais, porém, importa reter os factos provados (os factos considerados pela primeira instância e que aqui ninguém contesta).

 2.1. Ora, esses factos considerados provados na instância precedente foram os seguintes:
“[…]

            2.2. Preambularmente sublinhamos que esta questão – o assumir do enriquecimento sem causa como uma espécie de regra de decisão a aplicar em situações de non liquet total – já foi tratada pelo ora relator, com uma distinta formação da presente, no Acórdão desta Relação de 04/12/2007[7] (que na subsequente argumentação seguiremos de perto em muitos aspectos). Tratava-se nesse caso da alegação pelo autor de ter ocorrido um mútuo e da contraposição pelo réu de ter existido, isso sim, uma doação, não se provando nem uma nem outra das hipóteses[8].

            Neste caso, o confronto entre as duas versões não envolve a alegação pelo R. de uma doação, mas antes de um negócio oneroso referido, ao que parece, a responsabilidades emergentes para o A. da cessão das quotas de uma sociedade, sendo que existe uma especificidade na doação, que tem expressão na essência significativa do brocardo latino donatio non praesumitur[9], no sentido em que “[o]s negócios jurídicos gratuitos, no confronto com os negócios jurídicos onerosos, manifestam alguma ‘fraqueza’, consubstanciando posições objecto de uma protecção menos intensa, que tenderá a ceder face a negócios onerosos incidentes sobre o mesmo bem[10].

Todavia, a incompatibilidade irresolúvel entre a existência – rectius, a alegação da existência – de um mútuo e a contraposição a este de um negócio oneroso que exclui a obrigação de devolução do mesmo que foi prestado que caracteriza o mútuo, não deixa de trazer à colação, sem o acrescento interpretativo da tendencial prevalência do negócio oneroso sobre o gratuito, essa incompatibilidade estrutural e, consequentemente, a necessidade de recorrer, face à indemonstração de qualquer das versões contrapostas, a uma regra de decisão que permita ultrapassar o tal non liquet total, no quadro referencial da obrigação de julgar que se impõe aos juízes, mesmo em ambiente de dúvida final insanável (artigo 8º, nº 1 do CC).

Foi neste quadro – quer-nos parecer – que o Senhor Juiz a quo recorreu aqui ao enriquecimento sem causa, substituindo-o à regra de decisão que, ancorada no nº 1 do artigo 342º do CC, o levaria a ficcionar como demonstrada a tese dos RR., por indemonstração da tese do A.[11], fazendo aquela prevalecer sobre a tese do mútuo invocada pelo A., prevalência esta que conduziria, neste caso, a manter nos RR. a deslocação patrimonial efectuada pelo A., rectius a conservar o status quo ante à acção visado alterar pelo A.

2.2.1. Confronta-nos assim a decisão apelada com o sentido teleológico profundo de um instituto, o enriquecimento sem causa, de grande relevância na prática dos tribunais, dotado de uma vasta história – remonta ao direito romano[12] –, sendo indicado por Claus-Wilhelm Canaris como “princípio geral de direito”[13], sendo que o nosso Código Civil o enuncia, na sugestiva expressão de Luís de Menezes Leitão, “[…] como um princípio em forma de norma […]” no artigo 473º, nº 1[14]. Na doutrina portuguesa constitui obra de referência no tratamento do enriquecimento sem causa o trabalho deste último Autor, “O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil[15], que seguiremos de perto nas subsequentes considerações.

            Contém o mencionado artigo 473º, nº 1 uma cláusula geral cuja amplitude conduziria, na base da sua utilização indiscriminada, ao efeito perverso de colocar “[…] em causa a aplicação de uma série de outras regras de direito positivo”, facultando a interposição de uma acção exigindo a restituição do enriquecimento sempre que se reunissem os pressupostos directamente previstos na norma em causa: “a) existência de um enriquecimento; b) obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) ausência de causa justificativa para o enriquecimento”[16]. Como primeiro elemento de “contenção” da amplitude da cláusula geral, encontramos a chamada regra da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, constante do artigo 474º do CC, que afasta a “[…] restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. E, enfim, pensando na hipótese de pura e simples indemonstração da tese do autor, que invoca uma causa concreta para a atribuição patrimonial que alega ter efectuado ao réu, não deixamos de ver uma espécie de solução distinta do recurso ao enriquecimento sem causa, a existência da regra de decisão ancorada no artigo 342º, nº 1 do CC.

            Paralelamente a esta ideia de subsidiariedade, a própria evolução doutrinária da figura do enriquecimento sem causa, tem contribuído para uma maior precisão na definição do domínio de aplicação do instituto, quebrando, em certo sentido, o seu enquadramento unitário, através de um aprofundamento da caracterização das situações concretas que determinam uma obrigação de restituir, à luz de um princípio geral de afastamento do enriquecimento sem causa. Retratámos assim, grosso modo, a evolução dogmática do instituto, entre uma concepção dita tradicional ou clássica, denominada “teoria unitária da deslocação patrimonial”, e a concepção, decorrente dos trabalhos dos juristas alemães Walter Wilburg e Ernst Von Caemmerer, denominada “doutrina da divisão do instituto”[17]. Esta última, à qual adere expressamente Menezes Leitão[18], reconduz o enriquecimento sem causa a “[…] duas categorias principais, sendo uma delas relativa às situações de enriquecimento geradas com base numa prestação do empobrecido e outra abrangendo as situações de enriquecimento não baseadas numa prestação, atribuindo-se nesta última papel preponderante ao enriquecimento por intervenção”[19]. É no sentido das antecedentes considerações que Menezes Leitão sintetiza nas seguintes teses a construção dogmática do instituto do enriquecimento sem causa:
“[…]
1. A formulação unitária da cláusula geral do artigo 473º, nº 1 [do CC] esconde uma profunda diversidade estrutural entre as diversas categorias de enriquecimento, tendo os pressupostos do instituto cambiantes de sentido e relevo dogmático distinto em cada uma dessas categorias. Para além disso, são claramente diferenciadas as funções desempenhadas por cada uma das categorias de enriquecimento sem causa no âmbito do sistema jurídico.
2. Não é possível vislumbrar um fundamento específico comum às diversas categorias de enriquecimento sem causa, a não ser como referência a uma ordenação geral de compensação e equilíbrio, o que implica identificar a proibição do enriquecimento com o princípio suum cuique tribuere.
3. Esse princípio corresponde, no entanto, a uma simples ideia jurídica geral, com base na qual não é possível atribuir directamente uma pretensão de enriquecimento, o que leva à conclusão de que a norma do artigo 473º, nº 1, não é de aplicação imediata, tendo o caso concreto que ser integrado previamente numa das categorias de enriquecimento sem causa. […]
4. A cláusula geral do artigo 473º, nº 1 do [CC] apresenta-se como aberta, balizando um dos princípios do sistema jurídico, sendo aplicável no quadro de um sistema móvel, em complemento dos regimes de restituição, reembolso e indemnização previstos noutros institutos jurídicos.
[…]”[20].

            Ora, encarando a situação invocada pelo A. (emprestei dinheiro aos RR. e eles não o devolveram no prazo convencionado), como hipótese de Direito, na perspectiva do enriquecimento sem causa, só poderia estar em causa uma situação dita de enriquecimento por prestação. Com efeito, referindo-se esta categoria específica “[…] a situações em que alguém efectua uma prestação a outrem, mas se verifica uma ausência de causa jurídica para que possa ocorrer por parte deste a recepção dessa prestação”[21], constatamos ser basicamente deste tipo a situação aqui invocada pelo Apelado. Assim, sendo evidente ter ela na sua génese uma prestação do Apelado aos Apelantes, importará acrescentar que, nestas situações de enriquecimento por prestação, “[…] o requisito fundamental do enriquecimento sem causa é a realização de uma prestação, que se deve entender como uma atribuição finalisticamente orientada, sendo por isso, referida a uma determinada causa jurídica, ou na definição corrente na doutrina alemã dominante como «o incremento consciente e finalisticamente orientado de um património alheio»”, sendo que “[…] a ausência de causa jurídica deve ser definida em sentido subjectivo, como a não obtenção do fim visado com a prestação”[22].

Ora, é relativamente a este último elemento – a existência de um determinado fim para a realização da prestação que se frustrou – que reconhecemos na decisão apelada um enorme deficit argumentativo. De facto, na perspectiva do Tribunal a quo, para além do (não provado) mútuo, nada é referido que pudesse alicerçar, na perspectiva do A., a existência de uma causa em vista da qual teria sido realizada a atribuição patrimonial e em função da qual – em função da sua não verificação – possamos afirmar ter-se frustrado o sentido finalístico que presidiu a essa deslocação patrimonial, sendo certo que frustrar-se o fim da atribuição patrimonial é, como veremos adiante, coisa distinta de um fracasso argumentativo ou probatório relativamente à existência de um fim expressamente invocado. Note-se que para a transferência para os RR. do valor pecuniário que o A. afirma ter resultado de um empréstimo, adiantaram aqueles (os RR.) uma outra causa (uma outra explicação totalmente incompatível com a do A.): a cessão das quotas da sociedade.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “[a] obrigação de restituir pressupõe […] que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido”[23]. E, acrescentamos nós, não se diga que o suposto empobrecido fica, assim, onerado com a prova de um facto negativo, porque do que se trata é de provar a causa (que é um facto positivo) e, subsequentemente, que esta – e retornamos ao sentido da passagem citada de Pires de Lima e Antunes Varela – realmente não existia ou deixou de existir entretanto.

Daí que não colha trazer à liça o enriquecimento sem causa quando o autor nada consegue provar quanto à causa que invoca, ultrapassado que está o chamado “entendimento clássico do enriquecimento sem causa”[24], para atribuir ao autor o mesmo que lhe seria devido provasse ele a causa invocada. Este entendimento – o entendimento do Senhor Juiz a quo – esquece que o aprofundamento cientifico do instituto do enriquecimento sem causa já consolidou de há muito – e com recepção, entre nós, no artigo 473º, nº 2 do CC[25] – a ideia de que a restituição da prestação efectuada depende da incidência dos acontecimentos concretos na causa que presidiu a essa prestação: porque essa causa – e vamos enumerar aqui o que, constituindo verdadeiros “casos típicos” dessa ausência de causa, não deixam de ser reflexo da essência profunda do instituto nos termos em que o Código Civil o regula –, essa causa, dizíamos, não existia realmente, embora aquando da prestação se supusesse existir (condictio indebiti[26]); porque a visada ocorrência futura dessa causa se frustrou (conditio ob rem[27]); porque essa causa desapareceu posteriormente (condictio ob causam finitam[28]).

2.2.2. Referimos já no texto deste Acórdão constituírem realidades distintas a não verificação ou frustração da causa atribuída a uma prestação e a não prova, na dialéctica do processo, dessa mesma causa, importando agora justificar tal afirmação, que aqui se reitera e que entendemos não ter sido devidamente ponderada pelo Senhor Juiz apelado.

De facto, considerando-se que a antecipação argumentativa de que existiu uma causa para a realização da prestação, mas que esta se não verificou – rectius, que já não se verificava ou que se frustrou –, desencadeará, se provada, a obrigação de restituir o enriquecimento, por verificação da facti species interpretativa do artigo 473º do CC, já o mesmo não sucede quando a ausência dessa causa, e é o que aqui se passa, decorre de um non liquet da parte sobre a qual recai o ónus da alegação e da demonstração da existência dessa mesma causa. Neste último caso, a consequência de não se provar (ou de não se ter alegado) a causa de uma prestação não é a restituição desta por falta de causa, será, em princípio, no quadro da já mencionada “teoria das normas” (v. nota 7 supra), o accionar das chamadas “regras de decisão” – no caso, os artigos 342º, nº 1 e 516º, respectivamente do CC e CPC – próprias desse non liquet[29].

Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, do que aqui se trata não é de trazer à liça o enriquecimento sem causa investido do estatuto – que não lhe cabe – de regra de decisão, em situações de incerteza quanto à verificação da tese do autor e da tese do réu, mas sim de convocar as verdadeiras regras de decisão e, em função destas – e aqui vale como tal o nº 1 do artigo 342º do CC – proferir a decisão contrária à versão veiculada por quem deva suportar no caso o risco do non liquet, enfim, o risco da indemonstração da sua tese. Trata-se, pois, de encarar a já mencionada teoria das normas, que subjaz ao mencionado artigos 342º, numa “perspectiva objectiva”, ou seja a que respeita às “versões discutidas” e não às partes, determinando qual dessas versões é subjectivamente onerada com o encargo da sua demonstração e, em função disso, sobre quem recaem as consequências da indemonstração dessa versão, por ser a quem essa mesma versão aproveita[30].

Ora, aqui chegados, verificando nós – e isso é consensual na análise do caso concreto – que foi o A. quem afirmou ter existido um mútuo, não logrando demonstrá-lo, outra solução não podemos encarar como adequada que não fosse – que não seja agora neste recurso – a consideração da acção como improcedente, por indemonstração da tese do A., sendo indiferente que os RR. – também eles – não tenham demonstrado a sua tese, porque a regra de decisão aplicável, o artigo 342º, nº 1 do CC, postula, face à incerteza, a decisão contrária àquele que invocou um determinado direito (aqui o direito a reaver, por via da nulidade do mútuo, o que entregou aos demandados) e não alcançou a prova dos factos constitutivos desse direito invocado.

2.3. É essa improcedência da acção que nos cumpre afirmar, com a consequente absolvição dos RR. do pedido, deixando aqui como sumário algo muito próximo do já anteriormente resumido relativamente ao Acórdão desta Relação de 04/12/2007, sumário esse aqui praticamente repetido por total identidade de razão:
I – O enriquecimento sem causa, enquanto fonte obrigacional específica, pressupõe a existência de uma “causa justificativa” da deslocação patrimonial, sendo que só por referência à alegação desta causa se pode constatar a sua falta.
II – No caso do chamado “enriquecimento por prestação” do empobrecido, a obrigação de restituir assenta na efectiva inexistência, não verificação ou posterior desaparecimento da concreta “causa justificativa” que presidiu a essa prestação.
III – A “causa justificativa”, sendo um dos elementos integradores da obrigação de restituir decorrente do artigo 473º do CC, carece de alegação e prova dos respectivos factos constitutivos, especificamente dirigidas à produção desse efeito (restituição).
IV – A falta de prova da “causa justificativa” alegada implica, relativamente ao enriquecimento sem causa, o accionar, por ausência dos pertinentes factos constitutivos, das “regras de decisão” previstas no artigo 342º do CC.
V – Assim, o enriquecimento sem causa não traduz uma regra “residual” de decisão (não traduz sequer uma regra de decisão), que seja desencadeada, no que à obrigação de restituir respeita, pela indemonstração da causa de uma deslocação patrimonial, cuja invocação se dirigia a outro efeito (como seja a restituição de uma quantia mutuada).
VI – Nestes casos, invocação de ter existido um mútuo sem que se tenha logrado prová-lo, a acção improcede, sendo descabido determinar a restituição do que foi prestado aos alegados mutuários com base no suposto enriquecimento sem causa destes.


III – Decisão

            3. Assim, procedente que é a apelação, revoga-se a Sentença recorrida, determinando-se a absolvição dos RR. do pedido.

            Custas em ambas as instâncias a cargo do A.

Teles Pereira (Relator)

Manuel Capelo

Jacinto Meca


[1] Trata-se da data da propositura da acção, marcando esta a aplicação a esta instância do regime dos recursos resultante do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Todas as normas do Código de Processo Civil adiante indicadas pressupõem a redacção introduzida pelo referido DL 303/2007.
[2] Valeria, ao tempo dos empréstimos, a redacção do Decreto-Lei nº 343/98, de 6 de Novembro: escritura pública no mútuo de valor superior a €20.000,00 e documento assinado pelo mutuário no mútuo superior a €2.000,00.
[3] Disse-se a este respeito na Sentença:
“[…]

Não se provou a tese dos autores, ou seja, o empréstimo.

Mas também se não provou a tese dos réus.

Uma das fontes de obrigações que a nossa lei civil consagra é constituída pelas situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia. Diz o artº 473 do Código Civil que ‘aquele que sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou’.

A obrigação de restituir e a correspondente pretensão à restituição constituem uma forma de compensação instituída pela lei para certas situações que, embora formalmente conformes aos seus preceitos, conduzem a resultados de injusto enriquecimento substancialmente reprovados pelo direito.

A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento à custa alheia que o Código Civil actual consagra como princípio de carácter geral, quando no direito anterior e em muitas legislações estrangeiras vigentes, apenas aflora em alguns casos isolados e dispersos, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:

a) que haja um enriquecimento de alguém;

b) que o enriquecimento careça de causa justificativa;

c) que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial (v g recepção de prestação não devida, porque a obrigação nunca existiu ou já havia sido cumprida), outras numa diminuição do passivo (v g cumprimento efectuado por terceiro, na errónea convicção de estar obrigado a efectuá-lo), outras no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária (v g instalação em casa alheia) - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol I, 9ª edição pág 496.
[…]

Dado, porém, que a lei não define tal conceito e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados. - Ac RC 2.11.2010 procº 1867/08.0TBVIS.C1.

Para que haja obrigação de restituir é necessário que o enriquecimento contra o qual se reage careça de causa justificativa, ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.

A quem exige a restituição da quantia voluntariamente entregue a outrem, cabe o ónus da prova da falta de causa justificativa da atribuição monetária.

Por último para alguém se arrogar fundadamente o direito à restituição, é necessário que o enriquecimento tenha sido obtido à sua custa, a expensas dessa pessoa.

A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos, traduzir-se-á em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. A vantagem de um, deve resultar do prejuízo do outro, ou este provir daquela.
[…]

Cabendo ao autor que pede a restituição com base no enriquecimento da ré à sua custa sem causa justificativa, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do Cód Civil, o ónus de alegação e prova dos referidos pressupostos.

Designadamente, o ónus da prova da ausência de causa da sua prestação pecuniária, sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição. - Ac STJ de 2.7.2009 Pº 123/07.5TJVNF.S1
[…]”.
[4] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[5] Esta incidência – a circunstância do Tribunal ter feito apelo a um instituto jurídico não invocado pelas partes – não configura, em rigor, uma nulidade da Sentença por excesso de pronúncia ou por pronúncia indevida, sendo que podemos ver nessa opção, ainda, uma manifestação da regra contida no artigo 664º do CPC.
Note-se que o artigo 668º do CPC refere-se aos desvalores da própria sentença, enquanto documento de conteúdo vinculado e parâmetros definidos (valem, quanto àquele e a estes, as regras constantes dos artigos 658º e seguintes do CPC e o artigo 668º fixa a consequência da infracção destas regras), sendo coisa bem distinta desses desvalores a crítica ao conteúdo da própria decisão, enquanto acto de fixação dos factos e de aplicação (a esses mesmos factos) do direito. Na essência desta diferença se radica a distinção, por referência aos valores jurídicos negativos da sentença, entre inexistência jurídica e nulidade desta, por um lado, e, por outro lado, revogabilidade do respectivo pronunciamento (João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, III vol., ed. policopiada, Lisboa, 1978/79, pp. 307/312). Assim se afasta a linha argumentativa dos Apelantes construída em torno da nulidade da Sentença.
[6] Referimo-nos como teoria das normas à construção teórica que subjaz aos artigos 342º do CC e 516º do CPC. Tal teorização tem origem nos trabalhos do processualista alemão Leo Rosenberg (1879-1963), no início do Século XX, e já foi qualificada como “direito consuetudinário mundial”, assentando na consideração “[…] de que nenhuma norma pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos os seus pressupostos [, extraindo-se] daí que a recusa de aplicação sucederá tanto quando o juiz se convença da não verificação de um ou mais dos elementos da facti species (Tatbestand) da norma a aplicar, quanto quando o juiz não se convença quanto à sua não verificação. Quer isso dizer, então, que «a parte cuja pretensão processual não pode ter sucesso sem a aplicação de determinada norma jurídica suporta o ónus da alegação e da prova de que os elementos da facti species dessa norma se verificaram de facto na situação» […]” (Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova, Lisboa, 2000, pp. 18 e 43/44; importa sublinhar que este Autor expõe a chamada “teoria das normas” numa perspectiva crítica, caracterizando-a como inadequada a uma série de situações).
[7] No processo nº 862/05.5TBAND.C1, estando a referida decisão disponível no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/58c31baaec5ea61e802573b4003c09b8.
Sumário:

I – O enriquecimento sem causa, enquanto fonte obrigacional específica, pressupõe a existência de uma “causa justificativa” da deslocação patrimonial, sendo que só por referência a esta se pode constatar a sua falta.

II – No caso do chamado “enriquecimento por prestação” do empobrecido, a obrigação de restituir assenta na efectiva inexistência, não verificação ou posterior desaparecimento da “causa justificativa” que presidiu a essa prestação.

III – A “causa justificativa”, sendo um dos elementos integradores da obrigação de restituir decorrente do artº 473º do C. Civ., carece de alegação e prova dos respectivos factos constitutivos, especificamente dirigidas à produção desse efeito (restituição).

IV – A falta de alegação ou prova da “causa justificativa” implica, relativamente ao enriquecimento sem causa, o accionar, por ausência dos pertinentes factos constitutivos, das “regras de decisão” previstas nos artºs 342º do C. Civ. e 516º do CPC.

V – Assim, o enriquecimento sem causa não traduz uma regra “residual” de decisão (não traduz sequer uma regra de decisão), que seja desencadeada, no que à obrigação de restituir respeita, pela indemonstração da causa de uma deslocação patrimonial, cuja invocação se dirigia a outro efeito (como seja a restituição de uma quantia mutuada).
[8] Disse-se nessa ocasião (nesse Acórdão de 04/12/2007) que “[…] o cruzamento da invocação de um mútuo e de uma doação geram, nas hipóteses de indemonstração recíproca e dada a natureza de mútua exclusão que logicamente apresentam as duas alegações (se emprestei não dei, e vice-versa), uma situação complexa para a qual a solução normalmente aceite para as situações de incerteza, as ‘regras de decisão’ decorrentes da chamada ‘teoria das normas’, não constituiria na realidade uma resposta verdadeiramente satisfatória […]”. E acrescentou-se aí: “[f]ala-se a este respeito de ‘normas autónomas incompatíveis’, “[…] de que [seria] principal exemplo o caso de o autor alegar ter mutuado, pretendendo a restituição, e o réu opor ter ocorrido doação” (Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada…, cit., p. 46). Nestes casos, a doação não preencheria a ideia de contranorma, por não ser verdadeiramente um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do mútuo, prefigurando-se, tão-só, como elemento incompatível com ele, assente em factos constitutivos distintos (ibidem). A contranorma, no sentido em que este conceito seria operante para a teoria das normas, pressuporia a verificação nela (na contranorma) “[…] de todos os elementos da norma de base, acrescentando alguns outros, correspondendo a um «sim, mas»” (ibidem).
[9] Esta questão – confronto entre a indemonstração de um mútuo e a de uma doação contrapostas como explicações para uma deslocação patrimonial – é equacionada por Pedro Ferreira Múrias nos seguintes termos:
“[…]
Sem dúvida, será concebível em muitos casos de confronto de «normas incompatíveis» uma solução rosenberguiana mas a sua falta de fundamento, no sentido de que depende de um dado que lhe é estranho e pode ou não ocorrer – a admissibilidade substantiva do status quo –, aconselha um repensar de problemas antigos. Perante a exigência da restituição da quantia mutuada, a que se contraponha uma suposta doação, a falta de prova sobre se ocorreu uma doação ou um mútuo, porque institutos independentes nas suas previsões, levaria à absolvição do R. e, em caso de reconvenção, também à absolvição do autor. A reconvenção é supérflua, porque, de toda a maneira, o tribunal sempre ordenaria que se conservasse o estado actual. Note-se, todavia, que a decisão é, realmente, farisaica, pois o único apoio substantivo da não entrega seria a existência de uma doação, e essa, segundo a «teoria das normas», não pode igualmente ser tida em conta. O enriquecimento sem causa não ajuda o alegado mutuante, pois, na maioria dos casos, caberá ao credor provar «a ausência de causa», além de que, manifestamente, o pensamento dos artigos 473º e ss. é, nestas circunstâncias, um terceiro excluído, por ter ocorrido uma doação ou mútuo. A prisão às construções de Rosenberg impede, contudo, solução diferente da exposta.

[…]
A nosso ver, a solução do problema tem de passar por uma avaliação substantiva do status quo e da aceitabilidade da sua manutenção.
[…]” (Por Uma Distribuição Fundamentada…, cit., pp. 102/103).
[10] Sumário do Acórdão desta Relação de 26/06/2012, proferido pelo ora relator no processo nº 236/10.6T2VGS.C1, disponível no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9d4e4a9dd64f195680257a300051858.
Podemos falar a este respeito, configurando-se uma situação de colisão de direitos, de ponderação abstracta da situação com essa base: maior protecção ao acto oneroso com tendencial prevalência deste sobre o acto gratuito (v., sem se referir expressamente a esta situação, sobre a ponderação abstracta no quadro da colisão de direitos, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol I, Parte Geral, tomo IV, Coimbra, 2005, p. 392; de alguma forma era este o sentido do artigo 14º do Código de Seabra sobre conflitos de direitos: “[q]uem, exercendo o próprio direito, procura interesses, deve, em colisão e na falta de providência especial, ceder a quem pretende evitar prejuízos”).
[11] “No caso de um non liquet – portanto: de não se ter podido apurar, afinal, o que aconteceu, com referência aos factos em litígio – o juiz ficaria, na falta de outra regra, impedido de proceder quer à aplicação positiva, quer à negativa. Mas a decisão não pode ser omitida. O ónus da prova torna-se, nessa altura, numa norma de decisão do caso. E a decisão cairá contra quem, invocando os factos decisivos, não logre demonstrá-los “ (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, cit., p. 466).
Não obstante a perspectiva crítica que tem da “teoria das normas”, é adequado citar aqui a caracterização que faz Pedro Ferreira Múrias do conceito de “normas de decisão”: “[…] as normas do ónus da prova, em cuja facti species se encontra a incerteza processual sobre um elemento que preenchesse a previsão da norma material […, são] normas de decisão […], são «quanto à questão da [sua] eficácia», apenas um meio auxiliar da decisão de mérito que autoriza o juiz a decidir como se tivesse obtido um resultado positivo ou negativo quanto à verificação de certo facto, i. e., através da ficção […]” ( Por Uma Distribuição Fundamentada…, cit., pp. 62/63).
[12] V. Paul Jörs, Wolfgang Kunkel, Derecho Privado Romano, tradução espanhola da 2ª ed. alemã, Barcelona, 1937, pp. 354/357.
[13] Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Lisboa, 1989, p. 80.
[14] “O Enriquecimento Sem Causa no Código Civil de 1966”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III (Direito das Obrigações), Coimbra, 2007, p. 15.
[15] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil. Estudo Dogmático Sobre a Viabilidade da Configuração Unitária do Instituto, Face à Contraposição Entre as Diferentes Categorias de Enriquecimento Sem Causa, Coimbra, 2005 (a tese foi originalmente publicada pelo Centro de Estudos Fiscais em 1996). Constituem exposições condensadas desta obra o Direito das Obrigações deste mesmo Autor (Vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2005, pp. 383/456) e o Estudo citado na nota anterior.  
[16] “O Enriquecimento Sem Causa no Código Civil de 1966”, cit., pp. 15/16.
[17] Ob. cit. na nota anterior, pp. 17/19 e 22/27.
[18] Ob. cit. na nota anterior, p. 27.
[19] Ob. cit. na nota anterior, p. 22.
[20] O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, cit., p. 963.
[21] “O Enriquecimento Sem Causa no Código Civil de 1966”, cit., p. 28; cfr., do mesmo autor, Direito das Obrigações, cit., p. 395.
[22] “O Enriquecimento Sem Causa no Código Civil de 1966”, cit., p. 28.
[23] Código Civil anotado, vol. I, 3ª ed. revista e actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra, 1982, p. 427.
[24] “De acordo com a tradicional doutrina unitária da deslocação patrimonial, surgida aquando da elaboração do Código Civil alemão, a cláusula geral de enriquecimento sem causa institui uma pretensão geral de aplicação directa, bastando para tal única e simplesmente que se verificasse a detenção injustificada de um enriquecimento à custa de outrem” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit., p. 385).
[25] “O Enriquecimento Sem Causa no Código Civil de 1966”, cit., p. 29 (cfr., no mesmo sentido, Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil…, cit., p. 428).
[26] “[C]aso em que alguém realizava uma prestação na intenção de extinguir uma obrigação, mas se verificava a inexistência da dívida que o prestante visava solver, o que permitia ao solvens exigir a sua restituição” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit., p. 397).
Podemos ver uma aplicação prática de uma situação deste tipo na jurisprudência desta Relação no Acórdão de 04/10/2011, proferido pelo ora relator no processo nº 829/08.1TBCTB.C1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/cb4750e5858eb5688025792f00506d3.
Sumário:

I – O pagamento efectuado ao Fisco por um contabilista (não um Técnico Oficial de Contas) do montante do IRS liquidado a um seu cliente, visando impedir o prosseguimento de uma execução fiscal instaurada contra o mesmo cliente, traduz (tal pagamento do imposto por um terceiro) uma atribuição patrimonial indirecta efectuada ao devedor do imposto, dado que esse pagamento extingue a dívida fiscal objecto da execução.

II – Sendo tal pagamento determinado pela circunstância do contabilista estar convicto de poder ter sido uma omissão funcional sua (como contabilista do devedor) que originou a liquidação do imposto correspondente a essa dívida fiscal, funciona tal circunstância como causa da atribuição patrimonial realizada.

III – Se, posteriormente, vem a saber-se que essa mesma dívida resultou, em exclusivo, de uma causa totalmente distinta da intuída por quem realizou a atribuição patrimonial que extinguiu a dívida fiscal, essa atribuição fica sem a causa que a determinou, traduzindo o cumprimento de uma obrigação alheia na errada convicção de se estar obrigado a cumpri-la (artigo 478º do CC).

IV – Desencadeia esta situação uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa por prestação, na forma particular de repetição do indevido (artigo 476º, nº 1 do CC), configurando o chamado indevido subjectivo (artigo 478º do CC), gerando-se assim, para o devedor indevidamente exonerado, a obrigação de restituir o montante prestado pelo terceiro ao credor.
[27] “[A]lguém realizava uma prestação em vista de determinado efeito futuro, pelo que a sua não verificação lhe permitia exigir a sua restituição posterior” (ibidem).
[28] “[A] hipótese em que a causa jurídica da prestação realizada desaparece posteriormente à sua realização” (ibidem).
[29] Remetemos aqui para o texto da nota 12 supra.
[30] Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada…, cit., pp. 19/20.